O Mapa Cor-de-Rosa escrita por Melanie Blair


Capítulo 1
Prólogo




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“Hoje, 25 de maio de 1949, fomos chamados até à mansão governada pela já idosa Esmeralda Thompson. Tinham-nos dito que o assunto era de devera importância. Mas a viagem de duas horas até à vila fez-nos pensar duas vezes antes de entrar para a charrete já antiga. A vida de uns pobres historiadores não é minimamente fácil!

A casa fica isolada do resto do mundo, se assim me permitem dizer. A rodeá-la permanecem hectares de floresta, nunca tocada pela mão humana. Mas o que mais me preocupa é a quantidade anormal de animais selvagens escondidos nos pinheiros, à espera de alguém sair da mansão.”

- O que estás a escrever, Kentin?- procurou saber o meu colega.

Não lhe respondi. Estava demasiado zangado com ele. Se me permitisse soltar a voz, esta revelaria o aborrecimento que senti ao percorrer todas as ruas à sua procura (o meu colega consegue ser um verdadeiro desafiador), para encontrá-lo agarrado a diversas cervejas e raparigas. Não o deixei ficar de ressaca, Senhora Thompson era a melhor cliente que tínhamos desde…provavelmente desde sempre! Não poderíamos deixar escapar esta oportunidade!

- O que estás a escrever, Kentin?- repetiu ele, cortando, de novo, o meu raciocínio.

Controlei a voz, através de seguidas inspirações e expirações, antes de replicar:

- Temos que entregar este relatório pela manhã de amanhã, Dakota. Apenas estou a adiantá-lo.

Continuei a escrevinhar no papel.

“A mansão fora construída perto de 1915, o que a deveria deixa, neste momento, num estado não muito apresentável. Porém, não é isso que se sucede. A senhora Thompson é considerada exigente e não deixa que o pó se acumule nos móveis.” 

A charrete travou.

- Parece que chegámos. Deixa a escrita para outra altura.- aconselhou-me Dakota.

Ao sairmos do veículo, vimos a entrada protegida por cerca de vinte criados e mordomos, vistos a rigor para a nossa presença. Um deles aproximou-se de nós e disse:

- A senhora está à vossa espera. Venham por aqui, por favor.

Olhei, antes de entrar pelo portão de alumínio, a vasta parede que se erguia- a mansão de tons brancos contrastantes com as vastas janelas pintadas de cortinas verdes. Uma mulher encostada à varanda do segundo andar (dos quatro que a casa tinha) seguia todos os nossos passos, todas as nossas palavras, todas as nossas respirações, de perto. Não lhe reconheci o rosto.

Entrámos.

Seguimos o mordomo pelos decorados corredores, que seguiam, ao pormenor a arte neoclássica. Parei ao observar o buste de um homem. Este tinha na sua mão um barco. Toquei no objecto, inquirindo-me onde já tinha visto aquela nau.

- Por favor, tenha cuidado.- recomendou o mordomo.- Esse foi o dono desta casa- o meu mestre.

O uso do pretérito perfeito inquietou-me. Esmeralda era viúva. Rezei baixinho uma prece pelo homem da nau e voltei a segui-los até entrar num escritório. Uma mulher estava sentada, e atrás dela erguia-se uma varanda.

Assim que nos avistou, ergueu-se com um sorriso. Fiquei estupefacto. Tenho que admitir, para quem tem perto de setenta, aparenta ter quarenta anos. A face sem rugas, os olhos verdes límpidos e vivos, os lábios vermelhos cheios e os cabelos ainda pretos aspiraram uma auréola de confiança e alegria à sua volta. Porém, o vestido de cavas vermelho que usava, transparecia, assim que lhe emoldasse o corpo, uma ideia totalmente diferente: a ideia de alguém magro, enfraquecido.

E como sempre, Dakota fez um comentário inapropriado:

- Quem me dera tê-la conhecido há trinta anos atrás…- pisei-lhe o pé, envergonhado. Esmeralda não se apercebeu da nossa pequena conversa e continuou com os seus afazeres.

- Boa tarde meus senhores. Lamento ter-vos incomodado, mas tenho um pedido egoísta que não pode ser adiado.- apontou para as cadeiras à frente da sua secretária- Façam favor de se sentar. A conversa será longa.

Assim o fizemos. Depois de nos termos apresentado, ela tirou um saco de veludo da gaveta e abriu-o, mostrando-nos um livro.

- Este diário tem informação pessoal e algo embaraçosa. Mas também contém informações preciosas para o vosso ramo: a História.- começou- Devo dizer-vos que é o único vestígio que restou da última dinastia do nosso país.

Era verdade. Toda a informação da última dinastia de Sweet Amoris tinha desaparecido com a grande guerra. Todas as pinturas, todos os quadros, todos os testamentos, tinham sido queimados para aquecer os soldados.

- Obrigado.- disse Dakota, preparado para ter o diário em suas mãos.

Esmeralda apertou-o contra o seu peito.

- Calma rapaz.- aconselhou ela- Ainda nem comecei.

Respirámos fundo em sintonia.

- Este diário contem toda a história dos dois últimos reis. A verdadeira história.

- O que quer dizer com “verdadeira”?- interrompi-a.

- O que vocês sabem deste período não corresponde à verdade. O vosso conhecimento veio de testemunhas republicanas que detestavam a monarquia. Essas pessoas acharam melhor a geração futura pensar que os reis eram os “monstros”, uns “bichos papões” que não se importavam com ninguém a não ser eles próprios.- disse- Bem, eu não desejo isso. Eu quero que o mundo saiba a história por detrás da inquebrável monarquia.

- Acha que vamos deitar ao lixo tudo o que aprendemos e ouvir um conto de fadas?- perguntou Dakota. “Directo”, pensei, “Estás a ser demasiado directo, Dakota”.

- Rezo para que isso não aconteça!- começou ela.- Espero que os vossos conhecimentos vos ajudem a perceber melhor a verdade. E além disso,- hesitou- a minha história já foi chamada de muitos nomes, mas nunca de “conto de fadas”.

- E porquê dar-nos o seu diário agora? O diário é o relato de uma vida. A sua ainda não acabou, portanto…- comecei eu, até ela me interromper.

- Eu já escrevi o meu final.

Aquilo abriu-nos a curiosidade. “Que fim daria ela à sua própria vida?”

- Estão aí descritas ao pormenor todas as informações que precisam. E aqui têm um montante generoso por me terem ouvido e o resto utilizem para espalhar a minha história.

Despediu-se de nós.

- Foi um prazer falar com vocês. Espero que dêem uma oportunidade à verdadeira história de Sweet Amoris.

Depois de fechar a porta, Dakota disse-me:

- Dá-me o diário.

Ele começou a folheá-lo.

- O que estás a fazer?- perguntei-lhe.

-Quero saber o fim.

Não pude contestar àquele desejo. Até eu estava curioso.

Pois ali estava, na última página, em letras garrafais:

“Querido diário, chegou finalmente o dia. O dia de hoje ficará gravado na história- como o começo de uma batalha. Uma batalha pela verdade, uma batalha pelo retomar dos bons velhos tempos. Porém, a tristeza continua presente no meu coração. A angústia de saber que não estarei presente para ver tudo aquilo que prevejo.

Tive uma vida demasiado longa. Vi e vivi demasiado. Assisti à dureza das guerras mundiais. Assisti à crua república, que tinha mais sonhos do que realidades. Assisti às censuras e ao salazarismo. Assisti à substituição dos campos por máquinas, fábricas. Assisti a crises e pestes. Assisti à minha velhice. Assisti à morte daqueles que me eram queridos. Assisti à morte dele- tu sabes de quem falo. Já to descrevi tantas vezes, já o imaginei demasiadas vezes.

Esta vida não me sacia. Assim, quando os historiadores tiverem-te consigo, matar-me-ei. Quero estar o mais perto dele mesmo na morte. Por isso, serei morta da mesma maneira que ele.

Daqui a pouco estaremos juntos de novo.

Adeus e obrigada por tudo e por todo este tempo.

Sempre tua,

Esmeralda”

Depois de lermos isto, corremos de volta ao escritório. Ela não seria burra ao ponto de se matar, pois não?

Eu e Dakota olhámo-nos antes de abrir a grande porta. Incentivei-o a abri-la.

No meio do escritório, Esmeralda Thompson jazia morta. Na sua mão estava uma pistola.

- Ó Meu Deus!- exclamei.





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Notas finais do capítulo

Com esta, o Chamamento de Sangue, a música, o ténis e as aulas, fico sem saber quando postarei o próximo capítulo.

Até já espero receber comentários (pelo menos um).