5 Mulheres escrita por slytherina


Capítulo 3
Capítulo 3: O futuro de Mercedes


Notas iniciais do capítulo

Moça humilde e órfã procura saber o que o futuro lhe reserva.



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A lápide estava manchada de lodo e musgo. Não chovia muito, mas o suficiente para fazer crescer sujeira nas lápides do cemitério. Mercedes lamentou não poder mandar construir um mausoléu. Ficaria mais distinto e mais digno de sua mãe. Ao lembrar-se da mãe, Mercedes sentiu as lágrimas descerem livremente pelo rosto. Já fazia um ano que a mãe havia morrido, mas ela sentia como se fora ontem, que o médico lhe comunicara que sua mãe não havia resistido à doença que a vitimara. Mercedes sentiu pena de si mesma. Entretanto a lápide de sua mãe estava suja e isso não podia ficar assim. Ela trouxera um escovão e um balde de água. Iniciou a limpeza do túmulo de sua mãe. Ao término, admirou a pequena fotografia na lápide. Achava sua mãe muito bonita e infinitamente boazinha. Fora sua melhor amiga. Não sofrera tanto quando o pai morrera. Gostava do pai, mas sem a mãe sentia-se só no mundo, sem ninguém que lhe velasse a existência. Resolveu voltar para casa.

_Mercedes, levanta mulher. Olha a hora, se não, você vai chegar tarde ao trabalho. - Simone, sua irmã mais velha, solteirona encalhada e convicta, a chamava para ir trabalhar.

Mercedes acordava bem cedo, todos os dias para pegar o trem urbano, que a deixaria mais próxima de seu local de trabalho, uma fábrica de beneficiamento de castanhas. Ela tinha orgulho de ser a melhor de sua sessão. Era rápida e observadora, não deixava nenhuma castanha estragada passar para a seleção final. Era muito alegre e gostava de se enturmar. Freqüentemente encontrava suas colegas de trabalho na missa, ou nos bailões de forró, do centro comunitário do bairro. Às vezes surgiam algumas rusgas por causa de namorados, mas todas gostavam muito dela.

_O que pensa que o futuro te reserva Mercedes? - Perguntara-lhe Das Dores, durante o intervalo do almoço na fábrica.

_Sei lá, talvez eu me case, ou então vou ficar solteirona como minha irmã. - Mercedes falou rindo-se com a pergunta.

_Você deveria se preparar para o pior. Talvez você não encontre nenhum marido no seu futuro. Será que você quer catar castanhas a vida toda? - Das Dores a olhava com espanto.

_Nenhum marido? Não é possível. Veja, eu tenho o Osvaldo que me leva para o baile no domingo. Daí tem o Marconi que me convida para passear de carro, mas eu sou esperta e nunca aceito. Tem também o Naldo, que fica se jogando para cima de mim, quando eu vou falar com o nosso encarregado. Não é possível que eu não me case com algum deles. Mesmo que eu seja azarada e não fique com nenhum, eu sempre posso conhecer outros rapazes que me achem bonitinha. Então é lógico que eu vou me casar.

_Se você quiser ouvir uma profissional sobre o assunto, eu posso te levar a uma cartomante. - Das Dores prontificou-se.

_Uma cartomante? Seria interessante. Mas, olha, ela tem que ser das boas. Não me leve em nenhuma charlatã, está bem? Na primeira ratada que ela cometer, eu vou me retirar. - Mercedes ameaçou.

Escolheram ir à cartomante em um sábado, após fazer hora extra na fábrica pela manhã. A ocultista trabalhava em sua casa, onde havia um folheto mal ajambrado na frente, enumerando os diversos serviços que aquela mulher fazia. Eram coisas como "abrir caminhos, fechar o corpo, trazer ele de volta, mandar ele embora, conseguir marido, atrair dinheiro, atrair amor, atrair sorte, afastar urucubaca, afastar mal olhado, desfazer trabalhos de magia negra, fazer trabalhos de magia negra ou branca, ler cartas de baralho, ler cartas de tarô, ler xícaras de chá, ler a mão, ler bola de cristal, vidência, interpretação de sonhos, projeção astral, passes, etc, etc." Além de prometer a cura para uma longa lista de doenças, e realização de cirurgias espirituais, bem como a venda de artefatos, amuletos, poções, garrafadas e beberagens diversas. Não havia dúvida de que era uma profissional qualificada.

Mercedes e Das Dores esperaram em um salão amplo e ventilado, junto com outras pessoas, como se fora um consultório ou uma audiência. Havia um oratório com altar no fundo da sala, encimada por um grande quadro de cavaleiro garboso. Mercedes não soube identificar quem era a divindade ali retratada, mas achou a pintura muito colorida e bonita. Uma a uma, as pessoas presentes foram sendo atendidas no consultório da paranormal. Quando chegou a vez delas, entraram em uma pequena sala escura, com cheiro de incenso e uma suave musiquinha ao fundo. Havia no meio da sala, uma mesinha com uma rosa vermelha no centro. Uma mulher idosa, de cabelos tingidos de loiro, gorda e baixa, com os olhos empapuçados, vestida com um kaftán branco, estava sentada à mesa. Mercedes e Das Dores sentaram-se vivamente impressionadas pelo clima místico.

_Você está preocupada com o futuro minha filha. - A velha mulher dirigiu-se a Mercedes.

_É verdade, mas como a senhora sabe? Das Dores lhe contou? - Mercedes achou que a idosa já teria se informado sobre os seus interesses.

_Não querida, ninguém vivo me contou nada a seu respeito. - A paranormal a informou.

_Eu não disse nada a ela, Mercedes. - Das Dores fez questão de esclarecer.

_Como a senhora sabe então? - Mercedes achou que tinha o direito de saber.

_Meus guias me informaram. - A profissional concluiu. - Pegue este baralho querida. Embaralhe com a mão esquerda e parta com a direita. Diga um número. - A cartomante parecia mais velha e cansada do que antes.

_9. - Mercedes escolhera o número da quadra do túmulo de sua mãe, no cemitério.

A ocultista dispôs as cartas na frente da cliente, e as examinava com dedos enrugados de grandes unhas pintadas de bege, com inúmeros anéis de ouro.

_Você vai encontrar um homem. Ele é mais velho. Já foi casado antes. Ele tem filhos. Ele vai se casar com você. - A velha mulher terminou de ler as cartas e olhou para Mercedes.

_Eu não quero me casar com um homem velho. Muito menos um com filhos. Além disso, ex-esposas são um saco. Eu não vou querer uma neurótica atrás de mim o tempo todo, com ciúmes do ex-marido. - Mercedes bufava de raiva.

A idosa pediu água a um rapazinho, que se encontrava nas sombras no fundo da sala, e que até aquele momento, nem Mercedes, nem Das Dores haviam se dado conta de sua presença. O mocinho prontamente serviu um copo de água para a anciã. A seguir voltou para as sombras.

_Eu não gostei dessa mão-de-carta. Eu quero outra. Uma que me diga que eu vou me casar com um jovem livre e desimpedido. E sem filhos. - Mercedes falou furiosa. Até mesmo Das Dores achou que ela estava exagerando.

_Sua mãe aprova este casamento. Ela gostou que você tivesse lavado a lápide dela. Ela disse que ficou melhor assim e que não faz questão de mausoléu. - A paranormal se calou admirando o efeito de suas palavras na cliente.

_Como a senhora sabe? - Mercedes virou-se para Das Dores, que balançou a cabeça negativamente. Então se virou para a profissional e abriu a boca para perguntar, mas ficou sem palavras.

_Como já lhe disse, eu tenho meus guias. - A cartomante recolheu as cartas de baralho e guardou em um saquinho de seda. Olhou novamente para Mercedes. - Há algo mais. Vocês ficarão juntos até a morte. Mas você precisa ser firme. Passarão por muitas provações e tentações. Talvez ele caia, mas você não. Você será o esteio no qual ele se firmará. Seu futuro e sua felicidade dependem só de você, querida. Agora pode ir. - A ocultista cruzou os braços e fechou os olhos. Parecia cochilar.

O rapazinho voltou das sombras novamente e abriu a porta da saída para Mercedes e Das Dores. As duas, mais surpresas do que aborrecidas, saíram do consultório místico. Não conversaram novamente até estarem na rua.

_Quanto você pagou por essa consulta, Das Dores? - Mercedes voltou sua irritação contra a colega de trabalho.

_50 reais. Você acha muito? - Das Dores considerou que talvez tivesse saído muito caro.

_Foi o dinheiro mais mal gasto de toda a minha vida. Imagina se eu vou me casar com um velho babão cheio de filhos. - Mercedes ainda soltava fumacinhas de raiva.

Das Dores concordou que pagara muito caro para ouvir coisas ruins. Deveria ter levado a amiga a uma cigana que morava em uma barraca próximo à praia. Ela cobrava apenas 10 reais.

Dois anos depois dessa consulta com a cartomante, Mercedes casou-se com um viúvo que tinha três filhos. Vivem juntos até hoje.



Fim do Capítulo

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Notas finais do capítulo

Eu sou de opinião que uma pessoa deve se instruir e sustentar-se, sem esperar que um casamento resolva todos os seus problemas. Escrevi a fic mirando principalmente o lado romântico do casamento.