Rise Again escrita por Fanie_Writer


Capítulo 10
Capítulo 10


Notas iniciais do capítulo

Olá amores!
Como prometido, aí vai mais um cap pra vocês!
Só para esclarecer, eu disse no começo que sempre postaria uma vez por semana, sem estabelecer ao certo um dia específico porque meu trabalho anda sem exatidão de horários. Um dia estou de folga o dia inteiro, no outro fico até tarde da noite na redação do jornal ou cobrindo eventos para o jornal. Então eu vou postar sim toda semana, mas sem um dia pré-estabelecido ok?
Mas chega de papo e vamos ao capítulo!
Tenham uma boa leitura e nos vemos nas notas finais!



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O silêncio era nosso principal inimigo. Quanto mais os segundos se arrastavam, mais o peso das palavras da presidente Paylor sobrecaíam sobre todos. Principalmente em Katniss.

Haymitch foi o primeiro a falar depois de longos minutos.

- Por que isso? – sua voz era partida, mas continha uma nota de raiva.

- Vocês todos representam um ideal de esperança que nos sustentou nos tempos do Tratado da Traição. Seus exemplos de coragem diante da opressão continuam me sustentando até hoje. Não sabemos contra quem estamos lutando, mas eu sei que, se não dermos essa fagulha de esperança para a população, aí sim teremos uma nova revolução.

Quando Paylor se calou, todos voltaram a cair em silêncio. Eu quase podia assistir ao filme que deveria estar passando na cabeça de Katniss. As imagens pareciam passar diante de seus olhos, perplexos contra o rastro de sangue de Mockingjay sobre a mesa.

A presidente soltou o ar ruidosamente e então se levantou, caminhando até Katniss.

Suas mãos foram sobre seu ombro, assustando-a e retirando-a de seu torpor.

- Vocês todos carregam marcas demais... Marcas que adquiriram cedo demais. Sei que não é justo eu pedir por algo assim, especialmente a você Katniss. Se não quiser, eu vou entender e encontraremos outro meio. Isso estende-se a todos vocês... Se estiverem receosos, esse é o momento de dizer. Vocês voltarão para suas casas e continuarão suas vidas como se essa reunião nunca tivesse acontecido.

Não. Não seria tão fácil assim esquecer tudo o que vimos, ouvimos e lembramos nesse tempo que estivemos sentados nessa sala. Não seria fácil esquecer que novos pesadelos começariam a nos atormentar à noite.

- Eu... – a voz de Katniss chamou a atenção de todos. Ela limpou a garganta para soar mais firme – Eu preciso pensar.

Paylor retirou suas mãos de seu ombro, não conseguindo conter o desapontamento.

- Claro. Fiquem essa noite aqui. Pela manhã gostaria de ouvir uma resposta de vocês. Caso discordem, serão imediatamente conduzidos para seus distritos. Guardas!

A presidente deu as costas e foi escoltada por quatro guardas. Quando a porta se abriu, a onda ruidosa do alvoroço do lado de fora invadiu a sala, mas logo caímos no silêncio, quando novamente se fechou.

- Você não precisa fazer isso, não deve nada mais para eles querida... – Haymitch virou-se para Katniss.

- Nenhum de nós deve. É um absurdo eles pedirem algo assim! – Enobaria se manifestou – Se vocês estão considerando aceitar isso, vão em frente. Eu não vou cometer suicídio mental por algo que é problema do Capitol.

- Esses remédios que você toma são fortes mesmo ou você ficou louca de vez? – Johanna disse – Não é problema do Capitol quando eles deixam um recado tão claro de que eles vão nos caçar.

Ela acenou para o rastro de sangue de Mockingjay sobre a mesa.

- Pelo o que eu me lembre, eles estão querendo caçar Mockingjay. A Mockingjay. O rosto que instiga rebeliões é o dela, não o meu.

- Não é uma rebelião.

Beetee falou pela primeira vez desde que eu cheguei e todos olharam para ele. Ele estava concentrado em uma linha riscada na tão perfeita mesa de vidro.

- O que você disse? – Katniss perguntou.

- Não é uma rebelião. – ele repetiu.

Ficamos aguardando mais esclarecimentos, mas ele voltou a se fechar em sua mente enquanto seu dedo continuava traçando metodicamente o arranhão no vidro.

Eu sabia bem que, quando ele se fechava desse jeito, como se desligado do mundo ao seu redor, era porque sua mente estava trabalhando a mil por hora e não adiantaria de nada interrompê-lo.

Sem entender bem o porquê, as palavras de Peeta vieram à minha cabeça.

Ao longo dos anos, nunca ouvi falar em nenhum ataque terrorista de outro país, mas, se a garota da floresta estava tão certa quanto aparentava estar em sua agonia, então devemos estar prontos para tudo.

Poderia ser isso? Poderia ser um ataque de uma possível nação desconhecida? Mas por que daquela maneira como havia sido feito? Até onde eles sabiam sobre nós e sobre o que significava o Mockingjay?

Antes que eu pudesse encontrar alguma resposta, Katniss se levantou, chamando minha atenção.

Ela caminhou a passos firmes, os punhos cerrados, em direção à porta. No último instante, antes que suas mãos alcançassem a maçaneta, ela parou.

Seu olhar procurou o meu.

- Tem outra saída?

- Sim. Por aqui.

Me lembrando de meu treinamento para situações de emergência, a conduzi para um corredor que, aparentemente, levaria aos banheiros da sala de reuniões.

Passamos pelo longo, espaçoso e luxuoso lavatório até que paramos diante de um espelho que ia do chão ao teto, todo contornado por diamantes e ouro.

Pelo reflexo, vi os outros tributos nos seguindo também, além de Plutarch que estivera o tempo todo em silêncio e vinha mais atrás arrastando seu corpo cansado pela idade, e esperei que todos nos alcançassem. Puxei uma alavanca oculta na lateral da última pia e o espelho deslizou para dentro da parede, revelando um emaranhado de corredores que nos levariam até a ala de dormitórios.

Assim que Plutarch passou, apertei a alavanca interna para que a passagem secreta se fechasse atrás de nós.

Caminhei ao lado de Katniss, olhando para ela de soslaio de vez em quando. Sua expressão era indecifrável e sua postura era tensa. Preferi não perguntar nada porque sabia que se ela quisesse falar alguma coisa, teria falado.

Descemos uma escada e eu anunciei que os deixaria no andar de dormitórios.

- E para que lado fica o hangar de embarque nos aerobarcos? – Enobaria perguntou e eu parei.

- Olha, eu detesto essa ideia da presidente tanto quanto vocês. – disse e a tributo abriu a boca para retrucar, mas eu a cortei – Se quiser ir embora pela manhã, eu farei questão de acompanhá-la até a saída. Mas pelo menos passe essa noite e pense em tudo isso. Apenas pense.

Como eu disse, eu odiava tudo aquilo tanto quanto os tributos deveriam estar odiando. Mas eu era comandante da segurança nacional, precisava pensar no que era melhor para a população como um todo. Eu tinha que admitir que, estrategicamente, usar os tributos como uma imagem de paz seria uma boa ideia.

Mas meu coração teimava em querer gritar contra meu raciocínio lógico.

Abri a porta que dava acesso ao corredor da ala de dormitórios e todos passaram. Até Enobaria, mesmo com os braços cruzados em resistência.

Katniss ficou para trás e antes de passar, ela parou para me olhar.

- Vou trazer as crianças para você.

Ela mordeu o lábio, considerando alguma ideia.

- Tem como deixá-las no quarto ao lado do meu?

- Não prefere que...

- Não. Eu preciso ficar sozinha.

Ela começou a andar, mas eu segurei seu antebraço.

- Você está considerando...

- Eu não sei, Gale. Me deixa sozinha.

Ela soltou seu braço de meus dedos e seguiu os tributos, se acomodando no quarto ao lado de Haymitch.

Fui para o elevador e orientei soldados para que fizessem a segurança dos tributos, enquanto pedia a outros que providenciassem tudo para o conforto deles: comida, água, roupas limpas e produtos de higiene pessoal.

Em seguida, fui ao refeitório para buscar Prim e Fin. As crianças eram o centro das atenções dos soldados, principalmente das mulheres.

Quando me viram aproximar, os militares deixaram a brincadeira que desenvolviam com os pequenos e bateram continência.

- À vontade. Crianças, preciso que vocês venham comigo para uma missão muito importante. – disse e os olhinhos dos dois brilharam. Mesmo Prim estando um tanto desconfiada, abriu um sorriso gigantesco com a possibilidade de ser útil em alguma coisa.

Pedi que alguns soldados levassem tudo o que eu havia solicitado aos tributos e disse para Prim e Fin nos ajudar a distribuir tudo.

Eles obedeceram minhas “ordens” com muita prestatividade, batendo na porta de cada tributo para entregar seus pertences, enquanto eu passava os horários de atividades, como toque de recolher e café da manhã.

Quando chegou na porta de sua mãe, eu os detive.

- Muito bem soldados, descansar! – eles imitaram o gesto que viram os militares fazendo no refeitório e aguardaram minhas instruções. Tomei a roupa e a comida que seria destinada a Katniss de seus bracinhos – Como recompensa por um trabalho tão eficiente, eu providenciei para que a presidente deixasse disponível um quarto só para vocês!

Inicialmente os dois saltaram com empolgação e eu jurei ouvir suspiros de duas guardas perto de nós. Fingi não ouvir os comentários delas sobre mim.

Então Prim encarou a porta ao seu lado.

- E a mamãe?

- Sua mãe não está muito bem, querida. Ela quer ficar um tempo sozinha.

- São os pesadelos? – Fin perguntou com seus olhinhos transbordando de preocupação.

- Sim, soldado. São os pesadelos.

- O papai dizia que quando os pesadelos vinham, a gente tinha que dar um abraço bem apertado nele e na mamãe.

Suspirei pesadamente diante das palavras de Fin.

- E ele estava certo... Um abraço cura tudo. Vamos fazer uma surpresa então para a mamãe ok?! – eles saltitaram felizes – Mas depois vocês vão direto para o quarto tomar um banho, comer, escovar os dentes e dormir ou não vão ganhar medalhas.

- Medalhas? – os dois perguntaram.

- Sim, medalhas. A presidente sempre me deixa dar medalhas para os soldados mais obedientes.

Levou alguns minutos até que eu conseguisse conter a agitação dos dois para pedir que entrassem com calma, como se fosse para pegar Katniss de surpresa.

Abri a porta e os dois entraram correndo no quarto como dois furacões, ignorando totalmente minhas instruções. Mordi o lábio para conter um sorriso.

Katniss estava sentada na beirada da janela, observando a vista que tinha do Capitol pelo vidro. Assim que os braços dos filhos cercaram seu pescoço, ela se assustou e olhou para mim com repreensão. Mas então ela logo amoleceu e se permitiu desfrutar daquele momento.

Deixei as roupas, produtos de higiene pessoal e a comida em cima da cama e fiquei em pé, próximo da porta, sem saber se deveria ficar ou sair. Mais uma vez me sentindo um intruso.

Prim e Fin diziam como se divertiram com os soldados, como tinham me ajudado e que ganhariam um quarto grande, além de medalhas.

- Isso tudo é maravilhoso! Mas acho que só dão medalhas para soldados que escovam os dentes e vão para a cama cedo, não é comandante?

Ela piscou o olho para mim e eu entrei na brincadeira.

- Isso mesmo. Portanto pelotão, já para o banho!

Eles resmungaram, fizeram bicos, mas obedeceram. Depois de Katniss dar um beijo de boa noite em cada um, eles foram marchando com pisadas firmes para o quarto ao lado.

Minhas mãos cruzadas nas costas estavam suando e eu não conseguia evitar trocar meu peso de um pé para o outro. O silêncio no cômodo era esmagador demais. Limpei a garganta:

- Eu estarei no centro de comando. Se precisar de mim, peça para um dos soldados que estão no corredor me chamar pelo comunicador. O toque de recolher é as dez e o café será servido as sete, antes da reunião.

Eu já tinha me virado para ir embora, quando ela me chamou.

- Espere... – parei no lugar como meus soldados faziam ao ouvir minhas ordens. Mas eu permaneci virado em direção à porta.

Um longo segundo transcorreu até que ouvi o barulho de passos apressados na minha direção.

A próxima coisa que eu soube, era que meus braços apertavam com força o corpo de Katniss, quase na mesma intensidade com que ela me abraçava.

- Obrigada. Obrigada por estar aqui nesse momento. Obrigada por tudo. – seus lábios sussurraram contra meu pescoço, me arrepiando.

Me afastei o suficiente para encarar seus olhos.

- Me desculpe pelo o que aconteceu na floresta... Eu fui um idiota e eu não sei onde estava com a cabeça quando eu...

- Shiii... – ela encostou sua mão no meu rosto. Seus dedos contornaram muito suavemente a região que ela havia socado mais cedo – Depois a gente conversa sobre isso. Eu prometo. Agora é melhor você cuidar desse olho hein?! – sorri com sua preocupação e então ela deixou sua mão cair deixando em minha pele um formigamento quente onde ela tocou – Acho que mudei de ideia com relação a ficar sozinha. Pode deixar as crianças aqui comigo.

- Vou pedir para uma oficial supervisioná-los durante o banho e então...

- Não precisa. Eu mesma vou lá terminar de dar banho neles. – ela me deu as costas para sair do quarto, mas então parou na porta, me direcionando um sorriso e então sumiu, deixando para trás mais uma vez o peso de suas palavras e um aperto em meu peito.

Eu não sabia mais o que pensar sobre a maneira com a qual tratávamos um ao outro. E, por mais que eu estivesse com raiva dela por me jogar aquelas mesmas palavras, eu também não sabia mais definir em que pé estava nossa relação. Mas eu sabia que aquele não era o momento de lidar com tudo isso.

Empurrei todas essas emoções para o fundo de minha mente e fui para o centro de comando. De lá, era possível acessar virtualmente todas as entradas e saídas tanto do Capitol quanto dos Distritos e, portanto, facilitava o monitoramento e a divisão de tropas para reforçar a segurança nos perímetros.

Já passava de uma e meia da manhã quando eu deixei o centro de comando carregando mapas digitais para meu quarto. Pela manhã, independentemente da decisão dos tributos, eu teria que ir ao Distrito 2 para trabalhar o desenvolvimento de dispositivos de segurança específicos para essa situação e depois ao 13 para aperfeiçoar a divisão de investigação, antes de falar com todos os prefeitos e capitães dos distritos para apresentar a nova situação e recrutar novos soldados para reforçar a segurança nos perímetros.

Cumprimentei e me identifiquei para os guardas que rondavam o corredor da ala presidencial, inclusive os quatro que estavam em pé à porta de Paylor, e fui para o meu quarto. Deixei o leitor digital me identificar e então entrei.

Joguei os mapas digitais na cama e fui me livrando de minhas roupas, as mesmas que usei para ir caçar com Katniss.

Minha cabeça já não doía tanto graças a um remédio que pedi para trazerem da enfermaria para mim, mas meu olho continuava pulsando. O banho frio me ajudou a aliviar um pouco essa sensação e a lavar as preocupações que teimavam em inundar minha mente, mesmo eu tendo como prioridade a segurança nacional para pensar.

Vesti apenas uma calça confortável e resisti à tentação de cair sobre a cama e descansar meu corpo, para me dedicar à análise dos mapas porque eu precisaria apresentar um relatório detalhado para os ministros e secretários pela manhã.

Fiquei empenhado nessa tarefa por um bom tempo e, por vezes, me esquecia até da dor no olho.

Mas então tudo voltava à minha cabeça, cada vez com mais intensidade.

Quando minha visão se embaralhou e eu deixei de ver gráficos para rever Katniss me beijando na floresta, fechei o programa no computador portátil que exibia os mapas e empurrei o aparelho para longe. Apoiei minha cabeça sobre a mesa do espaçoso quarto que o Capitol mantinha para pessoas de patente elevada como eu. Acho que o efeito analgésico do remédio estava passando.

Minha cabeça estava uma confusão só e quanto mais eu tentava controlar meus pensamentos, mais bagunçados eles ficavam. Mas uma coisa parecia mais constante do que deveria ser sobre todo o resto: as malditas cartas de Peeta.

Conforme ele tinha pedido, após ver sua coleção de quadros e voltar para a pousada depois de discutir com Katniss, eu queimei as cartas com orientações específicas e informações que ele tinha pedido para manter em segredo. Mas eu mantinha escondido no fundo falso de uma caixa de munições, dentro de outro fundo falso na mala de armamento que eu carregava sempre comigo, todas as pistas que ele tinha deixado para mim, além da carta encontrada no quadro com os olhos de Katniss.

Retirei de dentro da caixa o pedaço de pano com o desenho daquele animal que eu nunca tinha visto antes. Pelo menos não no Doze. Aquela mistura de ave com um tipo de leão ou pantera parecia obra das mutações criadas por Snow antigamente no Distrito 5, mas desde sua queda as pesquisas genéticas desenvolvidas lá eram apenas para encontrar a cura das doenças que afligiam a população ou melhoramento genético para fins militares.

E então alguma coisa piscou dentro de mim, como um instinto, ou uma sensação de reconhecimento.

Voltei para a mesa e puxei o computador. Procurei pelo vídeo que eu pedi para me darem com as imagens do atentado no almoço. Eu já tinha visto aquelas imagens dezenas de vezes entre uma análise de mapa e outra, mas continuei com meus olhos firmes na tela.

Mudei o ângulo de visão três vezes, quase dando uma volta de 360 graus em torno das cenas. E então pausei.

Cerrei os olhos e aproximei a imagem na tela para comparar melhor a roupa que o garçom terrorista usava por baixo com o pedaço de pano que eu tinha em minhas mãos. Mas antes que eu pudesse chegar a alguma conclusão definitiva, tive meu raciocínio interrompido por vozes altas no corredor.

Corri para o lado de fora, me esquecendo completamente de qualquer regra de vestimenta, e encontrei os guardas do corredor tentando bloquear a passagem de alguém.

Me aproximei do tumulto no instante em que dois dos guardas arrastavam Haymitch, que lutava para se soltar.

- O que está acontecendo aqui?! – questionei e então o corredor ficou silencioso.

Apesar da escuridão, pude ver alívio passar na expressão de Haymitch. Mas ele logo tratou de recolocar sua carranca tão característica.

- Não é permitido circular na área presidencial sem autorização, principalmente depois do toque de recolher, senhor.

- E quem disse que ele não tem autorização?

- Mas senhor...

- Soltem-no antes que a presidente acorde e decida vir resolver essa situação. Ela já tem coisas demais com que se preocupar.

Os soldados se entreolharam e um deles olhou na direção da porta da presidente antes de me obedecer.

Haymitch massageou os braços, nos locais onde antes estavam os dedos dos guardas.

- Voltem aos seus postos, antes que eu registre em suas fichas a agressão que fizeram contra um dos tributos vencedores.

Esperei os guardas dispersarem e caminhei de volta ao meu quarto, sabendo que Haymitch me seguiria. Assim que ele passou por mim, fechei a porta.

- Me dê um bom motivo para eu não voltar atrás e mandar os soldados te acorrentarem em seu quarto.

- Primeiro poderia vestir uma camisa? Já é perturbador me enfiar no quarto de outro homem na calada da noite e ficar vendo essas cicatrizes nas suas costas não está ajudando a me acalmar.

Massageei as têmporas sentindo que o efeito do analgésico tinha passado de vez, deixando apenas o constante latejar do olho, que ecoava na cabeça inteira.

- Tudo bem Haymitch, como quiser... Sente-se enquanto eu me visto.

Ele me obedeceu e se acomodou no sofá que ficava próximo à janela, com vista privilegiada para o centro do Capitol.

Quando saí do closet já vestido com uma camisa, ele tragava o líquido de uma garrafa prateada pequena.

- Precisamos conversar garoto.

Eu abri a boca para pedir que ele não me chamasse de garoto, mas deixei a reclamação escapar em uma lufada de ar. Fiquei esperando ele continuar.

- Peeta era um bom garoto. – ele quebrou o silêncio, com o olhar perdido na janela – Ele sempre foi... Ainda fico pensando o que teria acontecido se tivéssemos salvado ele da arena ao invés dela.

Haymitch chacoalhou a garrafa entre os dedos, com um sorriso morto nos lábios antes de bebê-la. Ele não parecia estar falando comigo ou sequer se lembrando de onde e quando estava.

- Me lembro exatamente da cara que aquele idiota fez quando me disse que gostava dela, pouco antes das entrevistas na TV na primeira vez que esteve na arena. Naquele instante eu soube que nada do que eu dissesse poderia salvá-lo porque o bobão estava disposto a fazer de tudo para mandá-la de volta para casa. – ele deu um pouco mais de vivacidade ao sorriso como se risse de alguma piada que eu não compreendi, mas logo em seguida suas rugas caíram novamente em uma expressão sombria – Ele morreu dormindo, ao lado dela. Quando Greasy Sae me chamou, Katniss já estava abraçada a ele há horas, com uma mão sobre o peito silencioso e frio dele enquanto a outra empunhava uma faca para espantar qualquer um que quisesse tirá-la de lá.

Haymitch deixou que o silêncio sobrecarregasse de peso o seu relato e então olhou para mim, voltando ao tempo presente

– Eu não gosto de você. – disse.

Ele virou a garrafa na boca mais uma vez e eu cruzei os braços.

- Que bom, assim não me sinto tão culpado por te odiar também.

- Você não entende... – ele balançou a cabeça para os lados e então se levantou como se eu tivesse dito alguma heresia ou algo do tipo.

- Haymitch, está tarde. Eu estou cansado, você está cansado, então porque não...

- Eu costumava te admirar, garoto. – ele me cortou, voltando a observar a janela, dessa vez recostando-se na parede – Você sempre teve esse ar durão, mas eu gostava de ver como você era impulsivo quando se tratava de Katniss. Ainda consigo ouvir os ossos do seu nariz quebrando quando você tentou impedir Boggs de detê-la.

Se eu fechasse os olhos, conseguia ouvir também. E rever tudo, nos mínimos detalhes, que aconteceu no dia em que Katniss precisou tomar a mesma decisão que ela estava prestes a tomar hoje.

- Deixei de te admirar quando você simplesmente decidiu fugir e se esconder.

Haymitch falou como se apenas comentasse o clima pela janela e voltou a bebericar de sua garrafa.

- Fugir e me esconder? – repeti com raiva.

- E não foi o que você fez?! – ele virou para me encarar – Fugiu correndo atrás de uma posição importante no novo governo e se escondeu atrás de cartas, deixando que Katniss lidasse sozinha com a dor que você causou a ela. E então, como num passe de mágica, você reaparece anos mais tarde, disposto a recuperar o tempo perdido. É ou não de causar repulsa e raiva em qualquer um?

- O que você tem a ver com isso?

- Eu tenho tudo a ver. Aquela garota que você “amava” – ele gesticulou as aspas no ar – não existe mais. Katniss teve que aprender sozinha como enterrá-la, junto com a dor de perder a irmã e o melhor amigo. Tem noção do quanto foi difícil para ela e Peeta se estabilizarem? – ele perguntou retoricamente e então ficou me encarando – Não, você não tem nenhuma noção porque você fugiu. Mas eu tenho. Eu estive ao lado dos dois ao longo desses anos. Cuidávamos um do outro como uma família... Ou o mais próximo que conseguíamos ser disso, já que não tínhamos mais ninguém que se importasse com nossa dor e nosso sofrimento. Eu falei para Peeta queimar suas cartas assim que elas começaram a chegar e simplesmente parar de te responder, mas aquele bobão me ouviu? É claro que não. Ele era compassivo demais com o que quer que você sentiu por Katniss para simplesmente te ignorar. Ele tinha esperanças de que você pudesse voltar e Katniss pudesse voltar a sorrir de verdade. Palavras dele.

A última frase Haymitch disse rolando os olhos e entornando mais um pouco do líquido de sua garrafa. Descruzei meus braços diante das verdades das palavras de Haymitch. Ficamos nos olhando um longo minuto.

- Aonde você quer chegar com tudo isso? O que você quer que eu faça? Não posso mudar o que aconteceu. Hoje eu vejo o quanto foi errado deixá-la, mas o que eu poderia fazer? Ela tinha feito as escolhas dela e eu...

- Você acha mesmo que foram escolhas sensatas? Que ela estava perfeitamente equilibrada para saber o que era bom ou não para ela? - ele ofegou deixando os ombros caírem – Não estou dizendo que ela ter se casado com Peeta foi errado, não é isso... E sei que não é justo jogar tudo isso em cima de você dessa maneira, afinal, quem naquela época, diante da dor de tantas perdas, conseguia ser sensato? Eu, pelo menos, não fui.

- Eu não consigo te entender... – massageei novamente as têmporas, confuso com a repentina gentileza na voz dele, de um jeito quase paternal.

- E não vai conseguir entender tão cedo. Quero apenas que me escute: Você se preocupou com a sua culpa, sua dor e suas perdas uma vez. Isso ficou no passado, ok, eu compreendo. Mas você tem que entender que sua volta trouxe mais do que sua presença na vida dela, trouxe também toda a perspectiva que ela teve um dia.

Haymitch arrastou os pés até ficar diante de mim para ter certeza de que eu estaria olhando para ele e prestando atenção nas suas palavras.

- Eu não gosto de você, garoto. Mas gosto quando Katniss está com você. Se ela aceitar ser o Mockingjay, você precisa estar pronto para ficar ao lado dela. Todos nós vamos precisar ser fortes por ela porque assim como há quinze anos, não sobrou mais ninguém. Ela não precisa de você caçando na floresta ou comerciando ilegalmente no Doze como vocês faziam quando eram dois adolescentes sem pais. Ela precisa de você chutando pessoas, quebrando o nariz e arriscando sua própria garganta quantas vezes forem precisas para protegê-la... Ela precisa de você para se esconder com ela nos armários quando parecer que ninguém mais vai compreendê-la. É isso que eu sei que Peeta queria que você fizesse e não tentar reconquistar ela. E acredite, se entregar ao seja lá o que for que você sente por ela e ficar nutrindo expectativas não vai ajudar em nada. Ela gosta de você... muito. De verdade. Mas dê a ela o tempo que ela precisa para voltar a te escolher.

- Voltar a me escolher?

- Você realmente não entende... – ele voltou a me olhar como se eu tivesse perguntado algo muito absurdo e ficou me olhando como se quisesse me dar um tapa por algo que eu fiz e não sabia. Ou pior: não me lembrava.

Minha garganta queria jorrar as palavras de justificativa que estavam presas lá dentro, mas eu forcei meu maxilar para mantê-las presas no lugar. Do que adiantaria justificar a verdade dos fatos?

Haymitch poderia ser um velho irritante e bêbado, mas ele sabia ser sensato quando precisava ser.

- Obrigado. – sussurrei quase inaudivelmente, mas mantive meu olhar nele para que ele pudesse entender.

- Não me agradeça garoto. Apenas cuide dela e lute ao lado dela de novo contra o que quer que apareça para atormentá-la. E tente controlar os níveis de testosterona. Se for para acontecer alguma coisa, deixe que ela tome qualquer iniciativa. – ele deu dois tapas no meu ombro, e eu não soube dizer se era o tipo de cumprimento  que homens trocam quando se cumprimentam ou se era do tipo que diz “Eu sei exatamente o que aconteceu entre vocês”. Então Haymitch olhou para meu olho roxo, rindo da desgraça que aquilo estava.

Sorri um riso torto enquanto abria a porta para ele sair.

- Você não vai mudar sua opinião ao meu respeito, mesmo que eu me esforce, não é?

- Como eu disse, eu gostava demais daquele padeiro idiota. – ele levou a garrafa à boca uma última vez antes de rosquear a tampa e guardá-la no bolso – Mas vai ser bem divertido ver você tentar me conquistar ao invés de tentar reconquistá-la.

- Não sou do tipo bajulador de marmanjos. Ainda menos de marmanjos bêbados.

- É claro que não é. Você é durão demais pra isso... – ele colocou as mãos nos bolsos e caminhou rumo à escuridão do corredor, olhando uma última vez para mim com um sorriso que poderia até ser amigável se não fosse a falta de iluminação que me impedia de avaliar - Te vejo pela manhã, garoto.


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Notas finais do capítulo

Como vocês viram, aconteceram muuuuuuuitas coisas em um só capítulo:
Primeiro Katniss decidiu pensar no pedido de Paylor, então ela decidiu dar uma trégua aos conflitos com Gale. Gale, por sua vez, parece estar cada vez mais empenhado em descobrir o que está acontecendo em Panem. Alguém aí tem algum palpite sobre a origem desse emblema com esse animal estranho que Peeta deixou para ele e que agora parece que estava no uniforme do atirador? Ele parece ter descartado a possibilidade de ser um bestante produzido no Distrito 5. Mas será que isso é verdade? Ou será que é um animal de fora de Panem?
Além de tudo isso, ainda tivemos essa visita noturna do Haymitch que estava precisando lavar a alma. Acredito que situações de stress devem colocar as pessoas, diretamente envolvidas ou não, no pico de suas emoções. Talvez Haymitch não seja o único a dizer umas verdades para o Gale até o final disso tudo hein!
Mas quero que vocês encarem isso como uma maneira também de Peeta se comunicar. Afinal de contas, como Haymitch mesmo disse, ele o amava quase como um filho já que um cuidou do outro ao longo dos anos.
Bem, quero ouvir quais são as opiniões e palpites de vocês sobre tudo isso. Como vocês encaram essa conversa com Haymitch? E o que pensam dessa "trégua" de Katniss? E esse ataque contra Paylor e todo esse mistério? E o pedido de Paylor? Será que Katniss vai aceitar atuar como diplomata num conflito que eles sequer conhecem o inimigo ou as causas?
Mais uma vez, não poderia deixar de agradecer a todos os leitores lindos que continuam acompanhando essa fic! É por vocês e para vocês que essa história é escrita!
Tenham uma boa semana e nos vemos no próximo capítulo!
Beijos Galeciosos!!! =D



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