O Mapa Cor-de-Rosa escrita por Melanie Blair
Notas iniciais do capítulo
Estou farta de vos pedir desculpas...
Despedi-me da Lynn. Não para sempre. Apenas um “Até logo” mais prolongado. Sabia que ali tinha encontrado (mesmo depois de episódios como a sopa de ratazana, os lençóis recheados de gafanhotos, os puxões e encontrões) uma amiga. Sabia que ali tinha aprendido várias lições de vida, muitas delas inesquecíveis (como, por exemplo, dar uma grande mexedela à comida antes de a pôr na boca). Dali, não importando o meu destino, trazia uma missão. Uma missão que pretendia, acima de tudo, ser bem-sucedida.
Despedi-me daquele edifício insípido que, invés de alívio por dali sair, trar-me-ia saudades e gargalhadas num futuro próximo.
Despedi-me do grupo de idiotas. Mais uma vez falei-lhes da quarentona que ainda precisa de companhia. Sorriram-me e desejaram-me boa sorte. Em resposta, apenas consegui um sorriso de agradecimento.
Respirei profundamente três vezes, especulando o que iria acontecer de seguida. Assim que me senti mais calma, não esperei mais, receando que o medo me tomasse novamente. Entrei.
Movimentei-me até ao banco do réu, de cabeça erguida, orgulhosa. Nada nem ninguém me podia tirar este orgulho, este sentimento de estar a fazer o correto. Sentia-me bem.
Mostrei um sorriso rápido a Christian. Não me demorei. Sabia que ele era bom a perceber o que estava por detrás das expressões das pessoas.
Percebi a confiança espectacular de Castiel. Só lhe faltava estender os pés sobre a mesa, combinando assim com o sorriso e os braços cruzados, para mostrar ao mundo que nada o abalaria.
Raúl não se mostrava muito diferente. A sua confiança era só um pouco mais contida que a do ruivo. Coisa que não era difícil. Desde que não dançasse em cima das mesas...
O juiz parou os meus pensamentos:
– Retomemos o caso. Declaro esta sessão aberta.- disse, batendo com o martelo.
– O júri já tem o veredicto decidido. – continuou.- É de enaltecer que se for considerada culpada, a menina Esmeralda terá de voltar, por tempo ilimitado, ao orfanato. Se for considerada inocente, tem permissão para continuar a sua vida na normalidade, se assim o desejar.
O representante do júri começou a levantar-se mas o juiz interrompeu-o:
–Porém, antes de ouvirmos a decisão do júri…A menina quer dizer alguma coisa?
Olho de novo para o meu irmão. De cada lado do meu irmãozinho encontrava-se Violette e Iris. Apesar de receosas e nervosas, apertavam as mãos de Christian, tentando transmitir, talvez a pouca, mas ainda assim alguma, coragem que tinham. Por tal, agradeci-lhes do fundo do coração. Ele ia ficar bem.
Mas o meu olhar deparou-se e deteve-se em Iris. Mostrava-se cansada, de olheiras na cara. E foi isso que me fez ter a certeza do que estava prestes a fazer. Ergui a cabeça e fitei o juiz:
– Sim, quero.- afirmei. Ouvi exclamações por toda a audiência.
– Prossiga, então.- autorizou o Meritíssimo.
– Quero autoproclamar-me culpada.- confessei. – Sou culpada por ter obrigado o meu irmão a roubar o presunto. Sou culpada por ter obrigado os meus amigos a irem contra o julgamento e a mentirem em tribunal.
Inspirei. Expirei. Continuei:
– Fui uma má irmã. Uma má tutora. Uma má amiga. Cometi um crime. Sinto-me mal com o que fiz e quero redimir-me.
A sala encheu-se de todo o tipo de barulho: desde gritos, dos mais histéricos, até aos sussurros, dos mais acanhados. Pouco ou nada se percebia do que diziam.
– Ordem no tribunal! Ordem no tribunal!- ordenou o juiz, fitando-me de seguida.- Tem a certeza do que está a dizer?
Acenei a cabeça, desistente.
– Se assim é…- concluiu ele, pegando no veredicto ameaçando rasgá-lo.
– Merda, espere!- gritou uma voz familiar. Não olhei para ele, não o conseguia fazer.
– Senhor Castiel, por favor, tenha cuidado com a linguagem. E faça o favor de deixar o seu advogado fazer o trabalho dele: falar por si.
– Para o carago com as asneiras e os advogados!- continuou o ruivo, visivelmente enfurecido.
– Castiel acalme-se, por favor…- pediu Faraize.- Isto de nada adiantará!
– Acalmar-me? Como posso acalmar-me? Ela está a condenar-se a uma sentença que não é sua para cumprir!
Faraize tentou, então, falar com o juiz:
– Senhor Meritíssimo, será que não há nada que possamos fazer…?
– Ela confessou.- respondeu ele.- O caso dá-se automaticamente como encerrado.
Assim que terminou, rasgou a sentença. A pouco e pouco, as mechas de papel caíram, uma a uma, no chão.
Quando o último pedaço de papel fez contacto com o solo, Raúl e o seu advogado vieram ter comigo, incentivando-me a segui-los:
– Vamos, querida.- disse Raúl, colocando as mãos na minha cintura.
Caminhei. Devagar. As pernas pesavam. O sangue parecia ter toda a angústia e dor que sentia, entupindo todo o canal por onde quisesse passar.
– É tudo culpa dele!- gritou Castiel, apontando para Raúl.- Ele fez algo. Têm que o parar!
Irado, o ruivo correu na nossa direção. Porém os guardas puseram-se no caminho, tentando pará-lo. Castiel deu luta, mas rapidamente foi imobilizado por cinco guardas com um soco na barriga.
– Se o senhor não se acalmar, teremos que o obrigar a sair da sala!- gritou o Meritíssimo.
– Esmeralda…- pediu o ruivo, sem ar.- Por favor, diz a verdade…
As lágrimas ameaçavam cair. Vê-lo assim, sem fôlego, machucado e derrotado, fazia arder o coração.
Christian aproveitou este momento de distração (da parte dos guardas) para saltar a vedação que o separava da defesa e correr ao meu encontro.
Ao vê-lo a chorar e a soluçar, não resisti. Ajoelhei-me e abracei-o. Vi, pelo canto do olho, o advogado de acusação a tentar separá-lo de mim mas, inesperadamente, o violador interrompeu-o, deixando-nos ter o nosso momento privado.
– Esme, por favor…- soluçou ele.- Vem para casa comigo…
Os braços dele, ao meu redor, assemelhavam-se a pequenos ramos ao vento: fracos e trémulos.
– Mana, eu prometo que me vou portar bem…- continuou ele.- Nunca mais ponho a língua de fora à tia…
Apertei-o mais contra mim.
– Chris, desculpa, desculpa.- disse-lhe.- Eu falhei-te.
– Diz ao juiz que é mentira…- pediu-me, ofegante.
Abanei a cabeça, mostrando que não podia.
– Mas e eu? Não sou importante?- perguntou-me.- Eu quero estar ao teu lado! Leva-me contigo!
– Não posso. E não quero.- disse-lhe.- Mas tu vais ficar bem. Tens tantas pessoas que gostam de ti, que se preocupam contigo…
– Eu só te quero a ti!- gritou-me.- És a única que me resta. A única que me compreende…
Afaguei-lhe o cabelo e, sem demoras, comecei a entoar a música que a minha mãe tocava quando eu fazia birras. Acalmava-me e acalma o meu irmão.
– Eu vou voltar.- assegurei-lhe.
– Prometes?- insistiu.
– Claro, chatinho!- prometi-lhe.
Ele, agora mais calmo, secou as lágrimas e deu-me um último rápido abraço:
– Volta depressa, sim?
Aí, sem esperar resposta, correu até Iris (que tinha vindo atrás dele).
– Eu tomo conta dele.- assegurou-me.
– Obrigada, Iris.
Olhei para Raúl e pedi-lhe mais um minuto. Cedeu, pouco satisfeito.
Preparei-me mentalmente e acerquei-me da pessoa mais furiosa entre todos os que estavam na sala.
– Não tinhas que fazer isto.- bufou ele.
– Tinha, Castiel.- disse-lhe. Quando vi que estava prestes a repostar, tapei-lhe a boca.- Queres mesmo discutir agora?
Virou-me a cara, ainda mais chateado. Aproveitei a oportunidade e dei-lhe um beijo na bochecha. Surpreendido, fitou-me.
– Obrigada!- agradeci-lhe com um sorriso. Tentei afastar-me, mas ele parou-me o movimento.
– Vou tirar-te de lá!- prometeu-me. Sorri-lhe novamente, sem saber o que dizer. Não queria que ele se envolvesse mais, não queria que ele se agarrasse ao impossível… Mas aquela réstia de esperança sabia tão bem… Deixei-me ser egoísta por momentos, até Raúl dar por terminado o minuto que me tinha concedido.
Ao sair do tribunal, não me sentia nada como esperava sentir-me. Não me sentia uma heroína.
Prometi algo ao meu irmão que sabia que não ia cumprir.
Não cumpri a promessa que fiz a mim mesma de nunca fazer o meu irmão chorar.
Criei espectativas do impossível a um homem adulto.
Olhei o céu. Só esperava que tudo isto valesse a pena.
Despedi-me, assim, da minha vida. Talvez para sempre.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Postarei depois do Natal. Espero. E não se preocupem, tudo isto terá um final feliz.