Eu, Fora De Controle escrita por Lionardo Fonseca Paiva


Capítulo 7
Capítulo 1 - Sexta Parte




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/296345/chapter/7

Sexta Parte

O escritório de contabilidade onde eu trabalhava era um lugar confortável e animado. Meus colegas de trabalho eram gentis e tinham um bom humor permanente.

Meu chefe era um senhor magro, de meia estatura. Tinha umas bolhas em volta dos olhos e um roxeado permanente. Gostava muito de beber álcool e várias vezes foi trabalhar de porre. Percebíamos o seu estado pois mantinha um sorriso vazio e automático no rosto além da pálpebra caída. Era um fumante compulsivo e estava sempre com cheiro forte de cigarro. Era um homem muito compreensível. Suportava toda farra que os empregados faziam. Eles recebiam visitas particulares, falavam horas ao telefone sem que o assunto envolvesse a empresa e quase sempre chegavam atrasados. Porém a paciência de Mohamed, seu nome, desaparecia e ficava insuportável se houvesse serviço atrasado ou errado. Quando isso acontecia ele estourava. Ele era descendente de libaneses e quando começava a falar sua língua natal em seus momentos de raiva, todos saiam de perto.

Em frente ao escritório existia um laboratório de análises clínicas.

Aos poucos fui simpatizando com os funcionários de lá. A tarde no horário do lanche encontrávamos todos no café da esquina e as amizades foram surgindo. Eram todos muito simpáticos. Existia um aprendiz de biólogo que cantava mais que trabalhava. Ele era filho de um dos sócios do lugar então podia se dar ao luxo de levar um violão para o serviço e animar o laboratório. Dizia para todos que seu desejo antigo era cantar num programa de auditório e chegar ao ponto de gravar uma de suas músicas.  

Em sua sala ele ostentava vários troféus dos festivais locais que já participara, ganhando a primeira colocação em quase todos. Sua voz chamava a atenção. Ninguém tinha dúvida do seu talento.

Seu nome era Alex.

Naquela época ele era um rapaz envolvente e carismático típico de artista de palco. Ávido por uma plateia ele não perdia a chance de se exibir. Ele era para ter sido apenas uma ponta solta na minha história, mas eu sem querer o trouxe para dentro. Minha derrota começou ai.

Meu serviço no escritório era de registro e alteração de endereço de empresas, além de preenchimento de cadastros e feitura do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e Física. Iniciava meu trabalho às 8 horas da manhã e encerrava às 5 da tarde, o que me dava tempo para fazer muita coisa antes de ir à escola.

Um dia, Patrícia passou no escritório pouco antes de fechar. Quando me viu ocupado quis ir embora mas eu não deixei. Estávamos quase no fim do expediente e iria aproveitar aquele dia para resolver minha situação com ela. A turma do laboratório e do escritório tinha o hábito de se esperarem na saída para combinarem encontro no bar mais próximo. Quando consegui sair nos encontramos todos na porta e apresentei Patrícia ao pessoal. Houve várias perguntas se era a minha namorada. Apenas sorria e a apresentava pelo nome. Patrícia percebeu e não gostou.

Ao me distanciar ela estava com um olhar de ódio no rosto.

— O que foi aquilo Dêner? Porque não me apresentou como sua namorada?

— Patrícia — comecei — há muito tempo quero lhe dizer uma coisa. Nosso relacionamento... acho que não vai dar certo.

— Que conversa é esta Dêner? — falou ela já com um tom de espanto.

— Eu não tenho certeza do que sinto. Meu sentimento por você...

— Ora Dêner, cale a boca! — O espanto já estava virando raiva.  — O que você está querendo dizer?

— Calma, me deixa terminar.

— Está querendo me dar um fora, é? Depois de tudo?

— Que tudo Patrícia? Estamos a tão pouco tempo juntos.

— E se eu tiver grávida de você?

Assustei-me.

— Esta?

Seu rosto ficou vermelho e os olhos dela encheram de lágrima. Tentou dizer alguma coisa mas apenas me deu as contas e saiu andando

Tentei segui-la mas apenas ouvi Patrícia balbuciar: “não me siga!”

Apressou o passo e se distanciou. Acredito ter também ouvido algo como “cafajeste”, mas não tenho certeza.

Não podia continuar. Minha mente e meus pensamentos estavam presos de forma definitiva em você, Raquel.

Acordava de manhã já imaginando no que você estava fazendo. Passava o dia com lembranças de pequenos diálogos e contatos que tínhamos na escola. A minha cabeça era o tempo todo bombardeada com sua imagem despojada, sorridente e sensual naquela sua sala com CDs na mão tentando me convencer que aquele ruído era música.

Mas de repente o peso da realidade caiu sobre mim. “Ela disse grávida?” —  pensei.

Patrícia queria casar de qualquer maneira para se ver livre dos irmãos. Mas chegaria a este ponto? Tudo parecia tão ridículo. Precisava mesmo me livrar daquele relacionamento, mas antes era necessário confirmar se aquela história era verdadeira ou não.

Ao chegar em casa liguei para Patrícia, que não quis me atender. Precisava ir para a escola, mas estava cismado demais. Voltei a ligar e um dos irmãos dela  já atendeu me dizendo:

— Ei cara, nos ainda vamos ter uma conversa muito séria...

— Tá, depois — respondi — Agora diga a Patrícia que preciso mesmo falar com ela.

Fiquei aguardando um bom tempo e pelo fone ouvia os irmãos de Patrícia perguntarem se eu aprontei algo. Ela resmungava alguma coisa e um deles retrucou: “estou louco para dar uma coça naquele camarada”.

Por fim, ela veio ao telefone:

— Não pode esperar para falar comigo amanhã? — Falou ela com uma voz enraivecida.

— Não da Patrícia. O assunto é sério. Como você faz uma insinuação daquela e me dá as costas?

— Você esta preocupado você mesmo? Não esta nem ligando para mim.

— Agora eu me preocupo com nós dois. — Falei com sinceridade.

 — Sim, estou grávida. — Disse ela e bateu o telefone na minha cara. Fiquei ali parado por longos minutos ouvindo o som de ocupado da ligação.

Fui para meu quarto. Estava suando de raiva, ódio, medo, revolta, tudo vinha em minha mente ao mesmo tempo e só consegui relaxar quando comecei a me lembrar de você, Raquel. Seu rostinho, sua voz... Eu estava apaixonado por você, e foram vários momentos que me fazia ter certeza como o dia em que você foi reclamar uma nota errada que um professor lhe dera e pedira para eu ir com você. O homem, todo sério, começou a rir sem graça quando viu que corrigira mal sua prova. Consertou o erro. Sua nota aumentou de cinco para nove. Você ficou tão alegre que me abraçou forte e me deu um beijo no rosto muito próximo da boca. Senti algo diferente naquilo tudo. Um mundo novo estava surgindo e esse mundo era você. Pode parecer bobagem esse fato, mas aquele seu abraço... o calor que eu senti vindo de seu corpo naquele momento foi como um choque! Você tem uma aura em sua volta que atrai. Algo que não se explica.

Era mês de abril e estávamos na eminência das provas. Não ir a escola não me ajudaria a resolver o problema e havia também uma necessidade física de ver você.

Patrícia estava jogando comigo, e eu não ia me deixar envolver.

Cheguei atrasado e deixaram-me entrar quando deu o sinal para o intervalo. Encontrei com Saulo, que me mostrou onde você estava.

— Mas não vai procurá-la agora Dêner — disse ele — Na sala de aula você fala com ela.

— Por quê? — perguntei.

Ele riu, destacando seus dentes brancos na escuridão.

— Ela está com o namorado lá fora, cara. É melhor deixar o casal em paz.

Não gostei de saber, mas também não foi surpresa. Havia muito assédio a sua volta.

— Você que conhece Raquel há mais tempo que eu, me responda: Ela já se apaixonou por alguém? — Eu quis saber.

— Não sei, Dêner. Vou ficar te devendo essa. Mas creio que não. Vive trocando de namorado. Ela é volúvel demais.

Na sala de aula, quando terminou o intervalo, você me viu e exclamou:

— Olá fujão! Onde andou? Achei que não vinha hoje.

Sorri. Havia dois dias que não escutava aquela linda voz, pois no dia anterior você chegou tarde e foi embora mais cedo e só consegui lhe acompanhar com os olhos.

— Por aí, respondi — Resolvendo uns probleminhas.

— Hoje vou sair mais cedo de novo. Minha irmã vai sair com o namorado e vai passar aqui e me pegar. Você tem que conhecê-la. Falo muito de você para ela.

Empolguei.

— Ora, ora. O que você diz para ela?

— Digo que você é um sujeito muito legal, gosta muito de ajudar. Principalmente me ouvir, o que é raro aqui. — riu — Geralmente os homens daqui estão a fim somente de me pegar.

Não gostei da definição. Mas na verdade, para você, eu era isso mesmo. Quando estou perto de você sou um bom ouvinte pois não quero perder nada que sai de sua boca. Suas histórias e seus sentimentos me fazia conhecê-la ainda mais e era hipnótico te ouvir.

— Você é um bom amigo — completou você

— E você vai sair com sua irmã... sozinha? — perguntei com medo da resposta.

Você sorriu maliciosamente e respondeu:

— Talvez eu leve um enrolado ai que esta no meu pé.

Saulo chegou perto de nós e me alertou que o professor estava entrando da sala.

— Eu acho que você esta apaixonado! — Falou ele com cara de deboche olhando para mim e complementou dizendo — Vai por mim, desencana!

No outro dia acordei cedo com o telefone tocando. Era Patrícia. Atendi dizendo:

— Não precisa nem dizer nada. Não vou casar com você só porque me disse que estava grávida.

Ela ficou em silencio e começou a dizer baixinho como se estivesse sentindo dor:

— Não estou te ligando para isto Dêner. Não estou grávida e se quer me deixar, que seja! — Havia rancor em sua voz.

Desligou o telefone. Se ela queria dizer algo, não disse.

Minha mãe saiu do quarto de Sandra gritando que ela estava passando mal.

— Sai desse telefone Dêner e me ajude. Sua irmã esta em convulsão na cama. — sua voz era alta e estridente.

Fui ate o quarto de Sandra. Ela parecia ter reações musculares involuntárias pelo corpo. Os olhos estavam fechados mas o corpo um alvoroço.

— Esta menina não esta normal! — gritei e fui para perto dela tentando não deixá-la cair da cama com seus espasmos. Seu rosto estava branco como neve. Aos poucos ela foi diminuindo o ritmo e um suor desceu pela sua testa.

Minha mãe abraçou Sandra com força e gritava para ela acordar como se ela estivesse somente tendo um pesadelo. Mas não era.

Meu pai apareceu de pijama no quarto e minha mãe pediu para ele ir pegar o carro para levarmos Sandra ao hospital.

— Pode deixar pai, eu faço isto. — Disse eu saindo do quarto — Vai vestir uma roupa enquanto estaciono o carro na porta.

Quando saí, vi um Chevette bem conhecido na porta de casa. Dele saltaram quatro rapazes e um deles usava um soco inglês na mão e me acenou apenas para me mostrar o instrumento de tortura como uma ameaça. Eram os irmãos de Patrícia querendo me intimidar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Eu, Fora De Controle" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.