Finding a Dream escrita por Loren


Capítulo 29
Aviso


Notas iniciais do capítulo

haaai (:



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Sua garganta estava seca, mas sentia a língua fofa como algodão quando encostava no céu da boca. Abriu os olhos lentamente, sentindo a cabeça mais pesada que o normal e todo o resto do corpo latejando a cada mínimo movimento. À sua frente, uma criatura com as patas acorrentadas e uma fina luz saindo de algum canto superior iluminando os cascos imundos. Estava deitada sobre um chão sujo e que emanava um fedor repugnante. Seu estômago se revirou, mas não havia nada para colocar para fora. Levantou o tronco do corpo com esforço e quando encostou as costas na parede, os fios loiros e encardidos atrapalhavam sua visão. Assoprou-os para longe e fitou seu companheiro de cela.

Era um fauno. Tinha os cabelos castanhos encaracolados, uma barbicha que acabava fazendo uma volta no fim, o peitoral à mostra e um cachecol vermelho sobre os ombros. Tinha a pele limpa, os pelos escovados e a expressão suave. Sorria, de forma amável e amparadora.

–-Bom dia, senhorita Irina.

–-Quem é você?- ela perguntou em um murmúrio rouco e grave.

–-Não importa quem sou, senhorita, mas quem você é. Ou no que era.

–-O que?- ela perguntou, confusa.

Terríveis pontadas atacavam suas têmporas. Sentia o corpo fraco e mal tinha forças para mexer as mãos. Sua respiração acontecia em um processo lento e ofegante. Havia algo que apertava sua cintura. Quando baixou o olhar, viu uma parte do vestido avermelhado e um pano que contornava sua cintura, sobre o ferimento. Antes branco, o pano se encontrava imundo de sangue. Ela engoliu em seco.

–-Onde está o Sr. Urso?

O fauno apertou os lábios e relaxou os ombros. A sombra que passou por seus olhos, respondeu a pergunta da loira.

–-Ah meu Deus...- ela murmurou, antes de deixar a cabeça cair no colo e desatar a chorar.

Seus soluços eram o único som que soavam na cela escura e abafada nos minutos seguintes. Quando suas mãos machucadas de cortes e sujas de sangue e sujeira descobriram o rosto, este estava vermelho e inchado. As lágrimas caíam pela camada de poeira, deixando seus rastros visíveis. Seus lábios tremiam e sentia o mundo desabar em seus ombros. Ou sobre seus pés. O fauno esperou a loira terminar de chorar e deixar que o que sobrasse, fosse apenas um olhar longíquo e perdido para o corredor do outro lado das grades.

–-Quem é você, Irina?- ele voltou a perguntar.

–-Já não sei mais...- não sabia mesmo.

O único amigo que havia conseguido fazer em dias e no lugar que esperava que fosse seu lar, estava morto. O seu medo, o seu temível medo que conviveu por toda sua vida e que amou em poucos segundos, havia a deixado sozinha.

–-Sinto muito por seu amigo.- ele disse e ela não fez movimento.- Ele está em um lugar melhor agora. Acredite.- ela apertou os lábios.- Todos os narnianos que morreram ontem à noite, estão em um lugar melhor.

–-Como pode ter tanta certeza?!- ela gritou, encarando-o. Ele sorria, afável.

–-Apenas acredite em mim.- ele pediu.

–-É um pouco difícil de se acreditar em algo quando se conhece a natureza do mundo.- ela disse com voz amarga.

–-Não culpe outra pessoa pelo erro que cometeram contigo. Não despeje sua raiva em uma pessoa somente porque a outra lhe fez mal. Não culpe a natureza pelo o que o homem faz.

–-Ah, o que queres de mim?!

–-Quero seu bem, senhorita. Acredite.- ela desviou o rosto.- Agora, me diga, quem é você, Irina?- ela suspirou.

–-Não sei... Desde que cheguei em Nárnia... Me perdi...- ela confessou.

–-Descobriste um lado teu que jamais pensou que teria, correto?- ela assentiu.- Esse lado não é tão ruim, Irina. Ele lhe pode ser útil, mas não pode deixar que ele domine sua alma.

–-Alma? Todavia tenho uma?

–-A alma e a fé, são as únicas coisas que um ser pode ter na vida e que jamais será tirada de si.

–-Lamento, mas não possuo fé alguma.

–-Por quê?

–-Não há mais motivos para se ter...

–-A fé é algo que não precisa ter motivos para se crer ou explicar para que exista. Apenas tem que senti-la.- ela manteve-se em silêncio.- Não perca a sua. Se perdê-la, perderá sua alma. A fé que tu possuías era tudo que preenchia tua alma. Ela é pura, doce e amável. Não deixe que ela se vá.

–-Ela não se foi ainda?

–-Não. Ainda está aí. No fundo, tu ainda acredita que há esperança. Que tudo vá ficar bem. E sabe, senhorita- ele se aproximou e sorriu-, está certa.

–-Mas... Eu me sinto tão perdida...

–-Não sou eu que devo terminar esta conversa.- ele voltou a se escorar na parede.- Só vim aqui, porque outra pessoa não poderia, para lhe dizer: tudo vai ficar bem. Ainda pode ter esperança, senhorita. Acredite.- ele repetiu.

As palavras do fauno entraram pelos seus ouvidos e penetraram por suas veias, trazendo uma espécie de calma e paz que há tempos ela não sentia. Permitiu-se sorrir de volta. Apenas um leve puxar dos lábios. Sua cabeça rodou e sentiu um cansaço atingir seu corpo.

–-Volte a dormir, senhorita. Será um grande dia.- ela deixou a cabeça cair para trás e tentou lutar contra o sono que vinha a cair sobre suas pálpebras.

–-Qual... Seu nome?- ela perguntou antes de fechar os olhos. Ele sorriu.

–-Pode me chamar de Tumnus, senhorita.

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Acordou com o som da cela se abrindo e ao abrir os olhos pela segunda vez no dia, só viu a parede à sua frente, nua, sem nada ou ninguém a acompanhando. Aos pés desta, escondido baixo a palha que servia como forro de cama para os encarcerados, um tecido vermelho se encontrava solitário e quase imperceptível. Os guardas soltaram as correntes dos pulsos e dos tornozelos da loira. Levantaram-a tão facilmente quanto levantar uma criança do berço.

–-Para onde levaram o fauno?- foram as únicas palavras que saíram da sua boca naquele momento.

Ainda se sentia zonza e a voz era um sussurro longíquo.

–-Que fauno, garota? Foi posta nesta cela sozinha desde ontem!- praguejou o guarda e a arrastou para fora.

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Lúcia aproximou-se da Mesa de Pedra em silêncio e observou o olhar distante do irmão mais velho, na gravura do leão desenhada na parede. Estava imóvel desde o acontecimento de alguns minutos atrás. E pensar que ele quase havia colaborado com a volta da Feiticeira Branca. Sentia-se cada vez mais perdido, porém, depois de ter visto o olhar gélido da antiga inimiga, percebeu a quem era leal. E percebeu o quanto havia sido egoísta e rude. Ela sentou ao seu lado, apenas para fazer companhia. Quando uma pessoa entende o que a outra sente, não é preciso de palavras. Apenas a sua presença ali, já acalma a alma tormentada. Mas o loiro falou, sem que a pequena esperasse tal ato.

–-Tem sorte, sabia?

Ela o olhou estranhada.

–-Como assim?

–-De tê-lo visto.- e acenou em direção ao leão.- Eu só queria que... Ele tivesse me dado algum tipo de prova.

–-Talvez é nós que tenhamos que dar alguma prova.- ela disse e sorriu para o leão.

Antes que o irmão pudesse falar algo mais, o irmão mais novo apareceu, com uma expressão séria, preocupada e parecia até mesmo um pouco afobado.

–-Pedro.- ele disse e não tirou a mão do cabo da espada. Estava nervoso.- É melhor vir logo.

–-Ah, Edmundo!- ele o chamou, antes que o moreno saísse do recinto.- Me... Desculpe. Por Irina. Eu...

–-Não se preocupe, Pedro.- já não havia mais raiva em seus olhos castanhos, apenas tristeza.- Já passou. Já se foi.

Enquanto subiam as escadas para fora da coisa, Edmundo apertava os lábios e tentava concentrar a mente no perigo que rodeava o refúgio. A sensação de não poder mais ouvir tal voz, ver tais olhos e sentir tal pele, era angustiante e desesperadora. Sua vontade era gritá-la para todos os lados e voltar em busca de tal corpo, mas de que adiantaria? Tal corpo, não possuía mais tal alma. Alma pela qual no fim, não queria ficar sem. Alma pela qual, queria que o acompanhasse até o fim. Seja ele qual fosse. Ao sentir a luz do dia bater-lhe na face, abanou a cabeça e concentrou todas suas forças e atenções, no exército de telmarinos que marchava em direção a coisa, armados de espadas, bestas, cavalos, escudos e catapultas. Havia mais de seis batalhões da infantaria e dois da cavalaria. Narnianos gritavam aterrorizados com a surpresa! E o loiro... Sentiu o mundo cair em seus ombros.

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–-Acorda!

Ela não fez movimento.

–-Vamos, garota! Acorda!- o telmarino chutou a perna da garota.

Ela abriu os olhos lentamente, sentindo as pálpebras mais pesadas que o normal. Pelos seus ouvidos barulhos metálicos, relinchos de cavalos e passos excessivos entraram como abelhas à procura do urso que roubou seu mel. À sua frente, um telmarino jovem, de pele branca e olhos cinzas, observava divertido seu estado. De fato, não havia nada de belo. Estava destruída. Os olhos inchados de tanto chorar, os lábios ressecados sem provar água, a pele sem cor, os cabelos desgrenhados e sangue seco pela extensão da roupa rasgada em vários lugares. Quando tentou mexer o braço, não o sentiu. Ao baixar os olhos, percebeu que estava atada à uma árvore. Ela se remexeu mais, pouco se importando com as risadas céticas do telmarino.

–-Daqui algumas horas vai ser solta para beber e comer, garota, mas agora, comporte-se e fique aí, quietinha, entendido?

–-Maldito...- ela grunhiu e se aquietou.

–-O que disse?- ele perguntou se agachou frente a ela.

Ela cuspiu em seu rosto e recebeu de volta como uma bofetada.

–Comporte-se.-ele disse em voz grave e baixa, antes de sair e deixá-la a mercê da solidão.

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Ao longe, um gigante, um centauro e um rapaz de cabelos negros se aproximavam, com as armas guardadas e um galho com folhas verdes em mão. Sinal de paz. O rei oservava tal ato curioso com a luneta.

–-Talvez planejem se render.- comentou o capitão, esperançoso ao lado do superior.

–-Não.- ele respondeu e abaixou a luneta.- São nobres demais para isso.- admitiu com raiva, estendeu a luneta para o capitão e voltou para a tenda.

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Do lado de fora, o centauro e o gigante cuidavam da entrada como cães de guarda, enquanto seu rei, recitava as palavras de desafio escritas pelo irmão e propostas pelo príncipe telmarino.

–-Eu, Pedro, por graça de Aslam, por eleição e por conquista, Grande Rei de Nárnia, Senhor de Cair Paravel e Imperador das Ilhas Solitárias, para evitar o abominável derramamento de sangue, por meio desta, desafio o usurprador Miraz uma única luta no campo de batalha. A luta será até a morte. A recompensa será total rendição.

Após o fim do aviso, Miraz mantinha a expressão neutra e calma com todo esforço possível, mas seus olhos brilhavam de raiva. O moreno não deixou esse detalhe passar, mas se risse do estado do homem à sua frente, desencadearia uma batalha sem volta. Enrolou o pergaminho e esperou as palavras do inimigo, ditas de forma lenta e tediosa.

–-Diga-me, Príncipe Edmundo...

–-Rei.- corrigiu o rapaz.

–-Desculpe, como é que é?- perguntou o telmarino confuso e surpreso.

–-Ah, é Rei. Só Rei. Pedro é o Grande Rei.- explicou este como se explica uma criança a passar manteiga no pão, mas os homens continuaram com a mesma pergunta no olhar.- Eu sei... Que é confuso.

O rei e o um dos conselheiros ao lado trocaram um olhar, mas não insistiram no assunto. O rei abriu as mãos como se estivessem limpas e fosse óbvio as palavras a seguir.

–-Por que arriscar tal empreitada se nossos exércitos vão exterminá-los até o cair da noite?

Edmundo correu o olhar pela tenda e para a floresta afora.

–-Você já não subestimou demais nossos números?- o rei pareceu incrédulo.- Digo, uma semana atrás, os narnianos estavam extintos.

–-E vão ser extintos de novo.- declarou, como se fosse uma profecia.

–-Então deve ter pouco a temer.- retrucou o moreno, sorrindo de canto.

O rei jogou a cabeça para trás e deixou uma risada irônica ecoar na tenda. Somente ele ria. Edmundo sentiu um leve calafrio subir pela nuca, mas manteve-se estático.

–-Não é uma questão de bravura.

–-E por bravura se recusa a duelar com um espadachim que tem metade da sua idade?- provocou o moreno.

O telmarino deixou que o sorriso convencido sumisse aos poucos, levou o corpo para a frente e apoiou os braços na mesa, fitando o olhar assassino e desafiador para o moreno.

–-Eu não disse que recusava.- este disse com pausa entre as palavras proferidas.

–-O senhor terá nosso apoio, majestade.- disse um dos conselheiros.- Seja qual for a decisão.

–-Senhor, sozinha nossa vantagem militar já fornece a desculpa perfeita para evitar o que pode ser...

O rei levantou-se e em um ato rápido, pegou a espada e somente não a deslizou no conselheiro por não ser apropriado tais modos para um rei. Em sua voz havia raiva e determinação.

–-Eu não vou evitar nada!- ele declarou.

O conselheiro se encolheu, mas podia-se ver um brilho malicioso no olhar e um sorriso de canto, tentando apaziguar os nervos do rei.

–-Eu só quis assinalar que meu rei está dentro do direito de recusar.

–-Sua majestade nunca se recusaria.- disse o capitão, que observava a cena de longe. Parecia ser o único seguidor realmente leal e verdadeiro do seu superior.- Ele aprecia a chance de mostrar às pessoas a coragem do novo rei.

O moreno percebeu tal confiança na voz do homem e por um momento, sentiu respeito por este não temer demonstrar seus princípios. Virou-se e fitou o telmarino à sua frente

–-Você.- disse e apontou a espada para o peito do rapaz.- Torça para que a espada de seu irmão seja mais afiada que a pena.

Este, sorriu. Afinal, o plano havia dado certo. Conseguir tempo para que as irmãs encontrassem o Leão e pudessem clamar por ajuda, antes que tais exércitos massacrassem narnianos de alma pura.

–-Agradecido.- ele disse e fez uma breve referência.

–-Mas antes!- disse Miraz e voltou a se sentar.- Eu tenho uma proposta para você, Rei Edmundo.

–-Pois não?- ele perguntou, cauteloso.

–-Creio eu que reconhece aquela garota.- ele disse e apontou para um lado.

O moreno virou o rosto para a esquerda e sentiu o coração falhar por alguns segundos. Atada nos pés de uma árvore, tão pálida e magra como nunca havia visto, estava ela. Destroçada e abandonada, mas lá estava. Quis correr, soltá-la e abraçá-la. Quis correr, sacudir seus ombros e fazê-la abrir os olhos para saber se não era uma ilusão. Quis correr, acalentá-la em seu peito e tomar seus lábios uma vez mais. Quis tudo, mas quando viu um dos telmarinos aproximando-se e jogando um prato de comida que respingou em seu rosto, o ódio dominou o sangue em suas veias outra vez. Por um lado, acalmou-se em ver que os olhos verdes todavia enxergavam nervosamente, como era de seu costume. Por outro, o tratamento que o guarda lhe dava fez com que o estômago gelasse.

–-Solte-a.- ele ordenou, em um murmúrio.

–-Perdão, como disse?- disse Miraz, sorrindo cético.

–-Solte-a!- ele gritou e levou a mão a cintura, mas deteve-se no cabo da espada.

De qualquer forma, tal ato não escapou aos conselheiros e ao rei que se levantaram e tinham postos suas armas. O moreno abaixou a cabeça e levantou as mãos.

–-Desculpem-me. Eu me exaltei.

–-É comum quando se vê uma donzela em perigo, não?- perguntou o rei, voltando a sorrir.

–-O que quer para deixá-la livre?- perguntou o moreno, sentindo um nó na garganta.

–-Uma troca.- o moreno levantou uma sobrancelha.- A garota, pela rendição.

Sua garganta secou. Os conselheiros voltaram a se sentar e Miraz continuava fitando-o, com seu sorriso falso. O rei narniano o mirou com todo ódio que possuía e suspirou.

–-Não. O duelo continua.- o sorriso do telmarino se desfez e este caiu na cadeira.

O moreno assentiu mais uma vez e saiu da tenda. Não que o desejo de tê-la outra vez fosse pequeno, mas o tempo que passou como rei em Nárnia lhe ensinou uma coisa: pequenos sacrifícios devem ser feitos, para grandes bençãos recaírem. Encontrou-se com o gigante e o centauro e apenas com um olhar, deu-se a entender que era hora de partir. Antes, olhou para trás e gravou na memória a loira encolhida, recebendo alimento como um animal.

–-Tiveste muita coragem, majestade.- uma voz grave soou e quando ele olhou para cima, viu o centauro a observá-lo com admiração e interesse.- Poucos teriam tido tanto auto-controle como o senhor.

–-Admito que começo a me arrepender, centauro.

–-Não se preocupe majestade. Aslam não deixará que seu ato seja em vão.- disse e virou-se para continuar a trilha para a coisa.

Uma última olhada e com os pés pisando firme de volta, os punhos cerrados e os olhos verdes brilhando em sua mente, ele amaldiçoava sua alma e pedia, no silêncio que sufocava sua alma confusa e machucada.

Me perdoe, Iri...

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Notas finais do capítulo

espero que tenham gostado.
bye (:



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