Eu, Fora De Controle escrita por Lionardo Fonseca Paiva


Capítulo 9
Capítulo 1 - Oitava Parte




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Oitava Parte

No dia seguinte, saímos do hospital.

Sandra estava tonta e não estava ainda em condições de se submeter a um interrogatório. Mamãe não deixava ninguém tocar no assunto. Papai parecia melhor e também não tocara no assunto.

Fui trabalhar nesse dia, apesar de ter toda indisposição do mundo. Estava voando. Na noite passada tive pesadelos horríveis, parecia que tudo acontecia ao mesmo tempo, me sentia culpado pelo que estava acontecendo com Sandra, mas apesar de perturbado sentia uma invasão de pensamentos que sempre me ligava a você. Aquilo não somente me incomodava como também doía no fundo da alma. Era uma adoração por você. Uma perigosa adoração.

Contudo, também sentia uma alegria que você existia e que eu a encontrei.

Será que um dia você iria me encontrar?

Quando já era bem tarde, perto da hora do escritório fechar, Alex foi me fazer uma visita. Como seu local de trabalho era em frente ao meu, não foi difícil ficar sabendo que eu não fora trabalhar nos últimos dois dias e ele se preocupou.

Minha mesa ficava próxima a entrada e lá existia  um banco para os clientes sentarem. Além das funções de auxiliar de escritório também era responsável pela recepção.

Ele chegou, sentou e já foi perguntando:

— Moço, ninguém aqui te viu mais. Fiquei órfão pois não tinha ninguém para zoar e você é meu predileto. — riu tentando fazer graça mas de certa forma dizendo a verdade pois gostava de piadas e sempre me colocava como personagem delas. — Mas conta ai, o que houve com você?

Alex era um sujeito simpático. Era alto e possuía cabelos compridos e anelados. Usava óculos redondos tipo John Lennon e também um brinco numa das orelhas, embora isto fosse motivo de gozações entre os colegas.

Contei a ele superficialmente o que havia acontecido com minha irmã. Ele lamentou e depois disse:

— O chefe vai viajar. — Falou ele contando que ia aproveitar para levar seu violão para o laboratório a fim de fazer um “showzinho” para seus colegas de serviço pois queria mostrar uma nova musica que compôs e antes de finalizar quer a opinião dos amigos.

Foi nesse momento que vi você na porta. Olhava para os lados como se estivesse procurando algo. Quando olhou para dentro do escritório fez uma expressão de quem fez uma descoberta. Havia uma luz saindo de seu corpo e ofuscava tudo em volta.

— Ora, é aqui que você trabalha? — Falou já entrando.

Sorri. Não era um sorriso vago, era alegria mesmo! Cumprimentou-me com um caloroso beijo no rosto e seu perfume estremeceu meu corpo.

— Posso sentar? — perguntou.

— Lógico. Mas que alegria. Procurando alguma coisa ou veio me visitar? — Tente abafar o entusiasmo.

— Nossa! Quase não achei aqui.

Você olhou para o Alex, que também olhava pra você e deu um sorriso. Tratei de apresentar os dois.

— Alex esta é Raquel: estuda comigo e também uma grande amiga.

— “Uma grande amiga” — retrucou você — Que bom que estou nesta categoria e não somente “amiga” — E cumprimentou Alex estendendo-lhe a mão ainda sentada.

Alex, que estava de pé, apertou sua mão e disse:

— Olá, sou Alex Mendonça e o Dêner nunca me disse que tinha uma amiga tão linda.

Você riu, recolheu sua mão e disse olhando para mim:

— Seu amigo é um galanteador barato!

Estava datilografando um contrato para ser entregue naquele dia. Mas deixei esse serviço de lado: sua presença valia mais que toda burocracia do mundo.

Depois das apresentações você me disse:

— Queria saber se você foi à escola ontem. Eu não fui e quero saber o que perdi.

— Nem eu fui Raquel. — falei.

— Puxa! Você não serve nem para ir à escola. Tinha esperança de pegar as matérias com você. — falou rindo, olhando muito para o Alex, que também olhava para você.

Neste momento Mohamed entra me perguntando pelo contrato e quando viu você e Alex cumprimentou-os e se voltou para mim.

— Eu realmente preciso disto agora. — Falou ele.

— Pode fazer ai Dêner. Eu vou conversando aqui com seu amigo enquanto você termina. — disse você já bastante a vontade.

Mohamed somente me encarou e deu as contas. Voltei para a minha mesa dizendo que já estava no fim e não demoraria.

— Você trabalha aqui também, Alex? — Perguntou você

— Não, trabalho aqui em frente. — e apontou para o laboratório. — Não me lembro de tê-la visto por aqui pois se já tivesse vindo eu saberia.

— Mas também não me lembro de já ter lhe visto em lugar algum da cidade. — disse você.

— Então isto mostra que estou indo nos lugares errado. Você tem que me dizer onde você esta indo pois deve ser os lugares certo. — Alex jogava seu charme.

— Eu saio pouco. Estudo a noite e ajudo meu pai de dia. Estudo junto com o Dêner, você percebeu. — e olhou para mim.

— Sim, percebi, são colegas de sala de aula? Então vou lhe fazer um convite — disse Alex.

Notei que você sorriu mais ainda.

— Que convite?

— Amanhã vou levar meu violão para o laboratório. Compus uma canção que vou apresentar no festival de musica que vai ter na capital. Se você quiser vir me ouvir... — falou abrindo os braços e apontando para si mesmo.

— Ora, você canta tanto assim? Ou somente encanta? — disse você

Aquela conversa não estava me agradando.

— Um pouco. Já participei de vários festivais. Pouco público e quase ninguém presta atenção na gente. Mas não posso desistir. Pretendo gravar um CD se conseguir patrocínio. Pelo menos é meu sonho. — sorriu — Sonhar é preciso.

— Puxa! Isto é legal. Eu venho sim. Você já tem pinta de galã, então significa que o sucesso será sua sina.

Alex deu uma gargalhada sonora.

Assim a conversa deles se prolongou e esqueceram por completo da minha presença ali. Tentava me concentrar no contrato que estava fazendo, mas não conseguia e errava sem parar tendo que refazer várias linhas. Pela porta eu percebia que Mohamed me olhava para ter certeza que eu não abandonaria o contrato para me juntar as visitas.

Quando a conversa encerrou, você se levantou, foi até minha mesa e disse:

— Meu bom amigo Dêner, eu já percebi que estou atrapalhando mas mesmo assim adorei ter vindo lhe visitar. —  E estendeu a mão para se despedir. Levantei-me e lhe abracei beijando seu rosto.

— Venha sempre que quiser. Hoje estamos com acúmulo de trabalho, mas normalmente é mais tranquilo. — disse eu. — Foi bom vê-la.

 — Pois é... e  já que você não pode me dizer o que houve de importante na escola, eu vou ter que ir embora a procura de quem pode me ajudar. Não quero chegar lá hoje e ter surpresa.

Você se afastou, despediu do Alex também e foi embora. Ele ficou ali, sentado, olhando você se distanciar. Senti meu sangue borbulhar nas veias. Era como um sinal de alerta. Até que ele se levantou, bateu em minhas costas e disse:

— Gostei da sua colega. Uma gata! — E saiu.

Aquele encontro produziria efeitos indesejáveis em minha vida. Porém, eu reconheço que, para você, Alex representaria, num futuro próximo, a salvação de sua vida.

Cheguei em casa preocupado e acabei ficando pior. Parecia que o mundo resolvera desabar em cima de minha família.

Sandra estava no quarto e não conversava com ninguém.

Entrei em seu quarto. Estava magra já fazia dias, mas naquele instante pareceu estar mais ainda. Seu cabelo estava despenteado e um aspecto assustador. Ela me viu entrar e baixou os olhos. Sentei-me numa cadeira durante um bom tempo, até que falei:

— Você vai ter que ir à delegacia, muito embora não sei se a ajuda que precisa esteja lá. Mas é porque eu recebi uma ameaça dirigida a você e estou preocupado. Você deve saber do que estou falando.

Esperei reação. Nada.

Levantei-me olhei em toda extensão do quarto.

Abri a gaveta do guarda-roupa e comecei a retirar suas roupas, Sandra se arrastou da cama até mim, gritando:

— Não! O que você esta procurando?

Alcançou-me rápido e suas unhas entraram em minha carne e, automaticamente, empurrei-a e Sandra caiu no chão. Levantou e ainda tentou me segurar.

Durval entrou e percebeu o que eu estava querendo fazer. A reação de Sandra não deixava dúvidas que deveríamos procurar algo naquele quarto.

Ele deu um tapa no rosto de Sandra e depois a empurrou de volta para cama. Impaciente como ele é, terminou de retirar as roupas e gavetas do guarda roupa e não demoramos em descobrir alguns saquinhos com conteúdo branco escondidos em alguns bolsos.

Não sabíamos se Sandra as havia usado aquela droga depois que chegou do hospital. Mas tínhamos a impressão que ela não ia se recuperar fácil.

— Eu vou te colocar numa clinica de doido, sua cadela! — gritou Durval, nervoso.

Sandra começou a chorar.

— Vamos tirar isso daqui, Durval.

Limpamos a gaveta. Sandra olha para nós com medo e perplexa.

Passaram-se várias semanas e Sandra não saía do quarto. Ela colocara um pano escuro por cima da cortina, cobrindo a janela e não entrava luz nem nas pequenas frestas. A escuridão tomou conta de seu quarto. Ela só queria ficar dormindo e não tinha noção de quando era dia ou noite. Em vários momentos ficava sentada na cama com um olhar fixo em algum ponto.

Durval repetia sempre que ela estava ficando maluca.

— O vicio corroeu seu cérebro. — dizia ele. — e temos que sumir com ela daqui pois daqui a pouco os tais amigos vão aparecer.

Quando tentávamos conversar com ela dizendo que queríamos ajudá-la pois aquilo não era vida, ela respondia que não queria ser ajudada.

Sandra estava tão arredia que resolvemos interná-la. Saulo encontrou uma clínica que oferecia o tratamento mesmo quando o próprio viciado não desejava.

O ódio pelos patifes que a deixaram naquele estado era tão grande que já não cabia mais dentro de mim.

Não demorou muito e Durval chegou com uma ambulância para levar Sandra. Minha irmã se foi.

Eu errei com ela. Estava absorto em meu próprio mundo e concentrava-me apenas num amor platônico obsessivo e destrutivo. Naquele momento Sandra era um estorvo. Tinha vergonha de expor aquele problema e você, Raquel, virar as costas para mim. Então a ideia de Durval foi totalmente apoiada por mim, deixando nossos pais tristes e angustiados, mesmo diante das falsas promessas de que aquilo era o melhor para Sandra.

Dias depois, na saída do colégio, estava eu, você e Saulo conversando sobre um trabalho de grupo que deveríamos fazer sobre o período da republica no Brasil. Naqueles dias, já quase no final do semestre, sempre íamos juntos até a sua casa quando seu pai não ia buscá-la. Contudo, havia uma semana que você só nos acompanhava até o portão, depois pedia licença e desaparecia.

Estava eu a procura de uma oportunidade para fazer um convite para sair, lhe dizer meus sentimentos. Estava cansado de ficar em silencio, mas me esbarrava não na timidez, mas em você mesma que, de alguma maneira, me barrava. Parecia que sabia o que eu iria dizer e que aquilo destruiria nossa relação então você não me deixava concluir nenhuma frase em que eu tentava colocar a palavra “nós”.

Saulo, com uma aparência sinistra que só ele tinha, me disse:

— Raquel está sempre de rolo com alguém. Não deixe isto te afetar meu amigo. Hoje não vou te acompanhar. Tenho umas paradas para resolver — Estava mal humorado, como sempre. — Até amanhã.

Fui embora sozinho. Os últimos dias estavam sendo assim. Aquela luta para poder acompanhá-la até sua casa e conversar, mas não estava dando certo.

— Veja quem está ali! — ouvi.

Olhei em direção à voz e vi dois irmãos de Patrícia que vinham para o meu lado.

“Encrenca” — pensei.

— Olá rapaz! Queríamos mesmo conversar contigo.

— É uma pena porque eu não quero conversar com vocês.

Riram.

— Você não tem querer, cara.

— O que vocês querem?

— Você sumiu de casa. Usa nossa irmã e depois some.

— Usar? Vocês estão delirando!

Sem que eu percebesse, de tão rápido que foi, um deles me segurou pela gola e esmurrou meu rosto, me empurrando para o chão, em seguida.

Assustei-me e a adrenalina invadiu meu corpo. Levantei-me rápido e cerrei os braços. Não me pegaria desprevenido de novo.

— Foi Patrícia quem pediu para que vocês fizessem isso?

— Cara, você não entende? Ela não é qualquer uma que você usa e depois descarta, não.

Foi aí que senti um chute rápido vindo pela lateral em minha perna que me desequilibrou e cai no chão.

Vários outros golpes vieram, na cabeça, na perna, no peito. Tentava me apoiar para levantar e uma nova rasteira acontecia. Eles eram fortes e rápidos. Minha mão tateava pelo chão à procura de alguma coisa, mas só conseguia tocar o meu próprio sangue.

Fiquei tonto. O mundo estava girando.

— Levante ele, Ésio — disse um deles.

Duas mãos me pegaram pela gola e me arrastaram para cima. Meus pés não tinham muita força para se firmar. Ao longe escutava várias risadas que vinham das pessoas que estavam próximo.

— Eu estava doido para bater na cara desse sujeito! — Falou um deles.

Meu estômago doía e a dor se misturou com o ódio que sentia por todos eles. Parecia que o som das risadas feria mais do que tudo que haviam feito.

— Eu odeio sua irmã, canalhas! — falei.

Senti uma pancada no rosto. Um deles me segurou e o outro esmurrava onde podia alcançar. Logo não consegui permanecer com os olhos abertos, tudo começou a inchar. Um líquido quente escorria, molhando minha roupa. Era meu sangue!

Ouvia nitidamente o som de risadas. Que graça tinha aquilo?

— É o Dêner!  — Ouvi alguém gritar e tinha certeza que era a voz de Saulo.

Os chutes e murros pararam.

— Vai embora seu negro! — gritou um dos irmãos de Patrícia — Isto aqui não tem nada haver com você.

Ouvi troca de socos e logo em seguida um grito agudo feminino. Tentei abrir os olhos, e as imagens eram confusas. Tinha levado um chute forte na cabeça e os murros em meu rosto inchou a ponto de começar a cobrir minha visão.

Mais sons de luta. O mundo girava... Minha visão se resumia em imagens que pareciam o negativo de uma foto.

As risadas próximas agora eram de gritos de alegria. A plateia se divertia. Como podiam.

Consegui ver algo... Um vulto negro. Era mesmo Saulo. Lutava com os dois.

Novamente o grito agudo feminino em desespero e ao fundo ouvi uma sirene de polícia. Imediatamente as risadas e o entusiasmo das pessoas em nossa volta cessaram.

Pus a mão no chão para tentar me levantar e escorreguei em meu próprio sangue. Estava sangrando muito pelo nariz.

Ouvi ainda alguns socos e xingamento. Em seguida passos correndo.

— Miseráveis! Canalhas! Vamos! Por que não batem em alguém que tenha a mesma força de vocês! Vamos! Me batam!

Essa voz eu conhecia. Era Saulo e estava maluco! Senti um alívio. Parecia que toda a dor que eu sentia deu lugar à alegria de estar salvo.

O grito feminino foi diminuindo a ponto de conseguir identificar de quem era.

Logo senti a presença de três pessoas me ajudando a ficar de pé, mas somente reconheci o Saulo e você.

Aproximei-me de seu rosto. Sua expressão era de pena e choro. Queria lhe fazer perguntas, mas o desmaio foi inevitável... Caí inerte.


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