Eu, Fora De Controle escrita por Lionardo Fonseca Paiva


Capítulo 4
Capítulo 1 - Terceira Parte




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Terceira Parte

Eu havia terminado o segundo ano do 2º grau e teria que concluir os estudos na nova cidade. Tudo era novidade e a decepção maior ficou por conta da própria cidade: era um lugar pequeno e chato. Mas, era ali que eu teria de começar a construir minha vida. Mesmo sem saber como.

A cada dia que passava, eu sentia que meu irmão estava ficando mais distante de mim. Ele não queria ter saído da nossa querida cidade e me culpava. Se sua noiva telefonava aborrecida por tê-la abandonado, ele me culpava. Eu me transformei num bode expiatório para seus problemas, principalmente de adaptação. Eu não queria nem estudar mais nessa cidade e meu pai perdeu a paciência comigo, chamando-me de vagabundo. Emprego não conseguia e não queria arrumar. Durval arranjou uma vaga para Sandra num escritório de advocacia como secretária. Ela matriculou-se numa escola e me aconselhou a fazer o mesmo.

— Só falta um ano para você terminar o segundo grau. Não desista agora! Pense que a faculdade é apenas daqui a um ano.

Numa noite de domingo fui levar minha irmã a um baile de carnaval, num clube da redondeza. Ela pôs uma roupa brilhante e muito atraente. Quando a vi com aquela roupa, disse:

— Olha, eu te aconselho a vestir outra. Do jeito que o povinho dessa cidade é ignorante vão te devorar viva.

— Só se for com os olhos... — brincou ela.

— Deixe de ser pessimista, filho — falou minha mãe, Dona Júlia, que entrou no quarto naquele instante — garanto que o pessoal daqui é tão educado quanto os de lá de onde viemos.

Mas, de certo modo, eu estava com a razão. Chegamos ao baile por volta das onze da noite e havia muito barulho dentro do clube. Quando fui comprar as entradas, vieram dois rapazes de dentro, bêbados e cantando uma marchinha de carnaval e levando um vidro até a boca, enchendo os pulmões de ar!

Aquilo me pareceu estranho, mas era carnaval. Ignorei.

Voltei para o carro, entreguei um ingresso à Sandra e entramos. Lá dentro o som tomava conta do ambiente e todos pulavam alucinados. Não me sentia bem ali.

— Vamos dançar.

— Não, Sandra. Vá você. Eu vou até o bar.

— Aff, isto que dá sair com irmão. — Resmungou — Preciso arrumar amigos aqui.

Ela, sem vacilar, correu até o povão, sumindo no meio dele. Fui até o bar, comprei uma bebida e comecei a procurar uma mesa vazia onde pudesse sentar.

Não queria estar ali, mas também não podia deixar minha irmã sozinha. Sentei-me a uma mesa e logo veio uma garota que nunca havia visto e sentou numa das cadeiras vagas.

— Ei, você é novo por aqui, não é?

— Sim... — falei.

Não conseguia ficar a vontade ali. Aliás, não era só ali, era aquela cidade.

— Você é de onde? — perguntou a garota.

— Itumbiara...

Ela levantou-se da cadeira e disse:

— Tem alguma namorada?

Não respondi. Bebi um gole da cerveja - estava quente demais - e retruquei:

— Ainda não, mas hoje eu gostaria de ficar sozinho... — sorri e complementei — Sou somente o motorista esperando a hora de ir embora.

Ela riu, virou para algumas amigas e disse para eu ouvir: “ele é gay”. E saiu cantarolando.

Não me importei.

A pista de dança ficava no segundo andar e aos poucos foi apinhando de gente. Logo abaixo existia um bar para quem quisesse ficar só. Fui para lá.

Não me lembro quanto tempo passou. Quando subi novamente, minha irmã estava sentada a uma mesa com, no mínimo, cinco rapazes à sua volta. Estava feliz demais com o assedio e aparentava estar bêbada.

Aproximei-me da mesa e todos me encararam:

— Que é isso? — falei — Reunião de família? Sandra, é melhor irmos embora.

— Pô cara! — Falou um deles — Que desagradável! Quer mesmo cortar nosso barato...

— Vamos ficar mais um pouco — falou Sandra, aparentemente de porre. — Deixe eu te apresentar esses amigos que eu arrumei aqui.

— Ela não quer ir embora, cara. Por que você não se manca e sai de mansinho, heim? A gente vai tomar conta dela direitinho. — disse outro querendo se mostrar.

— Deixa de ser chato, Dêner! — murmurou ela — eu estou bem. Vai procurar uma namorada por aí e me deixe sossegada.

— Quem é ele gracinha? — Perguntou um deles.

— Meu irmão! — respondeu e virou-se para mim pedindo — faz assim vou me despedir deles e vou te encontrar. Mas não quero sair com você aqui na minha frente fazendo pressão.

Tentei dizer alguma coisa, mas ela me reprimiu. Resolvi voltar lá para baixo e esperar mais um pouco. Passadas alguns minutos, ela desceu toda sorridente:

— Vamos embora — disse.

— Despistou seus amigos?

— Você gostou deles? — perguntou ela, ainda sorridente.

— Para dizer a verdade, não. Vamos...

Entramos no carro e comecei a sentir um cheiro diferente lá dentro.

— Ei, o que foi que você bebeu?

— Eu... Eu? — deu uma  gargalhada — O que todo mundo bebe...

— Você não está nada bem!

— Ora, vá para o inferno! — falou, saindo de onde estava e passando para o banco de trás, se esticando e deitando no banco.

Para Sandra era o começo do fim.

Na segunda-feira, matriculei-me. Era a melhor que havia nesse “vilarejo”. As aulas começariam um mês depois.

Consegui um emprego na rádio local. Precisavam de um redator de textos e  me candidatei à vaga.

Meu trabalho era criar o conteúdo das propagandas, copiar o noticiário dos jornais da capital para serem levados ao ar, procurar o horóscopo, bolar concursos com os ouvintes, enfim, tudo que se faz por trás dos microfones.

No começo era interessante, novidade, mas era cansativo. Havia uma garota que trabalhava na recepção e começou a me ajudar em suas horas de folga; não que o serviço fosse excessivo, mas é que ela notou a minha falta de entusiasmo e prática pelo trabalho.

O nome dela era Patrícia e o grande erro de sua vida foi ter me conhecido. Mas, como saber que tipo de influência uma pessoa pode exercer na vida de outra de antemão? Hoje, quando me lembro do carinho que ela sentia por mim e do mal que fiz a ela, tenho raiva de mim mesmo.

Um dia, ao sairmos da rádio, como todos os dias, Patrícia perguntou:

— Você não gosta da cidade ou de onde você trabalha?

— Eu? Nada, impressão sua...

Será que eu odiava tanto a cidade? Seria esse o motivo de não me dar bem no emprego e em lugar nenhum aonde eu ia? Aquela falta de adaptação estava em mim mesmo. Ficara tão revoltado por ter que abandonar a vida boa que eu tinha que comecei a sentir repugnância pelo local onde estava. Mas aos poucos estava descobrindo que era pura desculpa interior pois a mudança foi culpa minha e todos, menos eu, já estavam se adaptando bem.

No outro dia, quando a Patrícia veio me ajudar, como sempre, viu que eu já tinha terminado meu serviço e tentava organizar a papelada do dia seguinte.

— Não acredito! — exclamou ela — o que deu em você hoje?

— Comigo? — abri um sorriso — Vou tentar recomeçar.

— Puxa! — falou mexendo nos meus escritos — está tudo em ordem e me parece melhor que os anteriores. Você escreve bem, sabia? Principalmente quando quer.

— Sempre tirei nota boa em literatura! — falei com ironia. Ela riu.

— Por que essa mudança repentina? Até ontem você era frio até com o patrão. Imaginei que iam me mandar fazer sua rescisão.

Olhei no relógio. Já estava na hora de ir embora.

— Quer sair comigo hoje à noite? — perguntei.

Notei um susto de leve em sua face. Ficou calada e deu um sorrisinho cheio de malícia.

— Sabia que eu sou cinco anos mais velha que você?

— E daí? Perguntei se você quer sair comigo e não me namorar. É que resolvi começar a me adaptar, e pensei que você poderia me ajudar. Não gosto de sair sozinho e como já percebi que você também esta sempre sozinha, pensei que um poderia fazer companhia para o outro.

— Ah! Só isso? — falou maliciosamente como quem acreditava — Tudo bem. Você sabe onde eu moro?

— Sei. Você já me falou uma vez. Posso passar lá às oito?

— Pode.

A noite foi agradável. Como não conhecia quase nada, ela me levou para alguns bares interessantes e ainda pegamos a metade da última sessão do cinema. Patrícia era uma garota alegre e falante. Isto me ajudava pois quase sempre não tinha assunto.

Contei a ela que não estava gostando as companhias que Sandra estava tendo na cidade. Isto me preocupava.

— E você consegue proteger ela? — falou ela com ironia.

— Só quero saber com quem ela anda. Mas ela acabou de chegar na cidade. Entusiasma com as pessoas que sorriem para ela.

— Se ela esta solitária, deixe-a se divertir.

— Ela pode sim, mas não custa saber onde e com quem se diverte.

— Vocês homens! Pensam sempre que as mulheres são ingênuas e necessitam de sua proteção! — gargalhou Patrícia.

— A gente vai começar a discutir? — provoquei, mas Patrícia somente pegou em minha mão e me levou a uma praça cheia de coqueiros, onde havia um lago com peixinhos. O lugar era bonito e calmo. Sentamos num dos bancos e começamos a conversar. Ela me disse que também não era da cidade, sua mãe e seu pai morreram e seus irmãos resolveram mudar, levando-a com eles.

— Eles me tratam bem, mas são chatos e machistas demais. Querem mandar em tudo que faço. Um dia conheci um rapaz e estávamos começando um namoro legal, mas meus irmãos perturbavam nossa relação que ele me pediu em casamento para podermos ficar juntos longe deles. Claro que eles desaprovaram totalmente. — fez uma cara triste e continuou — Eu sempre fui a empregada da casa, acha que eles iriam me deixar ir? Era minha chance de  tentar começar uma nova vida com alguém que eu gostava. Não amava mas iria arriscar. Fiquei noiva dele no início do ano passado, no dia 23 de janeiro, lembro-me até a data — riu — mas ele acabou me abandonando três dias depois. Fiquei com ódio. Nunca descobri porquê. Mas desconfio...

— Sinto muito.

— Sei disso — e deu um sorriso — E você? Me conta um pouco da sua vida.

— Não tenho muito que contar... (falei de minha vida em Itumbiara, as vezes em que fui preso por causa de pichações) — Eu adorava fazer declarações de amor para minhas namoradas no muro de suas casas, fazia isso mais por esporte do que por amor mesmo, pois no final elas ficavam com ódio.

— Você não quer pichar o muro lá de casa?

Ri.

— Não. Lá em minha cidade era bem conhecido e meu pai sempre me tirava dessas enrascadas. Mas, aqui, eu não me arrisco. — dei uma pausa e disse — Mas talvez você mereça este risco.

— Humm, talvez... Que pena. Se tivesse um pouco mais de certeza.

— Se eu escrever num pedaço de papel e pregá-lo no muro de sua casa serve?

Ela começou a rir e depois disse:

— Creio que não.

Levantei-me do banco. Já estava bem tarde e convidei-a para irmos embora.

Deixei-a em sua casa e me dirigi para a minha. Na semana seguinte iniciaram-se as aulas e minha disposição para os estudos era mínima.


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