Sessenta segundos é pouco tempo, mas o suficiente pra que todos eles visitassem minha mente. Pai, mãe, irmãos, amigos todos vieram e deixaram sua parte de saudade. A próxima a vir é Prim e vejo nos seus olhos o medo de perder a irmã. É engraçado como todos os meus pensamentos me levam até a Katniss.

Katniss como eu queria te abraçar bem forte agora, te arrancar daqui, te esconder de tudo isso. Queria correr esse jogo ao teu lado e afastar qualquer sinal de perigo. Mas não vou fazer, não posso. Você é o alvo dos Carreiristas, a morte que eles mais vão esperar, tenho que mantê-los longe de você, tenho que ser um deles. Talvez essa seja a única chance que temos, digo temos porque sem você não há vida pra mim.

Eu olho pra Katniss, na esperança de que meu olhar transmita cada um dos meus pensamentos sobre ela, mas ela não olha pra mim, seus olhos estão fixos na Cornucópia, mais precisamente em um arco e flechas prateado. Será que ela pretende correr pra lá? Mas Haymitch nos disse... Não importa o que Haymitch nos disse, ela vai correr pra lá, ela é teimosa, e pelo que sei não vai se contentar sair dali sem nada.

Eu a encaro mais uma vez, e quero a incomodar com meu olhar, ela precisa me olhar de volta. E é isso que ela faz, então eu balanço a cabeça e digo Não.Não vai.

O gongo soa.

E por questão de instantes sinto como se tudo parasse a minha volta. Quando caio em si, estou correndo o mais rápido que posso em direção a floresta. Ouço gritos, e o tilintar de metais. Armas já se chocam, alguns tributos já alcançaram Cornucópia, o banho de sangue havia começado.

Olho pra trás, já há muitos caídos no chão cobertos por sangue, outros ainda lutando por sua vida.

Katniss disputa uma bolsa com um garoto, até que ele é atingido por uma faca nas costas e cai morto. Vejo a direção de onde a faca veio, Clove a garota do 2 a lançou, ela é ótima , quase nunca erra.

Katniss é o próximo alvo. Uma jorrada de adrenalina corre sobre meu corpo e o instinto de proteger Katniss me domina, corro ao encontro dela sem pensar em mais nada, tento gritar, mas a voz não sai. Estou muito longe, não vou chegar a tempo de fazer nada. Clove lança a faca. Katniss está correndo de costas, a faca finca em sua bolsa e ela continua correndo em direção à floresta. Clove não a segue.

Nesse jorro de impulso eu voltei um bom pedaço, e estou praticamente no banho de sangue, não tenho nada em mãos. Procuro algo próximo a mim, encontro um pequeno canivete e um pacote de biscoito. Me abaixo e pego, sinto então algo bater em minha costela e caio de costas. O garoto do 6 vem correndo ao meu encontro , ele lançara seu machado de longe , mas pra minha sorte tinha uma péssima mira , e só um pedaço do cabo havia pegado em mim. Tento me levantar e correr, mas a dor é excruciante. O garoto se joga em cima de mim, e aperta meu pescoço, seus olhos brilhando em raiva e dor. Estou perdendo o ar, ele é forte.

Reúno as forças que eu tenho e o tiro de cima de mim, ele cai de lado, eu dou um soco em seu nariz, o sangue jorra pelo seu rosto e em minhas mãos, ele esta desnorteado. Pego o machado que ele lançou ainda caído próximo a mim, e corro o mais rápido que posso pra floresta. O coração disparado em meu peito.

Já estou bem adentro da floresta, minhas pernas doem, minha garganta está seca.

Sinto o sangue seco do garoto em minhas mãos. Eu não o matei, não tive coragem.

Enquanto caminho ouço os tiros de canhão. Onze no total. Onze sonhos a menos, onze fôlegos de vida tirados. Onze famílias chorando suas perdas.

Mas para Capital não passou apenas de onze peças a menos no seu jogo.

Um desses tiros pertence ao garoto. Alguém terminara o que eu não tive coragem.

O cansaço toma conta de mim. O lugar onde estou é fechado por árvores altas e bem próximas umas das outras, posso me esconder aqui por um tempo.

Repenso tudo que aconteceu nessas últimas horas. Quase botei tudo a perder. Fui ao encontro da Katniss, sabendo que não conseguiria alcançá-la, por sorte minha voz falhou, se os Carreiristas me ouvissem gritando o nome dela ia ser bem mais difícil me unir a eles. Me enfiei no meio do banho de sangue e quase perdi a vida. Aqui na Arena as coisas são extremas, um passo infalso e fim.

Me recosto sobre uma árvore e abro os ouvidos . Não há ninguém por perto. Ouço o canto de um pássaro, e logo depois mais outros cantos se unem a ele. Um ótimo lugar pra se perder em pensamentos e relaxar, se isso fosse possível é claro. Mas algo maior em meio ao canto dos pássaros toma minha atenção. Um barulho suave. Água corrente.

É tudo que eu preciso agora, água. Devo estar próximo ao lago, ou de uma nascente. Preciso encontrar essa fonte.

Me levanto e deixo ser guiado pelo som .Caminho com cautela. Pode ser que eu não seja o único nessa região. O barulho aumenta à medida que caminho.

Então um grito agudo corta o ar.

Escondo-me atrás de uma árvore, e ouço vozes não muito longe de mim .

– Não. Por favor, não me mate.

Prendo a respiração e espio por detrás da árvore. Vejo uma garota caída de joelhos suplicando pela sua vida, e os Carreiristas cercando-a .

– Deixe-me juntar a vocês.

– Hahaha. Juntar a nós, e o que você tem a nos oferecer? Você não é nada, uma fracote. - Cato diz, e os quatro outros riem.

Aperto os meus punhos para manter o controle, minha vontade é de ajudá-la, mas não tenho chance, não adiantaria de nada.

– Glimmer , é a sua vez - uma garota morena diz , acho que ela é do distrito 4.

– Pode deixar querida, farei com muito mais estilo que você - Glimmer , a garota loira do distrito 2 responde , provocando a outra Carreirista .

Os Carreiristas se mantêm juntos, mas eles têm uma rivalidade entre si, sabem que uma hora a aliança tera de ser rompida. Houve um dos anos que uma das Carreiristas levantou na madrugada e matou dois dos seus companheiros, só sobrou ela e dois fortes concorrentes do 5 , e do 7 .

Mas estranhamente ela acabou sendo morta por ursos. Acredito que a Capital vingou a covardia. Ironia não?

Glimmer se aproxima da garota que suplica em meio às lágrimas e com a maior frieza, corta o pescoço dela com a faca. O canhão soa. Ela se foi.