Aurora Boreal escrita por Mr Ferazza


Capítulo 19
XVI. FÚRIA


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem desse; a conclusão do dever que Bella incumbiu a si mesma.



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XVI. FÚRIA

Quando Jane voltasse, será que Aro descobriria tão depressa como Demetri morrera?

Provavelmente não. Ele sabia que muitos vampiros, literalmente, queriam a cabeça de Demetri. Esse tempo que ele teria deliberando sobre as possibilidades era valioso.

Eu tinha muitos dons para conseguir. O tempo era curto.

O primeiro da lista – O que estava mais perto de mim e o mais acessível (minha lista não tinha muitos critérios; na verdade, fora inventada agora) – era o de Renata, o outro escudo, que estava a poucos centímetros de Aro.

Esse seria fácil; Só o que eu tinha de fazer era ser repelida fisicamente por seu escudo.

Eu deveria afastar o meu e deixar que o dela fizesse efeito com minha mente desprotegida.

Disparei em sua direção e esperei que me visse do outro lado da sala sem saber o que estava fazendo ou para aonde ia.

Deu certo. No segundo seguinte eu estava perto da porta, novamente do outro lado da sala, junto com meu escudo; agora ele protegia minha mente de novo.

Renata não reagiu a nada. Era como se nada tivesse se chocado contra seu escudo ou sido repelido por ele.

Dei-me conta de que, talvez, ela não tivesse tanta consciência de seu escudo quanto eu tinha do meu.

E agora eu tinha dois escudos; Um deles protegia minha mente, outro meu corpo.

Tentei estendê-lo.

Esse não era, nem de longe, tão difícil quanto o mental. Enquanto o que era meu por direito exigia, relativamente, um grande esforço, o que eu havia surrupiado só exigia a força bruta mental para que se mantivesse estendido para além de mim.

A força não precisava ser grande. Só o que era necessário para levantar uma pena ou um pedaço de papel. Simples assim.

Ah, e eu podia encolhê-lo com a mesma facilidade. Podia mandá-lo para fora de meu corpo com um simples “empurrão” imaginário. Eu o fiz; ele voltaria a me proteger facilmente. Eu sabia disso.

Este também era surpreendentemente útil. Com ele, só se aproximaria de mim quem eu deixasse.


O.K., então, agora, eu deveria ir atrás do próximo vampiro que forneceria seu dom extraordinário para mim. Certo.

E quem seria o seguinte na minha lista recém-inventada? Eu não tinha ideia, é claro.

Então resolvi que faria o mais importante. Alec seria o próximo.

Mas onde ele estaria?

Era espantoso e terrivelmente estranho perceber como a sorte estava ao meu lado naquele dia; Alec vinha saindo do longo corredor que ficava atrás das cadeiras-trono dos anciãos.

Mas eu não faria a mesma coisa que fizera com Jane ali, perto dos olhos leitosos e rosados de Aro; eu esperaria até que ele estivesse sozinho. Depois ele poderia comentar com Jane. Eu não me importava. Já estaria longe dali. Em outro continente. – Eles, ainda assim, não saberiam o que acontecera.

Então eu o segui. Não sabia aonde ele iria e não me dei ao trabalho de ler sua mente para saber.

Mas ele parou à frente de Aro e lhe estendeu a mão esquerda.

– Ah, sim, vá. Eu iria pedir que alguém fosse atrás dela mesmo; ela está se demorando demais. Isso nunca aconteceu. – Disse Aro gentilmente.

–Sim, mestre. – Alec se retirou da sala e eu o segui, às suas costas.

Meu plano era o mesmo. Fazê-lo usar seu dom contra mim.

Então cheguei bem perto dele, peguei um fio de seu cabelo castanho claro e puxei.

Não podia ter doído, mas era irritante e desagradável.

Ele virou-se em um breve lampejo de movimento e eu saltei para trás. Pousei a parte dianteira de meus pés nas pedras frias do castelo, para absorver de modo eficiente o impacto. Não emitiu ruído algum. E eu agradeci por isso.

Alec ficou espreitando quem fizera isso. Ele deu as costas para mim de novo. – Poderia ter achado que era culpa de eletricidade estática.

Então lancei minha corrente elétrica em seu pé. E, por alguma razão esquisita, me dei conta que ele estava descalço. Muito estranho. Devia ser a maneira Volturi de dizer que estavam à vontade.

Resolvi ler sua mente.

Ele sentiu um tremor subindo de seus pés, como um humano tendo calafrios.

Então Alec se preparou para atacar e eu afastei meu escudo da mente, deixando-a, de novo, desprotegida.

Era estranha a sensação que a ausência do escudo causava em mim. Era quase como se eu estivesse nua, agora que ele era parte de mim e que eu tinha plena consciência dele.

Eu sempre tinha, talvez em meu subconsciente, a ideia de que Alec seria muito mais paciente do que Jane. Entretanto, Alec perdera a calma muito antes que sua irmã gêmea.

Podia senti-lo se concentrando para usar seu poder.

Vi a névoa de aspecto doentio arrastar-se no chão de pedra. Ela se arrastava em uma velocidade estressante. Devagar como uma corrida de tartarugas em câmera lenta.

O.K., talvez tenha sido uma hipérbole, mas ela ainda se arrastava até mim; não chegara nem na metade do caminho.

O escudo oscilava e eu tinha que manter a concentração para que ele não voltasse a mim.

Passados dois segundos e meio, a névoa doentia me tocou, e fez efeito com a minha mente desprotegida.

A primeira coisa que senti foi um gosto enjoativo. Um gosto que eu sentia com a mente, e não com a língua.

O sabor era doce. Incrível e insuportavelmente doce. Era como se todo o açúcar do mundo estivesse contido na névoa. E ainda não chegava perto de ser tão enjoativo quanto aquilo.

Se o gosto fosse real e eu o estivesse sentindo em minha língua, eu teria vomitado. Mesmo que eu não fosse mais fisicamente capaz de tal ato.

O sabor denso e enjoativamente doce anuviou meus sentidos, e a próxima coisa que senti foi... Nada.

Eu não senti mais nada; não era capaz de saborear o ambiente à minha volta por meio de odores. – O doce da névoa branca e doentia parecia ter destruído ou entorpecido as células olfativas de minhas cavidades nasais.

Assim como parecia ter reduzido a pó os nervos ópticos que ligavam meus olhos ao cérebro. E eu também não enxergava nada. A completa escuridão era extremamente desagradável, como seria para qualquer outro. Eu quase gritei, implorando para que minha visão voltasse, mas sabia que não iria adiantar muita coisa, então fiquei calada.

A névoa doce também parecia ter adentrado em meus ouvidos e ter se infiltrado entre os mínimos ossos que lá havia, impedindo-os, assim, por meio de sua densidade incrivelmente assustadora, de transmitirem os impulsos sonoros ao resto de meus ouvidos. E agora eu também não podia ouvir nada.

Minhas terminações nervosas pareciam estar entorpecidas de alguma maneira estranha, de modo que eu não era capaz de sentir calor, frio, pressão ou dor em minha pele.

A privação sensorial era total e completa, e, ainda que de alguma forma inconcebível, era muitíssimo mais irritante do que a dor excruciante que Jane infligira à minha mente pouco antes. E, então, eu sabia que se Alec pudesse me ver, se pudesse saber onde eu me encontrava, conseguiria me matar com facilidade.

Mas ele não teve tempo sequer de procurar algum alvo. Em meio segundo o escudo já fazia parte de meu cérebro novamente e eu podia vê-lo de novo em minha frente. Podia sentir seu cheiro e ouvir o som de sua respiração, que se ficara fora de ritmo pela raiva.

Ele não havia se mexido de sua posição de ataque. Então, dei as costas para ele e voltei para a macabra sala onde os anciãos estavam. Um segundo depois, Alec destravou-se de sua posição e foi à procura de Jane.

Será que, a essa altura, Jane já percebera que Demetri estava morto? Já encontrara suas cinzas?

Eu duvidava; se isso tivesse ocorrido, todos já estariam sabendo; como em uma cidade pequena.

Mas eu não me importava o suficiente para ficar ali parada, contraproducente, para saber ou esperar pela notícia. Para todo e qualquer efeito, a culpa não era minha.

Eu estava voltando devagar à porta que eu acabara de deixar. O lugar onde estava Aro. Então, torcendo para que ninguém a tivesse trancado por dento, eu parei na frente da monstruosa porta, hesitando por um momento.

Por sorte estava aberta. Eu entrei.


E a próxima e última de minha lista improvisada era Chelsea; essa, com certeza, seria a mais difícil e eu não tinha a menor ideia de como conseguir seu dom, que era indispensavelmente essencial. Pelo que eu sabia e pelo que Edward e Carlisle me disseram, Chelsea era a que mantinha o grupo, a guarda Volturi unida e os possibilitara conviver pacificamente.

Poderia ela, assim como Demetri, sentir presença de outros diretamente no ambiente em que ela estava? Se pudesse, tanto melhor. Se não pudesse, eu teria de pensar em outro plano. Ou voltar para casa.

A segunda opção era, de certa forma, contraproducente. Ineficiente, porque o dom de Chelsea era a principal razão para eu ter vindo a esse lugar horroroso. Eu não queria, nem de longe, sair sem ele. Mas, se isso não desse certo, eu iria embora sem ele, com o que conseguira até aqui. Com esse dom eu poderia desvincular qualquer membro da guarda dos anciãos.

Desisti da ideia. Algo muito mais importante e crucial estava em minha cabeça agora. Sim. Era isso que eu faria. Eu procuraria pelo recente acréscimo dos Volturi. Eles o haviam roubado pouco tempo antes. Aro simplesmente dera um ultimato a Amun, e, para não ver o restante de seu clã destruído, Benjamin fora com os Volturi. Agora ele estava neste castelo. Aprisionado pelo resto da eternidade.

Mas eu ia ver o que faria para mudar isso. Então disparei pelo corredor estreito que ficava atrás das cadeiras-trono.

As cadeiras-trono. Aquilo era engraçado. – de um jeito estranho, mas era engraçado.

Por Deus. Eles se consideravam a realeza dos vampiros e se sentavam em cadeirões velhos e quase cedendo. Porque eles não compravam outros? Bem, pelo que eu sabia eles poderiam ter surrupiado alguns tronos de reis de verdade. Talvez eles quisessem passar uma imagem de modestos. Contudo, eles não faziam isso muito bem. Sua modéstia se aplicava no lugar errado. Talvez eles devessem começar por tentar serem menos intrometidos. Funcionaria bastante bem.

A divisão do interior dos corredores era bem simples. Aquilo era como uma pequena cidade. Ou um daqueles enormes casarões de filmes de terror ou de alguns episódios do Scooby-Doo; um lugar em que você está sempre pronto e preparado para avistar um monstro e sair correndo (se fosse um humano naquela situação) – Parecia ser dividido em quarteirões e em ruas (que eram os corredores.).

Eu tinha alguma ideia de como era a torre dos Volturi por dentro; na semana anterior, eu ficara estudando um mapa que Carlisle e Edward haviam desenhado para mim, para evitar que eu me perdesse. Era uma ideia ridícula. Não era muito comum um imortal se perder. Emmett rira da situação, dizendo que me daria um GPS em meu próximo aniversário.

As portas eram numeradas. À minha esquerda ficavam as portas com os números pares. À direita ficavam as que eram numeradas com os números ímpares. Calculei que aquelas portas fossem quartos, porque havia o nome de cada vampiro fixado à porta, sob o número, que era enfeitado com ouro nas bordas e esmeraldas entre elas.

Imaginei que a posição das portas fosse de acordo com a importância do vampiro – como seus mantos escuros. – Começava com os menos importantes, ou menos poderosos, de outro ponto de vista, tendo-se em mente que todos eram importantes para os anciãos, e acabava com os gêmeos com o poder inigualável – Ou quase; agora aquele conceito de incomparabilidade deixara de existir.

A porta de número um era a de Felix, seguida por Santiago, Heidi, Renata, Demetri, o quarto que ficaria permanentemente vazio, Chelsea e Afton, que eram companheiros e por isso dividiam um quarto, Benjamin, Alec e Jane, que dividiam o mesmo quarto por que tinham uma importância exatamente igual.

Calculei que os seguranças das esposas ficavam mais perto delas, porque seus nomes não estavam em nenhuma porta. Depois do último quarto ocupado, havia mais quatro que estavam vazios; os dos anciãos eram num andar superior àquele. Obviamente, eles não se misturariam à guarda.

A porta do quarto de Benjamin era a penúltima; Pelo menos das que estavam ocupadas.

Perguntei-me qual seria sua reação se eu batesse e ele atendasse à porta e lá não houvesse ninguém. (ninguém visível a ele).

Apurei mais minha audição para tentar perceber se havia alguém dentro do quarto, mas não precisei disso. – Às vezes era muitíssimo fácil me esquecer de que eu podia ler mentes, já que eu não usava esse talento extra com frequência, pois tinha consciência de que invadiria a privacidade mental de muitas pessoas, e também porque sabia que se alguém pensasse algo que eu, eventualmente, não gostaria de “ouvir”, seria inevitável responder a esse pensamento. – Edward me contara que, nos primeiros anos de sua nova vida, fora muito difícil para ele não responder aos pensamentos das pessoas, ou não virar a cabeça na direção de alguém que havia pensado em seu nome (Até porque, na época - Início do século XX -, havia muito mais Edwards que atualmente).

Consegui captar os pensamentos de Benjamin do outro lado da grossa porta, em parte porque sua “voz” me era familiar. Ele pensava mais em imagens do que em palavras, mas pude captar um nome em particular. “Tia”. Com certeza, ele estaria com uma imensa saudade de sua companheira, já que o dom de Chelsea não era suficientemente forte para desfazer laços baseados em amor verdadeiro, oscilara impotente contra aquele sentimento; Amun também estava em seus pensamentos, já que o vínculo entre os dois vampiros era comparável ao de uma família – Pai e filho. -, Chelsea, então, também não conseguira acabar com aqueles laços de verdadeiro afeto familiar.

E eu entendi o motivo. Ele se entregara de bom grado, não havendo necessidade de que os Volturi forçassem alguma coisa, porque, simplesmente, a família de Benjamin fora ameaçada.

Eu emergi de minhas deliberações. Será que ele reconheceria alguém que não fazia parte de seu ex-clã? Era improvável. Um vampiro, por mais manipulada que sua mente estivesse, reconheceria alguém que já vira. E ele estaria com saudades de casa, com certeza.

Mas eu não podia bater na porta e simplesmente dizer: “Olá, Benjamin; eu tenho novos e formidáveis poderes e vim resgatá-lo para levá-lo para casa”. Eu precisava de outro plano.

Eu estava tão absorta em minha própria mente que podia perceber com clareza o plano que se refinava em minha mente; parte dele seguiria seu curso original – Bater na porta a contar tudo a ele. A outra parte seria mais difícil. Isso, é claro, se ele concordasse com o plano.

Eu bati na porta. – toc, toc, toc.

Ouvi passos leves no lado de dentro do quarto.

Benjamin atendeu à porta; eu, de alguma forma, esperava vê-lo com um manto quase absolutamente preto – que determinaria a intensidade de seu poder na guarda. Contudo, seu manto era cinza com meio tom mais claro do que os de Alec e Jane.

Era um comportamento incrivelmente negligente não colocar um manto absolutamente negro nele; Benjamin era o vampiro mais poderoso do qual se tinha notícia.

O vampiro não encontrou ninguém quando abriu a porta. Olhou em volta para saber se havia alguém correndo, fugindo do local – Como uma criança que toca a campainha e sai correndo. Não encontrou ninguém.

Ele saiu no corredor para verificar com mais atenção. Nesse momento eu entrei em seu quarto e fiquei esperando que ele estrasse de novo.

O quarto não tinha cama – Obviamente -, só longas e abarrotadas estantes com os mais diversos livros. Havia, em um canto, uma grande mesa com um computador, havia uma tevê grande encostada à parede da esquerda, mas, o quarto em si, era bem pequeno.

Um computador. Francamente. Será que era de se esperar que um imortal, em suas longas horas ociosas servindo à realeza dos vampiros, passasse a eternidade inteira jogando paciência? A ideia era ridícula. Mas na falta de algo para fazer, os livros seriam uma ótima distração.

Eu fiquei visível novamente enquanto Benjamin estava no corredor, olhando atento para os lados.

Quando ele entrou, ficou surpreso. Perfeitamente imóvel, me fitava como se estivesse diante de um fantasma.

Eu coloquei o indicador na frente de meus lábios, advertindo-o para que não emitisse o menor ruído.

Funcionou. Ele fechou a porta em silêncio, mas ficou imóvel depois disso.

Em sua cabeça havia só uma pergunta.

Como veio parar aqui?!”

Eu sabia que, até então, aquela era uma pergunta retórica. Então fiz um esforço para não respondê-la. Em parte porque não queria assustá-lo. Ele ainda não sabia de minhas capacidades extras.

Esperei até que ele se recuperasse do susto, para dar a chance de ele começar a falar.

– Bella, é você mesma? – Perguntou ele, como se não estivesse acreditando no que estava diante de seus olhos.

Eu assenti.

– Mas como você... Quando... Por que...? – Ele não sabia qual pergunta fazer primeiro.

– Acalme-se, sim?! – eu comecei, tentando tranquiliza-lo. – e fale baixo; não devem nos ouvir.

Ele respirou fundo – não que precisasse disso – e começou

– Tudo bem. Estou calmo, agora me diga como veio parar nesse lugar. Você era a última pessoa que eu esperava encontrar aqui.

– Eu também sou a última pessoa que eu esperava encontrar aqui. No entanto, coisas aconteceram e você precisa voltar para casa e é também por isso que estou aqui.

Eu contei a ele sobre a capacidade que eu tinha de conseguir outros dons e os que eu possuía e ele entendeu como eu chegara até ali. Só deixei para trás as partes dos poderes de Alec e Jane.

–... Alice viu que os Volturi o estavam procurando e viu que eles ameaçaram sua família. Carlisle sabia que Amun o culparia eternamente se você não voltasse e então eu assumi essa responsabilidade. Eu vou levá-lo para casa isso, é claro, se você quiser. E então?

– Bem, Chelsea não conseguiu com que o meu amor pela família fosse desfeito, então, é claro que eu quero. Mas como vamos sair daqui sem ser vistos? Eu, pelo menos. Você pode ficar invisível, é claro. Caramba. Que demais. Isso deve ser muito divertido.

Sorri um pouco com o comentário dele; eu havia esquecido de que Benjamin havia sido transformado com apenas quinze anos, de que ainda guardava o descuido da adolescência.

Revirei os olhos.

– Ah, eu tenho recursos. – Disse a ele de forma misteriosa. – Mas você, infelizmente, não irá embora hoje; preciso de sua paciência e, muito mais do que isso, de sua ajuda.

Sua expressão era confusa.

– Precisa de minha ajuda? – repetiu ele aos sussurros.

– Sim. Você se lembra, obviamente, de como eu lhe disse que conseguia outros dons, não é? – Perguntei.

– É claro que me lembro, mas o que isso tem a ver com minha ajuda? Pelo que você disse, é improvável que consiga alguma coisa relacionada aos meus poderes.

Eu assenti.

Ele me fitou, sem entender onde eu queria chegar.

– Tudo bem. Tudo bem. Escute, por favor; você falou que Chelsea não conseguiu destruir o amor que sentia por sua família, certo?

Ele confirmou com um aceno de cabeça.

– E disse que ela tentava fazê-lo cada vez que o via, também – eu repeti o que ele me dissera antes, para confirmar. Ele assentiu de novo. -, e que nunca funcionava, por causa da intensidade de seus sentimentos.

– Sim, mas não entendo onde você quer chegar com isso, Bella. Explique-me, por favor. – Pediu ele.

Eu suspirei e comecei a lhe contar meu plano.

– A questão é que o outro motivo para eu ter vindo até aqui, é que eu preciso do dom de Chelsea e pensei, agora que eu sei como ela age normalmente, que você pudesse me ajudar a consegui-lo. Não será difícil nem arriscado. Eu prometo. – Eu pedi a ele.

– É claro que eu ajudo você. O que tenho de fazer?

Eu pensei por um minuto e lhe expliquei. A ideia era bastante simples e objetiva. Não tinha como dar errado.

– Tudo o que precisa é sair e começar a andar por aí. Eu vou com você e estarei invisível. Pelo que me disse, Chelsea tentará algo assim que o vir. Então, nessa hora, eu desprotejo minha mente e me coloco entre vocês para que o talento dela atinja a mim, em vez de você. Tenho certeza que não vai ter efeito sobre mim, já que não tenho ligação alguma com seu clã.

Por um instante, perguntei-me se Alice poderia prever o que eu estava prestes a fazer, agora que eu não estava mais invisível e ela podia me ver com mais clareza; ela diria a todos que eu estava fazendo o que dissera que faria, e todos se despreocupariam. E eu agradeci por isso.

– Certo, então. Vamos. – disse Benjamin.

Eu assenti.

Fiquei invisível e o segui para fora do quarto.


Não demorou nada para que encontrássemos Chelsea; ela estava na enorme biblioteca dos Volturi, que ficava ao final do corredor abarrotado de quartos.

Chelsea percebeu nossa chegada, mas não levantou a cabeça para ver quem era – estava distraída com um título que eu não conhecia.

Benjamin caminhou devagar até a sessão que começava com a letra C. Era surpreendente a quantidade de autores que havia ali e que eu nem conhecia; Benjamin pegou o enorme volume de Cervantes e o folhou. Ele parecia, por um minuto, interessado, mas constatou que a obra estava em espanhol e depois o guardou onde estava.

Percorremos a maior parte da enorme biblioteca, mas ele não encontrara nada que o agradasse. Eu tentava dar a ele algumas sugestões, mas ele já havia lido todos os que eu indicava. Então ele por fim desistiu e pegou qualquer um da prateleira com a letra S; era um volume de Shakespeare que eu já havia lido.

Ele pegou o livro e sentou-se ao lado de Chelsea. Eu fiquei em pé ao lado de Benjamin.

Nós dois esperamos até que ela tentasse algo; entrei em sua mente para saber quando viria. Seus pensamentos não estavam muito longe do rumo que a levaria até onde eu queria.

E então, bem devagar, lutando para não emitir o mínimo ruído ou a mais baixa vibração no ar à minha volta, libertei minha mente de sua proteção eterna, e meu cérebro ficou vulnerável. De novo.

Aguardei até que ela tentasse usar seu dom contra ele.

Quando aconteceu, eu joguei-me à frente dele. O dom de Chelsea me atingiu, mas nada aconteceu; era como se meu escudo ainda estivesse em minha mente. Não funcionou porque essa investida não era destinada a mim, e eu não tinha vínculo algum com o clã de Amun. Gratidão, sim. Mas não era esse o caso ali, naquela situação.

E era isso.

Minha missão estava oficialmente concluída. Agora eu possuía todos os dons de que precisava para proteger minha família e nossos aliados. E com um bônus que eu não esperara; Demetri estava morto. Eu o matara. E, se não quiséssemos ser encontrados, nos esconderíamos e os Volturi iriam ficar procurando pelo resto da eternidade, como lunáticos idiotas, sem nada encontrar.

Eu toquei levemente Benjamin, e ele soube que eu queria que ele voltasse. Benjamin levantou-se da cadeira e foi para o quarto. Eu o segui.

Quando ele trancou a porta, eu fiquei visível de novo.

Ele me fitou. Seu rosto um pouco incrédulo, e, depois, sorriu.

– Você conseguiu? – perguntou ele.

– Consegui. Obrigada, Benjamin, por me ajudar. E, como lhe prometera, vou lhe contar a segunda parte do plano.

Eu lhe contei o que esperava que acontecesse quando os Volturi chegassem, embora eu não soubesse quando aconteceria, eu sabia que aconteceria.

Depois, concentrei-me em minha última - porém não menos importante - tarefa: Eu deveria escudar, na mente de Benjamin, suas lembranças de minha visitinha, para que Aro não soubesse da nada, caso tentasse ler sua mente com um toque.

Concentrei-me nas duas coisas ao mesmo tempo – Nas lembranças que eu queria que ficassem ocultas e em fragmentar meu escudo -, mas não foi tão fácil; demorou um pouco, tempo suficiente para que Benjamin ficasse impaciente e perguntasse o que eu estava esperando.

Por fim, eu consegui proteger as lembranças que ele tinha de minha visita e manter a parte mínima do escudo em sua mente, impedindo que outros vampiros – Principalmente Aro – pudessem saber que eu estive ali. Isso não o impediria de lembrar-se disso, só aos outros de saber dessas lembranças.

— Bella, você não tem que ir agora? Não é perigoso demais? Ficar aqui por tanto tempo? — perguntou-me ele.

— Ah, eu ia chegar nessa parte; já estou indo — Disse a ele. — Até mais, Benjamin. E obrigada de novo por me ajudar. Fico lhe devendo minha vida. E a sua também. E da próxima vez que nos vermos, você vai voltar à sua família. Eu juro. — Prometi.

Ele assentiu.

— Até mais, Bella. E cuide-se, por favor. — Despediu-se ele.

— Tudo bem. Obrigada pela preocupação; eu posso me cuidar. Perfeitamente. — eu disse a ele. — E abra a porta, por favor. Seria meio estranho que alguém visse a porta se abrir sozinha, não é mesmo? — Pedi, enquanto ficava invisível diante de seus olhos.

— Ah, Bella? — Disse ele baixinho, se me ver. — Saia pelos fundos, sim?! É só seguir pela biblioteca, depois virar à esquerda. A partir daí, é só ir pelo corredor, até chagar a igreja abandonada, que fica atrás das colinas. Lá você pode sair sem ser incomodada

— Ah, sim, obrigada de novo. — Ele podia ouvir minha voz, mas não sabia da onde ela vinha.

Ele arfou e foi abrir a porta para que eu pudesse dar o fora dali.

Ah, de certo modo, aquilo parecia bom demais para ser verdade; enquanto eu ia saindo, Jane entrou em nosso campo de visão, carregando um pequeno saco plástico transparente, de forma que era possível ver o que havia dentro. De longe, o conteúdo, que parecia compacto, não chamava atenção, mas, de perto, eu podia ver que era um pó granuloso e fino — a morte de Demetri finalmente fora descoberta, e essa era a minha deixa para ir embora.

Enquanto Jane passava, ela voltou-se para Benjamin e perguntou em sua voz aguda de criança, mas, ao mesmo tempo, monótona e cheia de tédio; sei como consegui reconhecer o tom de estresse por baixo da inflexibilidade de sua voz, mas estava ali.

— Benjamin, por acaso você viu Aro? Em algum lugar por aí? Não consigo encontrá-lo em lugar algum. ­— Perguntou ela, o tom de sua voz, quando se dirigiu a Benjamim, também era perfeitamente educado.

— Desculpe, mas não; a última vez foi ontem, durante a reunião de punição. — Ele respondeu a pergunta de Jane.

— Reunião de punição? — Perguntou a vampira baixinha, o rosto era confuso. — Houve uma reunião para punição ontem?

Ele assentiu; eu, obviamente, não estava informada sobre a atripulada agenda punitiva dos Volturi, então fiquei curiosa e parei para ouvi-los.

— Ah, houve sim. Mas você e vosso irmão estavam fora, caçando, não é mesmo? Eu me esqueci. Desculpe-me. — disse Benjamin.

Jane assentiu também.

— Mas não faz mal, é claro que não é de minha conta. De qualquer modo. Mas... Só por curiosidade... Que tipo de infração foi punida ontem?

— A de quase sempre; Um vampiro esquecido que criara mais dois recentemente e os largou por ai, sem explicar as regras. — Explicou ele. — E as criações, por sua vez, chamaram atenção, como todo recém-criado idiota. Então Caius quis dar um jeito nisso rapidamente

Jane ouviu a explicação e, quando ele acabou, ela assentiu de novo.

— Como deve ser, é claro. Aconteceu exatamente como Aro disse que aconteceria. Agora que a escória do Clã de Olympic se saiu ileso, os outros começaram a questionar nossa autoridade. E isso prova uma coisa: Que Aro não precisa daquela adivinha imunda em nosso castelo para saber o que vai acontecer. Ele mesmo já é bem competente sozinho.

E então, minha fúria irracional, que a essa altura já estava bem escondida dentro de mim, despertou como um monstro que era arrancado de seu inferno; e eu queria punir Jane pelo que ela dissera.

Ninguém insulta Alice — ou o resto de minha família — na minha presença e se sai ileso. E eu soube que se tivesse sangue, ele já teria subido à minha cabaça mais de mil vezes nesse breve segundo. E, como eu não possuía, o veneno fez isso por ele. Depois, minha reação foi tão rápida que nem eu mesma sei de onde saiu a ideia.

E de repente Jane estava no Chão, caindo aos pés de Benjamin. E eu sabia que ela estava sentindo a dor que ela mesma conjurara a milhares de pessoas em todos esses séculos de vida sádica.

Eu conseguia sentir como o poder que eu acabara de conseguir se manifestava. A raiva era a chave para isso também e eu podia controlar o fluxo e a intensidade da dor perfeitamente, tendo ainda muito de minha concentração para desfrutar da cena diante de mim.

Agora Jane se contorcia de dor, estava, nesse momento, deitada e arfava um pouco. Mas era só. Só um arfar de sofrimento, porque — o que eu queria naquele momento não estava acontecendo. Ainda. — ela não gritava; E eu aumentei a intensidade da dor, obrigando-me a usar toda a minha concentração, sem, agora, poder desfrutar um pouco mais do que eu via.

Jane gritou; e era quase um uivo. Um uivo lancinante, que obrigaria qualquer humano que o ouvisse a tapar os ouvidos. Mas eu me divertia, ouvindo esse som; parecia ser melhor que música. Eu sabia que sua dor estava suplantando qualquer outra que ela sentira na vida (Até mesmo a de quando ela fora queimada viva, acusada de ser uma bruxa), mas eu não parei; Ela precisava provar de seu veneno.

Esse tempo todo eu tinha o contato visual com ela.

Deixei a dor mortal fazer seu trabalho por mais alguns segundos, e, depois, bem devagar, consegui diminuir a intensidade da dor, até que soube que Jane não pôde mais senti-la.

E então eu comecei a recuar, devagar. Eu sabia o que estava por vir e sabia o que havia feito; eu não me arrependia disso. Pelo menos não ainda.

Depois comecei a correr até a saída que Benjamin me indicara. Não queria ouvir o que ela achava que teria sido. Talvez ela achasse que era loucura de sua cabeça nojenta. Eu não me importava. Eu corri a toda, não parando para olhar para trás.

Eu estava na biblioteca, e encontrei facilmente o caminho da saída para a igreja velha. Disparei como um projétil invisível pelo túnel úmido e mal iluminado, não querendo pensar em nada, a não ser reencontrar minha família em no máximo algumas horas.

Mas todo o tempo vinha à minha mente possibilidades do que podia acontecer, consequência de meu último ato dentro do castelo dos Volturi.



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Notas finais do capítulo

Obrigado por lerem a Fic; o próximo capítulo estará disponível, se houver comentários, em algum momento depois das 16:00.
P.S: Quem está lendo essa fic e for Team Volturi, por favor, se quiser, dê um olhada na minha outra Fic: "Lua Azul".