Perfect escrita por KaahEvans


Capítulo 3
Motivos idiotas


Notas iniciais do capítulo

Olá, meninas! :)
Eu sei que demorei, mas já expliquei meus motivos né? Tô sem internet! Que castigo :(
Mas, ok. Vou tentar postar o próximo o mais rápido possível e quero que vocês colaborem mandando reviews e recomendações :)
Curtam o capítulo!



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Eu só preciso de algo afiado. Qualquer coisa afiada.

Era a única coisa que minha mente era capaz de processar hoje. Eu não sabia que horas eu havia saído da escola. Não sabia que horas eu havia chegado em casa. Não sabia quantos cortes eu havia feito em mim mesma. Não sabia que horas eu havia desmaiado, nem quanto tempo fiquei desmaiada. Não sabia quanto tempo eu seria capaz de aguentar.

Peguei a gilete que estava largada no chão, manchada com sangue seco de hoje mais cedo. Meu sangue. Afundei o pequeno objeto prateado em minha pele e logo as sensações tão conhecidas por mim voltam a me tomar.

Sinto um alivio tão grande, consigo finalmente relaxar e finalmente esquecer a dor que há segundos atrás me consumia. E então, aquele torpor que eu tanto almejava se foi. Assim, de repente, como se o sopro do vento o levasse para longe de mim.

As lágrimas vieram à tona e começaram a escorrer de meus olhos. Agora que eu estava sozinha podia me permitir chorar, mas nem as lágrimas aliviam minha dor mais. Elas já fizeram efeito, um dia. Mas foi há tanto tempo.

Peguei uma pequena toalha que eu já havia separado para esse propósito. Limpar meu sangue. Eu precisava fazer algo para estancar o sangue que estava vertendo de meu braço.

Quando não havia mais sinal de sangue, deitei-me em minha cama e fiquei encarando meu braço completamente marcado.

“Fraca!” uma voz em minha mente gritou a palavra como se para me punir por ter cometido esse ato – que eu nem mesmo era capaz de controlar mais – outra vez.

 Por que eu precisava fazer algo assim para sentir alivio por apenas alguns momentos? Por que eu não conseguia controlar isso? Por que só assim me sinto bem? Na verdade, eu não sei dizer. Apenas sinto necessidade, uma vontade muito forte, incontrolável. Basta ficar triste para que me venha à mente a gilete guardada no fundo da gaveta, junto com meu caderno surrado que eu usava como diário, ou como livro do desabafo, como eu cismava em chamá-lo.

Sinto como se a lâmina me chamasse, me atraísse até ela. E então, quando eu percebia, já estava fazendo meus cortes.

Hoje eu fiz dez cortes, eu revezei cinco para cada pulso. Eram grandes, mas não tão fundos como eu desejava. Eu queria que doesse cada vez mais, que perfurasse minha carne, que a dor me purificasse. Que o sangue me absolvesse. A dor que eu sinto me transtorna, me faz ter ódio de mim mesma...

Continuei encarando as cicatrizes. Inúmeras. São grandes, feias. Elas precisavam de pontos, mas eu não fui ao hospital para fazê-los e nem iria. O que diriam, afinal? Que eu era louca? Ou que eu estava possuída? Talvez dissessem as duas coisas.

Braços, pernas, pulsos, coxas, e até uma – menor que todas as outras – em minha mão. Estava ficando um pouco difícil de escondê-las, mas quem iria reparar? Quem iria se importar?

- Bella? – ouvi a voz de Charlie me chamar no andar de baixo.

Rapidamente peguei meu casaco e o coloquei. Segurei a lâmina com cuidado enquanto jogava a toalha suja de sangue em baixo de minha cama. Guardei a gilete no fundo de minha gaveta novamente e desci para ver Charlie.

Surpreendentemente, ele não estava bêbado hoje. Isso era bom, eu dormiria sem apanhar hoje novamente, mas não significa que eu dormiria sem dor.

A “brincadeira” que os garotos de minha escola fizeram ainda girava em minha cabeça e a vontade de vomitar voltava toda vez que me lembrava de meu rosto colado por cima do rosto daquela mulher. Eu não entendia o porquê de eles serem tão cruéis comigo. Eu não entendia o tipo de prazer doentio que eles sentiam em machucar os outros. Em me machucar, na verdade.

Prazer doentio. Isso era tão familiar para mim.

- Ei, Charlie. – anunciei minha chegada timidamente. Eu estava tão acostumada com o “Charlie bêbado” que não sabia como me portar perto do “Charlie sóbrio”. – Eu estava indo fazer o seu jantar.

Charlie me avaliou com os olhos por um momento e logo depois sorriu levemente para mim. Eu nem me lembrava que Charlie podia fazer algo tão humano como sorrir.

- Tudo bem, Bella. Eu acho que você merece um descanso por hoje. – apenas por hoje? – Eu vou pedir uma pizza para nós, você prefere algum sabor?

Balancei a cabeça negativamente e o observei caminhar até a cozinha para ligar para a pizzaria. Trinta minutos depois a pizza já estava aqui. Charlie a colocou na pequena mesa que ficava na cozinha e se sentou em uma das cadeiras de madeira. Eu fiquei parada próxima ao balcão sem saber o que fazer. Charlie já estava se servindo um enorme pedaço com as mãos mesmo, e eu apenas o olhava.

- Sente-se aqui, querida. – querida? Eu com certeza não era!

Charlie era realmente uma pessoa estranha, mas não completamente incomum. Eu já havia pesquisado sobre pessoas como ele antes. Ele era quase como eu. Sentia-se sufocado e tinha a necessidade de fazer algo para aliviar o que ele sentia por dentro, ou tentar esquecer, mas pelo visto, esquecer estava fora de questão.

As únicas diferenças entre Charlie e eu, eram que em vez de cortes para esquecer, Charlie bebia. E em vez de machucar a si mesmo para aliviar a dor, Charlie machucava a mim.

Sentei-me e peguei apenas uma fatia, mesmo assim a engoli forçadamente. Depois que terminei de comê-la, voltei a observar Charlie.

Eu não o odiava pelo que ele fazia a mim. É claro que não. Ele era meu pai, afinal de contas, não importa o que ele fazia comigo, eu jamais poderia odiá-lo. Mas eu também não o amava. Como eu poderia depois de tudo o que ele fez e continua fazendo comigo? Ele sim me odiava. Eu tinha total certeza disso, mas quando ele estava sóbrio, fingia muito bem. E isso também doía. Ele fingir que se importa. E eu nem mesmo entendia o motivo pra ele fingir.

- Não vai comer mais? – balancei a cabeça outra vez.

A voz dele era quase irreconhecível, seu rosto parecia pelo menos dez anos mais jovem sem a carranca que eu já estava habituada. Eu já havia esquecido que Charlie era um ser humano como qualquer outro. Esse era o principal motivo de eu não odiar Charlie: ele era humano.

Um motivo idiota? Talvez. Mas eu já fiz tantas coisas por motivos idiotas. Tantas coisas que eu vou me arrepender pelo resto de minha vida. Coisas que deixarão marcas em mim para sempre. Mas eu também era humana e como todo ser humano, eu cometia erros. Charlie também cometia erros. Eu jamais poderia julgá-lo sem saber o que se passava dentro dele.

- Como foi na escola hoje? – Charlie perguntou.

Olhei para cima surpresa. Ele realmente perguntou como foi meu dia na escola? Por que ele fez isso? Curiosidade, educação, falta do que dizer ou ele realmente se importava? Eu optei por acreditar que ele só perguntou por falta do que dizer. Era mais seguro acreditar nisso.

- Foi bom. – menti. Eu mentia tanto nos últimos anos que já parecia convincente.  

- Bom? Não é o que os jovens normais costumam dizer sobre a escola. – ele riu.

Será que Charlie ainda não percebeu que eu não era uma jovem normal?

Esperei ele terminar de comer e quando ele disse que não queria mais, guardei a caixa de pizza na geladeira, tomei um remédio para a dor em meu corpo e subi para meu quarto novamente. Deitei em minha cama e fechei os olhos esperando o remédio fazer efeito. Eu sabia que não adiantaria muita coisa. O remédio somente aliviaria a dor física. A emocional continuaria a me atormentar pelo resto de meus dias.

Eu não queria mais permanecer acordada, mas também não queria dormir. Quando eu dormia o tempo passava rápido, rápido demais até, e logo eu teria que acordar e voltar para a escola. Eu não sabia se eu seria capaz de suportar isso. Suportar ver todos eles rindo as minhas custas sem quebrar bem na frente deles. Eu não sabia se eu era forte o suficiente.  

Eu chorei como eu fazia todas as noites antes de dormir.

Logo eu senti a exaustão tomando conta de mim e eu fui levada para a melhor parte de meu dia. Um sonho onde minha vida era completamente diferente do que realmente era me embalou nessa noite chuvosa e fria. E por algumas horas eu me esqueci do pesadelo que eu teria que encarar quando acordar.  


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Notas finais do capítulo

E aí, ficou bom, estranho, confuso, ruim? Me contem o que acharam! Beijos e recomendem a fic *-*