Fico furiosa comigo mesma por ter cedido à chantagem de Becky, e fico sem trocar uma palavra com ela pelo resto da noite. Como um prato de sopa de ervilhas e vou para a cama cedo, ainda me perguntando o que diabos faz aquele tal de Nicholas ser tão metidinho, e como ele havia conseguido fazer a Juliana gostar dele sendo idiota desse jeito. Não acredito que vou ter que encontrar eles de novo... E, se eu bem conheço Becky, terei de segurar vela pelo resto das férias se não me impor rápido nos planos dela. Antes de pegar no sono, prometo para mim mesma que esse é realmente o último encontro dos dois que serei obrigada a acompanhar... Ela tem que aprender a se virar sozinha!

Acordo na outra manhã ainda mal humorada, coloco o primeiro vestido que encontro, verde e com um cinto trançado, e desço para tomar café. Becky ainda não acordou, e apenas minha tia se encontra na mesa comendo torradas e chá de maçã, meu sabor preferido, com os cabelos castanhos presos num coque e um vestido florido até os pés, cobrindo as sandálias rasteirinhas quase que por inteiro. Sento-me sem proferir nem uma palavra, sirvo leite e coloco o café. Misturo e tomo tudo em um gole, bufando ao levar a xícara até a pia.

-Ué, mas que mau humor é esse? Se for por causa da praia, amanhã ela vai estar aberta... – Minha tia afirma.

-Não, não é por causa da praia. – Corto o discurso dela.

-Então o que foi?

-Ah... É a Becky. Conheceu um garoto e agora quer me arrastar para todos os encontros deles. – Decido ser sincera.

-Todo esse mau humor por causa disso? Só diga pra ela que não quer mais ir...

-Eu já fiz isso, mas ela quer que eu vá, e tem outro problema também.

-Qual problema?

-Ah, um amigo desse garoto. Ele é a coisa mais mal humorada do mundo... Falou que eu era nojenta, dá pra acreditar? E aquela ficante dele que não solta o pescoço do menino... Argh.

-Já ouviu falar que onde há implicância, há algo a mais? –Ela pergunta, baixando os óculos para me encarar.

-Ah não tia, nada dessas frases agora, sem chance alguma de eu gostar do Nicholas, ele é o garoto mais metido que já conheci.

-Tudo bem então, não se estresse com isso.

Nesse momento, Becky desce e pega uma tigela no armário, mas a devolve no lugar ao perceber que o cereal tinha acabado O movimento faz uma das alças de seu vestido rosa escorregar pelo ombro. Ela a coloca de volta no lugar e fica nos encarando parada, com os cabelos em um rabo de cavalo e a expressão séria. Isso é como uma deixa para minha tia, que coloca a xícara na pia de granito e sai da cozinha alegando ter de falar com Rosa para repor a comida na despensa, que já estava quase vazia. Minha amiga me olha com uma cara triste.

-Desculpa, eu sou muito egoísta. –Ela diz.

-Não, eu é quem sou... Eu deveria estar feliz por você, eu sou uma péssima amiga.

-Você não é, e eu te amo.

-Eu também te amo.

Nós nos abraçamos.

-E então Becky, como é essa história com o Thiago? – Pergunto.

-Ah, ele é engraçado, querido e acho que estou meio que... – Ela para.

-Meio que o que?

-Meio que gostando um pouco dele. –Ela dá um sorriso tímido.

-Eu sabia! - Comemoro, fazendo uma dancinha ao redor dela.

-Está tão óbvio assim? - Ela pergunta, preocupada.

-Não, eu só percebi porque te conheço. –Eu rio.

-Ah, ainda bem... Ele me disse que acabou de terminar um namoro, e está querendo se apaixonar de novo... E me perguntou se eu acredito em amor à primeira vista! – Ela dá uma piscadela.

-Olha só sua chance, garota! Tenta!

-Mas e se algo der errado? E o João?

-Se você realmente gosta dele e algo der errado,  mesmo assim vai ter valido a pena, mas se você gosta do João, então é melhor não tentar se enganar.

-Ah, sei lá, desde que eu vi o Thi eu parei de pensar no João... e quando penso, me pergunto se realmente gosto dele.

-E o que você se responde?

-Acho que não.

-Então você não tem o que perder, não é?

-Acho que não. – Ela repete. –É, você está certa! – Ela cobre rapidamente a fragilidade que recém demonstrara, voltando à expressão serena de sempre. – Vamos acabar logo, temos um encont... - Ela mesma se corrige. - Eu tenho um encontro. Ah, por falar nisso, tem certeza que o Nicho...

Interrompo-a.

-NÃO!

-Ok, entendi... Ele tem aquela ficante e parece um idiota quando está com ela mesmo. – Concordo com a cabeça. - Em todo caso, você vai encontrar alguém. Eu tenho certeza.

-E quem disse que eu quero? –Pergunto, respondendo internamente para mim mesma. Eu quero.