Legalmente Ruiva escrita por Snapelicious


Capítulo 7
Seis


Notas iniciais do capítulo

Oito meses é um baita tempo, não? Estava com esse capítulo semi-pronto há semanas, mas sempre que eu tentava continuar, faltavam as palavras certas. Peço desculpas.
Mas vocês já devem estar acostumados.



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–Qual é mesmo o nome daquele bicho? Aquele que põe ovos?

Neville esticou um pouco o pescoço e de repente mais do que seu cabelo emplastado de gel era visível por cima da parede que nos dividia. Ele me encarava com o cenho franzido.

–Pra quê você quer saber? - perguntou. Abaixei minhas anotações em um movimento rápido e o encarei como se ele fosse louco.

–Estou tentando trabalhar! - exclamei, como se a culpa de eu não ter ideias fosse dele – Mas não está ajudando o fato de ninguém aqui saber o nome daquele bicho!

Eu estava no escritório há quatro horas e tinha conseguido escrever fabulosas dezessete palavras. Por alguma razão, eu não conseguia me concentrar para pensar em algo brilhante o suficiente para fazer meu chefe acreditar que eu entendo de economia. Eu não tive problemas em escrever o primeiro artigo, mesmo eu estando deprimida demais para fazer alguma coisa. Mas nãããããooo, quando eu precisava escrever, porque eu sabia que eu estava sendo paga para isso... Não consigo pensar em nada além de cangurus.

–CANGURU! - berrei, e cobri a boca com a mão, olhando ao redor. Felizmente, ninguém além de Neville percebeu meu surto – É canguru – repeti, sussurrando.

–Ginny, lamento lhe informar, mas cangurus não põe ovos – disse Neville, calmamente.

–Qual é o seu problema? - perguntei, como se a culpa fosse realmente dele. Gemi, e colocando os braços sobre minha própria mesa, encostei a testa nela, e fechei os olhos.

–Você parece estressada – comentou Neville. Respondi com um granido – Por que não dá uma volta? Já que você ficou aqui na hora do almoço.

–Eu não posso – resmunguei, levantando a cabeça e me encostando para trás na cadeira – Tenho que terminar essa droga.

De repente percebi como eu parecia uma garotinha mimada.

–Quero dizer – continuei – Minha cabeça está dando voltas. Não consigo me concentrar.

Ótimo para o primeiro dia, Ginny. Realmente ótimo.

–Ginny – chamou alguém, e eu virei o rosto para ver Luna ao lado da minha mesa – Sr. Potter quer falar com você.

–Pessoal, foi um prazer conhecê-los – falei, me erguendo.

Quando eu cheguei em sua sala, Harry estava ao telefone.

–Claro, Sr. Dumbledore. Estamos planejando isso. Sim, sim. Eles não nos procuraram mais, o que é bom. Achava que teria que enfrentar a justiça – dizia ele, de pé, em frente a sua enorme janela. Parei no batente da porta e aguardei. - Pois é, não seria muito agradável, principalmente em meses como esses. Ah, isso? - ele olhou de relance para mim, e sorriu – Próxima edição. A maioria nem ao menos notou quando ela apareceu, de tão atolados que estavam com o trabalho. Acho que Seamus Finnigan tem uma crise de hipertensão programada para a próxima semana – ele riu novamente, e eu lembrei do cara que trabalha do outro lado do corredor. Desde que cheguei pela manhã, não vi ele parar de gritar no telefone, nem para respirar – Sim, ela está aqui. Eu digo, pode deixar. Obrigado, Sr. Dumbledore. Nos vemos mais tarde.

Harry desligou o telefone, e suspirou.

–O dono da companhia – disse ele, ao se voltar para mim e meu olhar confuso.

–Vocês parecem bem próximos – comentei. Percebi meu erro tarde demais. Praticamente insinuei que ele chegara onde está por meio de relações e alguns bons contatos. Ginny burra.

Ele não pareceu perceber.

–Ele leu seu artigo – disse, sentando-se em sua cadeira, e indicando para eu fazer o mesmo – Disse que tem potencial.

–Jura? - perguntei, sorrindo, animada. Me sentei na cadeira à sua frente, tomando cuidado para não rasgar nenhuma peça de roupa.

–Juro – respondeu ele, parecendo divertido com minha animação. - Vai sair na próxima edição, semana que vem. Os colaboradores estão bem animados com isso. Eles sempre disseram que precisávamos de algo novo – ele pareceu distante por alguns segundos, e logo voltou a olhar para mim – Enquanto isso, continue a trabalhar no próximo artigo.

–Ah, claro – falei, com um sorriso falso. Engoli em seco – Na verdade, eu não estou indo muito bem – ele ergueu as sobrancelhas – Eu tenho apenas um artigo para me basear, e ainda não sei se ele será aceito pelos leitores. Quero dizer, acredito que os leitores... que não são mulheres... Não se interessariam muito por... botas. Preciso de algo mais... – fiz um gesto com as mãos – abrangente.

–Tá bem... - disse ele, parecendo um pouco confuso.

–Você entendeu alguma coisa do que eu disse? - perguntei, jogando a cautela pro alto.

–Sim, sim, eu entendi – Harry se apressou a dizer – Você quer algo que agrade a todos os públicos. Só disse isso de um jeito... diferente.

–As hesitações não contam – expliquei.

–É.

Ele ficou me encarando por alguns segundos. Sustentei seu olhar.

–Pegue seu casaco – disse por fim, se levantando – Vamos dar uma volta.

XxX

–Sabe, eu posso não ser uma especialista no assunto, mas não creio que isso vá dar certo.

–Sem pessimismos, Ginevra – disse Harry em um tom animado, enquanto atravessávamos o saguão. Fiz uma careta para o nome. Não que eu esperasse que meu chefe me chamasse pelo apelido, mas Ginevra? Parecia que ele estava falando com um cogumelo venenoso das ilhas da Malásia, e não com uma jornalista ruiva fracassada.

–Não é pessimismo – continuei, acanhada – É só a perspectiva de um eminente fracasso.

Ele me olhou divertido, quase como se eu fosse uma criança boba e engraçadinha que tinha acabado de roubar um biscoito.

Estávamos na entrada de um auditório no centro de NY. Cercada de homens e mulheres de ternos e de aparência séria, eu me sentia no mínimo deslocada com minha jaqueta de couro roxa e com meus cabelos vermelho-berrantes. As pessoas me olhavam como se eu fosse a atração principal do show de horrores, mas Harry não parecia notar, ou ao menos se importar.

Demos nosso nome para a recepcionista, pegamos uma pilha de panfletos, e entramos no auditório. Sentamos em poltronas mais ao fundo, enquanto os lugares iam gradualmente se ocupando. Me afundei no assento e abri um panfleto. Li seis vezes o mesmo parágrafo até perceber que era sobre bolsa de valores. Levemente enjoada, voltei a observar as pessoas.

–Aquele é Malfoy – murmurou Harry, inclinado para mim, indicando discretamente alguém mais a frente. Meu coração quase saiu pela boca ao ouvir o nome.

Draco? - perguntei, com a voz estrangulada, me afundando ainda mais na poltrona. Harry me olhou.

–Não, Lucius, pai dele. Você os conhece?

Meus olhos se focaram em uma figura de preto mais adiante, aos pés do palco, conversando seriamente com alguns homens. Lucius Malfoy tinha o rosto angular, cabelos claros demais e uma pose de como-você-ousa-olhar-para-mim-seu-mero-mortal que intimidava qualquer um. Parecido demais com o filho.

–Eu tenho uns probleminhas com Draco Malfoy – murmurei. Harry deu uma risadinha.

–Não é a única. Eu também odeio aquele cara – olhei para ele, curiosa – Lucius é dono do banco mais famoso da cidade, Malfoy. Draco trabalha lá. Começou como estagiário, e tem que subir na empresa com seus próprios méritos, sem a ajuda do pai. Pelo menos é o que dizem.

Olhei novamente para Lucius Malfoy e cheguei à conclusão que não gostava dele. O auditório foi aos poucos silenciando, e fiquei com um mau pressentimento quando Malfoy e outros caras do mal subiram no palco.

–O que estamos fazendo aqui mesmo? - perguntei para Harry, baixinho.

–Tem uma audiência como essa todo mês – respondeu ele, enquanto um carinha cumprimentava rapidamente todo mundo e começava a citar números – Os maiores empresários se reúnem para ouvir como anda a bolsa, diretamente de economistas famosos e bancários. A imprensa, nós, podemos assistir. Dá pra tirar algo de bom. Se você entender algo, é claro.

O que não é meu caso.

O homem no palco continuava a ler números e a falar nomes estranhos. Eu já estava começando a ficar tonta. Olhei discretamente ao redor, e percebi que todas as pessoas ouviam como se suas vidas dependessem disso, fazendo notas em bloquinhos e sussurrando comentários para os colegas. Quando o terrível monólogo finalmente terminou, Lucius Malfoy levantou-se de sua cadeira em cima do palco e se dirigiu ao microfone. E começou a falar.

Comecei a ficar desesperada. Não estava entendendo bulhufas. Palavras difíceis e mais nomes e números voltavam a aparecer no discurso de Lucius Malfoy. Droga. Por que ninguém podia discutir sobre algo mais plausível, tipo o novo namorado da Megan Fox? Pelo canto do olho, podia ver Harry observando o homem com uma expressão de desconfiança nos olhos.

–Isso não está certo – murmurou para si mesmo. E olhou para mim – Levante a mão.

Encarando seus olhos absurdamente verdes, obedeci. Depois de alguns segundos, pareci cair na real. O quê? Abaixei a mão rapidamente. Mas era tarde demais. Malfoy me observava. Bem como todo mundo no salão.

–Algo a acrescentar? - perguntou ele, provavelmente se perguntando como eu ousava interrompê-lo.

–Ahn, não – respondi rapidamente. Harry me cutucou nas costelas, murmurando um “levante-se”. No susto, fiquei de pé em um salto.

–Seu nome – ouvi Harry falar. Amaldiçoando todo mundo, segui em frente.

–Sou Ginevra Weasley, da Successful Savings – falei, em uma voz clara. Malfoy ergueu as sobrancelhas. Gelei.

–Pergunte quanto ele ganha – comandou Harry, baixinho.

–Quanto o senhor ganha? - perguntei, alto. Imediatamente ouvi murmúrios de confusão atravessarem o auditório.

–Desculpe? - Malfoy perguntou, levemente pasmo.

–Eu perguntei quanto o senhor ganha – repeti, dessa vez mais firme. Nunca imaginei que minhas palavras pudessem causar tanto em uma pessoa só, e seguirei a vontade de sorrir vitoriosa. Lucius olhou para seus colaboradores sentados na mesa ao lado, que pareciam desconcertados.

–Responderei suas dúvidas no final da sessão – prosseguiu ele, tentando parecer inabalável – Prosseguindo. Conforme Marley Jonkso calculou, tivemos uma queda de oito porcento no salário dos trabalhadores...

–Por quê? - as palavras saíram da minha boca antes que eu pudesse segurá-las. Os olhos frios de Malfoy voltaram para mim. - Por que teve uma queda de oito porcento se o senhor mesmo tinha dito que os investimentos aumentaram? - perguntei. Mais murmúrios.

Bingo – disse Harry ao meu lado, sorrindo.

Não tinha entendido nem metade do que aqueles investidores idiotas tinham falado na última hora. Mas se o assunto é salários mais baixos, ah, disso eu entendo bem. Até demais.

–Quanto mais investimentos em uma empresa, maiores são os lucros, não estou certa? - continuei, sacando a jogada – Ficamos esse tempo todo ouvindo sobre como ganharam mais investidores, e como o mercado está aumentando cada vez mais. Mas os salários caíram, porque não há como pagar os funcionários – encarei o loiro no palco firmemente – Para onde vai todo esse dinheiro, Sr. Malfoy?

Ele me olhava com ódio, enquanto as conversas aumentavam cada vez mais. Pude ver pelo canto do olho alguns flashes piscando, e canetas arranhando o papel furiosamente.

–As perguntas – disse ele – serão respondidas no final da sessão.

Malfoy continuou a falar asneiras. E saiu antes da audiência terminar.

XxX

–Eu acho que vou vomitar – murmurei, quando finalmente saímos para a luz do dia. Harry Potter se virou para mim, sorrindo abertamente.

–Isso foi incrível! - exclamou, me segurando pelos ombros e sacudindo. - É a primeira vez na história que alguém desafia Lucius Malfoy publicamente!

–Você que me mandou levantar a mão – falei, levemente confusa. Ele deu de ombros, e me soltou.

–Só te incentivei – respondeu ele, enquanto me guiava pela calçada. Quanto mais longe daqueles malditos investidores estivéssemos, melhor – E você também percebeu que tinha algo errado – resisti ao impulso de admitir que eu só tinha agido por instinto – E no final, praticamente culpando Lucius pela falta de dinheiro! Ahhh, foi brilhante!

Sorri, observando sua alegria.

–Você acha mesmo que Malfoy está roubando o próprio banco? - perguntei.

–Nah – ele fez um gesto de descaso com a mão – Talvez, mas ele não seria tão estúpido em dar os dados em uma sala lotada de pessoas formadas em administração. Você só chamou a atenção para um erro de cálculo.

–Então de que adiantou tudo isso? - perguntei, levemente emburrada. Não ia virar caso federal? Droga.

Harry sorriu.

–Você mostrou que Lucius Malfoy estava errado. Em uma pequena coisa, mas irrevogavelmente errado.

Ficamos alguns segundos nos encarando em silêncio.

–Não fala palavra difícil – falei, por fim.

E tomei frente no caminho de volta para o escritório.


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