O dia anterior havia me passado como um borrão. Tive outra janta comum  e acabei indo dormir cedo, simplesmente me afundando nos travesseiros e tendo um sono pesado e sem sonhos. Acordo pela manhã com um humor um pouco melhor, mas ainda agonizando com a minha própria falta de autocontrole.  Almoço sem prestar atenção no que estou fazendo e, de tarde, Becky acaba me convencendo a dar uma volta na praia. Lavo o rosto, coloco um vestido de má vontade e vou atrás dela, reclamando. Após caminharmos vinte minutos, chegamos na entrada, descobrindo que ela está bloqueada devido à chuva do outro dia. Eu sabia! Por que ninguém nunca me escuta? Esquartejo Becky mentalmente, e começo a reclamar e pedir para voltar para casa. Eu sei que estou sendo egoísta e mimada, mas simplesmente não consigo aproveitar o momento. Sou sentimental demais, e quando algo está machucando meu lado emocional, acabo me sentindo mal o tempo todo, até resolver. Eu gostaria de resolver esse problema, mas uma parte de mim tem medo de ouvir a verdade, então simplesmente desconto em Becky, mesmo sabendo que estou errada. Ela me olha com uma carinha triste, me pedindo se, por favor, podemos pelo menos ir até a pracinha na frente da casa da minha tia comprar um sorvete antes de voltarmos. Percebo que estou pegando pesado demais com ela e acabo cedendo.

Chegamos ao pequeno parque arborizado e percebemos que os carrinhos de sorvete já foram embora, então simplesmente ficamos paradas conversando, observando as crianças alimentando pombos e a água caindo da fonte. De repente, uma voz nos chama.

-E aí garotas, são novas por aqui? – Pergunta um garoto mais ou menos da nossa idade, alto e ruivo, que se apresenta como Joel. Apresentamo-nos também e percebemos, na hora, que ele foi um dos perfis que encontramos. Nossa teoria foi confirmada quando uma garota aparece abraçando-o pelo lado... A namorada. De trás de uma árvore sai o garoto que reconheço como Nicholas, que me cumprimenta e pergunta meu nome. Logo é interrompido por uma garota que o puxa e lhe tasca um beijo, com a cara de típica ciumenta. Juliana, a tal ficante do “relacionamento enrolado”, que me parece uma daquelas patricinhas que todos amam e que eu estou totalmente acostumada a odiar. Antipatizo com ela de cara... E esse tal de Nicholas também não deve ser muito legal para estar com ela, então já sei que não seremos amigos.

-Onde está o Thiago, Nick? - Pergunta Joel. O rosto de Becky se alarma.

- Acho que ele foi buscar sorvete, ou algo assim. – Responde ele, tentando livrar-se de Juliana, que não parece querer deixá-lo respirar. – Mas os vendedores já foram embora, então ele já deve estar voltando.

-Estou bem aqui, pessoal. – Nos viramos para encarar um garoto alto, cabelo e olhos castanhos e jeito extrovertido. Ele sai correndo e dá um abraço em Nicholas, livrando-o da agarração. Quando ele dá uma gargalhada alta e começa a falar sem parar, reconheço o tipo dele. Galã, metido, e infelizmente, exatamente o tipo de garoto pelo qual eu estou acostumada a me apaixonar desde a pré-escola. Assusto-me com a ideia, mas relaxo ao pensar que uma coisa dessas não pode acontecer novamente com a mesma pessoa, afinal existe um número limites de raios para cair em uma mesma árvore, né? Eu não sou tão azarada assim. Becky parecia totalmente encantada com ele, e logo vai se apresentando. Fico emburrada e sentada num banco, enquanto ela faz tudo para chamar a atenção daquele estranho, contando piadas e todas as histórias que ela conhece sobre a nossa cidade, incluindo as que não são verdadeiras. Joel e a namorada saem de mãos dadas, dizendo que estão indo para o cinema, e Nicholas e Juliana sentam-se ao meu lado, abraçados, tentando puxar assunto. Na verdade ele está tentando puxar assunto, porque a garota parece não estar prestando atenção em mais nada, fora na sua necessidade de fazê-lo olhar apenas para ela. Depois de um tempo, acabo me irritando com a situação e simplesmente andando de volta para a casa da minha tia sem nem me despedir deles.

- Nossa, ok rainha do gelo, entendi que não gosta de fazer amigos. – Nicholas, de jeito arrogante, grita.

-Não é que eu não goste de fazer amigos... Não gosto de você, mesmo. – Retruco.

-E eu também não gosto nada de você! Nojenta.

-Não preste atenção nela, amor. Eu estou bem aqui. – Juliana fala com uma voz miada, tapando a boca dele com a dela e o fazendo relaxar no banco. Fico ainda mais indignada e bato o portão, fazendo barulho. Becky vem atrás de mim, perguntando o que havia de errado comigo e dizendo que eu ia estragar o primeiro encontro dela.

-Ai, não exagera, isso não foi um primeiro encontro. Você acabou de conhecer o garoto. – Digo, descontando toda a minha raiva nela.

-É, eu sei, mas você acredita em amor à primeira vista? – Apesar do meu tom grosso, ela sorri e pisca através dos cílios compridos.

-Não exatamente, mas se é o que você sente, tá. – Respondo de forma mal educada, como uma criança fazendo birra.

-Ai, aquele Nick é uma gracinha, pena que tem uma ficante, se não seria perfeito pra você. – Ela suspira.

-Sabe no que eu acredito? Em ódio à primeira vista. E esse “Nick” é um babaca que eu nunca mais pretendo ver na frente, me entendeu? – Falo, cuspindo o apelido dele com uma voz totalmente irônica.

-Pois acho que vai ter que ver, porque combinei de me encontrar com o Thi amanhã. – Ela diz baixinho, como se eu fosse uma bomba prestes a explodir... O que, tecnicamente, eu era.

-Você o quê? – Jogo as palavras nela, falando cada uma vagarosamente e com raiva.

-Por favor Alice, é minha chance!  Acho que nós vamos ao cinema ou algo assim, vai ser divertido pra você também! Se dessa vez você não gostar, não precisa ir de novo, eu te juro.

-Tudo bem. Essa é a última vez. – Respondo, já me arrependendo da fria em que estou me metendo.