Rise Again escrita por Fanie_Writer


Capítulo 12
Capítulo 12


Notas iniciais do capítulo

Olá amores!
Aí vai mais um capítulo de Rise Again para vocês!
Só gostaria de avisar que a partir de agora, principalmente nesse cap teremos personagens em três situações:
1ª - Personagens criados por Suzanne Collins que ainda não tinham aparecido
2ª - Personagens criado por Suzanne Collins que foram esquecidos e que eu dei uma "atualizada"
3ª - Personagens criados por mim

E já vou avisando: PREPAREM SEUS CORAÇÕES!!!



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E os dias passaram. Precisamente, três.

Dos tributos vencedores ainda vivos que se propuseram assumir o posto de “diplomatas de Panem”, apenas Beetee não havia se mudado para o Distrito 2 por causa de seu trabalho no Treze. E, mesmo com sua timidez crescente conforme ele ficava mais velho, ele aceitou ser gravado em seu laboratório e marcar presença em aparições públicas. Mas com a condição de nunca estar completamente sozinho diante das câmeras, claro.

Já Haymitch, Enobaria, Johanna e Katniss não só haviam se mudado, como foram iniciados no programa de treinamento da Noz, no Dois. Nos intervalos entre um treinamento e outro, eles também eram preparados para sua primeira aparição pública, que aconteceria em menos de uma semana.

E Panem parecia estar com o solo vibrando com essa novidade. Durante minha visita aos distritos, para reuniões em seus respectivos Centros de Comando com Capitães e Prefeitos, era possível sentir o alvoroço crescendo na população. Mas eu ainda não sabia dizer se isso era uma comoção popular boa ou ruim, porque muita agitação poderia também resultar em falta de confiança no governo.

Para evitar um possível pânico, todos que já estavam com trabalho dobrado tiveram sua carga aumentada.

Com isso, eu ainda não tinha tido a oportunidade de acompanhar o treinamento dos tributos e muito menos conversar com Katniss.

Além de todos os assuntos pessoais que eu queria tratar com ela, a minha cabeça não parava de pensar na teoria que ela disse ter sobre todo o atentado. Claro, poderia apenas ser uma cisma dela, provocada pelo passado de perseguição imposto por Snow. Mas algo dentro de mim sempre comichava quando eu tentava descartar essa hipótese, como se eu também a estivesse considerando possível.

Ou ela estava terrivelmente certa, ou nós dois estávamos terrivelmente loucos.

Já passava das quatro da tarde quando eu desembarquei no Distrito 2 após um longo dia de relatórios e mais relatórios para as autoridades de Panem. Eu nunca estive tão saturado de ocupar o cargo que ocupo como eu estava naquele momento.

Tudo o que eu queria, naquele momento, era ao menos ver – e se fosse pedir demais, rever quantas vezes me fosse permitida - o rosto de Katniss, nem que fosse à distância, durante seu treinamento.

Mas assim que pisei na Noz, percebi que isso seria difícil de acontecer, porque fui chamado para a Sala de Comando, onde os oficiais do Dois me aguardavam para mais uma reunião para apresentar os resultados das reuniões com os Capitães de Distritos. E, claro, a presidente acompanhou tudo com seu braço direito Garry e mais meia dúzia de ministros por videoconferência.

Quando a reunião acabou e os oficiais me deixaram sozinho, busquei no computador da Sala de Comando o banco de horários designado para cada habitante da Noz.

Katniss Everdeen: 20h00 – Módulo de capacitação em artilharia nuclear, Setor 5.

Ignorei a programação que brilhava no meu antebraço, Gale Hawthorne: 20h00 – Supervisão de suprimentos, e segui vários andares subsolo adentro rumo ao Setor 5, onde os soldados aprendiam a usar as armas que desenvolvíamos no Treze.

Assim que o elevador abriu, me identifiquei para os soldados que guardavam a porta de titânio. Mesmo sendo tão grossas, as paredes não continham os sons de disparos que vinham do lado de dentro.

Ajeitei minha farda, sem entender muito bem por que eu fiz aquilo. Nunca fui do tipo vaidoso com aqueles uniformes, então por que minhas mãos teimavam em checar se a camisa estava bem alinhada sob o colete à prova de balas?

Quando as portas de titânio se arrastaram para os lados e levando consigo o meu reflexo, segui a direção dos tiros.

De longe avistei a equipe de gravação filmando o treinamento sob as instruções da inconfundível e colorida Effie Trinket – eu ocasionalmente a via em jantares nos quais era obrigado a bater cartão para a alta sociedade de Panem – e sete figuras, todas vestidas com os típicos uniformes militares pretos, em uma fila indiana ao redor de uma mesa com todas as armas que Panem cultivava há quinze anos.

Sete?

Relembrei que eram apenas quatro tributos e mais o instrutor, o Tenente Iran Blake.

Apenas quando me aproximei mais reconheci a silhueta de cabelos negros desordenados: Annie Cresta, viúva de Finnick Odair.

Ao lado dela havia um garoto, também fardado, que eu não conhecia.

Eles estavam bem ao lado de Katniss e Annie parecia um pouco desconfortável dentro daquele uniforme.

– Olá Catnip. – cumprimentei assim que seu olhar se prendeu ao meu – Ou devo chamá-la, soldado Everdeen?

Ela pareceu ter sido pega de surpresa com minha presença e olhou para a inscrição no bolso de seu uniforme. Everdeen estava bordado em branco e, na manga do braço direito, havia o característico Mockingjay em dourado, feito especialmente para os tributos.

– É você quem manda nisso tudo. – ela deu de ombros, e então apontou com o queixo para as estrelas bordadas no meu uniforme que me indicavam como comandante, logo acima do símbolo do Capitol – Se você quisesse me chamar de catatua manca, eu teria que dizer ‘sim, senhor’.

Rolei os olhos com seu gracejo e então cumprimentei Annie com um aperto de mão. Só então deduzi quem poderia ser o garoto perto dela. Seu nome era Nereu e, exceto pelos olhos verdes e cabelo preto de Annie, era uma versão mais magra de quando Finnick venceu sua edição dos Jogos Vorazes.

– Pensei que Paylor tivesse chamado apenas os tributos.

– E ela chamou. Eu estou representando Finnick. – eu quase abri minha boca para argumentar que ela não precisava representar o marido morto nessa situação, já que em caso de combate ela teria que lutar como se fosse ele, mas sua presença ali me provou que alguém já deve ter tentado lhe dizer isso. Deixei que ela continuasse a falar – Assistimos ao anúncio da presidente na televisão e imediatamente viemos nos voluntariar também. Chegamos há dois dias e Katniss me ajudou a me enturmar.

Isso explicava a proximidade das duas.

Me virei para Nereu, que parecia hipnotizado pelas armas que eu carregava nos dois coldres presos ao cinto.

– É um prazer te conhecer. – Cumprimentei ele novamente. Analisei mais uma vez os detalhes do seu rosto. Tirando os olhos, tudo em Nereu lembrava a Finnick. Aquilo com certeza deve ter sido um choque para Katniss num primeiro momento.

– O prazer é todo meu. É verdade que essa cicatriz você ganhou durante a Grande Revolta? – ele agora olhava curioso para a cicatriz em meu pescoço. Geralmente aquela marca gerava repulsa nas pessoas e até hoje apenas uma pessoa demonstrou empatia por ela. A mesma pessoa que a suturou daquela maneira tão grotesca e torta.

Olhei para Katniss, mas ela parecia atenta agora ao tiro que Haymitch errava do alvo.

– Grandes conflitos trazem grandes marcas, soldado.

– E grandes perdas... – Annie sussurrou, mas nós três ouvimos.

– Mas e então, como anda o treinamento? – mudei de assunto.

Eu queria conversar mais com Annie e Nereu, mas principalmente com Katniss. Queria perguntar como estavam as crianças e contar a ela as surpresas que eu tinha providenciado nesses dias que estive fora.

Mas nesse instante, o Tenente Blake chamou por Katniss.

– Everdeen, você é a próxima. – ele chamou, e então notou minha presença, batendo continência rapidamente.

Katniss rolou os olhos, fazendo um muxoxo entre os dentes e então foi até onde o oficial a esperava.

– Ela não está se dando bem com essas coisas de íons, prótons e urânios... – Nereu explicou se posicionando de uma maneira como quem pretende assistir a um filme.

– Na verdade, apenas Johanna e Enobaria gostaram desse módulo do treinamento.

Annie deu de ombros e então olhou na direção de Katniss, com sua testa intrincada de rugas de preocupação. Nereu também parecia preocupado, mas com um brilho de curiosidade que não sumia de seu olhar.

Cruzei os braços acompanhando cada movimento de Katniss. Haymitch passou a arma ionizada para ela, girando seu ombro em seu próprio eixo como que para relaxar.

Eu me lembrei de quando eu e Beetee criamos a engenharia dessa arma. Por meio de um núcleo ionizado, era possível atirar sem precisar de recarga de munição, e com um poder de destruição tão potente quanto uma bazuca.

Porém, o propulsor gerava instabilidade, não sendo possível ter firmeza para firmar mira em um alvo. Até agora a única solução que encontramos para esse problema era trabalhar a musculatura do braço, para conter a força contrária que o tiro exercia contra o corpo do atirador. Em soldados iniciantes nesse treinamento tivemos até relatos de contusões e escoriações causadas após o tiro.

Pensar nisso me fez ficar tenso. Mas me mantive no lugar, esperando para ver como Katniss se sairia. Todos, exceto a equipe de filmagem fizeram o mesmo.

Ela acomodou seus dedos no gatilho e segurou o cano com a outra mão.

Fiquei ainda mais preocupado porque parecia mais que ela estava segurando uma flecha em seu arco ao invés de uma arma de íons.

Katniss sugou o ar profundamente e soltou. O alvo estava na mira. Um zumbido crescente cortou o silêncio conforme o núcleo de íon era carregado. A luz azul explodiu da boca da boca da arma em direção ao boneco montado a 25 metros de distância.

O próximo som que ouvimos foi do concreto da parede se abrindo num buraco e então da tosse sofrida de Katniss.

Ela ofegava com uma mão sobre o peito, pouco abaixo do ombro, no local exato onde a arma recuou com força.

Dei um passo à frente para socorrê-la, mas uma mão pequena sobre meu antebraço me deteve no exato instante que o Tenente Blake já a socorria.

– Você está bem? – ele perguntou com uma mão apoiada na base das costas dela.

– Eu vou... sobreviver. – dizendo isso, ela endireitou sua postura e já colocava a arma em posição de novo.

– Muito bom, muito bom. Foi um tiro bom, Everdeen. Mas você precisa segurar direito a arma para estabilizá-la. – no instante seguinte que eu pisquei, Blake estava praticamente abraçando Katniss por trás.

Seus dedos deslizaram sobre os dela, mostrando onde exatamente ela precisava segurar e então escorregaram para seus braços, apertando acima dos cotovelos para mostrar o quanto seus bíceps precisavam se tencionar para conter o recuo da arma. Em seguida, uma de suas mãos desceu para sua barriga, bem no diafragma, para mostrar a postura e respiração.

Aqueles dedos, aquela boca na orelha dela, aquela respiração em seu pescoço, aquela proximidade... Meu sangue estava fervendo tanto, que minha visão se tingiu de vermelho. E eu acreditava piamente que não era só força de expressão, já que o olho que Katniss havia socado dias atrás ainda estava em recuperação.

Eu fiquei tão possesso que, quando dei por mim, já estava segurando a arma que antes estava nas mãos de Katniss.

Atirei diretamente na cabeça dos oito bonecos restantes, fazendo com que a serragem e as penas que os recheavam voassem por todos os cantos.

Joguei a arma de qualquer jeito na mesa onde as outras armas estavam enfileiradas. O baque fez com que as pessoas no Setor 5 arregalassem ainda mais os olhos.

– Comandante, o objetivo desse treinamento era ensinar aos recrutas... – cortei Blake no meio de seu discurso, apontando meu indicador em seu nariz.

– Se eu ver ou souber que você encostou suas mãos nas recrutas de novo, vou te mandar para a detenção um mês por assédio sexual. Você me entendeu, tenente Blake?!

– Entendi, sim senhor. – ele praticamente cuspiu as palavras na minha cara, sem se abalar por minha ameaça ou sequer minha patente – Peço apenas que me avise a próxima vez que quiser se exibir, senhor. Ao que parece, vou precisar de novos bonecos para atirar...

– Não me provoque, Blake.

– Então não se intrometa, Hawthorne.

Fechei meus dedos ao redor das bordas do colete de Iran Blake, puxando ele para mais perto, já me preparando para arrastá-lo até a parede mais próxima para afundar no concreto aqueles olhos azuis zombeteiros. Mas Katniss se enfiou, como por milagre, entre nós.

Sua palma ficou estendida em meu peito e aquilo me acalmou um pouco. Segundos depois Haymitch e Nereu a ajudou a me arrastar para longe do tenente.

– O que você fez? – ela olhava assustada para mim, para a serragem e as penas que voavam em redemoinhos e então para Blake, que precisou ser afastado também por outros soldados que estavam no Setor 5.

– Fiz com que as regras de conduta fossem cumpridas. – meu sangue ainda borbulhava ao me lembrar da maneira como aquele asqueroso tocou em Katniss. Então minha mente lembrou de como ele olhou para ela com luxúria, quando suas mãos seguraram seu abdômen.

– Vocês ainda estão gravando?! Corta! – a voz de Effie Trinket superou a de todos e a próxima coisa que eu vi foi sua peruca azul pendulando para um lado quando ela parou bruscamente diante de mim – Você enlouqueceu?

– Dá um tempo, Effie... – Haymitch resmungou. Ele tentou soar entediado com a postura dela, e eu pude jurar ter visto um olhar atravessado dele para o tenente Blake.

– Esse é o problema! Tempo é uma coisa que não temos! Eu tenho apenas dois dias para gravar cenas de Katniss e os tributos em um treinamento eficaz com as forças armadas e o que acontece? O chefe da Segurança Nacional tem um ataque de nervos e explode todo o cenário!

– Ah, qual é? Olha o tamanho dessa coisa... – Johanna sinalizou os braços em círculos ao redor indicando a Noz – Pelo o que já tivemos em três dias treinando, tenho certeza que o que não vão faltar serão cenários de treinamento para nos filmar.

– Isso, claro, se ainda couber mais imagens na memória das câmeras... – Enobaria completou.

Mas eu não queria mais ficar ali. Senti uma necessidade gritante de ar fresco e acho que estava começando a ficar claustrofóbico.

Me afastei do grupo e peguei o corredor para o elevador principal. De longe, mesmo com as portas de titânio fechadas eu ainda parecia ouvir a voz de Effie Trinket ralhando com mais alguém.

Enquanto o elevador subia, eu conseguia sentir meu sangue esfriando um pouco.

Ok, eu me precipitei. Fui mais uma vez impulsivo. Mas o que eu poderia fazer? Deixar Blake se aproveitar da situação imposta pelas câmeras de Effie para apalpar Katniss o quanto quisesse? Enquanto eu mandasse nesse e em qualquer centro militar, nenhum homem trataria uma mulher daquela maneira, ainda mais aquela mulher.

Tenho certeza que se Peeta estivesse aqui, teria me apoiado. Não teria?

Quando abri os olhos, a porta do elevador já estava aberta no primeiro andar. Rapidamente saí pela entrada principal da Noz e caminhei em direção à floresta do distrito.

Não soube precisar quanto tempo andei ou o quão distante eu estava da Noz quando eu encontrei um riacho que abria caminho entre as árvores de folhas avermelhadas pelo outono.

Me sentei em uma pedra larga e apoiei minha cabeça em meus joelhos. Era a primeira vez em muito tempo que eu tinha um momento de paz. Tentaria aproveitá-lo para organizar a confusão de pensamentos que estava minha cabeça.

Comecei tentando repassar tudo o que estava acontecendo, selecionando o que eu tinha classificado esse tempo todo como prioridade e invertendo com tudo o que eu tinha trancado no fundo da minha mente.

Imediatamente me lembrei das cartas de Peeta. E dos quadros, e das pistas que ele me deixou para aquela história que para muitos pareceria absurda.

Mas eu tinha comprovado que não era.

Há três dias, depois que Katniss aceitou ser o Mockingjay, eu retornei a analisar as filmagens do atentado no almoço com a presidente no dia anterior à reunião com os tributos. Como eu suspeitava, antes de ser interrompido por Haymitch, o garçom atirador estava usando uma camisa por baixo do paletó de uniforme de empregado.

Quando eu aproximei a imagem, não tive dúvidas de ter visto a ponta de uma asa e a boca de um animal que rugia para cima. Era o mesmo padrão do tecido que Peeta deixou para mim, da garota que ele encontrou agonizando na floresta. E era o mesmo desenho do emblema encontrado nas cápsulas marítimas que Paylor disse terem sido encontradas nas praias do Distrito 4.

Quando estive no Treze há dois dias, aproveitei para visitar a biblioteca que eles mantinham com acesso restrito. Ela estava em um dos níveis mais profundos no distrito e era possível acessar a superfície por túneis que partiam dela.

Me lembrei que quase torci o tornozelo ao saltar a parte mais baixa dos restos da tocha de uma antiga escultura que diziam ter simbolizado a liberdade muito antes dos Dias Negros. Ouvi dizer que o próprio Capitol trouxe para o Treze antes dos Dias Negros e que, durante o Tratado da Traição, algum “gênio” teve a brilhante ideia de guardá-la no meio do caminho para a antiga biblioteca.

Pra mim, aquela rocha inútil de tocha poderia ser eclodida para formar tijolos para casas no Doze ou escolas no Onze.

Quando eu finalmente entrei na biblioteca, não me surpreendi por encontrar muita ruína, muita poeira, muito cupim e muita traça. Mas me surpreendi por encontrar livros e jornais. Alguns estavam completamente ilegíveis ou pelo tempo que permaneceram guardados, ou pela maneira como foram transportados, ou por algum tipo de inundação que apagou para sempre as informações que continham.

Em uma seção da biblioteca abandonada encontrei uma enciclopédia de animais que não me ajudou muito, já que nenhuma possuía um leão gigante com asas.

Foi então que comecei a refletir em como encontrei a seção de mapas e em como algumas informações começaram a se encaixar. Mas a presença de alguém me dispersou dessa memória, me puxando de volta para a beira do riacho na floresta do Distrito Dois.

– Posso me sentar?

Katniss não esperou eu responder e já estava sentada ao meu lado.

– Como me encontrou?

– O tempo passou, mas você continua o mesmo. A maneira como você explodiu quase o Setor 5 inteiro me mostrou o quanto você está estressado... Para onde costumávamos correr quando queríamos desabafar sem medo de sermos ouvidos? – ela sorriu, se apoiou em seus cotovelos sobre a rocha e olhou para o riacho - E o sinal do seu localizador no comunicador também foi uma boa dica.

Tirei o fone do comunicador e apertei o botão do transmissor para desligá-lo.

– Apenas oficiais têm acesso aos sinais de transmissão...

– Digamos que o Tenente Blake nunca mais vai se esquecer de suas obrigações, inclusive a obrigação de informar a posição de seus superiores quando um soldado recém assediado solicitar.

Eu queria alertá-la sobre o quanto seria arriscado para ela, caso fosse provado que ela agrediu um oficial durante seu treinamento de formação. Mas eu não consegui evitar sorrir satisfeito com a ideia de que ela deu a lição que ele merecia.

– E então, como você se sente? – ela me olhou ao perguntar. Me senti voltar anos no tempo e no espaço e era como se estivéssemos na nossa pedra, no Meadow, depois de um dia de caçada.

– Estressado.

– Ouvi dizer que explodir cabeças de bonecos com armas ionizadas é uma ótima terapia.

– Aquilo foi uma coisa estúpida de se fazer. Vou ter sorte se a presidente apenas descontar do meu salário. – depenei as folhas de uma erva daninha que alcancei e joguei no riacho.

– Sim, aquilo foi realmente estúpido. E impulsivo. Mas se você não tivesse tomado a arma da minha mão, o pessoal da limpeza estaria tirando os miolos do tenente Blake do chão ao invés de serragem e fuligem de bonecos de tiro. Aquele cara é nojento... Não sei como a Johanna acha ele atraente.

Meu sorriso alargou-se com seu comentário. Busquei outro ramo de erva daninha para me entreter e disfarçar minha satisfação em ver que Katniss havia detestado a investida de Iran.

– E como você está se sentindo com tudo isso? Deve ter sido uma loucura para as crianças.

– Está brincando? Fin adorou quando eu disse que nos mudaríamos para a Noz. Todo dia de manhã choraminga para ir treinar comigo.

– E Prim?!

– Prim tem uma percepção melhor das coisas. Não queria que ela amadurecesse o tanto que amadureceu desde a morte de Peeta. Mas é algo que não consigo evitar. Claro que ela ainda tem cinco anos e se encantou com tudo o que é novidade, mas ela sente muita falta de casa e não está satisfeita com algumas coisas.

– O quê? Talvez eu possa ajudar.

– Acho que não pode. Ela não está satisfeita com a ideia de ter você por perto.

Joguei o punhado de folhas amassadas no riacho novamente.

– Eu sei... percebi isso naquela noite na sua casa.

– Eu já expliquei para ela que não há nada entre nós e que...

– Não há? Absolutamente nada? – olhei para Katniss.

– Gale...

– Não, tudo bem. Não quero entrar nessa discussão de novo. Ainda mais considerando o que aconteceu na última vez que você me disse que não me considera nem como amigo.

– Eu não queria... Droga. Me odeio por ter feito isso a você. – ela olhava a região do meu olho que estava amarelada na borda e azulada no centro. Algumas veias do meu olho ainda estavam ressaltadas, como se estivessem se acostumando a bombear sangue para o globo, sem se preocupar com o inchaço.

– Não foi sua culpa. Não totalmente... Afinal, eu que te feri com a pior atitude possível.

– Me perdoe. Eu não queria socar o seu olho, mas eu também não queria que você me beijasse e então você estava tão perto e eu não conseguia raciocinar e...

– Não foi justo você dizer que você não me considera nem como amigo. – cortei, me forçando a ignorar que ela havia admitido que eu surto um efeito sobre ela. As palavras de Haymitch me lembraram que não era dessa parte de mim que ela precisava.

– Eu sei... eu não queria dizer isso. Mas poxa, Gale. Tenta entender a bagunça que ficou minha cabeça com sua volta!

– Eu entendo, Katniss. O pior de tudo é que eu entendo o quanto tudo deve ter te afetado. Agradeça ao Peeta.

Ela respirou fundo. O burburinho da água parecia indicar que o riacho não estava nem aí para nossa presença e nossa discussão, permanecendo a abrir caminho na floresta naquela noite fria e sem estrelas.

Olhei de soslaio para Katniss e ela segurava o medalhão que Peeta havia lhe dado. Durante o Quarter Quell eu assisti apenas ao primeiro dia para ter certeza de que ela tinha sobrevivido ao momento de combate entre tributos mais brutal, e ao último quando eu já estava refugiado no Treze depois da destruição do Doze e antes de resgatarem Katniss da arena. Mas eu sabia que Peeta é quem tinha dado a pérola e o medalhão para ela apenas pela maneira como ela era devotada a esses objetos, principalmente quando estava pensativa como naquele momento.

– Foi um erro eu dizer que não sabia o que estava acontecendo entre nós. E foi um erro dizer que sequer te considerava mais um amigo. Depois de tudo o que você já fez pela minha família e por mim, eu deveria no mínimo te agradecer, e o que eu fiz? Quase arranquei seu olho fora. Então me perdoe, Gale.

Sustentei seu olhar.

– Se tem alguém que deve pedir perdão aqui sou eu. Eu não deveria ter te pressionado tanto, eu não deveria ter voltado de repente e num momento tão difícil e eu não deveria ter me afastado de você por tanto tempo.

– Você ter voltado e ter você esse momento todo que tem sido uma loucura é o que me mantém de pé. Meus filhos são a razão de eu encontrar forças para sair da cama todas as manhãs, mas é essa sua devoção a mim, que eu nunca vou compreender, que mantém meus pés firmes no chão.

Sem pensar, meus braços se abriram. Sem pensar, Katniss se acomodou em meu peito. Talvez nunca tivéssemos algo romântico, mas era inegável que nos sentíamos mais seguros e fortes nos braços um do outro.

A mantive presa ali para que ela ouvisse as batidas do meu coração que expressavam as palavras que eu queria dizer a ela, mas que ela não estava pronta para ouvir.

Cheirei seu cabelo que tinha uma mistura de cheiro de pólvora com um fraco aroma fresco de amêndoas. Os meus dedos que estavam em sua nuca suada deslizaram sobre as correntes douradas em seu pescoço e, quando percebi, já estava segurando o medalhão que pendulava fora do uniforme militar dela.

– Peeta era realmente um cara sensível... É um presente lindo.

– É sim. Não pelos detalhes, mas pelo significado. – ela tomou o medalhão de minha mão e abriu. Olhou para as fotografias dentro e então voltou a olhar para mim.

– Eu fiz Peeta sofrer demais por me amar, Gale. Haymitch acompanhou de perto todo o processo, mas nem ele tem plena noção de como foi difícil para Peeta me alcançar depois de tudo o que aconteceu. Eu o amava, mas eu estava seca de emoções. Por mais que eu tentasse, não sabia expressá-las. E eu me odiava por fazê-lo sofrer tanto, mas eu simplesmente não conseguia, entende?

– Por que está me dizendo isso?

– Porque eu me casei com Peeta. E não me arrependo disso. Eu precisava dele para manter minha mente no lugar porque ele sabia exatamente pelo o que eu tinha passado e mesmo assim me amava. E porque eu nunca pude te culpar por ter me deixado, por mais que eu quisesse, porque eu sabia que não era verdade. Eu te afastei.

– Eu não entendo...

– Como eu te disse lá em casa, eu te perdoei da morte de Prim no momento que você me deixou sozinha diante daquele espelho. Mas eu só percebi isso quando você voltou. Eu precisava de Peeta, eu o amava, mas eu me sentia culpada demais por tudo o que aconteceu para me permitir viver esse amor como ele merecia. Peeta foi muito paciente, esperou muito tempo, e mesmo enfrentando seus próprios demônios não desistiu de mim até que eu o retribuí da maneira como ele merecia. Mas ainda faltava um pedaço de mim... Um pedaço que Peeta jamais pôde preencher.

– Aonde você quer chegar?

Katniss virou o medalhão para mim. Em um lado estava uma foto amarelada da senhora Everdeen e de Prim. Do outro lado, uma foto minha.

Olhei perplexo para Katniss e voltei a olhar com atenção para as fotos no medalhão.

– Eu não... Não sabia que...

– Você não assistiu quando Peeta me deu durante o Quarter Quell?

– Estávamos ocupados demais em tentar continuar vivos e chegar ao Distrito 13 após o bombardeio no Doze para nos lembrarmos de assistir ao show sádico do Snow.

– Então você não viu quando...

– Quando?

– Ele usou Jabberjays, Gale. Os pássaros imitavam a sua voz e a de Prim. Eu quase tive um colapso nervoso! Imaginei as coisas horríveis que ele deve ter mandado fazer com vocês para conseguir aqueles gritos tão apavorantes, tão fiéis...

Ela pareceu estar revivendo o momento porque seu rosto se contorceu e ela quase chorou. Precisava fazê-la voltar ao presente.

– Por que Peeta te deu isso? – Toquei o medalhão incentivando-a a voltar ao ponto de onde tinha parado.

– Quando me deu, Peeta estava disposto a dar a sua vida em troca da oportunidade de eu viver a minha com minha família. Mais que entender, ele queria que eu valorizasse isso. Ele me amava tanto que estava disposto a abrir mão da chance de viver comigo, desde que isso me mantivesse viva. Mas eu precisava dele para viver. E mesmo assim, o fiz sofrer tanto ao longo desses anos. É por isso, Gale, que eu disse que eu nunca vou saber dizer o que você merece ouvir. Mesmo sendo egoísta por pensar que você pertence, de alguma maneira, a mim. – Ela fechou o medalhão e o colocou para dentro da gola do uniforme - Você merece alguém que tenha algo melhor a te oferecer do que sofrimento. E a última coisa que eu quero é te ver sofrer.

– E se eu não quiser alguém melhor? E se eu quiser você e apenas você? Do jeito que é, do jeito que está e com o que tem a me oferecer?

Ela desviou seus olhos dos meus e olhou para as árvores do outro lado do rio.

– É melhor sairmos daqui... – ela respondeu ainda olhando para longe e então ficando de pé.

– Katniss... – me levantei e segurei sua mão, para fazê-la olhar para mim.

A próxima coisa que eu senti foi meu corpo se chocando contra a rocha onde nos sentávamos. Eu não entendi por que eu estava deitado e Katniss estava sobre mim, mas minha visão variava entre um clarão cegante para uma imagem desfocada do rosto dela. E então, lentamente, tomei consciência do calor que começou a queimar da parte frontal do meu corpo.

De algum lugar, encontrei forças para erguer minha mão. Meu cérebro parecia ter perdido o controle das extremidades e meus pés e mãos formigavam. Tentei tocar o local de onde vinha aquele calor dolorido, mas fui puxado para cima antes de árvores começarem a passar muito rápido por mim.

O zumbido em meu ouvido começou a retroceder, mas isso não significou maior compreensão do que estava acontecendo.

Pisquei uma vez e Katniss estava me arrastando pela floresta com seu corpo mal sustentando o meu. A arma que estava na minha cintura foi parar na mão dela. Pra quê ela pegou minha arma?

Tentei perguntar, mas ao tentar forçar minha voz a sair o calor pouco abaixo do meu peito aumentou e correu minha espinha. Senti algo úmido e quente escorrer por baixo da camisa do uniforme.

Quando eu pisquei novamente e olhei para o rosto de Katniss, minha visão já estava um pouco melhor, mas não me sentia muito no controle para garantir que duraria. A dor que eu sentia era tão forte que me causava náuseas.

Meu estômago convulsionou, mas isso só fez o calor doloroso se estender por todo meu corpo.

– ... está me ouvindo? Estamos quase chegando! Aguenta firme! Por favor, não faz isso comigo, Gale! Gale!

Katniss gritava comigo. Agora eu ouvia nitidamente sua voz.

Não sabia quando exatamente saímos da floresta e voltamos ao centro do Distrito 2. A única coisa que eu sabia é que já havia recuperado o controle de meus dedos da mão e tinha tocado a região de onde emanava aquela dor insuportável.

Nesse momento perdi novamente todo o controle e eu caí sobre minhas pernas, não suportando mais o peso da dor e Katniss também não conseguia mais me sustentar.

Minha visão voltou a ficar nebulosa. Cada vez que eu piscava, menos enxergava o rosto de Katniss sobre mim. Num último esforço, ergui minha mão para tocá-la e tentar dizer para se acalmar.

Antes de apagar, meus dedos deixaram um rastro vermelho no rosto dela. Tentei dizer alguma coisa, mas a última coisa que veio à minha cabeça antes da escuridão total era a consciência de que aquele líquido que escorria por baixo de minha camisa era sangue. Aquele rastro vermelho no rosto de Katniss era sangue. Aquele sangue era meu.



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Notas finais do capítulo

Não vou nem comentar nada!!! Vou deixar para vcs comentarem tudo o que acharam de tudo o que aconteceu!!!

Tenham uma ótima semana e não esqueçam de deixar seus reviews e recomendações!!!

Abraços!