O Mapa Cor-de-Rosa escrita por Melanie Blair


Capítulo 19
Valor


Notas iniciais do capítulo

Novo capítulo meus "amoris"!
Este e o próximo capítulo centrar-se-ão na história de Lynn, a prisioneira que vos apresentei no último capítulo.
Agradecimentos:
À Sakura Uchiha que tão carinhosamente recomendou esta fic. Obrigada flor!
À Haruuno Sakura e à Kiara Tucci Rosetto que começaram a ler esta fic e já me deliciaram com os seus comentários!
À DarkTsuki que continua a ser uma leitora assídua!
A todos os leitores que, mesmo que não comentem, acompanham e apoiam-me!



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LYNN

- Pague já.

Vocês já tiveram um daqueles dias em que tudo o que podia correr mal corre? Hoje é um desses dias. Além de estar com uma daquelas gripes de verão horríveis, agora este parvo veio-me pedir dinheiro, de novo. O que pode piorar?

- Pague já ou será expulsa!- enalteceu o proprietário da casa.

- Eu já paguei.- repeti, entre mais uma rodada de tosse.

Aparentemente, este homem alega que eu devo a renda dos últimos dois meses. Está errado! Só pode estar! Sou a única que sei o quanto me tenho esforçado para, pelo menos, pagar o tecto que me mantém segura das imperdoáveis chuvas tropicais. Só eu sei quantas refeições não tenho tomado… Tudo para conseguir entregar, ao fim do mês, o montante que me é pedido.

- Faltam cerca de cem reais.- informou o pequeno bigode do proprietário.

- Como é que isso é possível?- questionei-o.

- A renda do seu compartimento aumento cerca de cinquenta reais por mês!

“O quê?”, pensei, surpresa. Como é que a renda ainda pude ficar mais cara?

- Afinal,- tentou esclarecer-me- cada luxo tem o seu preço!

Luxo? Recuso-me a designar aquele colchão antigo como tal. A minha casa de banho é composta apenas por uma bacia (função de sanita e banheira simultaneamente, fantástico!), por amor de Deus! Suponho que até o Rottweiler dele (que passa a vida a colocar clientes em cadeira de rodas) tenha uma mais respeitosa e cuidada casota.

Eu sabia qual a razão desta subida de preços. E não se devia ao meu desejo por inúmeros imóveis nem pela inflação nacional/mundial. Tudo isto era para me afastarem, me expulsarem (da maneira mais civilizada possível) deste lugar a que, aparentemente, não pertenço nem posso, alguma vez, pertencer. Onde eu, com os meus olhos em bico e a minha “pele amarela” realmente pertencemos: era aí onde eu teria que permanecer.

Eu sabia disso. Mas não podia voltar. Não até proporcionar à minha família a segurança e bem-estar que mereciam. A segurança e bem-estar que a nossa nação não proporcionava. A segurança e bem-estar que a China não proporcionava.

- Eu não tenho esse dinheiro.- confirmei.- Pelo menos, não agora.

As sobrancelhas do homem ergueram, como se se questionassem a verdade das minhas palavras. Como se procurassem algo de escondido por detrás dos meus olhos. Tal expressão não me agradava, de todo.

- Já me disseram essa muita vez, menina Lynn.- informou.- Conte-me outra desculpa.

- Conseguirei o dinheiro brevemente. - disse-lhe, enquanto questionava a razão de não gostar do tom de conversa dele.- Apenas peço mais umas semanas…

O proprietário, por momentos, pareceu-me confuso, indeciso acerca do correcto a fazer naquela situação. A questão deveria ser simples. Sempre lhe fui pontual, pagando as rendas quando era suposto. Deveria se apiedar de mim, pelo menos desta vez. Mas assim que ele fitou, demoradamente, a marca da minha raça, percebi aonde tudo isto ia acabar…

- Avancem rapazes.- ordenou aos seis homens que se encontravam atrás dele.

… Percebi que ele não concordava em ter alma piedosa para comigo.  

Sem permissão, os “rapazes” entraram no meu quarto.

- O que se passa?- perguntei, desconfiada. Tinha um mau pressentimento.

O proprietário não me respondeu, apenas me sorriu, sombriamente. Um arrepio trespassou a minha pele.

Não esperei mais. Aparentemente ninguém me iria explicar nada. Teria de ser eu a procurar as respostas a todas as minhas perguntas. Entrei pela porta que dava acesso ao meu território e assisti ao início de um pesadelo, o meu pesadelo. Os homens, como se se tratassem de uns saltimbancos profissionais, revistavam todos os espaços do meu pequeno abrigo, deixando um rasto de desordem por trás. Decepcionados (por alguma razão), obrigaram um deles a sair e a comunicar ao homem de bigode:

- Não há nada de valor, chefe!

- Passem à fase dois.- recomendou o “chefe”.

O pobre criado voltou a entrar, fez sinal e todos começaram a transportar os móveis para fora do quarto, um de cada vez, numa sequência desconhecida.

Tentei pará-los. Afinal estávamos a falar de objectos presentes na minha família à gerações. Coloquei-me à frente da porta, bloqueando a ultrapassagem da mesma.

Um dos “transportadores” percebeu a minha intenção. Percebeu que eu não iria sair dali, pelo menos não sem luta. Colocou o meu jarro da dinastia Ming no chão, seguro, e retirou-me, à força, do meu posto.  Debati-me, mas era ele que possuía os músculos. E como se este se guiasse pela lei do mais forte, prendeu-me os braços atrás das costas e fez ceder os meus joelhos, fazendo-me cair. Elevou a minha face e obrigou-me a assistir ao espectáculo que ainda se preparava.

Os restantes homens continuaram a sua missão, mobilizando todo o imobiliário. Assim que um era colocado à frente do proprietário, este dava o sinal, um acenar rápido de cabeça, e eles, divertidos, partiam, quebravam, arruinavam todos os meus pertencentes, todas as minhas memórias.

Procuravam alguma espécie de riqueza, algum objecto de valor escondido por entre os “fracos” móveis. Custou-me ver tudo aquilo que a minha família lutara e sacrificara para ter, destruído. Mas naquela situação, presa numa cela de braços, pouco ou nada podia fazer.

 Mesmo assim sorri. Sorri ao perceber que tudo o que os pertences podiam ter era, nem mais nem menos, valor sentimental. Duvido, de longe, que fosse esse o valor que eles procuravam. Sorria, assim, ao perceber que a minha vingança estava quase concluída: eles destruíam tudo o que tinha, mas, pelo menos, não ganhavam nada com tal acção.

Mas o meu sorriso não demorou a desvanecer. Assim que algo brilhante foi retirado do jarro, a minha expressão sofreu a colisão com um ângulo de cento e oitenta graus.

- O que é isto?- perguntou, retoricamente, o “chefe”. Na mão possuía um retrato numa moldura de prata.

Ao lembrar-me do que a pintura retratava, uma dor no peito fez-me perder o resto do pouco equilíbrio que ainda possuía.

- Por favor, isso não.- supliquei.- Levem tudo, excepto isso.

Era o retrato dos meus falecidos avós comigo, apenas com cinco anos. Os meus avós, uns heróis.

Actualmente era a dinastia Qing que controlava toda a China e, por vezes, todo o comércio asiático. Os meus familiares referem esta dinastia como “a mais suave”, mas eu nunca conheci outra. Para mim, esta é a mais severa de sempre. Como em todas as outras, temos um imperador arrogante e egocêntrico que pouco mais se preocupa com outros assuntos que não ele próprio. Assim não se importava em que guerra entrava, com quem entrava, quem o adversário, desde que ganhássemos a qualquer custo. O número de mortos, desalojados e desaparecidos apenas significavam o esplendor da vitória. A inflação e as crises eram apenas sacrifícios necessários para a ascensão do nosso país. O povo não consegue viver assim.

A Guerra Do Ópio tem sido estupidamente dramática para a população em geral. Os meus avós foram dos poucos que tiveram a coragem de erguer-se e afirmar o desejo de emigrar. Escondidos num barco de mercadorias, levaram-me consigo, a neta mais velha (logo mais responsável) para a entrada do continente-apogeu (o europeu): Sweet Amoris.

Mas eles foram demasiado lentos a abandonar o nosso esconderijo. Foram apanhados e deportados para a China. Fizeram-me prometer, durante a viagem, que se algo lhes acontecesse que eu continuaria a tentar arranjar maneira da minha família se reunir num lugar em que o governo não seja de tal forma egoísta. Isto já aconteceu há dois anos… E ainda não cumpri o meu prometido. Não tenho arranjado meios. Pelo menos não os meios que me ajudariam pelo dinheiro que tenho. Sempre por mais…

Os meus avós são o símbolo daquilo que me quero tornar: numa mulher forte, corajosa e alguém que não desiste. São eles que me mantém inteira num país estrangeiro. É por eles que ainda não regressei à China.

Preciso deles. Era aquela pintura o mais valioso objecto que algo vez eu possuíra.

- Por favor,- repeti.- Deixe-me o retrato.

O proprietário deliberou o meu pedido por momentos. Assim que uma ideia o abalou, sorriu. Retirou a pintura da moldura de prata e entregou esta última aos seus homens.

- Espero que seja prata verdadeira.- confessou.- Pagará as tuas dividas para comigo…

“E ainda ficará com muito dinheiro”, acrescentei, em pensamento. O bigode desceu e aproximou-se de mim.

- Suponho que este casal te seja importante.- começou.

- Muito.- admiti.

- Que bonito!- exclamou.

Voltou a sorrir e, sem retirar a expressão da cara, rasgou o retrato devagar. Uma e outra vez. Os pedaços caíram no chão, à minha frente. Gritei uma e outra vez. Debati-me de novo contra o homem que ainda me agarrava, sem efeito.

- Não acha que já aterrorizou em demasia esta pobre rapariga?- perguntou uma voz, enquanto espetava a arma contra a nuca do “destruidor de lares”.


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Notas finais do capítulo

Próximo...brevemente! Não sei é bem quando.
Além disso, tenho uma perguntinha: o que se passa com as leitoras que costumavam comentar todos os capítulos? Já não as "vejo" à séculos. Será que preciso de chamar alguém para vos encontrar, flores?



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