Rise Again escrita por Fanie_Writer


Capítulo 7
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Olá amores!!!
Primeiro gostaria de dizer que estou imensamente feliz com o aumento de número de leitores e de participações aqui na fic!
Isso é muuuuuuito motivador viu!
E fiquei feliz também de ver que temos algumas Team Peeta aqui!!! Sim, galera, é isso mesmo!!! SEJAM MUUUUUITO BEM VINDAS!!!
Bem, confesso que eu estou numa ansiedade puuuuraaaa com o desenrolar dessa história... Não sabia se estava mais ansiosa para postar o capítulo 7 ou mais ansiosa para postar o 8 pq nele tem uma reviravolta tremenda que... bem, deixa que quando vcs lerem vcs vão se afligir junto comigo!!Hehe
Até lá, boa leitura e nos vemos nas notas finais.



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Eu ainda não sabia se o que fazíamos era certo. Mesmo com o consentimento de Peeta, aquilo parecia quase um crime.

- O que foi?! – Katniss sussurrou.

Quando me movi para olhá-la, meus olhos sobrecaíram de novo sobre as Primroses abaixo da janela da casa ao lado.

- Tem certeza de que quer fazer isso?

- Não é isso que Peeta quer que façamos?

Puxei o ar com força aos pulmões e engoli sua resposta.

- Claro.

Posicionei o leitor biométrico móvel no encaixe escondido atrás de uma falha na madeira do batente da porta.

Segundos depois, uma luz verde piscou e a voz robótica mostrou que o leitor havia ganhado vida.

- Seja bem-vindo de volta senhor  Mellark. Digite a senha.

Katniss me passou o papel com as instruções de Peeta que estavam no cofre. Conforme eu suspeitava, fosse o que fosse que ele estivesse tentando esconder, não estaria tão facilmente em um cofre próximo à sua esposa e filhos. Ele deixara uma trilha de migalhas para ser seguida.

E isso não poderia ser boa coisa e não levaria a um bom lugar.

Digitei no painel digital a sequência numérica deixada por Peeta: 644.485.625.

Quando a porta da frente se abriu, eu e Katniss demos um passo para trás.

- Nightlock. – ouvi ela sussurrando a palavra correspondente à senha numérica, sabendo que ela estava perdida em memórias novamente.

Quando olhei para ela, seus dedos seguravam com força contra seu lábio inferior a pequena pérola que pendia em um cordão de ouro. Um segundo fio dourado adornava seu pescoço e sustentava um medalhão. Me lembrei que ambos eram presentes de Peeta na segunda vez que estiveram na arena.

Pressionei os lábios com força, contendo a inveja e a raiva que ameaçavam despertar dentro de mim e caminhei para dentro da casa de Peeta.

Os cômodos estavam escuros e havia um cheiro forte, como de resina ou tinta, misturado ao de mofo inundando meus pulmões. Procurei pelo interruptor, mas a luz não melhorou minha impressão sobre a morbidez do lugar, apenas realçou as moléculas de poeira que voavam conforme nos mexíamos.

As paredes eram pintadas do mesmo tom esverdeado que das outras casas dos vitoriosos, mas não havia a mesma atmosfera de conforto e aconchego que a casa ao lado.

No lugar da mobília tradicional havia cavaletes, potes de vidro, pincéis, alguns tapetes, cadeiras e quadros. Muitos quadros.

Em todos os lugares que a vista alcançava haviam quadros.

Dei dois passos à frente e mexi nas telas grandes que estavam encostadas na abertura da lareira, bloqueando-a. Contei oito, todas retratando a primeira vez que Peeta esteve nos Jogos.

Fiquei detido na tela que estava na frente de todas. Eu havia assistido àquela cena, em que Katniss estava encurralada no alto da Cornucópia, entre o garoto desvairado do Distrito 2 e as mutações infernais que queriam estripá-la. Era como se eu estivesse diante da grande tela posta na frente do Prédio da Justiça, sentindo a mesma angústia que senti ao ouvi-la gritar desesperada pela vida de Peeta. Naquela época eu queria fazer algo, mas não podia e o Capitol podia fazer, mas não queria.

Soltei o quadro com asco e dei um passo atrás, olhando tudo o mais. Peeta passou todos esses anos usando a pintura como terapia. Era como Katniss falando com o Doutor Aurélius, antes do psiquiatra falecer sete anos depois de ela ser exilada no Doze.

Fiquei concentrado no redemoinho de memórias do Peeta, que iam de imagens sombrias e confusas a retratos nítidos e claros de suas memórias. Das mais felizes às mais perturbadoras. Cores nebulosas se misturando pitoresca e precisamente às alegres.

Então um silvo baixo chamou minha atenção, me distraindo.

Pensei que Buttercup pudesse ter nos seguido, mas então meus olhos sobrecaíram em Katniss.

Ela estava encurvada sobre seus joelhos, com as mãos na nuca, forçando sua cabeça para baixo. A última vez que a vi fazer isso, ela estava pisando nas cinzas do que havia sobrado de nosso distrito após o bombardeio que mudou o destino de todos nós.

Dei um passo largo e ansioso na sua direção, mas antes que eu pudesse tocá-la, ela estendeu uma mão me impedindo. Mas em nenhum momento me tocando.

- Me desculpe... Isso... Isso é demais para mim.

- Quer que eu te ajude a...

- Não. Eu vou sozinha. Eu preciso ir sozinha...

Não soube exatamente quanto tempo passou até que ela finalmente se moveu de sua posição preocupante. Nesse intervalo, o silêncio só era quebrado pelo padrão forte e desesperado de sua respiração, como se ela fizesse um esforço muito grande para se concentrar. Eu já tinha visto ela fazer isso também.

Katniss se ergueu cambaleante e eu resisti ao impulso de ampará-la em respeito ao seu pedido de querer voltar para casa em suas próprias pernas.

Fiquei em pé, no meio das memórias de Peeta, observando Katniss cambalear para fora da casa segurando o pingente de pérola e cantarolando baixo uma canção que não consegui identificar por quase não sair de seus lábios.

Ofeguei.

Aquilo tudo era emocionalmente desgastante demais, inclusive para mim.

Desamassei o papel que estava entre minhas mãos e reli as palavras de Peeta.

Gale,

Não que eu esteja te superestimando, mas eu tinha certeza que apenas você saberia decifrar meus enigmas. E se você chegou até aqui, acredito que chegará até o fim.

Mas eu preciso que você mantenha tudo em segredo pelo máximo de tempo que puder, para proteger Katniss e meus filhos.

Para ser sincero, ainda não tive tempo suficiente para juntar todas as peças do quebra-cabeça e se você está lendo isso é porque eu não o posso fazer mais. Mas eu sei que você pode, principalmente com a posição que ocupa no governo.

Entretanto, esse mesmo cargo poderá te oferecer riscos, por isso espalhei todas as informações que eu descobri para que não sejam tão facilmente acessadas.

Abaixo, segue um diagrama com os números da senha que vai precisar para entrar na minha casa. A próxima pista para esse enigma está lá.

Encaixe o leitor biométrico que deixei para você na madeira frouxa no batente da porta da frente, onde está oculta a outra metade do leitor. Irá aparecer um display parecido com o do diagrama. Cada número representa uma letra da palavra “Nighlock”.

Depois que entrar na minha casa, quero que procure um quadro. Sim, um quadro.

Preciso que você veja o que eu vi, para entender o que eu entendi. Vai saber de qual quadro estou falando, assim que o encontrar.

E Gale, lembre-se: Não confie em nada nem ninguém, além da sua intuição. E em Katniss, claro.

Que a sorte esteja sempre a seu favor,

Peeta

Ergui minha cabeça e olhei novamente ao redor e fiz uma careta. Peeta estava querendo que eu encontrasse a famosa agulha no palheiro.

- Vamos ver então se você era bom mesmo em esconder coisas, mestre da camuflagem. - disse para as paredes e os quadros.

Passei a próxima hora olhando minuciosamente cada quadro que estava na sala de estar. Em cada um, eu tentava ver o que quer que seja que Peeta viu, para entender o que diabos ele queria que eu entendesse.

Confesso que em alguns quadros eu não consegui dispensar muita atenção. Não por má vontade, mas era por ser difícil demais para mim. Era torturante demais ficar olhando Katniss distraída observando a paisagem do Meadow, ou ela em suas várias fases de gestação, ou o retrato de contidos sorrisos pintados em vários ângulos.

Pior ainda era vê-la ensanguentada, sombria ou distorcida de um jeito quase abstrato, conforme a visão de Peeta sobre a participação dela na arena e na rebelião variava.

Segui pelos cômodos restantes, trombando na cozinha em uma mesa com várias bisnagas de tinta e pincéis. Mais uma hora e meia se passou e eu continuei analisando quadros.

A essa altura, já estava começando a entender alguns padrões das pinceladas de Peeta.

Nos quadros que representavam seus fantasmas dos Jogos e dos dias anteriores à Grande Revolta, as pinceladas eram grossas, com excesso de tinta que, em alguns lugares, deixavam as imagens em relevo. Era como se ele pintasse com pressa, força e raiva.

Já os quadros que representavam seus momentos de lucidez plena, eram completamente diferentes. Era quase como se uma pessoa de personalidade totalmente contrastante os pintasse. As pinceladas eram suaves como as tonalidades de cores usadas e havia uma certa leveza e calma que dava um ar estático à pintura, mas de um jeito natural.

De um lado, Peeta retratava a violência conforme ela passava como em um filme diante de seus olhos. Por outro lado, havia a paz e felicidade que ele tentava manter com a mesma naturalidade com que amava Katniss.

Depois de contornar todo o espaço que deveria ser destinado à cozinha, mas que também fora feito de depósito de quadros, subi as escadas para o segundo andar.

Os únicos cômodos que não haviam qualquer pintura ou material para pintura eram os banheiros. Mas todos os quartos estavam tão abarrotados de quadros quanto o restante da casa.

Retomei a análise de quadros, sem obter nenhum sucesso no primeiro quarto. A única diferença que encontrei era que nesse quarto havia retratos de Fin, Prim e até mesmo Haymitch.

Caminhei pelo corredor, tossindo um pouco por estar a tanto tempo exposto àquele ar tóxico e empoeirado.

Puxei um banquinho que estava ao canto do cômodo seguinte e me sentei diante de uma pilha de quadros apoiado contra a parede frontal. Da janela era possível ouvir o som da ronda dos guardas da madrugada, caminhando nas ruas do Doze.

Analisei todas as 31 telas com o máximo de cautela que o cansaço me permitia. E então senti minha espinha dorsal esfriar.

A tela de número 32 era parecida com uma que era um redemoinho de sorrisos que eu vira na sala. Mas essa, era tão assustadora porque, ao invés do sorriso de Katniss, eram seus olhos que Peeta retratara.

Ver aqueles olhos cinzentos inicialmente me perturbou de tal maneira que meu primeiro impulso foi me levantar para ir embora e esquecer que um dia eu voltei ao Doze.

Mas esse choque foi passando gradativamente, conforme meu peito se aquecia em analisar cada expressão daquele olhar. Era como viajar em minhas próprias memórias pela primeira vez desde que entrei nessa casa.

Clic.

Ouvi o som das engrenagens se encaixando de novo na minha cabeça.

Puxei a tela para cima, apoiando-a no banquinho que eu estava sentado e então comecei a vasculhá-la com os dedos.

A parte de trás do quadro era fechada por um material parecido com acrílico, porém mais resistente, como se a tela fosse uma grande caixa ou cofre. Vasculhei no bolso de minha calça até encontrar a chave que Peeta havia deixado no primeiro cofre.

Como eu esperava, a fechadura quase imperceptível no canto inferior acomodava perfeitamente a chave.

Dentro do cofre-quadro, tinha um pedaço de tecido e mais uma carta com instruções de Peeta.

Gale,

Precisava ter certeza que apenas você chegaria até aqui. Por isso, acredito que agora seja hora de mais esclarecimentos.

Como deve ter percebido, quando você me enviava suas cartas, eu nunca respondia imediatamente. Inicialmente – quase sempre -, minha vontade era de rasgá-las, queimá-las ou engoli-las, porque eu sentia ciúmes da maneira como você se preocupava e sentia a falta de Katniss. E também de como ela sentia a sua, mesmo em silêncio.

Geralmente, quando isso acontecia, desencadeava tudo o que eu tinha de pior. E então eu fugia...

Fugi muitas vezes para o escritório de nossa casa. E como você pôde perceber, fugi muitas outras vezes para a minha casa, que eu transformei em um secreto ateliê onde eu poderia colocar para fora tudo o que havia de pior em mim, sem que Katniss visse. Simplesmente odiava a ideia de vê-la encarando meus fantasmas sendo que ela já tinha seu próprio filme de terror para encarar.

Mas eu também fugi algumas vezes para a floresta. Acredito que ela não saiba disso, até porque, até onde eu me lembro, ela acha que eu odeio aquele lugar. Parte disso é consequência dos jogos... Parte disso é porque eu me lembrava que ela sempre amou aquele lugar por causa do tempo que passou lá com você.

Pois bem, numa dessas fugas à floresta, encontrei durante uma caminhada noturna uma garota que estava mortalmente ferida. Pelas roupas eu identifiquei como soldado, mas era difícil dizer ao certo o que, quem ou de onde ela era já que chovia muito, havia muito sangue e muita lama.

Quando ela me viu, entregou para mim esse mapa – que já estava rasgado –, uma arma – que eu fiz questão de jogar fora, mas que depois pensei que seria melhor ter guardado para você - e esse pedaço de pano. Entre gemidos de dor, ela me alertou para que avisasse as autoridades de meu país contra um possível ataque terrorista.

Suas últimas palavras foram um pedido para que eu a enterrasse na floresta.

Não entendi ao certo sobre o que ela estava falando na época, mas iniciei uma pesquisa com o que ela havia me dado. Foi algo difícil porque, além da falta de acesso a fontes de informações aqui no Doze, eu tinha que lutar contra meus momentos de divagação. E quando não eram os meus demônios a serem exorcizados, eu tinha que exorcizar os de Katniss.

Mas o essencial é que, se minhas pesquisas estiverem certas, não estamos sozinhos.

Aparentemente, os dias que antecedem os Dias Negros não deixaram como herança apenas Panem. De acordo com lendas e histórias de pessoas mais velhas – que eram minha principal fonte de pesquisa -, existe outro lugar como Panem. Talvez maior e até mais desenvolvido.

Não sei até que ponto isso é verdade, mas eu sei que aquela garota na floresta era real. Não era uma criação da minha cabeça.

Então Gale, confio a você esse segredo da mesma forma que mantive secretas as suas cartas.

Mas sugiro novamente que não confie em nada e em ninguém. A não ser que você já tivesse conhecimento dessa informação – o que eu duvido -, não há ninguém no governo que seja confiável.

Ao longo dos anos, nunca ouvi falar em nenhum ataque terrorista de outro país, mas, se a garota da floresta estava tão certa quanto aparentava estar em sua agonia, então devemos estar prontos para tudo.

Peço que, assim que ler essas instruções, queime tudo. Fique apenas com o essencial para terminar o que eu comecei.

Sugiro que não repasse essa informação adiante sem necessidade e confiança. E evite qualquer meio de comunicação que possa ser rastreado, invadido ou roubado.

Já te pedi isso uma vez na minha última carta que enviei a você, mas reivindico o direito de pedir novamente: cuide de Katniss por mim.

E como você viu no quadro que deixei para você, ela se preocupa com você tanto quanto você se preocupa com ela. Acredito até que ela pensou em você nesses anos tanto quanto você pensou nela. Ou até mais.

Nunca fomos amigos e mesmo se tudo tivesse sido diferente, jamais seríamos. Mas te respeito por tudo o que você fez.

Obrigado,

Peeta.

Minha testa ainda estava enrugada de perplexidade. Deixei a carta de lado e olhei para o pedaço de pano em minha outra mão.

Imediatamente me veio à memória a presidente Paylor e sua pasta preta com fotografias aéreas de um lugar estranho. Lembrei a foto da cápsula de transporte que tinha o mesmo desenho daquele pedaço de pano.

Dobrei o pano com cuidado e coloquei no bolso de minha calça, junto com o mapa. Tirei a chave do fecho e peguei a tela-cofre em minhas mãos, analisando as dezenas de pares de olhos acinzentados com cuidado.

Por um momento desejei levar essa tela embora comigo, mas no segundo seguinte desisti da ideia. Em nenhum momento Peeta me autorizou a me apoderar de suas memórias, ele quis apenas que eu penetrasse nelas até o ponto em que houvesse similaridade com minhas próprias memórias.

Ver o que eu vi, para entender o que eu entendi.

Além disso, se esses quadros ainda estavam aqui, era porque ele queria que ficassem aqui.

Mexi na pilha de telas para acomodar a pintura dos olhos de Katniss em seu devido lugar, mas então minha atenção foi roubada para o último quadro que eu havia ignorado.

O cheiro de tinta parecia mais forte neste e a camada de poeira ainda não havia se acumulado como em tantos outros do mesmo grupo naquele cômodo.

Eu senti como se o chão sob meus pés fosse de areia e não consegui entender ao certo por que meu ouvido retumbava com tanta força. Ah, sim... não era o ouvido, era o coração.

Meus dedos afrouxaram o aperto na tela dos olhos, deixando que ela caísse em seu devido lugar. Deixei o baque seco do encontro entre a madeira do chão com a estrutura de madeira do quadro ecoar pelo cômodo, e então eu agarrei a última tela.

Eu fiquei tentando buscar na minha mente quando Peeta pôde ter visto aquela cena. Não soube precisar.

Pelas roupas que usávamos ainda estávamos no Seam de antes da revolta, antes do bombardeio... Antes até da Colheita que mandou Katniss para a arena pela primeira vez. Na imagem, Katniss segurava nossos arcos e a bainha de flechas estava pendurada no ombro enquanto eu carregava nossas caças do dia.

Pela distância retratada, parecia que havíamos acabado de passar pela cerca elétrica e nossos pés indicavam que iríamos tomar a direção do Hob.

Nossos rostos carregavam o frescor da jovialidade, embora ficasse nítido nas linhas de expressão as preocupações que os tempos de guerra nos tirou. Naquela época havia apenas dois adolescentes com pais mortos, tentando sustentar suas famílias caçando ilegalmente na floresta dominada pelo punho de ferro do Capitol.

Não. Não era apenas isso. Havia algo mais...

Olhávamos um para o outro com uma expressão leve, mas profunda. Como se parecesse que nada, nem mesmo a guerra, poderia apagar o sentimento de paz e união que aquele momento que partilhávamos podia nos dar.

E Peeta captou isso. Mas como?

Éramos tão jovens que eu duvidava muito que ela e Peeta se conhecessem além da escola. Ainda mais que, antes de tudo o que aconteceu a partir dos Jogos, ele pertencia ao lado do Doze mais abastado. Um mundo completamente diferente daquele em que Katniss e eu vivíamos.

A não ser que Katniss tivesse contado...

Mas com tamanha riqueza de detalhes?

Impossível.

As palavras de Peeta voltaram à minha mente: Preciso que você veja o que eu vi, para entender o que eu entendi.

Mas, por mais que eu pensasse nisso, eu não sabia mais como interpretá-las.

Ainda estava escuro quando eu arranquei o leitor biométrico do batente da porta e enfiei no bolso da calça.

O vento estava gelado e cortante e uma chuva fina, mas persistente, deixava o chão de cascalho sob meus pés lodoso e barulhento.

Caminhei até a casa ao lado com a cabeça baixa, tentando me proteger do frio e me escondendo das malditas Primroses que sempre me amedrontavam.

Bati com os nós dos dedos na porta, mas, como ela estava aberta, rangeu ao ritmo do vento.

Na sala, perto da lareira, encontrei Katniss sentada em um tapete felpudo, vestindo a velha jaqueta de caça de seu pai. Ao seu redor, havia mais um tapete, mas dessa vez de cartas.

Ela piscava distraída, hipnotizada pelas chamas baixas que crepitavam na lareira e aqueciam o cômodo.

Fechei a porta atrás de mim.

- E então, o que encontrou? – ela sussurrou ainda encarando a lareira.

- Pensei que estivesse dormindo.

- Não, não pensou. Se tivesse acreditado nisso, teria ido embora.

Ela me encarou pela primeira vez. Seus olhos estavam inchados e vermelhos, mas não havia mais outro sinal de lágrimas em seu rosto.

- Na verdade, depois de tudo o que eu vi na casa ao lado, não sei o que estou fazendo aqui.

Enfiei minhas mãos nos bolsos, me afundando naquela onda de emoções que eu sentia. Era como se eu estivesse dentro de um poço profundo e escuro, com água até o pescoço e a certeza de que a qualquer momento eu iria me afogar.

Nesse meio tempo de debate interno, Katniss me ofereceu um cobertor, que eu não havia reparado antes.

Caminhei a passos errantes em sua direção e me sentei ao seu lado. Ela me estendeu o cobertor para que eu me aquecesse. Só percebi o quanto estive com frio quando nossos dedos se encontraram muito brevemente e eu senti o calor de sua pele.

- Peeta era um artista incrível... – disse, sem saber ao certo o que dizer.

Encarei as chamas à minha frente, enquanto me acomodava debaixo do cobertor.

- Concordo. Mas não é sobre Peeta que quero conversar hoje... – quando eu a encarei, ela acrescentou – É sobre você e suas cartas. Por que você nunca me telefonou para dizer tudo isso o que disse para o Peeta?

Ela acenou com a mão para o tapete de cartas. Identifiquei minha caligrafia em algumas e a de Peeta misturada em outras.

- Mas eu telefonei... Logo no início. Assim que você veio para cá eu ligava, assim como Effie, Plutarch e aquela garota estranha de sua equipe de preparação.

- Octavia me ligou?

Meneei a cabeça afirmando e ela suspirou. Seus dedos beliscaram a ponta de um envelope perto de seu tornozelo.

Longos minutos se passaram e a ponta do envelope já estava enrugada quando ela voltou a me encarar.

- Eu senti sua falta.

Não sei se a lareira estava fazendo efeito ou se era resultado das palavras de Katniss, mas eu me senti subitamente aquecer. Acho que o calor de suas palavras estava me deixando meio molenga por baixo do cobertor porque eu senti meus ombros relaxarem.

Fui fisgado por seus olhos espelhados, cujo reflexo eram as chamas da lareira. Minha vontade era de me deixar ser tragado por eles enquanto a mantinha apertada e segura em um abraço.

Mas me contive.

- Eu também senti sua falta Catnip. – disse esboçando um sorriso. Ela demorou, mas correspondeu.

- É, eu li. – ela apanhou um punhado de papéis e sacudiu entre nós como um leque. – Mas isso não muda o fato de que você não quis me procurar.

- Como eu poderia, depois de nossa última conversa? Depois de tudo o que aconteceu?

- Por que então agora?

- Que diferença faz agora ou antes?

- Pra mim, faz muita diferença.

- Por quê? Você não seguiu com sua vida?! Deveria estar satisfeita com isso.

- A questão aqui não sou eu, mas você. Por que você não seguiu em frente, hein? Poderia ter se casado, ter filhos... Mas não teve, por quê?

- Não respondeu minha pergunta Katniss.

- E você não respondeu nenhuma das minhas.

- Isso é um interrogatório então? Que grande evolução tivemos com a nossa conversa! Dos esclarecimentos que devíamos um ao outro para uma enxurrada de perguntas sobre minha vida amorosa!

- Pelo visto não é apenas sua patente que ficou alta, mas também o seu ego! Ainda não acredito que ouvi você dizendo que considera as mulheres que leva para a cama como vida amorosa!

- Você está colocando palavras na minha boca... Aliás, está tão ressentida por quê? Que eu me lembre, você perdeu qualquer direito de me questionar sobre com quem eu transo ou deixo de transar quando decidiu que sua vida ao lado de Peeta já estava traçada.

- Por que está fazendo isso comigo? Da forma como você diz é como se eu tivesse alguma escolha.

- Você tinha uma escolha.

O ar, de repente, parecia mais pesado quando Katniss não me retrucou. O silêncio ecoou pela casa e a chuva do lado de fora parecia mais grossa e barulhenta, conforme batia contra o telhado.

A distância que havia antes entre nós já quase não existia e a respiração quente e rápida de Katniss batia tão forte contra meu rosto que eu quase podia me lembrar do gosto de seus lábios.

Só de pensar nisso, foi impossível não abaixar meu olhar.

Tão rosados, pequenos, carnudos... tão tentadores entreabertos daquela maneira petulante e tensa...

- Mamãe?!

Me afastei abruptamente antes que eu fizesse algo que pudesse me arrepender depois. Caí sentado na mesma posição de antes, só que mais ofegante.

Do alto da escada, com metade de seu corpo miúdo nas sombras e metade da luz, Prim observava a toda a cena.

- Querida, o que faz acordada a essa hora?

- Ouvi gritos... Achei que fossem seus pesadelos. Você bem? – os olhos azuis da garotinha estavam fixos agora em mim, mas não eram em nada ameaçadores, apenas cautelosos.

- Estou sim, querida. Volte para a cama. Depois eu vou lá para te dar um beijo.

Prim vacilou por um instante, mas então decidiu obedecer. O último som que ouvimos foi o da porta do quarto das crianças se fechando e então voltamos a afundar no silêncio até que Katniss o quebrou com um sussurro.

- O que aconteceu conosco?

Ela não parecia estar perguntando para mim, mas mesmo assim respondi:

- Muita coisa aconteceu Katniss.

- Ele conseguiu... – ela encarava as chamas novamente. Fiquei esperando ela continuar, mas a resposta estava demorando demais.

- Quem?

- Snow. Ele conseguiu cumprir com suas ameaças... Ele conseguiu tirar tudo de mim. Até você. Mesmo hoje, depois de tanto tempo ele continua encontrando meios de me torturar.

Aquilo me rasgou por dentro.

Eu era um idiota mesmo e merecia ser açoitado por cada uma das vezes que eu feri Katniss apenas essa noite. Por que eu simplesmente não conseguia me controlar?

Eu não sabia ao certo o que dizer a ela, então me calei com medo de causar mais uma discussão. Mas a culpa por não ter nada para dizer me corroeu por dentro.

- Eu não penso mais... – ela sussurrou.

- No quê? – retruquei com o restante de ar em meus pulmões, sem encará-la.

- De quem era a bomba. – voltei a procurar por seus olhos, mas ela não me encarava de volta. Ao invés disso, ela estava ajuntando todas as cartas em um montinho com movimentos tão lentos e cuidadosos quanto suas palavras - Deixou de ter importância no instante em que você saiu por aquela porta e me deixou diante daquele espelho há quinze anos. Mas eu só percebi isso quando terminei de ler todas essas cartas, suas e de Peeta, e pude admitir para mim mesma o quanto senti sua falta.

Como era possível num instante eu estar lutando para manter minha cabeça acima da água turva que era minha consciência e então, no momento seguinte, me sentir tão vivo como se fosse uma criança?

Eu não sabia, apenas sentia.

E eram sentimentos tão fortes que chegavam a me fazer sentir falta de ar com o aperto em meu peito. Aquela chama que ela acendeu dentro de mim era muito boa. Muito boa e ao mesmo tempo viciante, doentia e cruel.

Não era de propósito, eu via isso na expressão de Katniss. Ela estava apenas se abrindo para aquele que ela – ignorando os argumentos das circunstâncias - considerava seu melhor amigo. Mas ao mesmo tempo ela falava de esperança... uma esperança que estava morta dentro de mim há muito tempo.

Katniss empurrou a pequena montanha de cartas para perto da parede, alinhando-as e acomodando-as em sua mão, antes de se levantar.

Ela caminhou em minha direção e se inclinou, alcançando minha testa com seus lábios.

Fui surpreendido por seu gesto, mas então me permiti desfrutar aquele momento.

As emoções que eu tanto lutava para aprisionar em um cofre dentro de mim escaparam com força e correram livres por meu corpo. Eu sabia que seria uma guerra perdida caso eu tentasse contê-las de novo.

Minha espinha dorsal esquentou enquanto meu estômago esfriou, o ar me faltou, meus pés e mãos suaram e meus lábios formigaram afoitos para irem de encontro aos dela. Mas antes que eu a alcançasse, ela se afastou.

Abri meus olhos para encará-la. Seus olhos cinzentos a poucos centímetros dos meus.

- Me desculpe se não sei dizer o que você sempre quis ouvir. – ela sussurrou.

Antes que ela se afastasse, segurei seu braço.

- Você sabe que eu não me importo de esperar por você.

Ela sorriu torto, de um jeito lindo, quase tímido. E então ela olhou na direção da janela.

- Greasy Sae chegará ao amanhecer. Vou pedir para ela olhar as crianças enquanto caçamos. – ela gentilmente afastou meus dedos de seu braço – Tente descansar um pouco, ok?!

Dizendo isso, ela subiu as escadas, afastando também o pequeno rastro de timidez e voltando à sua expressão forte de sempre.

Nossa conversa não havia acabado ainda, disso eu tinha certeza. Tínhamos ainda muitos pontos do passado para serem acertados.

Mas era aquele um vislumbre da Katniss Everdeen eternizada em um quadro por Peeta, ou eu estava tão insano quanto ele?


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Notas finais do capítulo

Só uma palavra: UAU!
É muita emoção para um capítulo só não é? Sim, eu também fiquei em conflito ao escrever tudo isso...
Primeiro teve essa coleção de quadros que, nada mais é do que uma forma que o Peeta tinha de expulsar seus demônios internos. E, no final, acabou sendo a forma que ele encontrou de se comunicar com Gale.
Quanto a essa pista final... essa garota na floresta, o mapa, o pedaço de pano com o símbolo de um animal estranho, esse provável atentado terrorista... bem, vocês vão desvendar tudo junto comigo. Algum palpite?
Já Katniss... a coisa se complica e descomplica entre esses dois de um jeito que eu, confesso, jamais vou entender. Escrevo baseada no que eu senti ao ler as palavras de Suzzane Collins, mas é difícil mesmo de entender né?
Como vocês viram, eles tentaram ter a conversa que poderia resolver todas as pendências do passado. Mas ficou tudo muito superficialmente resolvido né? E para piorar, Prim surpreendeu os dois em um momento de muita proximidade física causada pela discussão e que, como vimos, quase levou Gale a cometer a loucura de ceder aos seus impulsos.
No final, contudo, teve essa mudança de atitude de Katniss após um momento de reflexão no qual ela revelou que não pensa mais de quem era a bomba que matou Prim e ainda por cima convidou Gale para ir caçar com ela na floresta.
É realmente muuuuuuuuita informação para absorver né? Mas eu vejo que a vida as vezes é assim conosco mesmo. E acho que não vai ser nada fácil para o Gale ter de lidar com isso.
Annnnnnnnnnnnnnnnd....
Se lembram na nota lá no topo??? Ainda tem muuuuuuuuita coisa que vai acontecer no cap 8!!!
Oq será que vai acontecer com os dois na floresta? Será que vão conseguir terminar essa conversa? Será que o convite de Katniss foi só por convidar ou na cabeça dela seria tipo um encontro?
Já vimos que Peeta odiava a floresta justamente porque Katniss amava estar lá. Será que pode acontecer alguma coisa???
Adianto que as insinuações que fiz acima são verdadeiras e falsas.
SIM vai acontecer alguma coisa.
NÃO, não é nesse sentido romântico que vocês devem estar pensando.
Hehe.... Adoooooro confundir a cabeça do leitor!!!
Espero vocês na semana que vem com o capítulo 8 e enquanto isso quero ver suas suposições e palpites por meio de seus comentários!!!
Mais uma vez quero mandar um grande abraço para as Team Peeta que estão acompanhando a fic!!! Me sinto lisonjeada em ter vocês como leitoras!!!
E como sempre, deixo um abraço especial para a diva Angel por todo seu apoio e carinho!!! Obrigada amiga!!!
Beijuuuuuuuuux



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