Amanheço no outro dia com um péssimo humor, jogando o travesseiro para fora da cama e chutando as cobertas, totalmente me culpando pela recaída que tive. Desligo meu celular e o jogo com força no fundo da bolsa, pretendendo nunca mais colocar minhas mãos nele. O tempo combina com meu humor. Lá fora cai uma tempestade e é impossível sair de casa, já que as ruas estão alagadas e provavelmente a entrada da praia ficará bloqueada amanhã, como acontece nos noticiários que eu sempre vejo no objetivo de me preparar para o vestibular. Becky, como sempre, deve estar o bom humor em pessoa. Sempre feliz, e sempre conseguindo contagiar a todos. Eu queria ser como ela, mas no momento, sou mais... Eu. Sou confusa, acordo de mau humor todos os dias, nunca sei o que dizer ou fazer em situações de vergonha e me irrito por pouco. Mesmo que ninguém vá me amar por isso, prefiro continuar assim a me tornar algo que não sou. Não que Becky finja estar sempre de bom humor, mas se eu estivesse, então eu estaria fingindo. E eu sou péssima em fingir, nunca tive aulas de teatro.

 Largo dos meus pensamentos e coloco meus pés nas pantufas de cachorrinho, conferindo o horário e percebendo que já é meio dia. Visto shorts e uma regata verde sem nem prestar atenção, desço as escadas praticamente me arrastando e encontro Becky e minha tia conversando na cozinha, algo sobre escola, notas, e todos aqueles papos que gente mais velha gosta de abordar quando está sozinha com alguém da minha idade. Elas não me percebem na cozinha até que eu bato palmas, fazendo-as pular para trás de susto.

-Parece que alguém dormiu um pouco mais do que devia, não é mocinha? – Minha tia sorri ao ver meu estado, com os cabelos presos em um coque bagunçado e cara ainda inchada do sono.

-Acostume-se, viu? Se deixar, ela dorme até de tarde.  Nós já vamos almoçar. – Becky me avisa.

-Ok. – Digo, ainda sonolenta e sem nenhuma condição de formular uma frase completa e coerente. Sento-me numa das cadeiras e logo Rosa traz um prato com alguma coisa parecida com um rosbife, mas não consigo nem sentir o gosto direito. As palavras de Mark ainda passam por minha mente, e tudo o que sinto é vontade de apagar as minhas.  Becky acena com a mão em minha frente, o que me tira do meu estado de concentração. Ela ri.

-E então distraída, o que nós vamos fazer nesse lindo e maravilhoso dia de chuva? – Ela é a única pessoa que conseguiria falar uma frase dessas sem um único traço de ironia naquele momento.

-Ah, sei lá. – Respondo, cansada de tanta positividade.

-Ai, então alguém acordou de mau humor? Pois eu não vou deixar você ficar assim de jeito n-e-n-h-u-m. – Ela fala, provando que consegue soletrar. Muito bom. Minha tia sai da cozinha, e assim, Becky sente-se na liberdade de me falar seus planos.

-O que você acha de nós entrarmos no Facebook e procurarmos alguns garotos daqui? Não custa conhecer a área, né? – Ela dá uma piscadela falsa e joga a cabeça para trás, rindo.

-Ai Becky, por mim tanto faz. Pode ser. A gente pode procurar pelo perfil do Guto.

-Ele já tem Facebook? – Ela parece confusa.

- Não, eu estou falando porque ele não tem. – Reviro os olhos. – Claro que ele tem.

 - Tá, mas nós não queremos encontrar pirralhos, por favor. – Ela me olha, reprovando.

-Becky... O Guto tem nossa idade. – Corrijo-a. Eu sabia desde o início que ela pensava que ele era uma criança. Anoto mentalmente que tenho de fazer alguma piada sobre isso quando estiver de bom humor

-Ah. – Ela ri do próprio engano, ficando vermelha. – Então, tudo certo!

Subimos para o quarto e ligamos o meu computador na tomada, já que o de Becky tinha a tela menor. Esperamos carregar, entramos no perfil de Guto e passamos os olhos pelos amigos, encontrando alguns garotos até que... Interessantes. Na opinião de Becky, é claro, já que eu só estava pensando em retirar meu celular da bolsa e torcer para que noite passada tivesse sido um sonho... Ou melhor, um pesadelo. Quatro perfis chamam a atenção dela. O primeiro era de um garoto chamado Thiago, que devo admitir, era bem bonitinho, apesar de me parecer um pouco falso e o típico tipinho “popular”. O segundo, Júlio, tinha um sorriso bonitinho e olhos claros, mas pelo perfil, havia se mudado para Brasília. O terceiro, chamado Joel, já tinha namorada, e o quarto, Nicholas, estava em um “relacionamento enrolado” com uma garota chamada Juliana. Nunca gostei desses status no Facebook... Só servem para deixar o mundo inteiro sabendo da sua vida pessoal. Automaticamente, o retirei da minha lista. O único que havia sobrado era aquele tal de Thiago, mas eu tinha a impressão de que havia algo de errado com ele. Becky não parecia achar isso.

-Esse Thiago é lindo demais, tenho que encontrar ele por aqui algum dia. – Ela se empolga.

-Você percebeu que nós estamos aqui procurando esses garotos, e que provavelmente não vamos conhecer nenhum deles?-Pergunto, apontando o óbvio. Arrependo-me um pouco do tom de voz que usei, mas acabo me dando um desconto devido ao meu mau humor.

-A não ser que a gente peça pro seu primo apresentá-los para nós. Especificamente o Thi... – Dou uma gargalhada com a intimidade dela.

-Becky, se acalme, pra mim tem algo de estranho em relação a ele.

-Eu sei, ele é lindo demais para ser verdade, né? – Ela dá um suspiro falsamente apaixonado.

-Tosca. – Dou um tapa de brincadeira nela, que finge estar extremamente ofendida e começa uma guerra de travesseiros.

Muitas risadas depois, resolvo tomar um banho. Pego meu pijama, tiro minha roupa e tiro toda a maquiagem do rosto. Entro debaixo da água e deixo meus pensamentos me inundarem, assim como uma enxurrada de lágrimas. Eu sei, eu me prometi ser forte, eu me prometi não chorar mais, mas por que tudo tem que ser tão confuso? Eu nunca vou dar outra chance para o Mark, mas então por que eu tenho de me sentir desse jeito toda vez que penso nele? Será que algum dia eu vou encontrar alguém que me faça sentir do mesmo jeito? Eu não sei, mas eu espero com todas as minhas forças que sim.