Eu, Fora De Controle escrita por Lionardo Fonseca Paiva


Capítulo 6
Capítulo 1 - Quinta Parte




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Quinta Parte

Arranjei um emprego num escritório de contabilidade. O serviço era complicado mas o pessoal me ensinava tudo com paciência. Eu já tinha certa experiência no ramo, pois em Itumbiara ajudei no escritório de um primo.

Depois do meu primeiro dia de trabalho, fui contar para Patrícia. Ela ficou contente e me abraçou. Estávamos namorando. Era um namorico a toa mas ela estava toda empolgada e sempre soltava uma frase do tipo: “quando nos casarmos...” e o que mais me chateava era que só isto foi crescendo na cabeça dela e estávamos num namoro muito curto para uma insinuação desta natureza.

Fomos comemorar o emprego numa choperia. Havia vários amigos da escola que frequentavam o lugar e resolvi aparecer com a Patrícia e assumir publicamente o namoro. Era em frente a uma praça e neste dia estava movimentadíssima com carros subindo na calçada da praça e estacionando em qualquer lugar. Era uma sexta feira e não fui à escola. Havia muitos estudantes da minha sala no lugar que pensaram igual a mim.

Em pouco tempo, estávamos os dois bêbados. Patrícia era uma excelente companhia e a noite estava muito divertida. Ela era do tipo tagarela e tinha assunto para nós dois. Aos poucos outros amigos em comum da rádio apareceram e nem foi surpresa para eles nos verem juntos.

Foi uma noite agradável e Patrícia não media esforços para me agradar. Terminamos a noite juntos e somente no dia seguinte fui para casa. Na despedida ela disse:

— Quando nos casarmos você não precisará ir... e estaremos sempre juntos.

Sorri, beijei-a e fui embora.

No sábado você me ligou me chamando para ir a sua casa.

— Vai fazer algo agora? — perguntou.

— Não. Quer dizer, acho que não — falei ainda surpreso com seu convite.

— Então venha. Minha mãe esta fazendo um bolo e depois vamos assistir a um filme aqui em casa. Gostaria que viesse.

Confirmei, agradeci e desliguei o telefone meio incrédulo. Você era uma caixinha de surpresa, e aquela foi até pequena perto das grandes que eu teria com você com o passar os anos.

Ao chegar ao endereço que tinha me dado vi que sua casa era um imponente sobrado com portão eletrônico e câmeras de segurança. Já na calçada admirei as árvores de Ipê amarelo e roxo que cobriam a rua. A arborização dava um frescor no lugar que destoava com o calor que tomava conta da cidade. O muro ao redor da casa estava coberto com uma planta trepadeira. Ao entrar não pude deixar de admirar o longo caramanchão que havia daquele portão até a entrada casa. As flores estavam por todo canto como se estivessem ali para dar boas vindas a quem chega. Engraçado é que, antes, você dissera várias vezes que sua casa era modesta. Creio que a modesta era você.

Uma empregada atendeu à porta. Estava linda com um short curto, camiseta suspensa até o umbigo com um nó na frente. Estava descalça e os pés molhados. Era dia de faxina.

— Desculpe Raquel, parece ser uma hora ruim... — tentei dizer mas você me cortou no meio da frase.

— Cale a boca Dêner. Que bobagem. Entre aqui e não fique constrangido senão vou lhe dar uma vassoura para nos ajudar. — E riu do que disse — E além do mais já terminamos, senão não teria te ligado.

Você pegou em minha mão e me levou até sua mãe, que fazia um bolo, na cozinha.

— Mãe! Trouxe um amigo!

Ela estava concentrada com as mãos dentro de uma forma preparando a primeira camada do bolo com frutas cristalizadas.

— Mãe, este aqui é um amigo meu: Dêner... Lembra que já falei dele... — e virou-se para mim perguntando baixinho por entre os dentes: — como é mesmo seu sobrenome?

— Attux. — falei também baixo e embaraçado.

Sua mãe olhou para mim e sorriu:

— Olá Dêner. Fique a vontade. Hoje a casa esta  desarrumada pois essas meninas não importam com a própria bagunça — disse ela — Você vai ficar para o bolo?

— Será o maior prazer... — Eu continuava nervoso mesmo diante de toda cordialidade.

— Onde está papai?

— Saiu, filha. Não deve demorar.

— Venha comigo, Dêner. Deixa eu te mostrar uns discos que comprei. Esta cada vez mais difícil comprar LPs mas não me canso de procurar. Acho que nunca vou abandonar meus bolachões.

Fomos para uma sala rodeada por sofás. Havia um comprido tapete verde onde você sentou e me puxou junto.

— Me diga, que som você curte?

Já estava começando a ficar a vontade. Tentei sentar no sofá mas você me puxou para o tapete e me jogou vários álbuns no colo dizendo:

— Fica tranquilo Dêner. Você esta em casa. Olha meus discos. Curte algum desses?

Só havia banda de rock pesado.  Você percebeu que aquilo para mim era grego e pegou um no meio e levantou-se para colocar no aparelho que ficava na estante. As caixas de som ficavam no chão próximo onde eu estava. O som pareceu explodir na minha cabeça.

Tentei ficar tranquilo e parecer que estava curtindo. Perguntei sobre a banda que estava tocando, depois passei por outros e continuei perguntando. Você contava a historia do grupo, do cantor, do guitarrista, do disco e até da letra. As vezes lembrava de algum em especial, corria a mão entre os discos e pegava outro para trocar no aparelho. Quando o som metálico começava novamente você ficava maluca e fazia gestos com a mão como se fosse o guitarrista ou o baterista.

A música, em definitivo, não me empolgava. Mas olhar você  daquele jeito descontraído acelerava meu coração. Sentia algo estranho percorrendo o corpo e aos poucos fui sentindo uma necessidade de tocar em você. Sentir o calor de sua pele. Mas me contive.

Você percebeu minha falta de entusiasmo pela música que estremecia todo ambiente:

— Fala sério Dêner, você não gosta disto aqui...

O barulho não me deixou entender se você estava afirmando ou perguntando.

— Bom, eu não tenho hábito de ouvir isto.

— Isto? Você está doido Dêner? Chamou minha música de “isto”? — E riu de forma debochada. — Meu amigo, você tem que sentir este som.

— Eles gritam demais... — tentei também gritar pois o som estava alto. — Não gosto tanto quanto você mas posso curtir.

— Como alguém pode curtir uma coisa e não gostar?

— Não sei. Daqui um tempo eu te falo.

— Você ouvia o que na cidade de onde veio? Moda de viola?

— Ouvia também e muita musica popular brasileira, mas este barulho não tocava nas rádios de lá.

— Barulho Dêner? Esta chamando minha música de barulho? Já não basta dizer que “gritam demais” — e soltou uma gargalhada.

Agora sim ouvi uma melodia: Sua risada.

Sua mãe entrou com copos de refrigerante dizendo que o bolo estava quase no fim. Ameaçou diminuir o som e você protestou dizendo já ia reduzir o volume no término da música.

Peguei o copo e sentei no sofá. Você voltou para o tapete e somente no final do ultimo toque da guitarra estridente que diminuiu o som. Senti como se houvesse soltado algum nó que apertava meu cérebro.

— Você já sabe que curso vai fazer no ano que vem? — Perguntou você.

— Ainda não sei. Estou me adaptando. No principio não achava que ia ficar aqui muito tempo, mas agora acho que irei ficar sim.

— Eu, por outro lado, quero mudar daqui. Papai me disse que eu posso tentar passar no vestibular em alguma faculdade de São Paulo que ele me ajuda.

— Ora, isso é bom — falei, sabendo que não era bom.

O som agora estava numa altura aceitável para os ouvidos. Contei-lhe sobre o modo como eu e minha família fomos parar naquela cidade. Você ria sem parar.

— Você é doido e irresponsável — comentou.

Logo seu pai chegou e foi até a sala. Olhou para mim de cima até embaixo e você se levantou beijou seu pai na face cumprimentando-o. Ele respondeu ao cumprimento e continuou me olhando. Você saiu em minha defesa:

— Papai, esse é o Dêner. Um amigo meu... colega de classe e um bom amigo. Sempre me ajuda nos trabalhos e eu chamei ele para ver um filme conosco e ouvir musica.

— Olá Dêner. —  disse ele já tentando um sorriso —  Seja bem-vindo.

Não parecia simpático num primeiro momento, mas depois que o cheiro do bolo tomou conta do lugar e sua esposa chamou todos para a mesa ficou mais bem humorado. Tinha uma cabeça branca, estatura baixa e várias rugas pelo rosto. Passava a impressão de ser mais velho do que verdadeiramente era. Chamava Nilson.

Na mesa ele me olhava e fazia algumas perguntas sobre minha família, meus estudos e meu trabalho. Parecia que estava questionando um candidato a namorado de sua filha.

Você estava na mesa do meu lado e havia momentos que eu te olhava e era como se a luz estivesse se apagado e somente seu corpo brilhava. Você discutia  com seu pai sobre gado, plantação e colheita. Gesticulava, batia a mão na mesa e quando se virava para mim para tentar me fazer participar da conversa eu tentava me mostrar interessado mas naquele momento não havia ninguém no mundo. Somente um anjo envolvido por uma atmosfera iluminada que irradiava de você.

Estava completamente fisgado.

Ao terminar olhei o relógio e disse que já estava na hora de ir pois tinha que devolver o carro de meu irmão. Você ainda tentou insistir dizendo que iam todos ver um filme e me convidou para fazer o mesmo.

— Outro dia. Assim terei outros motivos para voltar.  — Falei dando sinais que um novo convite seria bem vindo.

Você me acompanhou até a porta. Dei-lhe um abraço, agradeci a tarde agradável e prometi tentar gostar daquele som metálico e horroroso que  você tanto adorava.

No domingo, saí com Patrícia. Ela me fazia muito bem, mas sentia dentro do meu intimo que deveria terminar o namoro com ela, mas estava sem jeito. Ela era adorável, carinhosa e de fato gostava de mim. Ouvi-la contar as discussões e queixas envolvendo seus irmãos era recorrente e isto me envolvia dentro do mundo que ela vivia e sentia que não deveria deixá-la sozinha. Passava-me a imagem de uma garota que merecia ser protegida.

Contudo quando seu assunto predileto continuava sendo o “nosso” casamento que existia somente em sua imaginação.

Quando cheguei em casa naquele dia, fui procurar Sandra. Sempre passava pelo seu quarto para vê-la. Estava preocupado com o que ela pudesse estar envolvida.

Ao entrar ela estava de costa para a porta falando ao telefone:

— ... não lhe devo nada. — e desligou abruptamente.

Nisto ela puxou um ar pelo nariz, respirou e começou a embalar alguma coisa rapidamente e esconder no bolso.

— Sandra? — Falei. Já entendendo o que ela estava fazendo.

Ela virou–se para mim já gritando:

— Você não aprende. Não quero que entre mais aqui sem bater.

— Sandra o que você esta fazendo? E este telefonema? Esta devendo alguém?

Ela não respondeu a nenhuma pergunta. Estava apática e visivelmente não se importava com minhas preocupações.

— Se você não me disser o que está acontecendo, eu conto tudo para o papai e para o Durval! — ameacei.

Ela deitou na cama e me olhou com desprezo total.

— Você não vai me deixar em paz nê? Eu vou lhe contar, Dêner, mas espere um pouco. Não me cobre nada agora. Espere e eu tiro todas as suas dúvidas, certo? Mas não precisa se preocupar. Eu não devo nada. Tenho uma amiga que fez uma compra com um senhor e eu estava junto. Mas amanhã ela vai resolver isto. Eu não tenho nada com isto. Acredite.

— Sandra, o assunto pode ser sério. Não quero abandonar você. Estou preocupado. O que este homem vende?

— Calma Dêner. Não foi nada para mim. Eu só estava perto.

— O que ele vende?

Ela respirou fundo e disse:

— Comprimidos!

— Drogas? Você esta envolvida com drogas?

— Não sei! — gritou — Dêner, você esta me deixando mais doente ainda. Sai do meu quarto. Confie em mim. Eu estou de boa.

Assenti e sai. Tinha algo errado ali. Muito errado.


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