5 Mulheres escrita por slytherina


Capítulo 5
Capítulo 5: O sonho de Preta


Notas iniciais do capítulo

Quando você se dispõe a um trabalho, ele aparece.



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_Caros irmãos, vamos agora orar para o sossego das pessoas desesperançadas. Vamos concentrar nossos melhores pensamentos, em nossos irmãozinhos desviados. Aqueles que abandonaram a fé. Aqueles que foram subjugados pelas adversidades. Vamos orar por aqueles que estão no fundo do poço, a um passo do abismo, a um passo de um ato impensado. Sozinhos. Na escuridão. Sem o consolo de uma religião. Todos de pé, de olhos fechados, vamos orar por nossos irmãos que não podem ou não querem estar aqui conosco, pois um dia terão que prestar contas de seus atos a Deus. - O pastor inicia a oração do pai nosso, seguida por uma canção suave, com letra evangélica, cantada pelo coral de moças e rapazes da "juventude cristã".

Todos no templo seguem à risca tudo o que foi determinado pelo pastor. Preta, mulher madura, mestiça de pele escura, com os cabelos repuxados e presos em um coque, está sentada na terceira fila. Suas cinco filhas estão junto dela. Todas bem vestidas com camisas de mangas compridas, saias abaixo do joelho, sapatos scarpin, e longos cabelos que lhes chegavam à cintura. Todas elas assim se apresentavam. Preta tinha orgulho daquelas filhas. Ela tinha filhos também, mas os rapazes haviam se mudado para a cidade grande, em busca de melhores empregos não estavam mais sob as asas dela. Contudo, ela tinha certeza de que eles se comportavam corretamente, onde quer que estejam.

Preta gostava de freqüentar o templo. Era a sua segunda casa. Ela vinha durante o dia, oferecer sua ajuda à zeladora do templo. Gostava do trabalho duro. Durante toda a sua vida trabalhara arduamente. Antes mesmo de saber quem era, já estava trabalhando. A princípio acompanhava sua mãe nas faxinas que ela fazia. Depois ela própria começou a trabalhar como faxineira. Sua mãe a empregara muito jovem na casa de uma senhora doente. Além do serviço da casa, Preta tinha que preparar chás, aplicar ungüentos e agüentar as lamúrias daquela mulher, que gemia e reclamava noite e dia. Isso tudo valera a pena, pois Preta aprendera a tomar conta de uma casa exemplarmente.

Graças a Deus, as filhas de Preta não precisaram empregar-se tão novinhas como faxineira. Todas elas estudaram e concluíram o ensino médio. Todas eram boazinhas e obedientes. Aprenderam os serviços domésticos para uso próprio, e não porque necessitavam disso para sobreviver. O marido de Preta não era como ela. Ele tinha pouca fé. Gostava de passar as tardes assistindo futebol na TV, e à noite ia para os botecos, encher a cara e levar uma prostituta para um motel. Preta agüentou calada esse mau comportamento dele, até o dia em que ele chegou em casa e disse na cara dela, que ele preferia morar com a outra do que com ela. Preta teve vontade de se humilhar para aquele homem, ficar de joelhos e implorar que ele não a abandonasse, mas uma sombra de orgulho turvou sua abnegação e ela ficou impassível, admirando seu marido abandonar o lar.

Após ser largada pelo marido, Preta dedicou-se com mais afinco ao serviço de faxineira e às obras da igreja. Ela dava igual atenção à criação dos filhos. Queria que a infância deles fosse perfeita, segundo os ensinamentos da igreja. Todos freqüentavam o templo evangélico. Não tinham outros amigos que não fossem de sua religião. As moças eram pudicas e os rapazes eram respeitosos. Preta considerou que havia cumprido sua parte da criação e educação de seus filhos. Ela agora se dedicava ainda mais à religião. Se Preta fosse católica, ela entraria para um convento, mas na religião evangélica, o máximo que Preta poderia fazer para entranhar-se mais ainda na igreja, seria tornar-se missionária.

Uma noite, Preta teve um sonho. Ela viu árvores de folhas vermelhas sob um céu laranjado, que se tornava lentamente cinzento. As nuvens choveram massas brancas que cobriram o chão, tornando tudo branco. Até os telhados das casas ficaram brancos, cobertos com aquele creme branco do céu. Ela viu uma casa de madeira escura, com varanda e escadinha de corrimão. Atravessou a porta daquela casa, entrando em um salão suntuoso com lareira, e móveis com detalhes dourados. Viu uma escadaria imponente que ela seguiu até o segundo andar. Entrou em muitos quartos luxuosos, cobertos de roupas de cama exuberantes, e janelas tipo guilhotina com cortininhas. Não havia ninguém naquela casa. Ela saiu e voltou para a rua coberta de creme branco. Havia agora um homem lá. Ele era muito alto. Tinha cabelos louros lisos, olhos estreitos e uma expressão na face, que lhe dava a aparência de menino curioso, esperando que um adulto lhe explicasse as coisas. Preta aproximou-se dele e estendeu-lhe a mão. O homem alto, com rosto de criança, segurou a mão dela e sorriu.

Preta acordou muito impressionada com o sonho. Procurou lembrar-se de tudo, sem perder nenhum detalhe. O tempo passou e um dia, o pastor de sua igreja a chamou para uma conversa.

_Paz do senhor irmão! - Preta cumprimentou o Pastor.

_Paz do senhor irmã! Preta minha cara amiga, quero que conheça esta jovem, sobrinha de nossa irmã Wilhelmina. Ela se chama Daniela.

_Paz do senhor irmã! - Preta cumprimentou a jovem.

_Er... Paz! - A jovem respondeu insegura.

_Ela não conhece nossos hábitos Preta. Ela mora nos Estados Unidos. Cresceu e sempre viveu lá. Ultimamente tem encontrado muitos dissabores, devido um pequeno problema de saúde. Ela gostaria de contratar uma ajudante brasileira, para levar consigo. Eu me lembrei que você tem cinco filhas, irmã. Então eu pensei que seria uma boa oportunidade, de abrir os horizontes de uma de suas filhas.

_Diga-me Daniela, é este o seu nome, não é? Como é a casa onde mora? - Preta inquiriu a jovem.

_É uma casa grande, com varanda na frente e uma lareira na sala, por causa do inverno rigoroso. Temos muitos quartos no segundo andar, um sótão, um porão, garagem, lavanderia e uma casa de brinquedos para as crianças. E é claro, temos uma sala específica para um dos nossos filhos, que tem uma pequena disfunção.

_Irmã Daniela, posso lhe chamar assim? Poderia me dizer como é seu marido? - Preta quis saber mais.

_Tudo bem! Eu entendo que a senhora se preocupe com a integridade de suas filhas. Meu marido é ator de cinema. Ele é bem conhecido na América. Aqui eu não sei. Ele é calmo e tem um bom coração. Ele é respeitoso e meio que não gosta de confraternizações, como nós brasileiros. Veja! Aqui está uma foto dele.

Daniela então mostrou uma foto a Preta. Era só o rosto de um americano gordo e rosado, de olhos azuis estreitos e cabelos louros e lisos. Ele também tinha a expressão de menino curioso na face.

Preta sentiu um arrepio. Procurou algo em que se apoiar, e procurou não deixar transparecer que estava perturbada. Reconhecera o homem do sonho. E a descrição combinava perfeitamente com a casa do seu sonho.

_Tudo bem, irmã Preta? - O Pastor perguntou preocupado.

_Tudo bem, irmão. Senhora Daniela, minhas filhas são ainda muito novas para aventurarem-se em outro país, mas eu estou disponível para aceitar este trabalho.

Algum tempo depois, Preta desembarcou na Nova Inglaterra, para trabalhar como faxineira na casa do famoso ator Matthew Alec.

A casa era a mesma de seu sonho. Havia árvores de folhas vermelhas na alameda em frente à casa, localizada em um condomínio fechado. A casa era muito grande, com dois pisos, além de porão e sótão. Tudo era muito requintado e de bom gosto. Havia muitos objetos, mas todos funcionais. Preta dispunha de uma infinidade de parafernálias eletrônicas para ajudá-la em seu serviço. A princípio ela estranhara, e preferira continuar fazendo as coisas a que estava acostumada desde sempre, mas a patroa lhe disse que deveria se adaptar ao modo de vida americano.

Mister Alec era um tanto carrancudo, e como a esposa avisara, não gostava de confraternizações ou intimidades com os subalternos. Havia ainda outros empregados: May, a cozinheira. Lupita a babá, e Emily, a técnica de enfermagem, exclusiva para o pequeno Damon, o filho excepcional de Dona Daniela. As crianças eram: Michelle de 08 anos e Benjamin de 05 anos, além de Damon de 02 anos.

Preta tinha um quarto próprio, muito confortável, mas que não se igualava aos quartos dos patrões. Ela não se importava. Teve que aprender inglês na marra, à força, pois nem a família, nem os outros empregados falavam português. Somente Dona Daniela falava sua língua, mas ela não o fazia freqüentemente. Preta considerou aquilo tudo como um convite para dedicar-se mais ainda à sua missão. Sim, pois Preta considerava tudo aquilo como uma missão de Deus. Tudo combinava: o sonho, o emprego em outro país, o isolamento cultural e lingüístico. Ela estava em missão especial para levar a palavra de Deus àqueles americanos frios e tão diferentes dos brasileiros.

Preta despertava todos os dias às 05 horas. Orava e arrumava-se para suas obrigações. Ajudava as outras empregadas em seus serviços. Olhava pelas crianças e perguntava à Dona Daniela se precisava dela. Quando estava fazendo sua faxina sempre cantava em sua língua mãe, cantos evangélicos, que lhe lembravam a sua amada igreja e seus irmãos de religião. No início todos estranharam e perguntaram-lhe que cantoria era aquela. Quando ela lhes explicou que eram cantos religiosos, eles a deixaram em paz por um pouco, mas então pediram que se calasse. Entretanto, o pequeno Damon gostava de seu canto, e tentava imitar-lhe as palavras em português. Dona Daniela então permitiu que ela cantasse quando Damon estava acordado.

Um dia, quando Preta desceu ao porão para realizar sua faxina, encontrou Mister Alec desmaiado junto com um amigo, também ator, caídos no chão. Ela pediu ajuda e logo os dois estavam dando entrada no Pronto Socorro. Mister Alec saiu logo, recuperado do torpor alcoólico, entretanto, seu amigo permaneceu ainda uma semana na UTI, em coma. Ele havia aspirado o próprio vômito, e por pouco não morrera. Mister Alec ficou muito impressionado com o que se sucedera. Ele procurou Preta para agradecê-la.

_*Senhora Preta, eu gostaria de te agradecer. Você salvou minha vida*. - Falou Mister Alec em inglês.

_*Não fui eu, Mister Alec. Foi Jesus Cristo*. - Preta respondeu em inglês.

_*O que? Ah, lembro que você canta hinos religiosos. Ok, então vou agradecer a Jesus Cristo também*. - O patrão deu um sorriso e afastou-se.

Matthew Alec não contara à família que era alcoólatra, e que seu amigo era dependente químico. Ele ponderou que escapara por muito pouco de morrer. Percebeu que o estilo de vida que levava era muito perigoso, e que um dia poderia deixar sua família desamparada. Aquela empregada brasileira o impressionou positivamente. Ela vivia cantando hinos e estava sempre de bom humor. Até seu filhinho especial parecia mais calmo e alegre com ela em casa. O ator foi até seu quarto e pela primeira vez em muito tempo, experimentou rezar. Tentava lembrar-se das escrituras sagradas, e dos sermões do Pastor da religião de sua família, mas a única imagem que lhe vinha à mente era de uma faxineira latina, cantando em uma língua estranha. Ele sorriu e aceitou essa imagem.

Com o passar do tempo, a família Alec voltou a freqüentar a igreja. Adquiriram o hábito de rezarem juntos e convidaram os empregados para rezarem consigo. Principalmente a faxineira brasileira, que cantava em sua língua natal. Ela se tornou benquista pela família, e muito respeitada por todos.

_*Senhora Preta, eu fico surpreso em ver o quanto nossa vida mudou depois que você veio morar conosco*. - Matthew um dia falou a Preta, em inglês.

_*Antes de conhecer sua esposa e vir para cá, eu tive um sonho. Neste sonho eu entrei em sua casa, subi suas escadas, vi as árvores de folhas vermelhas, a neve no chão e nos telhados, e vi também você, Mister Alec. Jesus me avisou em sonho, que eu viria evangelizar a sua casa*. - Preta falou sorrindo, também em inglês.



Fim

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Notas finais do capítulo

Esta é a última historinha. Infelizmente não é glamorosa como a primeira, nem tem um twist of fate como a segunda, ou um romance como a quarta. Mas quando eu estava escolhendo que histórias queria contar, me decidi por esta também, pois admiro pessoas que vivem pela fé.