Uma Chance Antes Do Fim escrita por FP And 2


Capítulo 2
Um Novo Começo


Notas iniciais do capítulo

E aê, pessoas?

*

Mais um cap, provavelmente amanhã posto o último... afinal o mundo acaba em 21/12/2012... hehe



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Konoha, 06 de junho de 1997.

05h22m

Abri meus olhos lentamente, e me deparei com um local familiar, mas que não me trouxe boas recordações. Há pelo menos quatorze anos eu não pisava aqui, mas estava tudo limpo e bem arrumado, fora algumas roupas jogadas aqui e ali. O dia começava a clarear.

Me sentei na cama e olhei em volta. Tudo parecia igual ao que recordava, tinha até a sensação de que minha mãe poderia entrar no quarto a qualquer momento e me mandar tomar o café. Estava um pouco confuso, mas me lembrava do que ocorreu no dia anterior. O fim do mundo. O fim de tudo, de todo meu sofrimento e aflição, mas então o que estou fazendo nesse lugar?

As lembranças dos últimos quinze anos estavam um pouco borradas, como se fossem apenas um pesadelo, mas as dos meus primeiros dezesseis anos de vida estavam coloridas e brilhantes, como se nenhum tempo houvesse decorrido. Eu sentia como se na noite anterior tivesse conversado com meus pais, depois de chegar em casa de um passeio com Sakura e Sasuke. O que estava acontecendo? Me levantei e caminhei até a pequena mesa de estudos que havia no quarto, com um enorme computador pré-histórico que a ocupava praticamente inteira. Estava como novo. Por curiosidade apertei o botão de ligar e para minha surpresa, imediatamente um barulho ensurdecedor iniciou-se em seu interior, ao mesmo tempo em que diversas luzes piscavam no painel frontal.

O que estava acontecendo afinal? Aquele dinossauro nem deveria funcionar mais!

Sentei-me na cadeira em frente e aguardei pelo que pareceu uma eternidade pelo carregamento do sistema operacional, mas quase tive um ataque quando o logotipo apareceu na tela. Microsoft Memphis Beta 1.

Senti uma vertigem e apoiei a cabeça nas mãos, olhando fixamente para aquele nome enquanto a barra de carregamento ia enchendo. Lembrava-me perfeitamente de quando atormentei meu pai por quase um mês para que ele comprasse aquele computador com o sistema operacional mais recente, lançamento em 1997. Quase ninguém mais se lembra que houve outro sistema entre os Windows 95 e 98. Por que era uma droga...

Dei um sorriso mínimo. Ainda tinha boas recordações, mesmo de coisas que não prestavam.

Finalmente o sistema iniciou completamente, e não sei bem por que, mas a primeira coisa que fiz foi verificar a data. A vertigem voltou, dessa vez muito mais forte, e senti a escuridão me envolvendo.

A primeira coisa que me lembro depois disso, foi ouvir uma voz extremamente familiar, apesar de não escutá-la há muitos anos, e sentir leves tapas em meu rosto.

— Naruto, meu filho, você está bem?

Quando me dei conta de quem era a dona daquela voz, arregalei os olhos, já marejados e vi o rosto preocupado de Uzumaki Kushina, minha mãe.

Eu estava em choque, não conseguia nem mesmo mover um músculo, apenas meu coração e meus olhos estavam em total atividade, o primeiro batendo tão forte e descompassado que comecei a me sentir tonto, e os últimos produzindo lágrimas sem parar. Minha mãe passou uma mão em meu rosto e aquele toque me fez acordar. Levantei-me repentinamente e a abracei tão forte que ela chegou a gemer.

— Mãe...

— O que houve, Naruto? Por que está chorando? Meu menino...

Aquilo só me fez chorar ainda mais, porém o choque não ficou apenas nisso. Pela porta aberta de meu quarto, entrou um loiro alto com uma expressão preocupada, carregando um copo com água e falando rápido.

— Kushina, ele acordou? Está bem? O que acontec...

Se interrompeu quando levantei a cabeça e o olhei assustado. Nada disso podia estar acontecendo... ou podia? Mas eu não queria pensar, queria apenas abraçá-lo e sentir que era tão real quanto minha mãe. Namikaze Minato, meu herói, meu mestre, meu pai.

Uma luta travou-se em meu interior. Ao mesmo tempo em que queria correr para seus braços, não conseguia me afastar de minha mãe. Lancei-lhe um olhar suplicante e ele entendeu; aproximou-se e nos envolveu com seus braços fortes, que sempre me passaram segurança, desde bebê. Ficamos vários minutos assim, e apenas meus soluços quebravam o silêncio. Queria poder dizer alguma coisa, me desculpar, mas minha garganta estava tão apertada que nada que dissesse seria inteligível.

Aos poucos fui me acalmando, e comecei a recordar o que havia acontecido na noite anterior. Não realmente na anterior, mas, pela data que pude ver em meu computador, na noite em que antecedeu aquele dia fatídico, que estava vivendo agora pela segunda vez.

“Aquela semana fora exaustiva emocionalmente. Não tanto para Kushina e Minato, que levavam tudo na brincadeira, mas para ele. Aconteceram várias discussões entre Naruto e seus pais, por um motivo que à maioria das pessoas soaria ridículo: uma viagem em família.

O rapaz voltava de um passeio no shopping com Sakura, Sasuke, Ino e Shikamaru, onde foram ao cinema assistir o lançamento da semana. Era um filme bobo, sem grande importância, então o assunto que os dominava era a viagem que fariam no dia seguinte para comemorar o final do ano letivo. As famílias de todos os amigos também iriam, mas apenas depois de alguns dias, para que os adolescentes pudessem aproveitar aquele tempo sem supervisão. Ficariam todos na casa de praia dos Yamanaka, que era enorme e com uma infinidade de quartos.

Naruto estava emburrado, pois seus pais faziam questão de ir junto e ficar com os adolescentes, uma semana antes do combinado. Seus amigos não ligavam, pois conheciam bem Minato e Kushina, e sabiam que a presença dos pais do loiro em nada iria atrapalhar, podendo até aumentar a diversão, já que ambos eram tão alegres quanto o filho, sempre inventando coisas completamente malucas para fazerem.

— Deixa disso, Naruto! — Sakura revirou os olhos. — Você sabe que eles não vão ficar tomando conta de ninguém...

— Eu sei disso, Sakura-chan, mas por que só eles? Gaara já ficou insinuando que sou um filhinho de papai que não consegue se virar sozinho. É irritante!

— Você sabe que ele disse isso só para te atormentar. — Sasuke disse calmamente. — Ninguém pensa assim realmente.

— É verdade. Se eu tivesse pais como os seus, faria questão que fossem também! — Observou Shikamaru. — Os meus são tão problemáticos...

— Seu pai é legal. — Naruto comentou.

— Mas quando se junta com a minha mãe...

— É... — O loiro deu uma risada divertida. — Ela é uma fera!

— Por que você está tão nervoso por seus pais quererem nos acompanhar, afinal? — Indagou Ino. — Se ninguém está se importando...

— O problema não é esse, droga! — Se irritando novamente, Naruto passou as mãos nos cabelos, terminando por puxá-los um pouco. — Se todos os outros concordaram em que essa semana fosse só nossa, por que eles estão sendo tão teimosos? Fica parecendo que não confiam em mim...

— Ou em nós... — Comentou Sasuke monotonamente, recebendo um olhar fuzilante do amigo.

— Sasuke-kun, você não está ajudando! — Sakura o repreendeu.

Enquanto conversavam, chegaram até a frente da casa do loiro, que parou pensativo. Uma ideia de como convencer seus pais a ficarem em casa surgiu em sua mente com o comentário de Sasuke.

— Bem, foi divertido como sempre, pessoal, mas preciso resolver uma coisa.

— O que vai fazer, Naruto? — Perguntou Sakura, desconfiada.

— Não se preocupe. Só posso dizer que eles não vão, mesmo que eu também não vá. Até amanhã!

— Naruto, espera...

Mas o chamado de Ino foi inútil, ele estava decidido quanto ao que iria fazer e nada do que eles dissessem o faria mudar de ideia. Entrou em casa e foi direto ao quarto dos pais, que já haviam se recolhido. Bateu duas vezes e adentrou o local sem esperar resposta. Minato estava sentado na cama de óculos e lendo, com as costas apoiada em dois travesseiros, enquanto Kushina terminava de arrumar as malas para o dia seguinte.

— Pai, mãe, preciso falar com vocês. — Falou sério.

— O que foi agora? — Kushina se levantou ao lado da mala que estava aberta no chão e cruzou os braços. — Não vai começar com essa história de novo, não é? Já dissemos que não vamos atrapalhar, só queremos nos divertir!

— Tudo bem. — Ele sentou na cama ao lado de Minato, que havia abaixado o livro. — Vocês podem ir e se divertir o quanto quiserem, não me importo. Eu não vou mais.

— Como é? — Seu pai soltou o livro e tirou os óculos, encarando sério seu único filho. — Não acha que essa infantilidade já está passando dos limites?

— Não é infantilidade. Sabem? Já é constrangedor demais que todos pensem que sou tão irresponsável ao ponto de ser o único lá com os pais presentes, mas não quero que mais nenhum dos meus amigos passe por isso. — Ele ainda falava sério, mas tentando aparentar uma leveza em suas atitudes que na realidade não sentia, por começar a parte em que mentiria. — Sasuke se referiu a isso hoje. Se apenas vocês estiverem lá, é provável que meus amigos consigam se sentir mais à vontade, afinal todos os veem como amigos também, mas se eu estiver, vocês serão os pais de alguém. Os pais que não confiam no filho e consequentemente nos amigos dele. — Levantou-se da cama e se dirigiu à porta com um sorriso forçado. — Espero que se divirtam...

— Naruto!

— O que foi, mãe? — Ele se virou e seu coração se apertou, pois viu os olhos de Kushina marejados.

— Eu... nós não queremos estragar sua viagem, filho. — Ela soluçou baixinho. — Deveria ter nos dito antes como se sentia.

— Naruto... — Minato o olhou de forma estranha — desculpe. Nem imaginávamos que pudesse se sentir assim por causa de seus amigos. Nós não vamos, está bem? Afinal, é só mais uma semana até que possamos nos reunir...

Uma dor no peito e um peso na consciência o acometeram nesse instante. Como conseguia ser tão eloquente mentindo, e ao falar a verdade não conseguia se fazer entender? Isso magoava um pouco, mas sabia que provavelmente o problema era com ele. Deu mais um sorriso forçado.

— Obrigado. — Saiu rapidamente daquele quarto e se dirigiu ao seu próprio, soltando um suspiro aliviado.

Se seus pais não fossem tão bons e isentos de malícia, teriam percebido que essa curta resposta o entregava completamente, mostrando que seu objetivo foi alcançado e agora queria a maior distância possível de seus progenitores, antes que fosse desmascarado. Na verdade nem ele entendia bem o motivo de tanta objeção à presença de seus pais, já que sempre apreciou a companhia deles, assim como seus amigos. Só sabia que dessa vez queria fazer aquilo sozinho, como se fosse definitivamente uma passagem para a vida adulta.

Tomou um banho rápido e foi dormir.”

Lembrar de tudo isso, de como fui egoísta, praticamente chantageando meus pais para que não fossem naquela maldita viagem, trouxe novas lágrimas aos meus olhos.

Daquela vez, me levantei cedo no dia seguinte, peguei minha mala e sai de casa em direção ao local onde uma van de aluguel deveria pegar meus amigos e eu, sem nem mesmo me despedir deles, sem saber que jamais tornaria a vê-los com vida. Todos na vizinhança sabiam da viagem que faríamos, inclusive o assaltante.

— Não quer nos dizer o que aconteceu, Naruto? — A voz baixa de meu pai me tirou das tristes recordações. — Não está se sentindo bem?

— Se for isso, meu filho, podemos te levar até seus amigos, ou até a casa de praia e depois voltamos... — Mamãe ofereceu. — Não queremos que perca seu passeio.

— N-não... estou bem. Foi só um pesadelo. — Respondi, enquanto passava a mão pelos olhos para secar as lágrimas. Precisava entender o que estava acontecendo. Ela falou sobre um passeio, e pela data, era mesmo aquela malfadada viagem de comemoração. Lembrei-me do anjo maluco dizendo que teria uma segunda chance para consertar as coisas... seria isso? Essa era a oportunidade de fazer as coisas certas dessa vez? — Eu vou ficar bem.

— Tudo bem. — Ela sorriu. — Como você acordou bem cedo, vai ter tempo de tomar café-da-manhã antes de viajar, então vou preparar um bem reforçado.

— Quando estiver pronto eu te levo até a casa da Ino... — Papai fez uma pausa e completou meio incerto: — Se quiser, é claro...

Os dois foram saindo do quarto, mas antes que fizessem isso, um estalo fez com que eu decidisse que se fosse para mudar as coisas, teria que começar imediatamente, afinal, depois poderia ser tarde demais.

— Pai, mãe, eu quero que vocês venham comigo...

— Claro, filho, eu vou também para me despedir, levaremos você até lá... — Disse minha mãe.

— Não! — Falei, quase desesperado. — Eu quero... que vocês me acompanhem na viagem.

— Mas ontem você disse...

— Eu sei o que disse, pai, mas esqueça, tá legal? Eu quero vocês lá comigo, independente de qualquer coisa! — Quase recomecei a chorar ao dizer isso, mas me controlei.

— Er... tudo bem, as malas já estão prontas mesmo. — Respondeu meu pai, sem esconder o espanto. — Então, vamos nos arrumar. Venha, Kushina.

Meus pais saíram do quarto de mãos dadas, e me sentei na cama com a respiração acelerada. Pensei em ligar para Sasuke, afinal, se tudo estava como da outra vez, meu celular deveria estar embaixo do travesseiro, e seu número certamente estaria lá. Também sentia falta de meus amigos, além de querer mais uma prova de que não estava sonhando.

Me estiquei na cama e enfiei a mão sob o travesseiro, mas não encontrei apenas o celular, havia também um envelope branco lacrado. Puxei os dois e voltei a sentar-me olhando os objetos que tinha em mãos.

— Meu Deus, parece um tijolo... — Sorri um pouco, pesando nas mãos o enorme Motorola Star Tac. — E pensar que era o menor na época... aliás, é o menor hoje. Que coisa esquisita!

Deixei o celular de lado e me concentrei no outro objeto que tinha em mãos. Lembrei-me do anjo Killer Bee me entregando aquele envelope antes de sermos envolvidos por aquela claridade estranha. O abri, com um pouco de medo do que pudesse encontrar. A carta era curta, mas bastante clara.

“Futuro, 20/12/2012 – Fim do Mundo.

E aí, bro’?

Então, Uzumaki Naruto, preste bastante atenção, apesar de não precisar... essa mensagem não se autodestruirá, oh, yeah!

Escolhi você para ter uma segunda chance de viver plenamente e ter uma vida satisfatória, pelo menos até que esse dia chegue novamente. Tente não fazer mais idiotices, ok? Você está de volta aos seus dezesseis anos, mas ainda tem as lembranças do que pode acontecer se não mudar sua forma de agir.

Lembre-se que nem tudo pode ser mudado, existem coisas que são governadas por forças superiores e estão além do nosso alcance, então não se revolte, all right?

Você entenderá quando chegar a hora.

Seu anjo pessoal.”

Respirei fundo e de maneira entrecortada quando terminei de ler aquela estranha carta. Então realmente estava de volta e tinha ganhado pouco mais de quinze anos de vida para tentar ser feliz. Era difícil assimilar uma coisa dessas. Levantei-me da cama e fui até o espelho que tinha no quarto. Encarei meu rosto, novamente de um adolescente, e passei os dedos trêmulos em toda sua superfície. Um sorriso assustado se desenhou, mas também era esperançoso. Não sabia se havia feito alguma coisa para merecer, mas estava decidido a viver dali em diante de forma a fazer jus a essa oportunidade.

Como disse antes, as lembranças que tinha daqueles dias até 2012, eram um pouco borradas, como se fossem muito antigas, mas as memórias de minha adolescência estavam bem nítidas, então resolvi ligar para Sasuke e perguntar sobre uma coisa para a qual da primeira vez não dei muita importância, mas agora era como se minha vida dependesse disso.

Peguei o "tijolo" em cima da cama e o segurei com carinho antes de abri-lo e procurar o número de meu amigo. Podia ser grande, mas era um dos melhores já fabricados. Liguei para Sasuke e ele atendeu no terceiro toque.

— Fala, Naruto! E aí, conseguiu se livrar deles?

Por um momento não entendi sobre o que ele estava falando, mas percebi com um susto que era dos meus pais.

— Er... na verdade não. Eu vou com eles, mesmo. Liguei para avisar e... Sasuke, você sabe se a Hinata conseguiu convencer o pai a deixá-la ir conosco?

— Que pergunta é essa agora, dobe? Interesse meio repentino, não?

Sorri. Ouvir novamente aquele ‘dobe’ e mais a insinuação que meu interesse em Hinata era repentino... Me fez acreditar mais do que qualquer outra coisa que estava mesmo revivendo minha adolescência.

— Só responde, teme.

— Humpf. Pelo que a Sakura disse, depois que soube que seus pais também iriam, ele permitiu, ainda mais por que Neji também vai.

— Que bom! — Respondi feliz. — Então nos vemos lá!

— Ei, espera aí! Já que você vai de carro com seus pais, eu vou também!

Uma dor estranha invadiu meu peito, como um mau-pressentimento. Por algum motivo eu sabia que Sasuke não deveria ir conosco. Nunca fui de dar muita atenção a presságios, mas talvez devido a tudo que estava vivendo, resolvi dar uma desculpa qualquer. Eu não entendia por que estava sentindo aquilo, porém sabia que não devia desprezar essa sensação.

— Ahn... acho que não vai dar, teme. Sabe como é minha mãe, o porta-malas não vai ser suficiente para a quantidade de bagagem que ela está levando e vai ficar um pouco apertado. — Vi que a desculpa era meio furada, então resolvi jogar a última e melhor cartada. — E você também não vai querer deixar a Sakura-chan ir sozinha na van, não é? Sabe como ela fica chateada...

— Hum... verdade. Então nos vemos lá, dobe.

— Certo. Ah, e Sasuke?

— Que foi?

— Obrigado.

— Pelo quê, dobe?

— Por ser meu amigo.

— Você está bem? O que puseram no seu café?

— Ainda não tomei café.

— Então deve ser a fome... Tchau!

Desliguei o celular e fiquei olhando fixamente para ele, como se o aparelho pudesse me dar alguma resposta satisfatória para o que senti quando Sasuke disse que ia de carro conosco. Levantei os olhos e tive a impressão de ver um rosto no espelho, um rosto com óculos minúsculos e bandana. Killer Bee? Mas ao fixar meu olhar, não havia nada.

— Naruto, venha tomar café!

O grito de minha mãe, proveniente da cozinha, me despertou de meus devaneios. Troquei de roupa rapidamente, peguei minha mala, que já estava pronta ao lado da porta do quarto e desci. Apesar daquela sensação estranha que insistia em voltar a cada momento, estava mais feliz do que podia me lembrar em qualquer ocasião. Tomar o café-da-manhã com meus pais novamente, rindo e conversando como uma família, era muito mais importante do que qualquer outra coisa que eu podia desejar. Quando estávamos prontos para sair, tive vontade de abraçá-los, e foi o que fiz.

— Eu amo vocês! Muito!

— O que deu em você hoje, Naruto? — Meu pai perguntou, estranhando meu comportamento, mas ainda feliz pelo abraço.

— Nada. Só estou feliz por ter os melhores pais do mundo! — Respondi com um sorriso.

— Também amamos você, filho. — Mamãe me deu um sorriso tão grande que iluminava o quarteirão. — Temos orgulho de você. Lembre-se disso, não importa o que aconteça!

O que ela disse me deixou feliz, mas aquela sensação ruim se apossou novamente de mim. Sacudi a cabeça para espantá-la e entramos no carro. Enquanto saíamos de Konoha, fiquei observando toda a cidade, lembrando dos lugares que costumava ir com meus amigos, minha escola... Nossa, acho que agora terei que voltar a frequentá-la. Dei uma risada com o pensamento e minha mãe me olhou estranho, mas não perguntou nada.

Saímos de Konoha e tomamos a estrada que nos levaria até a casa de praia dos Yamanaka. Seria aproximadamente uma hora de viagem e íamos conversando alegremente. Depois de aproximadamente vinte minutos na estrada, uma leve garoa começou a cair, mas nada que fosse estragar a diversão. Lembrei-me de que da outra vez, alguns minutos depois de começar a garoar, uma chuva torrencial começou sem aviso. Fiquei um pouco preocupado quando realmente começou a chover forte e a visibilidade foi quase a zero.

— Teremos que parar em algum lugar e esperar essa chuva diminuir. — Meu pai comentou. — Há um posto de gasolina logo à frente, podemos ficar lá.

Já estávamos bem perto, podíamos divisar indistintamente as cores vermelhas que ornamentavam a fachada do posto quando aconteceu. Um caminhão que vinha na mão contrária tentou manobrar para também entrar no posto, mas perdeu o controle devido à pista molhada e veio derrapando em nossa direção. Meu pai tentou desviar, mas também perdeu o controle do carro. A última coisa que me lembro de ouvir nesse dia foi o grito desesperado de minha mãe.

Konoha, 30 de junho de 1997.

07h45m

Despertei e abri meus olhos, que se ofuscaram com a luz forte. Fechei-os novamente e dei um gemido, pois sentia dor em várias partes do corpo. Uma sensação de estar há muito tempo sem me mover me deixava trêmulo. Tentei me adaptar à luz forte, piscando várias vezes, até que consegui distinguir um quarto branco e asséptico. Hospital.

Subitamente todas as lembranças do acidente invadiram minha mente e mesmo sem conseguir me mover, fiz força para me levantar, caindo deitado logo em seguida e ouvindo vários bipes agudos, que faziam minha cabeça latejar ainda mais. Logo depois o quarto foi invadido por várias pessoas vestindo branco. Tentei perguntar sobre meus pais, mas minha voz não saía. Estava tão aturdido que mal conseguia entender o que diziam. Uma das pessoas saiu rapidamente do quarto, enquanto outros dois me examinavam e um terceiro verificava os aparelhos e medicamentos ligados ao meu corpo.

— Meus... pais... — Consegui crocitar, com a voz falha. Um dos médicos que me examinavam olhou-me com uma expressão que na hora pude identificar. Eu os havia perdido. Mais uma vez.

Comecei a chorar desesperadamente e os bipes enlouqueceram de novo. Distingui uma voz em meio ao meu desespero:

— Melhor sedá-lo...

Um torpor tomou minha mente e meu corpo quase imediatamente, amenizando o sofrimento que me tomava. Poucos segundos depois mergulhei em um sono sem sonhos.

Konoha, 30 de junho de 1997.

19h02m

Mais uma vez abri meus olhos, mas o local estava um pouco escuro. Apesar do peso em minha cabeça por causa dos sedativos, me lembrei de tudo. Dessa vez meus olhos permaneceram secos, e me perguntei de que havia adiantado ter voltado se não pude mudar o fato de perder meus pais. Fiquei encarando o teto, sem perceber que estava sendo observado.

— Então acordou, hein, moleque?

Olhei para o lado e vi Killer Bee encostado à parede, me olhando fixamente. A única coisa que veio à minha cabeça, saiu de meus lábios:

— Moleque?

— Bom, agora você voltou a ser. — Ele estava mais sério que o normal para ele. Nem rimas estava fazendo.

— E de que adiantou isso? Não consegui salvá-los da mesma forma. — Voltei a olhar para o teto, sentindo uma dor lancinante em meu peito. — Não consegui mudar nada.

— Errado. Lembra-se daquela carta que deixei com você? — Eu assenti e ele continuou: — Eu avisei, há coisas que não podem ser alteradas. Era a hora deles e nada do que você fizesse mudaria isso, mas dessa vez, pelo menos você pode se despedir e dizer o quanto os amava. Não deixe que isso estrague sua vida como fez da primeira vez. Você ainda tem amigos e alguém com quem compartilhar os próximos anos. Não jogue isso fora.

Pensei no que ele disse, mas duas coisas ainda me incomodavam. Uma era sobre o futuro já vivido, a outra, no que agora estava por vir. Ele devia ser realmente um anjo, pois pôde ler meus pensamentos.

— A garota Hinata morreu pelas próprias mãos da primeira vez. Isso muda o curso natural estabelecido. Não é certo fazer isso, mas ela é fraca. Cresceu sem o carinho de uma mãe e com o pai quase sempre ausente. Apesar de amá-la, ele não consegue demonstrar. Ela precisa de sua força para ser feliz. Não podemos viver por alguém, mas podemos ensinar a viver. Você foi fraco quando ela precisou, por isso não conseguiu salvá-la dela mesma. Mas pode fazer isso agora.

Continuei em silêncio, mas pensava em tudo o que ele dizia. Eu realmente havia aprendido a minha lição, mas será que aprendi a ser forte? Será que poderia ajudar alguém se nem mesmo sabia se poderia me ajudar?

— Tudo o que ela precisa é da força de seu amor. Mostre isso a ela e será recompensado. Não tente mudá-la. Ela o fará por si mesma.

Sabia que deveria, mas ainda estava muito ferido para conseguir agradecer. Eu ainda tinha meus amigos. Sasuke, Sakura... e Hinata. Ela precisava de mim e eu dela. Pensar nos outros dois trouxe novamente minha outra dúvida à tona. Fiquei agradecido por não precisar dizer nada, já que ainda doía um pouco falar, quando Killer Bee respondeu aos meus pensamentos.

— Quer ver o que os separou daquela vez? Não importa mais, tudo será diferente, mas pode ser útil conhecer os motivos por trás do que aconteceu. — Ele se aproximou de minha cama e ergueu a mão fechada em punho. — Toque aqui.

Com um pouco de esforço, estendi meu braço que não estava imobilizado num gesso e imitei seu gesto, tocando nossas mãos. Imediatamente uma sensação de alívio de toda a dor tomou conta de mim, enquanto uma luz branca e brilhante nos envolvia.

Tokio, 28 de setembro de 2006.

22h28m

A porta do apartamento espaçoso e bem decorado se abriu, deixando entrar uma Sakura transtornada e com os olhos ainda vermelhos pelo choro. Atrás vinha Sasuke, com a expressão impassível de sempre, mas seus modos deixavam transparecer seu abatimento.

Os dois já eram adultos, tinham por volta de vinte e cinco anos. Estavam vestidos formalmente, a jovem com um vestido vermelho longo e o rapaz de smoking. Sakura, assim que entrou, dirigiu-se ao grande sofá branco que ocupava o meio da sala, e jogou-se sobre ele, recomeçando a chorar, com o rosto escondido nas mãos.

Sasuke viu aquela cena, e por um breve momento uma expressão de dor tomou sua face, dissolvendo-se logo em seguida. Seguiu para o sofá e se sentou ao lado da esposa, colocando as mãos delicadamente em seus ombros curvados.

— Sakura, precisamos superar isso. — O rapaz fechou os olhos, tentando encontrar as palavras certas para amenizar a dor da moça. — Também dói em mim vê-lo daquela maneira, mas ele escolheu assim. Fizemos tudo o que podíamos.

— Se-será que fizemos mesmo, Sasuke-kun? Ele sofreu tanto... — Ela disse ainda sem levantar o rosto. — Eu a-acho que poderia tê-lo ajudado mais... de alguma maneira. Ele era tão feliz, tão sorridente... sempre nos deu força quando precisamos, nos apoiando e incentivando.

— Pode parecer horrível o que vou dizer, mas ele escolheu isso. Vou respeitar sua vontade.

— Mas... Sasuke-kun!

— Eu sei exatamente o que está sentindo. — Ele abaixou a cabeça e deu um suspiro. — Também queria poder fazer alguma coisa... mas não podemos ficar dessa maneira sempre que o virmos andando por aí!

— E-eu... queria ser forte como você, mas não posso! Fico pensando que se talvez eu tivesse dado uma oportunidade quando ele me pediu, as coisa não teriam terminado assim! — Sakura se levantou e começou andar impacientemente, de um lado para o outro. — Ele me amava! Se eu estivesse ao lado dele quando precisou de mim... poderia ter sido diferente!

— Não se engane, Sakura. — Sasuke tentou aparentar indiferença ao dizer isso, mas as palavras proferidas pela esposa o machucaram tanto que as suas saíram trêmulas. — Ele não te amava! Era apenas mais uma maneira de competir comigo. E mesmo se fosse verdade, nada do que você fizesse poderia ter mudado o que ele decidiu!

— Você acha mesmo que sou tão insignificante? — Ela parou com uma expressão triste e virou-se para Sasuke. Sua voz mostrava a mágoa que sentiu ao ouvir o que o marido disse. — Acha mesmo que eu não faria nenhuma diferença na vida dele?

— Não foi isso que eu quis dizer. — Ele levantou os olhos e a encarou, sem demonstrar a dor que sentiu ao saber que a pessoa que sempre amou, sequer cogitou a hipótese de não estar com ele para ajudar um amigo. — Você ficaria com ele, mesmo sem saber se isso poderia mudar o que sentia? Se pudesse voltar atrás, tentaria fazê-lo feliz?

— Sim. — Foi um sussurro atormentado, mas verdadeiro. Amava Sasuke com todas as suas forças, mas ver o melhor amigo andando por aí como um zumbi, sem vida, sem amigos, sem felicidade, estava a levando à loucura. Não sabia se poderia mudar alguma coisa, mas sabia que tentaria. — Me desculpe.

— Tudo bem, Sakura. — Sasuke fechou os olhos para poder dizer as palavras que sabia que acabariam com todos os seus planos e felicidade. — Acho que acabou para nós. Não conseguiremos ser felizes com essa sombra em nossas vidas. É melhor cada um seguir seu caminho de agora em diante.

Ela não conseguiu dizer nada. Parecia que a sombra do amigo de infância, praticamente o irmão que nunca tiveram, estava mais presente naquela sala do que quando foram visitá-lo, há um mês. Fez um esforço tremendo para dizer o que precisava naquele momento, mas sua voz saiu em apenas um sussurro:

— Me perdoe, Sasuke-kun...

O rapaz viu a esposa correr para o quarto, e antes que ela batesse a porta com força, ainda ouviu as palavras sofridas que escaparam de seus lábios:

— Naruto...

Ele também não conseguiu se segurar. Recostou-se no sofá como quem carregava o peso do mundo em suas costas, e uma lágrima solitária escapou de seus olhos, pouco antes de um nome, nada mais que um sopro, ser proferido:

— Naruto...

Ele deixou a casa no dia seguinte e alguns meses depois ele e Sakura estavam divorciados. Nunca superaram o amor que sentiam um pelo outro, mas ela também não teve coragem de procurar o amigo de infância. Sasuke saiu do Japão, tentando esquecer como sua vida fora destroçada em questão de meses e nunca mais voltou.

Konoha, 30 de junho de 1997.

19h15m

— Eu... não posso acreditar... — Disse com os olhos marejados. — Como uma pessoa tão idiota, que estragou a vida de tantas pessoas, pode merecer uma segunda chance... Isso só pode estar errado!

Minha garganta doía com o esforço para dizer aquilo. Killer Bee viu minha angústia, pegou um copo com água numa mesa ao lado da cama e me ajudou a beber. Foi um alívio. A dor e a tristeza que sentia não me deixavam perceber que era daquilo que eu precisava para amenizar a dor na garganta, mas o anjo notou.

— Fique calmo, dude! Isso já passou e não vai acontecer de novo se não permitir. Só depende de você agora, lembra?

— Por quê?

— Hein?

— Por que eu, Killer Bee? Acho que de todas as pessoas do mundo, sou a última a merecer uma segunda chance para consertar tudo...

— Antes de qualquer coisa... — Olhei para ele ansioso. — Me chame só de Bee. Ok? Killer Bee parece muito formal.

Franzi os cenhos. Esperava uma resposta séria e era isso que vinha? Devia ser esse o meu castigo por ser tão estúpido. Olhei feio para ele.

— Relax, bro’! Quer mesmo saber por que o escolhi? — Assenti o mais vigorosamente que consegui, devido à imobilidade e dores. — Uma pessoa perfeita não precisaria disso, percebe? Quem não tem erros, não tem o que corrigir. Nós, anjos, existimos para ajudar justamente quem erra, quem precisa ser ajudado. Desculpe a sinceridade, mas você foi um dos piores casos que encontrei... Conseguiu, com poucos atos, e quase nenhuma palavra, acabar com a vida de pelo menos seis pessoas diferentes. Você veio ao mundo destinado a ser um anjo na Terra, tinha tudo para mudar para melhor a vida de todas essas pessoas, mas fez justamente o contrário.

— Um... anjo na Terra?

— Isso aí! Você tem um dom... sabe disso não é? — Abaixei a cabeça. Meus pais sempre falavam sobre isso, de meu dom de levar a felicidade para quem encontrasse, sem esforço, apenas com o sorriso e alegria de viver. — É, você sabe. Mas se perdeu no meio do caminho. O que era para ser luz, virou escuridão. Deixou-se dominar pelo ódio e pela vingança. A primeira pessoa que você salvou desse caminho foi seu amigo Sasuke. Ele é órfão, perdeu os pais da mesma forma que você, assassinados, mas você conseguiu trazer de volta o que ele tinha perdido. Mesmo o ódio pelo irmão Itachi, doente mental, você conseguiu fazê-lo superar. E era só uma criança de nove anos! Mas se deixou levar pelas mesmas emoções alguns anos depois...

Fechei os olhos e me lembrei de todo o meu esforço com meu melhor amigo. Itachi, que sempre fora acometido por problemas psiquiátricos, em um de seus ataques, havia assassinado Fugaku e Mikoto, pais de Sasuke, na frente do irmão de sete anos. Foi internado em uma clínica depois do ocorrido e, mais ou menos nessa época, conheci Sasuke. Ele havia se mudado para Konoha junto com seu tio, Tobi, completamente irresponsável, apesar de extremamente feliz. Nada, nem ninguém conseguiam se aproximar do garoto, mas por algum motivo misterioso, ele me aceitou como seu amigo quase imediatamente. Sempre brigamos, muitas vezes chegando em casa rasgados e cobertos de sangue, mas eu era a única pessoa que conseguia alcançar o verdadeiro Sasuke de alguma forma. Durante muito tempo lutei e me esforcei ao máximo para que ele saísse de sua concha, e de algum jeito consegui. Mesmo quando Itachi morreu em decorrência de um ataque dois anos depois, fiquei ao lado dele e o expliquei porque tinha pena de seu irmão. Ele não entendeu facilmente, mas com muita persistência, consegui que aceitasse meu ponto de vista. Meu amigo nunca conseguiu mudar seu jeito, a maneira de tentar esconder toda e qualquer emoção de todas as pessoas, mas eu o entendia, afinal não é fácil ver seus pais morrerem na sua frente, porém era apenas por fora, eu sabia disso. Conseguimos ter uma adolescência feliz e normal, até o que aconteceu comigo. Sasuke bem que tentou, e sei que com todas as forças, fazer alguma coisa por mim, como eu fiz por ele, mas não pôde. Eu não deixei.

— Bee... eu vou fazer tudo certo dessa vez! Meus amigos precisam de mim, Hinata precisa de mim! Não vou me deixar levar por sentimentos inúteis e errados... — Abri os olhos e encarei o anjo que me salvou de meu tormento. — Obrigado.

Ele não disse nada, apenas sorriu. Passou a mão sobre meus olhos e quando os abri novamente, estava sozinho. Suspirei, mas sabia que minha missão estava apenas começando.

Continua...


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Notas finais do capítulo

É possível que seja mais um cap e o prólogo, mas sai ainda em 20/12. Depois dessa data perderia a graca...

*

see you soon!



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