Engraçado, não é? Como sua vida pode mudar por causa de uma só pessoa. Seus pensamentos mudam, e até suas atitudes. É difícil. Sempre foi. Eu ainda penso em você, por mais que eu não queira. Meus pensamentos me traem, me jogando de volta contra as nossas memórias. Mas hoje vai ser aquele dia. O dia em que vou colocar o meu melhor sorriso no rosto. Cumprimentar a todos. Falar que estou bem, porque dizem que quanto mais você mente, a mentira acaba virando verdade uma hora. Assim espero. Encaro meu reflexo na frente do espelho. Meu cabelo havia crescido, além de estar um tanto mal cuidado. As olheiras em baixo de meus olhos pareciam agressões. Eu havia chorando constantemente, porque a realidade me atingiu sem mais nem menos. Eu havia perdido minha mãe, você e estava perdendo meu pai. Estava empurrando ele pra longe, e não sabia mais como puxá-lo para perto. Balancei a cabeça, respirando fundo e engolindo as lágrimas que ameaçavam cair. Meus lábios estavam pálidos e rachados por conta do frio que já ameaçava ir embora. Era tecnicamente o ultimo dia de inverno, o qual eu passei praticamente dentro do meu quarto, ou evitando as pessoas no colégio. Todos me olhavam com pena. Eu não quero que me olhem desse jeito. Não sou uma coitada, não preciso que tenham pena de mim. Não preciso de caridade ou um ombro para chorar. Sabe, eu cansei de ser a garota que perdeu a mãe, ou muito menos a garota que foi traída pelo ex. Eu quero ser eu. Não quero um rótulo. Toda a minha vida eu fui um rótulo. Cansei de ser a idiota que aceita tudo de cabeça baixa. O problema é que, essa é a minha zona de conforto. Se eu sair dela, não sei o que vai acontecer. Vou me machucar mais, talvez. Coloquei meu casaco, saindo do meu quarto. Era cedo demais, mas eu queria respirar um pouco. Pensar. Desci as escadas nas pontas dos pés, tentando não acordar meu pai. Ouço um ronco, vindo do sofá da sala e dou um sorriso. Ele deve ter caído no sono depois do jogo. Vou até ele lentamente, fazendo o máximo para não acorda-lo. Coloco um cobertor em cima de seu corpo, beijando sua testa levemente. “Eu te amo, pai.” Sussurro. Me levanto e sai, sem hesitar. O Sol ainda não havia nascido, e me apressei a chegar no parque antes que ele saísse. Não havia ninguém lá, só a imensidão branca que cobria quase tudo. Me sentei em uma pedra próxima ao lago congelado, as árvores faziam um arco sobre ela. Encarei a imensidão branca por um tempo, ela me encarando de volta. Levei meus joelhos ao peito, apoiando o queixo nos mesmos. Os primeiros raios de Sol vão aparecendo lentamente, avançando sobre o lago congelado, o iluminando. Era lindo. Sorri, não conseguindo tirar os olhos dali. Sua luz começou a me banhar, esquentando-me de um jeito estranho. Tocando-me como se aquilo fosse realmente um toque. “Oi mãe.” Sussurrei. Talvez fosse ela. Talvez não fosse, mas eu não liguei. O Sol brilhava com uma intensidade fraca, mas seus raios faziam a neve brilhar como pequenos diamantes. As árvores paralisadas pela neve agora pareciam algo raro. “É lindo, não é?” Ouço alguém falar, atrás de mim. Não alguém. Você. Não me viro, ou respondo. Fico encarando a paisagem a minha frente, decidindo se corro ou não. Cansei de fugir. Não vou correr, não vou voltar para casa e não vou deixar você arruinar minha vida. Ouço você andar, e percebo quando se senta ao meu lado, mantendo uma distância entre nós dois. O que aconteceu entre nós? Antes, éramos inseparáveis, crescemos juntos. Nos víamos todos os dias, não se passava um momento se quer em que nenhum dos dois mandasse uma mensagem. E agora? Eu mal consigo olhar para o seu rosto. Eu mal consigo ficar ao seu lado sem sentir essa raiva. O que aconteceu? Nós estragamos nossa história, Jack. Estragamos o que tínhamos por apenas alguns momentos de felicidade como algo mais. E eu me pergunto, valeu mesmo a pena? Colocar tudo a perder? Você não disse nada, nem eu. Apenas ficamos ali, sentados olhando o Sol nascer, como se nada tivesse acontecido. Como se fossemos aquelas duas crianças ingênuas de 9 anos atrás.