Ops! - Entre o desespero e a esperança escrita por Fran Carvalho


Capítulo 1
O convite tão esperado




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- Ops! - falei quando tropecei no tapete da sala ao correr pela centésima vez ao telefone. Como se isso nunca acontecesse. Eu morava em Portão, uma cidade pacata no interior do estado e todo mundo lá se conhecia. Eu era sempre conhecida pelos tombos. Tirei o fone insistente do gancho e coloquei no ouvido. Fazia dias que esperava aquele telefonema. E dessa vez tinha de ser ele. - Oi - falei, tão empolgada quanto nunca, a lixa nas mãos, fazendo movimentos nas unhas e o pescoço segurando o telefone. - Oi, Mila - falou a voz do outro lado da linha - Tá tudo bem contigo? Suspirei. Como se ele não soubesse. - Ah, tio, tô bem sim, né - falei meio desanimada agora - As coisas vão melhorar, sabe. - Claro que vão, Mila - ele falava com sua voz sempre calma - Você é uma garota forte, sabe disso. Eu sei, pensei, mas não disse. Eu só tinha treze anos quando ela se foi a seis meses. Minha mãe morrera de repente. Primeiro a noticia da meningite, as dores de cabeça, o coma e a morte. Tudo em menos de uma semana. Agora, só a dor. - Mila? - chamou, e eu chorava - Era isso então. vou desligar, ok? Limpei as lágrimas com a ponta da manga da camiseta e esperei. Nada. - Tio - chamei - Não tem nada pra me falar? Ele fingiu pensar por alguns segundos, enquanto eu roía as unhas que acabara de lixar, nervosa. - Ah, é - ele riu - Camila, quer vir fazer seu ensino médio perto de mim? - Tio, eu amo você você - gritei, entusiasmada - Eu aceito o convite, não vejo a hora de sumir dessa cidade escrota! Silêncio. Meu pai entrou nessa hora em casa, sua roupa habitual - um macacão jeans e uma blusa branca suja - , e sua expressão era de tristeza total. Achei que ele fosse chorar. - Tio - falei, meio arrependida - Vou ter de desligar agora. - Seu pai chegou, não é? - ele perguntou - Diga a ele que mandei um abraço, e que vou cuidar bem de você. - Eu sei - e desliguei. Corri descalça e abracei meu pai com força. - Tudo isso pra ficar longe de mim? - ele perguntou, meio choroso. Balancei a cabeça, infeliz. Joel, meu pai, era um homem reservado, que parecia sempre estar de bem com a vida. Eu sabia que ficar sozinho ia ser o melhor pra ele. Ia acabar superando o título de viúvo. - É claro que não, pai! - exclamei - É só pra eu fazer um ensino médio bom o suficiente pra uma faculdade, ok? Ele assentiu, meio cabisbaixo. - Juízo por lá - brincou ele - Não vai dar papo pra qualquer malandro, nem nada disso. Revirei os olhos e dei um tapa de mentira no ombro dele. - Pai, eu vou lá pra estudar, ok? - ri - Vou me divertir um pouco, claro, mas não vou usar drogas, nem nada, eu juro. Ele segurou meu rosto com as duas mãos e olhou meus olhos. - Promete? - ele perguntou baixinho. - Pai! - reclamei, tentando me soltar. - Só promete, por favor - pediu. - Eu prometo, tá? - e me soltei. Ele sorriu, quando eu me dirigia ao meu quarto, feliz. - Não esquece de nada nessa mala, viu?! Eu ri, de costas pra ele. ******************************************** Levantei na manhã de sábado, no pique de Porto Alegre. Dobrei correndo as roupas de cama e separei as que precisava levar. Liguei o som portátil que ganhara do meu tio no último aniversário no volume alto, com o pen-drive no aleatório, tocando todos os meus estilos de música - eu sou eclética. Vesti um vestido rosa com uma sapatilha e um brilho labial. Se fosse pra ir a capital, que fosse exuberante. - Mila? - chamou meu pai, em meio ao som alto - Vai cair a casa daqui a pouco! Baixei o volume, revirando os olhos. Esse era o meu pai. - Abre a porta, quero falar com você - ele falou, do outro lado da porta. Ergui as sobrancelhas, intrigada. Abri a porta e ele me olhava com um porta-joia entre as mãos. - Um anel de princesa pra minha princesinha - ele sorriu - É rubi. Abri o porta-joia e um lindo anel solitário com aquele rubi brilhando a minha frente, me sorria.
- Pai - eu o abracei - Obrigada!
Ele sorriu, quando o soltei.
- É pra lembrar de mim, sempre que fizer algo que eu considere inapropriado - ele falou sério agora - E se eu virar as costas pra você um dia, ele será a prova de que eu ainda amo você.
Deixei que ele colocasse o anel no meu dedo, sorrindo. Ele me beijou na testa.
- Seja feliz, viu?
Respirei fundo e levei minha mala até a frente. O carro azul metálico de tio Luís adentrava no portão. Ele abriu a porta e me abraçou com força, depois me olhou.
- Você cresceu mais! - afirmou - Se continuar assim vai passar de mim!
Eu ri. Continuava baixinha e magra.
- Ei - gritou meu tio, quando meu pai foi visto - Como tá, cara?
E o abraçou com tapinhas nas costas. Meu tio era assim. Sempre jovem, animado e divertido.
- E então? - ele me olhou.
Eu assenti, sem graça. Colocaram a mala no porta-malas e eu entrei no banco de trás, ajoelhada, pra que visse a casa.
Aquela casa. Simples, de madeira, pintada com o mais claro amarelo pelas mãos da minha mãe. Os vasinhos e jardins dela já perdiam o brilho e até o cachorro - o enorme labrador preto de nome Toby - parecia triste sem a presença dela.
Meu pai acenou e eu acenei de volta. Ele tinha lágrimas nos olhos. Estaria pensando nela também?
Sentei no banco, me estiquei pra ligar o rádio e coloquei o cinto de segurança. O anel enganchou e eu o desprendi, depois sorri. Aquele anel era o maior símbolo de amor do meu pai por mim.
E dormi pra estar com minha mãe.

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