Holoceno escrita por Halina


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Aqui está o link para a música mencionada na fic: http://letras.mus.br/bon-iver/1891109/



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Holoceno

   Eram sete e vinte e três da noite do dia 24 de dezembro de 2022, quando recebi um bilhete da Rose dizendo que seu coração estava partido. Eu hesitei por cerca de seis segundos, então pedi para o meu pai se podia usar a lareira de pó de flu do escritório dele. Papai discursou por setenta e três segundos sobre como pó de flu era um meio estúpido de se viajar antes de dizer que eu tinha que estar de volta para a ceia de natal, do contrário mamãe ficaria furiosa. Ele não me perguntou aonde eu ia, mas eu entendia que para ele eu poderia ir e voltar do Japão, desde que isso não o afetasse diretamente e eu não fosse assassinado, sequestrado, assaltado ou todas essas coisas ao mesmo tempo. Então ele não demonstrou emoção nenhuma quando eu disse “A Toca” antes de jogar o pó sobre minha cabeça.

   Meu pai diz que eu sou estranho, hiperativo e definitivamente irritante, mas minha mãe me ama, então com o tempo ele acabou se acostumando a me amar também. Eu não acho que ele se importa mais com o fato de a minha melhor amiga ser uma Weasley e o meu melhor amigo ser o caçula dos Potter. Bem, ao menos não se importa o suficiente para tentar nos separar ou algo do tipo. No fundo, penso que ele ficou até orgulhoso quando levei Albus Potter para jantar na nossa casa, como se a presença daquele garoto magricela de cabelos negros em desalinho pudesse livrá-lo de todos os crimes que cometeu no passado. Eu não acho que Albus pode livrar alguém de um crime, ainda mais se levarmos em conta que ele recebe mais detenções por mês do que qualquer aluno desde que Fred e George Weasley deixaram Hogwarts.

   Mas este não é o ponto. Eu tendo a me desviar disso que chamei de “o ponto”, não por uma razão específica, mas porque meu pai está certo ao afirmar que sou estranho, hiperativo e irritante. De qualquer forma, o ponto é que há oito meses e dezessete dias eu descobri que estou apaixonado pela minha melhor amiga. A mesma melhor amiga que me escreveu na véspera do natal para dizer que seu coração fora partido, mesmo que fosse cientificamente impossível ela ter escrito qualquer coisa se isso realmente tivesse acontecido. É por isso que sei que estou apaixonado por ela: eu não dou a mínima para as impossibilidades da ciência quando se trata de Rose. Então eu fui atrás dela, porque acreditei que seria capaz de ajudá-la a remendar os pedaços do seu coração. E, talvez, lá no fundo, eu tivesse a esperança de pegar um pedaço dele escondido e guardar em mim, então eu teria uma parte de Rose assim como ela me tinha por inteiro.

   Rose também faz com que eu fique ligeiramente poético e incrivelmente sentimental. Uma vez, escrevi para ela vinte e oito poemas em apenas uma hora. Quatro dos poemas terminavam com “para sempre”, sete deles continham a frase “eu acordaria ao seu lado”, em quinze deles eu a comparava com uma rosa do jardim da Mansão Malfoy e em vinte e oito deles eu usei a palavra “amor”. Queimei todos os poemas, porque eles eram péssimos. Depois sentei na minha cama e fiquei olhando para o teto, decidido a nunca mais escrever um poema e a nunca, absolutamente nunca, dizer à Rose como eu me sentia com relação a ela.

   Eu só esperava que ela percebesse sozinha em algum momento. Como quando eu larguei tudo por causa de um bilhete, mesmo sendo a véspera do natal e mesmo eu sabendo que iria ouvi-la chorando por causa de um cara que não era eu. Mas é claro que as coisas não são tão claras para os outros como são para a gente. Eu não podia exigir que Rose soubesse do meu amor, apenas porque eu tinha certeza dele.

   A Toca estava lotada, como era de se esperar. Diferente da minha família, os Weasley têm o hábito de se reunir em um único local em datas comemorativas. Eu saí pela lareira da cozinha, onde a Sra. Weasley e mais duas mulheres que eu não conhecia cozinhavam com empenho. Assim que me viu, aquela a quem Rose e Albus chamam de vovó Molly abriu um sorriso gigantesco para mim e perguntou se eu iria passar o natal com eles.

   —Não, eu só vim ver a Rose — foi a minha resposta.

   —Ah, claro — ela assentiu, compreendendo. — Ela está no andar de cima, chegou aqui com os olhos vermelhos e inchados e subiu sem falar com ninguém. Acho que ela gostará de vê-lo, Scorpius querido.

   Acenei com a cabeça, cumprimentando as outras duas mulheres que estavam ali, e saí. A sala estava apinhada de gente, e todos os olhares recaíram em meu rosto assim que entrei. Mesmo eu já tendo ido para lá com Albus e Rose exatamente sete vezes, eles ainda não haviam se acostumado com um Malfoy sob seu teto. Eu os compreendia, é claro, mas não podia deixar de me sentir desconfortável. Albus então levantou do sofá onde estava sentado, se destacando dos demais, e andou até onde eu estava, me cumprimentando com um abraço. Eu não gostava muito de abraços, mas Albus era um tanto quando obcecado por eles, então eu já desistira de tentar me esquivar. Perguntei se ele sabia onde Rose estava e ele disse que ela estava no primeiro quarto do corredor do terceiro andar. Agradeci e subi as escadas, sem esperar que mais alguém fosse educado e resolvesse me cumprimentar. Eu não tinha muito tempo, minha mãe ficaria realmente furiosa se eu me atrasasse para a ceia de natal. Além do mais, eu estava começando a ficar muito agitado, como acontecia quando sabia que iria ficar a sós com Rose.

   Sequei as palmas das minhas mãos no meu sobretudo preto antes de bater duas vezes na porta do quarto onde Albus disse que Rose estaria.

   — Quem é? — uma voz embargada perguntou.

   — Sou eu — foi minha única resposta. Eu gostava de dizer apenas “sou eu” e esperar para ver se a pessoa me reconheceria pela minha voz. Obviamente, Rose reconheceu.

   Ela abriu apenas uma fresta da porta e colocou o rosto para fora. Dizer que seus olhos estavam vermelhos e inchados fora um eufemismo da Sra. Weasley, parecia que as veias ao redor dos seus olhos explodiriam a qualquer momento. Apesar de toda a tristeza e desespero que aquilo transmitia, não pude deixar de notar o quão belas suas íris azuis pareciam, mergulhadas no vermelho. Eu queria dizer muitas coisas, mas a única coisa que saiu da minha boca foi:

   — Você sabia que, na escala de tempo geológico, estamos no Holoceno, que se iniciou com o fim da última era glacial? Vendo por esse ângulo, estamos na mesma época em que os Dodôs foram extintos, embora eu tivesse acreditado durante muito tempo que eles haviam sido extintos na pré-história. Mas alguns estudiosos acham que não estamos mais no Holoceno, e sim no Antropoceno. Eu prefiro estar no Holoceno.

   — Holoceno é o nome da minha música favorita — foi a resposta de Rose. Sua voz quebrou quando ela disse a palavra “holoceno” e soou fraca demais em “minha”.

   — Eu sei — eu disse.

   E então ela abriu a porta por completo e me abraçou. Fiquei feliz com isso, porque eu queria muito abraçá-la e, principalmente, porque era óbvio que ela precisava de um abraço. Desses abraços de amigos, desses que nenhuma das duas pessoas quer se soltar, então ficam paradas e abraçadas até algum músculo ficar rígido. Bem, talvez não existam muitos abraços assim, talvez fossem só os nossos. E eu sei que disse que não gosto de abraços, só que eu não mencionei que quase tudo em Rose são exceções para mim. O shampoo da Rose é de morango, mas ela gosta de usar um hidratante que tem um cheiro doce e suave que só pode ser sentido quando se chega bem perto e porque ela não usa perfumes. Rose fica extremamente pequena quando é abraçada, mesmo que sejamos quase do mesmo tamanho e que eu saiba que há toda uma imensidão em seu interior. A textura de Rose não é a de uma pétala de rosa, ao contrário do que um dos poemas dizia, a textura da Rose é da textura da Rose e ponto. O único momento em que não sinto vontade de beijá-la é quando nos abraçamos, porque eu me lembro o quanto um beijo poderia estragar toda a nossa amizade e o quão inofensivos são os abraços (para ela, pelo menos).

   Quando nos afastamos, percebi que Rose voltara a chorar. Seu rosto estava molhado e havia uma única lágrima presa entre seus cílios inferiores. A lágrima caiu quando ela piscou e sorriu um sorriso fraco, mas verdadeiro.

   Naquele momento, mais do que nunca, eu quis que ela adivinhasse. Meu amor, digo. Eu queria que ela adivinhasse para que pudesse finalmente confessar. Será que estava tão claro em meu olhar quanto estava claro em meu peito? Será que meus olhos gritavam “eu amo você mais do qualquer coisa”? Eu acho que eles gritavam, acho até que minha voz nunca seria capaz de gritar tão alto quanto meus olhos, mas Rose nunca foi muito boa com sentimentos que diziam respeito a ela.

   Ela me puxou para dentro do quarto, o qual tinha três camas e estava cheio de colchões dispostos no chão, e fechou a porta. Contei oitenta e cinco plumas espalhadas pelo chão, as quais eram de um travesseiro rasgado aos pedaços por Rose, suponho. Então Rose suspirou e disse:

   — Por que você sempre vem quando eu chamo?

   Aquela era outra chance para ela adivinhar. Adivinhar que a resposta era “porque eu te amo” em vez de um simples dar de ombros. O meu dar de ombros fez Rose suspirar novamente, ela gostava de suspiros e eu sabia que era porque eles proporcionavam uma curtíssima sensação de alívio, como se todo o peso que ela sentia em suas costas pudesse deixá-la junto com o ar.

   — Bem, obrigada — ela disse. — Você não faz ideia do quanto sua presença melhora as coisas.

   Sorri para ela, me sentei em uma das camas, aquela onde o travesseiro rasgado estava, e fiz sinal para que ela ocupasse o espaço ao meu lado. Enquanto Rose andava até onde eu estava, prestei atenção nos movimentos que os cachos de seu cabelo ruivo faziam.

   — Quem partiu seu coração? — perguntei assim que ela se sentou. — Marcus?

   — Não. Fui eu.

   Franzi o cenho para ela. Rose se apressou em se explicar:

   — Eu não sei se você sabe, provavelmente sim já que é o meu melhor amigo, mas eu estava com o Marcus apenas por conveniência. Porque ele parecia o cara quase certo no momento quase certo. E ontem eu decidi que chega disso. Decidi que eu não posso perder o meu tempo com alguém que eu não amo e não posso fazer com que ele perca o tempo dele também, simplesmente não posso. Pensando assim, ontem terminei com Marcus e ele não pareceu sentir muito por isso, nós dois estávamos cansados um do outro. E por quase um dia inteiro eu senti um imenso alívio. — Ela falava rápido, mas com o tempo eu adquirira a habilidade necessária para ouvir Rose, de modo que não foi um problema acompanhar seu discurso. — Então eu soube o que eu tinha que fazer. Porque eu tinha que fazer alguma coisa. E parti o meu próprio coração porque não posso. E ele ainda está partido, porque eu não gosto do meu coração o suficiente para concertá-lo e deixá-lo apresentável.

   — Como eu posso ajudar? — perguntei seriamente.

   O olhar que foi dirigido a mim era triste e desesperançoso.

   — Eu... Eu não acho que você pode, Scorp. Sinto muito por ter feito você vir até aqui por nada. Você deveria... ir. É, você deveria ir embora agora.

   Eu não queria ir. Em situações normais, eu protestaria e diria que era óbvio que eu não iria, não antes de ter certeza de que fizera algum bem para ela. Mas aquela não era uma situação normal, eu podia sentir que a minha presença não era desejada, não mesmo. Quando Rose me disse para ir embora, soou quase como se ela estivesse implorando. Ligeiramente desnorteado, levantei e caminhei até a porta do quarto. Quando minha mão segurou a maçaneta, um pensamento me ocorreu:

   “E então eu soube que não era grandioso.”

   Era uma frase da música favorita de Rose, a única que eu entendia na realidade. E eu pensei em como, na maior parte do tempo, tudo o que eu sentia por Rose caia sobre mim de uma maneira tão intensa que eu me sentia insignificante. Mas eu queria ser significante. Eu queria ser tão grandioso quanto o meu amor por ela. E foi por isso que me virei novamente para a garota ruiva sentada em uma das três camas de um quarto repleto de colchões e plumas e disse:

   — Eu amo você, Rose. De verdade. Mais do que como amigo. Você disse que o seu coração está partido hoje, mas o meu está partido todos os dias e eu não me importo. Eu não me importo mesmo. Porque a dor de não ter você é tudo o que eu tenho de você, no fim das contas. Você pode fingir que eu não disse isso e continuaremos sendo amigos como sempre fomos. Mas você deveria saber. — Não adivinhar, pensei sozinho, mas saber. — Eu amo você.

   E foi isso. De repente eu estava livre, não precisava mais ficar desejando que meus olhares dissessem tudo. E, por mais assustado que eu tivesse, fiquei satisfeito com a minha coragem. Acho que era toda aquela coisa de ser véspera de natal, eu me sentia um tanto dado à declarações conforme o natal se aproximava.

   Rose estava boquiaberta. Eu não achava que ela fosse dizer alguma coisa e, sinceramente, não queria fazê-la passar por toda aquela parte constrangedora que era explicar o motivo de não se sentir da mesma forma. E não queria fazer a mim mesmo passar por aquilo também, então abri a porta de uma vez e caminhei para fora. Contei cinco passos antes de Rose me alcançar, segurar firme o meu braço e exclamar:

   — Espere! — encarei-a nos olhos, eu bem que tentara facilitar as coisas para ela, mas se ela queria dizer que sentia muito e coisa e tal, eu ouviria. — Eu acho que exagerei ao dizer que o meu coração está partido. Ele só não é mais meu. — Houve uma longa pausa. — Eu amei você desde o terceiro ano, Scorpius, e todo esse tempo eu só queria que você adivinhasse isso para eu não ter que dizer.

   Foi a minha vez de ficar boquiaberto. Porém meu atoniamento não durou muito, logo estávamos nos beijando. Assim, simples e rápido. Esqueci de contar os segundos, os minutos e as batidas do meu coração. E um tempo depois uma das primas mais novas de Rose nos encontrou ali no meio do corredor da'Toca e saiu gritando para toda a família que “Rose está beijando aquele menino albino, Rose está beijando aquele menino albino!”, então, para o meu desgosto, fui enxotado da casa por Ronald e Carlinhos Weasley. O que por um lado foi bom, porque eu já estava quinze minutos atrasado para a ceia da véspera de natal e a minha mãe quase me comeu vivo quando voltei para a mansão. Estou de castigo pelo resto da minha existência, o que, no Manual da Astoria que eu e meu pai desenvolvemos, significa até amanhã de manhã, por isso resolvi relatar o que aconteceu há pouco tempo.

   Acho que isso ficou mais meloso do que todos os meus vinte e oito poemas para Rose. Ou talvez não.

   Eram sete e vinte e três da noite do dia 24 de dezembro de 2022, quando recebi um bilhete da Rose dizendo que seu coração estava partido. Mas ele não estava partido, não de verdade. E eu havia pensado em roubar um pedaço dele para mim, mas então Rose disse que todo o seu coração já é meu. O que é bom, porque, você sabe, eu amo aquela garota. De qualquer forma, é natal agora e nós ainda estamos no Holoceno. Holoceno é o nome da canção favorita da Rose e da minha também. 


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Notas finais do capítulo

É uma história rápida, porque o Scorpius desta fic é rápido. E gosta de contar. Eu só queria fazer uma Rose/Scorpius que não fosse complicada, na qual não houvesse todo o drama entre os Weasley e os Malfoy, apesar de eu gostar do drama. E, bom, é véspera de natal. Espero que tenha gostado e não saia sem deixar review, hein! :3
Beijos e queijos,
Hali.