Subitamente No Futuro escrita por Brunna Cassales


Capítulo 4
O Tropeço de Rony


Notas iniciais do capítulo

Estou tão feliz que estejam gostando e por encontrar leitores da FeB por aqui! Tanto que venho trazendo mais um capítulo, o maior desta fic, e que marca um momento, digamos... MUITO especial na relação Rony/Hermione. É isso aí, continuem comentando, assim quem sabe eu traga o capítulo 4 antes que vocês se deem conta de sentir a ansiedade afluir...



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Há quem diga que quando o impossível acontece pode-se esperar de tudo um pouco. Naquele momento, era exatamente por isso que Hermione estava passando: sua impressão era de que nada mais a deixaria estarrecida.


Se antes do Natal lhe contassem que ela viveria a experiência de ser uma mulher feita, casada com Rony e mãe de dois filhos nos dias seguintes, Hermione riria dizendo que aquela era uma ideia maluca que só acontecia em filmes trouxas. Nada poderia prepará-la para aquilo. E estar realmente vivendo o impossível não parecia deixar brechas para mais surpresas.


Entretanto, ela se enganara, porque cada dia que surgia no horizonte trazia novas surpresas. As duas crianças inicialmente desconhecidas – embora com traços tão conhecidos – com quem convivia agora se tornavam, cada vez mais, uma parte arraigada de sua vida. Hermione nunca imaginaria que fosse possível se acostumar com uma situação repentina e não explicada como aquela, mas era isso que aos pouquinhos acontecia.


E como se não houvesse coisas surreais suficientes ocorrendo fora de seu controle, o maior e pior choque veio à tona: Fred morrera. O horror daquela descoberta só não desestabilizava o seu mundo porque Rony estava sofrendo ao seu lado e ela precisava ser forte para lhe dar o apoio necessário.


O amigo tentava não transparecer diante das crianças o quanto sofria e Hermione o admirava por isso. Mas ela via que até o sorriso que ele esboçava ante às gracinhas de Rose e Hugo era triste.


O último dia do ano chegou com uma tempestade de neve. Eles deveriam estar n’A Toca antes do entardecer. E Hermione quase entrou em pânico ao se dar conta de que não avaliara como poderiam chegar lá. Seu cérebro trabalhava a todo vapor: ela e Ron ainda não sabiam aparatar – e, mesmo que soubessem, Hermione não submeteria Rose e Hugo, que ainda não desenvolviam magia por serem tão pequenos, aos riscos de uma Aparatação Acompanhada. Lembrou-se, então, do Nôitibus Andante, mas mal começava a sugeri-lo quando Hugo a fez calar-se com um gritinho assustado. Ele começou a se esganiçar, choramingando “Noitibû não! Noitibû nããão! Não quelo bater com a cabeça... Não quelo vomitar de nofo!” O pobre menino fez beicinho e sua mãe não resistiu.


— Tudo bem, tudo bem! – ela ergueu os braços em sinal de rendição.


Rose se adiantou com as mãozinhas na cintura – o que lembrava muito sua avó paterna – e uma expressão confusa no rosto.


— Mamãe, por que você simplesmente não pega o seu carro na garagem?


— Hã... Ah, Rose, eu esqueci de renovar minha carteira de motorista. – Hermione inventou a primeira coisa que lhe passou pela cabeça.


Obviamente, não havia carteira alguma e, apesar de ter crescido vendo os pais dirigirem, ela não confiava em seus conhecimentos como motorista sem uma aprovação concreta. Por isso, ficou feliz que a mentira não fosse tão falsa e que a menina não tivesse insistido no assunto sugerindo que Rony poderia dirigir: a mesma história não convenceria nem uma criança de cinco anos. E, além do mais, Hermione não tinha certeza se Rony dominava direção. Pelo menos, não em terra...


A ideia de usarem a Rede de Flu foi igualmente descartada, já que Hugo oscilava entre dizer “A Toca” corretamente e se empolgar tanto a ponto de soltar: “A Doca! A Doca! A Doca do fofô e da fofó!”


Rony adentrou o quarto na hora em que Hermione tentava treinar os filhos para se saírem bem em uma viagem via Pó de Flu para a casa dos avós.


— Papai mandou uma Chave de Portal com um bilhete dizendo que é melhor não pegar estrada por causa da nevasca.


— E você só me diz isso AGORA? – Hermione pegou o filho no colo antes que ele tivesse tempo de notar que sua expectativa de usar a Rede de Flu pela primeira vez, como a prima da mesma idade tinha feito, não daria em nada, enquanto Rony dava de ombros.


Levou um tempo para fazer o ruivinho voltar a se animar, outro tempo para terminarem de arrumar as crianças inquietas e mais tempo ainda para Rose encontrar o manual de geladeira que se lembrava de o avô ter pedido da última vez que o vira.


Quando finalmente estava tudo pronto para partirem, a Chave de Portal estava quase indo embora sozinha. Mal eles tocaram no velho suporte de lampião enferrujado, o objeto já emanava uma luz azulada.


— Três... – Rony começou a contar assim como seu pai havia feito quando foram à Copa Mundial de Quadribol, o que, literalmente, parecia fazer anos, não apenas alguns meses – dois... UM!


Os quatro foram sugados para o vazio e sentiram como se ganchos invisíveis puxassem seus umbigos por dentro. Hermione tinha consciência de que Rose e Hugo apertavam sem necessidade o lampião ao rodopiarem ao seu lado num vertiginoso emaranhado de cores. Ela e Rony, que apenas encostavam um dedo no objeto, pareciam estar grudados a ele como um ímã.


Então, seus pés pisaram em terra firme – embora escorregadia – e Rose e Hugo caíram por cima dos pais. Eles se levantaram e ajudaram as crianças a se aprumar. Sem a menor dúvida, estavam agora no jardim coberto de neve d’ A Toca.


Rony e Hermione trocaram o que parecia ser o milésimo olhar significativo dos últimos dias ao se depararem com a conhecida grande construção de aparência meio torta. Hermione se perguntava o quanto seria estranho para o amigo estar prestes a entrar na própria casa como um mero visitante.


As crianças correram na frente. Num piscar de olhos, a porta se abriu com estrépito e a figura alegre e bondosa de Molly Waesley apareceu exclamando:


— Rose! Hugo!


Ela abarcou os netos em um abraço apertado e depois se dirigiu a Rony e Hermione, os abraçando com força também.


— Meus queridos! Achamos que iam acabar perdendo a Chave de Portal, do jeito que sempre se atrasam... Que bom que chegaram logo.


Hermione sentiu alívio por a Sra. Weasley estar feliz o suficiente para não prestar atenção na expressão aturdida do filho. A mulher continuava com a mesma energia de antes, mas já não estava mais na meia-idade: seus cabelos eram quase inteiramente brancos, só havia algumas mechas ruivas aqui e ali, e rugas marcavam seu rosto. Hermione entendia com clareza que Rony, mesmo sabendo estar, de alguma forma, vivendo no futuro, estranhasse ver sua mãe tão mais velha sem ter acompanhado seu envelhecimento.


— Seus pais chegaram cedo, Mione – a Sra. Weasley continuou ­– Arthur, é óbvio, não os deixa em paz, já estão conversando há horas. Harry, Ginny e as crianças também já estão aí.


Ao ouvirem isso, Rose e Hugo deram vivas e desembestaram pela porta da cozinha atrás dos primos. Hermione só conseguia pensar que logo também veria os pais mais velhos e compartilharia da reação de estranhamento mal contido de Rony.
Assim que entraram na aconchegante sala d’ A Toca, Harry e Gina acenaram do sofá. James, Al e Lily estavam montando um grande quebra-cabeça no chão em frente e Rose e Hugo já tinham se unido aos primos.


— Filha! – Hermione ouviu uma voz conhecida exclamar. Sua mãe estava vindo em sua direção.


Ela retribuiu o abraço carinhoso da mãe como se estivesse sem vê-la por todos aqueles anos que pareciam ter passado. A Sra. Granger aparentava estar quase tão mais velha quanto a Sra. Weasley, mas o que apertava o coração de Hermione não era a aparência ligeiramente envelhecida, era a sensação de ter ficado muito tempo longe da mãe.


Quando elas se soltaram, Rose e Hugo correram para abraçar a avó materna. De repente, a porta dos fundos se abriu e dois homens entraram por ela conversando.


— Eu não disse que minha coleção tinha aumentado? Você não precisava ter trazido pilhas! – dizia o Sr. Weasley, animado. Seus cabelos que rareavam agora eram totalmente brancos.


— Nunca vi tantas baterias e pilhas juntas, Arthur! – respondeu o Sr. Granger, entre impressionado e divertido. Então o homem percebeu a sala cheia e exclamou: – Hermione! Rose! Hugo! Ronald!


Ele e o Sr. Weasley também abraçaram os filhos e os netos. Logo após a Sra. Granger cumprimentar Rony, sorridente, o Sr. Granger se adiantou, estendendo a mão ao genro. Rony a apertou com um constrangimento que a amiga não deixou de notar.


— Pensamos que não chegariam tão cedo! – disse o pai de Hermione.


Ela tentava fazer parecer normal se deparar com os pais grisalhos e enrugados, mas era difícil: quatro meses antes eles aparentavam pouco mais de quarenta anos de idade! No entanto, desde que acordara no dia de Natal que essa noção de tempo se perdera e, mesmo que estivesse se acostumando com aquela situação, tinha de admitir que sim, sempre haveria mais surpresas e ela tinha que lidar com isso.


— Ei, nós não vivemos tão atrasados assim, vivemos? – indagou Rony, tentado agir com humor e naturalidade.


Como todos deram boas gargalhadas, Hermione teve certeza de que eles tinham uma considerável fama de atraso.


Não demorou muito para os outros chegarem. Depois de Rony e Hermione, Bill e Fleur adentraram a casa com os filhos. Hermione não pôde reprimir sua irritação ao ver Rony olhando para Fleur com uma cara mais aparvalhada impossível. Cutucou as costelas do ruivo sem dó.


— AI!


— Fleur agora é sua cunhada, Rony! Pare de ficar babando por ela! – Hermione sussurou exasperada.


— E-e-eu... eu... Eu não estou babando por ela! Só não imaginava vê-la casada com meu irmão... – Rony deu um muxoxo de incredulidade – Espere aí... – ele estreitou os olhos, um sorriso enviesado se formando nos lábios – Você está com ciúmes, Hermione?


— Não seja patético, Ronald! – disse ela com a voz mais aguda do que o habitual, bufando – E não há nada demais no fato de Fleur estar casada com Bill.


— Mas eles nem se conheciam!


— Não se conheciam naquela época. Podemos não ter vivido todo esse tempo que passou, só que muita coisa aconteceu, então as pessoas tiveram tempo de sobra para se conhecer... E se casar. – Hermione terminou a frase rápido, sentindo as bochechas esquentarem.


Rony murmurou algo como “Quem já se conhecia, então, mais ainda!”, tomando cuidado para Hermione não ouvi-lo. Ele não queria corar como um adolescente na frente da família toda.


O menino chamado Teddy – cujo tamanho indicava que já devia estar estudando em Hogwarts – chegou com a avó. A cor de seus cabelos mudou de azul para acaju assim que ele atravessou a porta, esbarrando em um vaso. Logo, a avó de Teddy reparou o vaso e a filha mais velha de Bill e Fleur, Victoire, o puxou pela mão para que se juntasse a ela, seus irmãos – Dominique e Louis – e primos.


Percy chegou com a mulher e as duas filhas e, logo em seguida, George e Angelina com seus filhos. Hermione cumprimentou a colega da Grifinória com entusiasmo e ficou contente por tê-la como cunhada. Mas sentiu algo desagradável borbulhando no estômago ao olhar ao redor e se dar conta de que todos os irmãos esperados de Rony já haviam chegado: Fred jamais pisaria n’ A Toca novamente.


Pela sua expressão repentinamente desolada, Rony também se dera conta disso.

O jantar n’ A Toca foi um dos melhores, senão o melhor, que Hermione já experimentara na vida. O Sr. Weasley, com ajuda dos filhos e de Harry, tinha erguido uma mesa comprida e inúmeras cadeiras para acomodar toda a família – bem agasalhada contra o frio – no jardim. A Sra. Weasley caprichara na comida; tudo estava delicioso, não só a boa refeição sob o céu estrelado e a luz do luar, principalmente o momento compartilhado em família. As conversas ao longo da mesa eram salpicadas de risos. Ela também riu ao ver Rose explicando para quê serviam as rodinhas da bicicleta que ganhara dos avós maternos para um interessado Sr. Weasley. Não havia como não apreciar a companhia de todos. Era maravilhoso estar ali, ser uma Weasley, fazer parte daquela família.


Todos voltaram para o conforto do ambiente aquecido de dentro d’ A Toca após o jantar, as crianças emburradas porque queriam brincar com a neve espalhada pelo jardim. As mães nem precisaram exercer sua autoridade perante os filhos: a Sra. Weasley mandou todos os netos entrarem em casa porque já era tarde e estava frio demais com um olhar que não admitia contestações, e todos obedeceram. E não eram poucos, das treze crianças presentes, doze eram seus netos, e o único que não era a considerava como sua outra avó.


Mesmo que sempre tivesse abrigado uma grande família ruiva, A Toca parecia nunca ter estado tão cheia e radiante, nem refletido tanto a cor vermelha. Além de Rose, Hugo, James, Al, Lily, Teddy, Victoire, Dominique e Louis, havia Molly e Lucy – que eram filhas de Percy e Audrey – e Fred e Roxanne – filhos de George e Angelina – para deixar o ar repleto de sua contagiável alegria infantil. E a maioria das crianças era ruiva, o que tornava o ambiente Weasley ainda mais espirituoso.


Hermione começou a conversar com Gina e Angelina sobre como crianças pequenas se sujam com facilidade, depois de limpar a boca ainda suja de comida de Hugo, e se sentiu mais mãe do que nunca, pois não só se viu cuidando com imensa naturalidade de um filho, como também falando abertamente sobre isso como se tivesse uma longa experiência no assunto.


Rony e Hermione eram o único casal que não estava se comportando como tal. Eles se tratavam como os amigos próximos que de fato eram, com uma distância segura para evitar que ficassem encabulados na frente de todos. Houve um momento de extremo constrangimento quando a Sra. Weasley se aproximou, preocupada, e disse baixinho, para somente eles ouvirem:


— Rony, Hermione, o que aconteceu? Por acaso vocês brigaram e ainda não se resolveram?


— Não, mãe! – balbuciou Rony, coçando a cabeça, muito sem jeito.


— De jeito nenhum, Sra. Weasley! – confirmou Hermione com veemência.


— Há quanto tempo não me chamava de Sra. Weasley, Mione! – riu a mulher – Até porque, você também é uma. – ela apontou o dedo carinhosamente para a nora – Fico aliviada que estejam de bem um com o outro, não gostaria que a casa pegasse fogo em pleno Ano Novo.


Hermione retribuiu o sorriso da sogra com certo nervosismo e a observou indo puxar assunto com sua mãe. Quase pulou de susto quando Rony segurou sua mão.


— Er... A gente precisa parecer um casal de verdade, não é?


— Se eu te beijasse agora, pareceríamos mais um casal.


Hermione soltou aquilo sem pensar e arregalou os olhos sem acreditar no que acabara de dizer. A sua frente, Rony era uma mescla de espantado e esperançoso.


— Eu estava brincando. – sussurrou Hermione com a voz esganiçada, afastando sua mão da de Rony.


— Pois eu, não, precisamos mesmo parecer um casal para eles. – disse Rony indicando a família com o queixo e dessa vez entrelaçando os dedos nos de Hermione.


Ela não pôde deixar de perceber uma ligeira nota de decepção na voz do amigo.


Mas o que ele esperava que ela fizesse? Hermione se perguntava, incrédula, quando ouviu uma batida na porta frontal da casa.


Ela nunca havia visto alguém com roupas de bruxo tão incomuns e cheias de personalidade até a Sra. Weasley abrir a porta para a mulher de longos e emaranhados cabelos louros. Emanava uma áurea sonhadora. Hermione tinha certeza de que a conhecia de algum lugar.


— Luna! – exclamaram Harry e Gina.


— Se soubéssemos que viria, teríamos esperado você para jantar, querida. – falou a Sra. Weasley.


— Ah, não tem importância, eu e Rolf jantamos na casa do meu pai. Eles estão trabalhando numa reportagem sobre nossa viagem à Amazônia, por isso não vieram. Eu quis vir para dar um oi. – disse Luna.


Enquanto ela cumprimentava os demais, Hermione sentia um clarão de compreensão: aquela era Di-Lua... Ou melhor, Luna Lovegood, aquele era seu nome de solteira. Ela a conhecia de vista, a terceiranista excêntrica de Hogwarts por quem Gina tinha grande simpatia. Pelo jeito como os abraçou, Hermione percebeu que Luna não era só muito próxima de Gina, mas também dela, de Harry e de Rony. Concluiu que Luna devia ter se tornado muito amiga de todos ao se lembrar que até presente de Natal ela lhe mandara.


Pouco antes de ir embora, Luna aceitou um petisco que a Sra. Weasley lhe ofereceu dizendo que estava muito magrinha e que era isso que acontecia com quem vivia viajando. Teve ânsia de vômito logo em seguida e correu para o banheiro. Gina e Hermione foram socorrê-la, porém ainda estavam na metade do corredor quando Luna reapareceu, sorrindo como se estivesse sonhando.


— Tudo bem, eu acabei de ter a confirmação.


— Comf...? – Hermione começou a perguntar, mas Luna foi mais rápida em explicar.


— Estou grávida. – declarou ela simplesmente.


Gina a abraçou com força e Hermione fez o mesmo, não querendo demonstrar a sensação de que mal a conhecia.


— Parabéns! – ambas disseram.


Hermione não resistiu em perguntar:


— Você teve a confirmação agora? Como?


— Bem, não vou dizer que um Narguilé me avisou – Gina riu com gosto –, mas posso garantir que senti que vou ser mãe em breve. Eu já desconfiava, é claro... Só que agora foi mais do que me sentir enjoada, eu senti que tem alguém dependendo de mim aqui dentro. – Luna contou, acariciando a barriga – Vocês se sentiram assim? – ela perguntou, os olhos saltando mais do que o normal.


Hermione não queria mentir, mas não podia fazer nada ao invés de assentir enquanto Gina respondia emocionada: “Exatamente assim!” Sentiu uma certa inveja das amigas por saberem o que é esperar um bebê. Ela tinha dois filhos e não se lembrava dos meses sublimes em que os carregara. Isso era frustrante.


No entanto, depois que Luna voltou para a casa do pai e todos – já sabendo da grande novidade – estavam em volta da televisão que o seu próprio pai trouxera, esperando os fogos anunciarem no mundo trouxa um ano novo para o mundo inteiro, Hermione sentiu uma emoção incontrolável a invadir. Talvez fosse a expectativa de uma nova vida nascer, de um novo ano chegar ou a sensação reconfortante de que tudo tendia a recomeçar.


A cabeça de Rose repousava em uma de suas pernas e Hugo estava sentado na outra. Hermione beijou as testas dos filhos durante a contagem regressiva. Encontrou o olhar de Rony, que lhe lançou um sorriso tímido. E um novo ano surgiu com o estrondo e a luminosidade do espetáculo de fogos vindo da televisão à pilha do Sr. Granger.


Assim que acompanharam os primeiros fogos explodirem, todas as crianças vibraram em comemoração. Rose se levantou de um pulo e até Hugo, sonolento no colo da mãe, piscou os olhinhos, bocejou e se uniu à balburdia das crianças da família.


Elas aproveitaram que os pais estavam felicitando uns aos outros, que a avó Weasley se ocupava em sintonizar o rádio para escutar a primeira “Hora de Encantos” do ano, e que o avô Weasley, fascinado, não desgrudava os olhos do “aparelho trouxa falante em formato de caixa” para puxar o tio George e sair de fininho em direção ao jardim. Até os adultos perceberem que a casa estava demasiado vazia e silenciosa, George já divertia os filhos e muitos sobrinhos com os fabulosos fogos mágicos da Gemialidades Weasley.


Criaturas inteiramente formadas por faíscas roxas, vermelhas, verdes e douradas refletiam suas luzes na neve e voavam alto até desaparecerem no céu, produzindo explosões e labaredas pelo caminho. As crianças corriam atrás dos foguetes com caudas de estrelas de prata cintilantes e davam gritos de alegria. Os mais velhos também se divertiam para valer, admirando as centelhas coloridas de seu próprio espetáculo de fogos de artifício, afinal, não precisavam escondê-lo de ninguém: era Ano Novo, e os trouxas, ao seu modo, estavam fazendo a mesma coisa naquele momento.


Quando o estoque de George acabou, todos já estavam exaustos. Andrômeda Tonks, a avó de Teddy, disse que precisava voltar para casa e desaparatou, permitindo que o neto ficasse com o padrinho. Molly e Arthur Weasley tentaram convencer o Sr. e a Sra. Granger a dormir em seus aposentos, mas eles agradeceram e montaram uma barraca no meio da sala, deixando claro que não era necessário. Arthur se deslumbrou com o acampamento improvisado e Molly precisou mandá-lo dormir no mesmo tom que usara com os netos mais cedo.


Cada filho do Sr. e da Sra. Weasley desejou “Boa Noite” aos demais e se recolheu com a família para seu respectivo quarto.


Hermione deu um último beijo nos pais e seguiu Rony – que carregava os filhos adormecidos, um em cada braço, com as cabeças em seus ombros – escada acima. Assim que chegaram ao conhecido quarto de teto inclinado e paredes laranjas, Rony, com a ajudinha de Hermione, colocou Rose e Hugo no meio da grande cama que ocupava quase todo o espaço. Hermione soube na hora que aquela cama só podia ter sofrido um Feitiço de Extensão para acomodar confortavelmente quatro pessoas.


— Caramba, isso aqui não mudou nada! – Rony comentou assombrado, observando os jogadores do Chudley Cannons se moverem velozes em suas vassouras nos pôsteres ao redor.


— E ao mesmo tempo, tudo mudou – suspirou Hermione enquanto tirava os sapatos dos filhos e os cobria delicadamente.


Rony pareceu pensativo por um instante, então se espreguiçou, deitou ao lado de Hugo com as mãos na nuca, e disse:


— Foi uma longa noite.


— É, e acho que nos saímos bem – afirmou Hermione


— Menos quando mamãe achou que estivéssemos brigados. Será que a gente briga tanto assim?


Rony e Hermione olharam um para o outro e riram. Se brigavam por qualquer coisa desde que mal se conheciam, Hermione podia imaginar o quanto viviam às turras como marido e mulher. No entanto, tudo devia ficar bem no final, pois eles permaneciam juntos e tinham construído uma família feliz.


— Shhhhhhhhhh! – ela pediu silêncio levando o dedo indicador à boca quando viu Rose se mexer incomodada – Assim vamos acordá-los!


— Falou como uma verdadeira mãe.


— É isso que eu sou agora, não é? – indagou Hermione, as mãos nos quadris.


Eles voltaram a se entreolhar, contemplaram os filhos ressonarem tranqüilos ali naquele quarto que pertencia à adolescência de Rony, e tiveram que conter mais risos diante de tamanha ironia do destino. Apesar de estarem, na medida do possível, se acostumando com a situação, era diferente lidar com aquilo depois de uma festa em família, na qual todos esperavam que se comportassem como um casal. Foi como retornar ao ponto de partida, Rony e Hermione ainda eram apenas dois amigos em idade escolar que acordaram subitamente no futuro com dois filhos para criar.


A ficha caíra completamente, e eles enxergaram o humor da coisa.


***


Dormir ao lado de Ron já havia se tornado um hábito, ao mesmo tempo, agradável e incômodo. Mas com Rose e Hugo entre eles, tudo mudava de figura, era muito mais agradável e nada incômodo. Deitada ali, junto àqueles três, Hermione se sentia plena.


Ela se levantou. Estava com sede e sem sono, então foi até a cozinha. Parou de chofre ao ver que não estava sozinha.


— Harry?


— Hermione! Perdeu o sono, foi?


— Um pouco. E você?


— Só vim pegar um pedaço da torta de caramelo que sobrou. – disse Harry e, como Hermione erguer uma sobrancelha, acrescentou rapidamente: – Ei, é para Lily, não estou fazendo lanchinho da madrugada ou coisa do tipo!


Hermione sorriu.


— Louca pela mesma sobremesa que você! Incrível como eles se parecem com a gente, não é?


— A semelhança é uma loucura. Tanto que eu não me surpreenderia se você dissesse que Rosie já está se preparando para os N.O.M.s. Só faltam uns dez anos! – brincou Harry, fingindo preocupação. Hermione lhe deu um tapinha afetuoso no ombro.


— Estou falando sério! – exclamou ela, pegando uma jarra, enchendo um copo de água e se largando numa cadeira. – Às vezes eles são iguazinhos a nós. E eles dependem de nós, precisam de nós para viver… Assim como nós precisamos deles.


Harry concordou com a cabeça, agora sério, estranhando o modo incerto com o qual a amiga estava falando, sem desconfiar aonde ela queria chegar.


— Está com algum problema, Mione? O que o Rony fez dessa vez?


— Nada! Por que sempre que eu fico preocupada com alguma coisa acham logo que Rony fez algo de errado?


— Bom, é simples: porque a vida inteira foi assim. Você e Rony que eram tapados demais para enxergar a razão por trás do drama de vocês.


Ele falara como se aquilo fosse um fato extremamente óbvio e lhe divertisse abordá-lo. Hermione baixou os olhos, sem graça.


— Na verdade, Rony tem sido… maravilhoso.


Ela ergueu os olhos em tempo de ver Harry sorrindo, sua expressão transparecendo que esperava ouvir a amiga defendendo Rony desde o princípio.


— Então, qual é o problema?


— Ah, Harry… – Hermione respirou fundo e encarou o amigo. Foi acometida pela imensa vontade de contar a ele o que acontecera realmente. – Essa coisa entre pais e filhos… É uma relação tão forte. Crianças precisam de tantos cuidados! Não sei se estou preparada…


Harry estava pasmo. Aquela conversa era típica de mães de primeira viagem, ele se lembrava de que Gina ficara um pouco insegura quando ainda estava grávida de James. Não era algo característico de Hermione àquela altura, tão bem resolvida e já tendo dois filhos. A não ser que…


— Hermione, você está grávida de novo?


Hermione se engasgou com o gole de água que acabara de beber e tossiu. Antes que Harry a ajudasse a se recompor, respondeu:


— Não! É claro que não, Harry!


Ainda estava ligeiramente chocada pela pergunta. O amigo não fazia ideia de como aquilo soava intimamente impossível para ela.


— Então pode me explicar o motivo dessa sua insegurança?


Hermione observou Harry, parado a sua frente em seus trinta anos de idade, e teve certeza de que não devia lhe contar o verdadeiro motivo que a afligia.


Ele era um de seus melhores amigos, era como o irmão que seus pais não lhe deram e, junto a Rony, eles já tinham sobrevivido a grandes apuros, compartilhado momentos que a marcariam para sempre. Junto a Rony, formavam um trio inseparável e, por mais que discordassem de algo, sempre podiam contar um com o outro. Entretanto, ela e Rony é que estavam passando por aquela situação inesperada e inexplicável; ninguém mais compreenderia, nem mesmo Harry. Era algo somente entre Rony e Hermione. E, além do mais, ela não queria que o amigo duvidasse de sua sanidade, pensasse que fora atingida por um feitiço ilusório ou coisa do gênero.
Por isso, usou seu tom mais convincente para dizer simplesmente:


— Eles estão crescendo.


Harry assumiu um ar mais aliviado.


— Estão, sim. Mas você é uma ótima mãe, não precisa se preocupar à toa, vai saber lidar com isso. – disse ele ao afagar o braço da amiga – Espere até ver seu próprio afilhado frequentando Hogwarts, é esquesito estar do lado de cá… Espere aí! – continuou, franzindo a testa, visivelmente aturdido – Quando isso acontecer, eu vou estar vendo é um filho freqüentar Hogwarts! E só falta o quê, CINCO ANOS!


Hermione voltou a sorrir enquanto lavava o copo que usara. Pelo que Harry dissera, ela era madrinha de seu filho mais velho com Gina, James. Um contentamento enorme a preencheu por dentro. Mas o sorriso se apagou com a mesma rapidez que surgira quando ela constatou que não possuía recordação alguma de vir acompanhando a vida do afilhado desde seu nascimento.


— Minha esperança é que o maior problema das crianças continue sendo conseguir um doce de madrugada. – declarou Harry, mostrando o prato com uma generosa fatia de torta de caramelo que trazia na mão.


— Para Lily, isso nunca será um problema. Basta pedir ao pai.


Os amigos trocaram um sorriso cúmplice e subiram, voltando ao encontro dos respectivos filhos… E dos ruivos com quem amavam dividir a vida.


***


Todos ficaram para o almoço na manhã seguinte. E a Sra. Weasley insistiu para que cada membro da família comesse mais um pouquinho e eles repetiram o prato, o que quase os fez perder as Chaves de Portal que os levariam de volta.


O Sr. e a Sra. Granger partiram de carro após pedirem à filha que não demorasse a visitá-los. Hermione prometeu aos pais que não demoraria e reforçou a promessa para si mesma ao vislumbrar pela janela o carro se afastando.


Depois de uma despedida calorosa, cada família desapareceu com um rodopio no jardim, uma a uma tocando um objeto distinto no centro. Antes de ir embora, George foi o último irmão que Ron abraçou. Foi um abraço prolongado, um abraço que transmitia todo o carinho que tinham um pelo outro e, ao mesmo tempo, tangia num gesto a dor que compartilhavam por Fred não estar mais entre eles, embora George não soubesse que aquela perda era uma descoberta recente para o irmão mais novo.


Já em casa, Hermione reparou que Rony parecia menos triste do que antes da ida à Toca. Era impressionante o efeito que os acontecimentos de apenas um dia surtiam.


***


A primeira semana do ano trouxe com força total a rotina que Rony e Hermione estavam aprendendo a administrar. Tinham que se desdobrar para dar conta de uma grande casa, dois animais e, de quebra, duas crianças pequenas que precisavam da atenção dos pais constantemente.


Hermione ficava tão sobrecarregada que não tinha muito tempo para pesquisar sobre o que poderia ter causado a situação em que eles se encontravam, como planejara. Já tinha lido o suficiente dos livros que comprara da Floreios e Borrões para se dar conta de que as informações que continham eram inúteis para ela, sobre o tempo o que havia eram apenas previsões, tudo pura Adivinhação. Se sentia grata por não segurar a barra sozinha, por Rony estar vivendo o mesmo que ela, mas logo viu que era ela quem assumia maior responsabilidade, como se apenas ela estivesse no comando. Entrementes, a ansiedade por poder explorar mais livros, se dedicar a sua pesquisa, latejava em suas veias. Até porque, no penúltimo dia do ano que passara, Hermione havia descoberto um lugar precioso bem ali, em sua própria casa. Justamente o tipo de lugar onde sempre encontrava respostas.


Ela havia acabado de pôr Hugo para dormir e se encaminhava para levar Rose, adormecida no sofá, também. Então Bichento roçou em suas pernas e seguiu andando graciosamente até adentrar uma porta entreaberta pelo vento, o rabo de escovinha balançando no ar. Curiosa, ela seguiu o gato. Parou ao olhar a sala a sua volta, em estado de enlevo.


Estantes abarrotadas de livros, escoradas às paredes, iam do chão ao teto. Uma janela dava para o jardim florido na parede ao fundo e ao lado havia um arquivo com muitas gavetas. No centro da sala, duas poltronas contornavam uma mesinha redonda com um abajur. Aquela era uma biblioteca pequena, mas ainda assim a mais acolhedora que Hermione já vira na vida.


A garota – que por fora era uma mulher ­– correu pelas estantes ao redor, encostando os dedos nas lombadas dos muitos livros nas prateleiras, percorrendo-os avidamente pelos diferentes títulos; até cair em uma poltrona, sem fôlego. Acabou adormecendo ali mesmo. Quando acordou em sua cama, Rony lhe disse que havia colocado Rose para dormir e feito o mesmo com ela depois de encontrá-la em seu habitat natural.


E desde então, Hermione não tivera tempo para desfrutar daqueles livros. Chegara a pegar um livro de reversão de Feitiços muito interessante, porém as tarefas de mãe a ocupavam tanto que ela não fizera mais do que uma leitura superficial. Hermione adorava os momentos que passava com os filhos e sentia que devia aproveitá-los ao máximo, pois era como se pudessem sumir por entre seus dedos da mesma forma repentina com qual apareceram. E isso era um grande motivo para abrir mão de um momento ou outro e se engajar em descobrir respostas. Já estava decidida a fazer um acordo com Rony para dedicar mais tempo a sua pesquisa antes mesmo de encontrar no quarto uma agenda com seu nome marcando para dali a quatro dias o retorno ao trabalho.


Aquele era o limite, ela não podia mais esperar, precisava pelo menos descobrir em que trabalhava e o que se sucedia no mundo! E foi isso que tratou de deixar bem claro para Rony.


— Quatro dias, Hermione?! Como você espera que eu vá conseguir agir como um auror em quatro dias? – replicou ele, pálido e com a voz fraca


— Não sei, mas vamos dar um jeito. – disse Hermione – Mais um motivo pelo qual eu preciso fazer uma pesquisa de verdade!


— Isso significa horas e horas trancada na biblioteca?


— Exatamente!


— Mas… E as crianças?


— Ora, você também é pai delas, Ronald! – exclamou Hermione, começando a se irritar


— Eu sei disso! – rebateu Rony mordido – Por isso eu também dou banho nelas, arrumo elas, brinco com elas…


— Rony – Hermione falou com mais calma, lutando contra o pânico da urgência que tinha –, eu sei que você já faz muito, mas será que não pode me cobrir por hoje?


— Está bem, está bem! O que você quer que eu faça agora?


— O jantar. Aliás, estou notando que sou eu que tenho que cozinhar sempre! Porque sou mulher, suponho!


— Não, é porque você é a melhor em magia! Eu não sei fazer maravilhas com comida… Meu negócio é comer, não cozinhar…


— Pois trate de fazer algo bom para as crianças. Você consegue, é filho da Sra. Weasley!


Rony riu do comentário da amiga e balançou a cabeça, provavelmente desejando que a mãe estivesse ali para fazer o jantar por ele.


Hermione passou horas na biblioteca, averiguando os detalhes condizentes com o que buscava livro após livro. Não demorou a descobrir, boquiaberta, que havia acontecido muito mais coisas no mundo bruxo do que ela poderia supor. E ao folhear desenfreadamente páginas e mais páginas, leu que ela e os amigos influenciaram muito nisso.


— Hermione! – Rony chamou animado, entrando na biblioteca com um livro de capa azul nas mãos – Eu estava lendo para Rose dormir e você não vai acreditar…


— Sente-se, Rony – interrompeu ela, impassível, indicando a outra poltrona.


Rony obedeceu prontamente, intrigado com o que viria a seguir, e pôs o livro que segurava de lado.


Hermione juntou as mãos no colo e o encarou. Havia tanta informação que sua mente rodava. Mas agora ela sabia de tudo e tinha que lhe contar.


— O que foi? – perguntou Rony, impaciente – Não me diga que descobriu como viemos parar aqui!


A tensão no ar se desfez com o riso de Hermione. Contudo, voltou a se formar quando ela se mostrou séria novamente.


— Não, ainda não achei nada que explique isso. O que eu encontrei aqui – ela apontou para o amontoado de livros abertos sobre a mesa – foram os fatos que não lembramos que ocorreram.


Hermione suspirou e prosseguiu.


— Você não se perguntou o que aconteceu ao Sirius, por exemplo?


— Hum… Ele não foi preso, foi? Quero dizer, se não foi inocentado, ainda deve estar foragido e mantendo contato com Harry…


— Ele morreu, Rony. Foi assassinado pela prima, Bellatrix Lestrange, no Departamento de Mistérios do Ministério. E estávamos lá no dia.


— O que? Como assim? Quando? E… o que aconteceu com essa vaca que o matou?


— Foi no final do nosso 5º ano. Isso está em livros de história da magia recentes porque… Porque foi no dia em que Voldemort foi visto no Ministério, justamente no dia em que foi divulgado que ele voltou. E a assassina de Sirius era sua seguidora, uma Comensal da Morte. Ela também já morreu – disse Hermione pressurosa – Foi sua mãe quem a matou, Rony.


Rony se levantou de supetão, fazendo uma careta. Antes não sabia o que o deixava mais perplexo e temeroso: se era ouvir Hermione pronunciar o nome Daquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado ou o fato de que tinha ressurgido das trevas; mas agora não havia sombra de dúvida, nada poderia chocá-lo mais do que saber que sua mãe matara alguém.


— MINHA MÃE? Você está brincando, Hermione… – ele balbuciou, voltando a se sentar.


— Não, não estou brincando. A Sra. Weasley matou Bellatrix na Batalha de Hogwarts, Rony, que marcou o final da Segunda Guerra Bruxa. Todos lutamos nessa batalha. E foi nela que… – hesitou – que Fred morreu.


Rony maneou a cabeça para a direita sem dizer nada. Uma lágrima rolou pelo seu rosto. Hermione respirou fundo antes de continuar.


— Perdemos muita gente durante a guerra. Moody… Dobby, está em um livro que ele o salvou as nossas vidas antes de morrer… – Hermione agora também tinha lágrimas brotando nos olhos – Harry deve ter exigido que colocassem isso, porque sempre ignoram os elfos… E Lupin… Lupin e a esposa, Nymphadora Tonks, que era auror e tudo indica que conhecemos, também morreram na batalha. Deixaram um filho órfão… É o Teddy – completou. Sua voz estava bastante embargada.


O olhar vago de Rony recaiu sobre Hermione. Ele ansiava por saber a história inteira, por mais doloroso que fosse ouvir.


— E como a guerra terminou? O que houve com V…?


— Vencemos. Harry liquidou Voldemort. Nós o ajudamos. Até Neville ajudou.


Rony não pôde retribuir o sorriso da amiga porque estava absolutamente assombrado.


— O QUE? Harry o venceu de novo? E nós o ajudamos? Como conseguimos? Eu pensei que Dumbledore que fosse acabar com ele de vez! Mas… Como podemos ter certeza de que ele não vai… voltar de novo?


Hermione assumiu uma postura categórica, entendendo a confusão do amigo. Não restava qualquer vestígio do sorriso de segundos atrás em seu rosto.


— É uma história complicada, que envolve objetos enfeitiçados com magia negra e eu não vou saber explicar direito agora, mas não existe meios de que ele volte. Morreu definitivamente, está mais do que claro e quanto a Dumbledore… Ele morreu em 1997, Rony, quase um ano antes de a Batalha de Hogwarts acontecer. – Hermione fez uma pausa, os lábios se comprimindo em uma linha muito fina – Snape o matou.


Ron deu um soco forte no braço da poltrona, xingando Snape, enraivecido e indignado.


— Calma, não para por aí. Está em Ascensão e Queda do Lorde das Trevas Revisto e Atualizado que Snape passou anos infiltrado entre os Comensais da Morte, porém pertencia à Ordem da Fênix, uma organização de que participamos – nossos nomes estão entre membros notáveis –, fundada por Dumbledore para combater Voldemort. Snape era fiel a Dumbledore.


— Isso não faz sentido! Então por que ele o matou?


— Foi o último pedido de Dumbledore. Fazia parte do plano. E ele ia morrer de qualquer jeito. – concluiu Hermione sombriamente.


Rony esperava qualquer coisa, nada mais podia pegá-lo desprevenido.


— E Dumbledore morreu assim, com Voldemort ainda tocando o terror? Harry tomou a dianteira só porque achava que devia, porque era o Menino Que Sobreviveu?


— Não, Dumbledore incumbiu a Harry uma missão que visava a destruição definitiva de Voldemort. Ele partiu conosco nessa missão.


— E sobreviveu novamente. Matou V… Voldemort. Uau. – Rony se permitiu sorrir, maravilhado.


Hermione assentiu, pensando em como a tal missão não devia ter sido nada fácil. Depois de um minuto de deslumbramento, Rony tornou a perguntar, curioso:


— E Snape, que fim teve?


— Voldemort o assassinou. Não explicam bem o motivo, embora deixem claro que ainda acreditava que Snape fosse leal a ele.


— Estranho. Mas suponho que Voldemort não precisasse muito de um motivo para matar alguém.


Mais um minuto de silêncio se passou até Hermione se lembrar de uma coisa. Vislumbrou os livros empilhados e pegou um pedaço de pergaminho na mesa em que estavam. Ela estendeu-o ao amigo.


Era uma reportagem do Profeta Diário de alguns anos atrás. Na manchete lia-se: “NASCE O SEGUNDO FILHO DE HARRY POTTER.” Havia uma foto de Gina segurando um bebezinho nos braços ao lado de Harry com James em seu primeiro ano de vida no colo. O texto noticiava o nascimento de Albus Severus Potter e chegava a citar Rose, filha de Ronald e Hermione Weasley, como a priminha que nascera meses antes.


— O nome de Al é Albus Severus? – indagou Rony. Ok, ainda havia coisas que podiam pegá-lo desprevenido.


— Sim. Eu até desconfiava que fosse Albus, mas Severus… – Hermione comentou


— É, as coisas mudaram mesmo.


No dia seguinte, após as recentes descobertas que culminaram naquela longa conversa entre Rony e Hermione, tudo parecia mais nítido. A história do que acontecera na 2ª Guerra Bruxa se encaixava perfeitamente com a realidade dos dois. Por mais que não tivessem coragem suficiente para discutir a questão, eles tinham que admitir para si mesmos que era absolutamente compreensível que ficassem juntos, casassem e pusessem no mundo duas crianças depois de terem sobrevivido a uma guerra. O que fizeram foi recomeçar; aproveitaram a chance que a vida havia lhes dado.


E Hermione se pegou refletindo no que viria a seguir… Imaginou o que aconteceria se eles nunca mais voltassem a ser adolescentes e apenas bons amigos… Se ficassem velhinhos juntos…


Despertou do devaneio quando viu que um menininho de cabelos flamejantes corria em sua direção para lhe dar um abraço de bom dia.


Devido às circunstâncias, Hermione não podia ficar devaneando sobre o futuro incerto ou um possível retorno ao passado. Tinha de se concentrar no presente. Ela achara sua identificação de funcionária do Ministério da Magia junto a outros documentos. Ali seu nome estava atado a um cargo de relevância no Departamento de Execução das Leis da Magia. Somado ao fato de que Rony era um auror com a experiência de um quartanista e de que teriam que ocupar seus cargos dentro de poucos dias, aquilo era desesperador.


Se não tomassem uma providência imediatamente, seria o fim de suas carreiras profissionais.


Hermione catou todos os livros sobre Direito em Magia e cadernos antigos de anotações alusivas ao tema que encontrou. Lia o máximo que podia a cada menor brecha.


No entanto, devorar livros não adiantaria muito para Rony, mesmo que lesse e assimilasse tudo com a rapidez de Hermione. Para trabalhar como um auror, era necessário mostrar domínio principalmente na prática. Por isso, Hermione esperou até a hora das crianças dormirem para se dirigir a Rony com um livro de magia defensiva debaixo do braço.


— Rony… – começou ela, querendo abordar o assunto da melhor maneira possível – lembra do Natal…


— Como é que eu poderia esquecer?


— Sim, então, lembra quando Ginny falou…


— Ah, o armário de vassouras de novo não…


— Ronald, fica quieto, pare de me interromper! ­– Hermione o repreendeu, exasperada.


— Tudo bem, prossiga – disse ele.


— Sua irmã falou de um grupo que tínhamos na escola, a Armada de Dumbledore. Pelo que entendi, treinávamos Defesa Contra as Artes das Trevas às escondidas, liderados por Harry.


— Estou me lembrando de quando ela disse isso. Você não parava de instigá-la a continuar.


— Ainda bem que não, porque isso serviu para me inspirar!


Um sorriso iluminou o rosto sardento de Rony, que começava a entender onde a amiga queria chegar.


— Você está querendo dizer que devemos treinar DCAT, é isso? Só você e eu? Para eu não me sair tão mal como auror?


— Isso mesmo. Andei estudando este livro de magia defensiva – ela mostrou ao amigo – E, além do mais, você parece tão inseguro quanto Harry antes da primeira tarefa do Torneio Tribruxo e, se ele conseguiu enfrentar um dragão, acho que você consegue passar por auror.


— Brilhante, Hermione! – bradou Rony – Simplesmente brilhante!


Hermione agradeceu, ruborizada. Eles trataram de lançar feitiços silenciadores na sala, para o barulho iminente não acordar os filhos nem os vizinhos, e afastaram os móveis. Começaram com a Azaração do Impedimento. Rony se saiu muito bem depois de três primeiras tentativas fracassadas. Praticaram o Feitiço do Corpo Preso em seguida; foram necessárias quase duas horas para Rony pegar o jeito, além de muitas almofadas espalhadas pelo assoalho para amortecer o impacto da queda.


— Por hoje, chega! – sentenciou Hermione, sem fôlego e muito suada, fazendo os móveis voltarem ao lugar com floreios de varinha.


Na última noite de suas férias de Natal, eles já haviam passado para o estuporamento. Era extremamente desgastante estuporar, reanimar e tornar a estuporar. Terminaram após alguns minutos treinando desarmamento. Hermione tranqüilizou Rony afirmando que continuariam depois do trabalho, todas as noites, até ele se aperfeiçoar.


O dia sete de janeiro surgiu com raios de sol refletindo nos flocos da neve que se avolumava no parapeito das janelas. Rony e Hermione deixaram Rose e Hugo n’A Toca, aos cuidados da Sra. Weasley, antes de entrarem na lareira e partirem para o Ministério via Pó de Flu. Devia ser típico deixar que a avó paterna tomasse conta dos netos enquanto trabalhavam, pensou Hermione quando ela apareceu entre as chamas verdes da lareira no dia anterior para alertá-la a levar os filhos bem agasalhados para o caso de inventarem de brincar no jardim d’A Toca, junto à maioria dos primos que também ficava por lá.


Hermione nunca tinha estado no Ministério da Magia – ou, ao menos, não se lembrava de ter estado – e ficou impressionada com o tamanho do átrio ao emergir de uma lareira logo em seguida a Rony. Bruxos e bruxas irrompiam das demais lareiras e andavam apressados na mesma direção. Era uma verdadeira multidão de funcionários, e Rony e Hermione seguiram o fluxo. Alguns acenavam com a cabeça e diziam “Dia, Sr. e Sra. Weasley”. Hermione teve a impressão de responder “Bom Dia” a no mínimo umas dez pessoas até se deparar com a fileira de grades douradas dos elevadores.


— Hermione… Estou longe de estar preparado para ser auror! Como vou…? – Rony não conseguiu terminar a frase, sua voz transparecia angústia.


— Espero que não haja uma missão difícil logo de cara, mas em todo caso, você tem se saído muito bem nos nossos duelos em casa…


— Bem, isso é verdade. Até te desarmei ontem! – ele pareceu se animar com a lembrança.


— Só uma vez – disse Hermione, agora mordida, querendo competir – Peguei você muito mais do que você me pegou…


— Eu não peguei você só uma vez, foram pelo menos três…


Rony parou de falar abruptamente ao perceber o sorriso malicioso que uma bruxa miudinha lançava aos dois. Sem dúvida, ela havia pensado besteira do que ele dissera.


Rony puxou Hermione para um elevador que chegara sacolejando e fechou as grades num ímpeto. Se mais alguém ficasse imaginando coisas entre ele e Hermione na sua frente, logo a cor de sua pele se confundiria com a dos cabelos.


Quando o elevador estacou e a grade voltou a se abrir estrepitosamente, uma voz feminina incorpórea anunciou: “Nível Dois, Departamento de Execução das Leis da Magia, que inclui a Seção de Controle do Uso Indevido da Magia, o Quartel General dos Aurores e Serviços Administrativos da Suprema Corte dos Bruxos.”


Se Rony e Hermione não estivessem trajando suas vestes de trabalho habituais, seria fácil deduzir o quanto se sentiam deslocados ao perscrutar com os olhos aquele departamento. Por sorte, poucas vozes se ouviam nas salas fechadas e não havia mais ninguém à vista para notar o estranhamento do casal.


Eles pararam em frente a uma porta dupla em cuja placa lia-se: “Quartel-General dos Aurores”.


— Boa sorte, Rony – desejou Hermione, ficando na ponta dos pés e lhe dando um beijo na bochecha.


Rony cruzou as portas duplas ligeiramente reanimado; encostou a mão no lugar em que Hermione o beijara, parecendo distraído demais para reparar que Harry tentava chamar sua atenção depois de falar com ele e não obter resposta.


O dia de trabalho no Ministério, corriqueiro para os demais funcionários, era uma tremenda novidade para Rony e Hermione. Eles agora tinham que ser adultos não só em casa, como também do lado de fora. Aquele era o mundo real e eles precisavam tomar as decisões que suas ocupações exigiam. Não eram mais amigos se aventurando na escola, eram um casal com muitas responsabilidades nas mãos, eram gente grande lidando com assuntos importantes.


Hermione leu relatórios, assinou papéis e descobriu que já tinha feito a diferença naquele lugar: havia registros de leis que asseguravam o melhor tratamento dos elfos e o reconhecimento do serviço que prestavam aos bruxos; havia, ainda, projetos de lei de proteção aos direitos dos nascidos trouxas. E todos os registros eram de sua autoria.


A consciência de que conseguira atingir seus objetivos, de que seu esforço em lutar por um mundo mais justo desde a criação do F.A.L.E dera resultados, a consciência de que alcançara mais do que poderia sonhar, deixou Hermione em estado de júbilo.


Ron passou a tarde revisando com Harry e os outros aurores investigações de uma gangue que contrabandeava artefatos das trevas por meio de trouxas amaldiçoados. Já tinham provas suficientes para prendê-los em plena ação, portanto, Harry – o chefe dos aurores – avisou que a perseguição não tardaria a começar; bastava uma pista do paradeiro da gangue para eles partirem em seu encalço. Rony se mexeu na cadeira ao ouvir isso, mas tentou disfarçar sua inquietação com sua melhor expressão de concentração.


Ele e Hermione se encontraram no final do expediente e voltaram para casa depois de um dia inteiro fingindo que conheciam pessoas que nunca tinham visto até então e que estavam perfeitamente à vontade nos cargos que não tinham instrução suficiente para possuir.


Buscaram os filhos n’A Toca e deixaram que brincassem na sala, enquanto preparavam juntos o jantar, pondo um ao outro a par de seu dia de trabalho. Só depois de colocarem Rose e Hugo para dormir é que puseram em prática seu segredo noturno: silenciaram a sala, afastaram os móveis, espalharam almofadas fofas pelo chão e deram início ao treinamento intensivo de magia defensiva.


Talvez pela pressão de saber que logo sua aptidão como auror seria posta à prova numa missão, Rony não estava se saindo tão bem como nas noites anteriores. A noite se adensava e ele ainda não havia conseguido desarmar Hermione.


— Vamos, Rony! Mais um pouquinho de determinação e você consegue! – incentivou Hermione.


Ela não teve tempo de reagir, mal erguera a varinha e já a via longe, arrancada de sua mão, ao ser empurrada para trás pelo ofuscante lampejo vermelho do feitiço de Rony.


Ele se aproximou e a ajudou a se levantar.


— Nada mal, hein? – elogiou ela ao recuperar sua varinha – Acho que já é o b…


— Só mais uma vez – pediu Rony, a cortando – Preciso ter certeza de que estou em forma, Hermione!


Hermione deu de ombros, apontou a varinha para Rony, segurando-a com firmeza, e exclamou:


— Expelliarmus!


Rony, a poucos passos de distância, desviou do feitiço de Hermione por um triz, mas ao fazer isso tropeçou nos próprios pés e caiu por cima dela.


Houve um minuto em que eles apenas se olharam, muito conscientes da proximidade um do outro. Então se inclinaram em sincronia. E se beijaram.


No instante em que pressionou seus lábios nos de Rony, Hermione sentiu cada célula de seu corpo vibrar de satisfação. Seu coração disparava enquanto ela jogava os braços ao redor do pescoço do ruivo, puxando-o para mais perto de si, e ele aprofundava o beijo com entusiasmo, deslizando as mãos por suas costas.


Aquilo que começara com suavidade, agora ardia de uma urgência incontrolável. Os lábios de Rony e Hermione se buscavam com paixão. Tudo que eles queriam era que o momento durasse para sempre, por isso mandavam às favas qualquer contestação que viesse à tona mentalmente.


Se separaram quando o ar se fez extremamente necessário, ofegantes e bastante corados. Pareciam intrigados, ao sustentarem o olhar um do outro, como se não tivessem muita certeza do que acabara de acontecer. Mas Rony e Hermione sorriram ao reconhecer de quem era o gosto que ainda sentiam impregnado na boca.


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