Eu, Fora De Controle escrita por Lionardo Fonseca Paiva


Capítulo 3
Capítulo 1 - Segunda Parte




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Segunda Parte

Acordei numa cama de hospital. Minha irmã e minha mãe estavam ao meu lado, sentadas. Havia uma faixa na minha cabeça e um gesso em volta das costelas. Devia ter quebrado alguma. Estava envergonhado.

— Ele está voltando a si! — exclamou Sandra, minha irmã — Veja mãe!

— Oi pessoal! — foi o que consegui dizer ao abrir os olhos.

Silêncio.

— Você não deveria ter feito aquilo, Dêner. — disse mamãe, com uma expressão de piedade no rosto.

Meio sonolento balbuciei:

— Sinto muito. A culpa não foi minha. Não tinha freio...

— Seu pai ia mandar consertar o caminhão no outro dia, filho. Ele estava sem freio há uns dois dias.

Minha cabeça girava. Era por isso que o velho Romero não estava levando carga nenhuma naqueles dias. Por Deus! Por que ninguém me avisou?

— Eu matei alguém? — perguntei.

— Você deu um grande prejuízo para nós. — falou minha irmã. — Papai vai ter que pagar tudo que você estragou. O seguro vai ajudar mas você...

— Cale-se! — gritou mamãe. — Não é o momento para falarmos sobre isso.

— Eu quero saber. — murmurei com a cabeça rodopiando como se fosse desmaiar de novo.

Nesse momento, Durval entrou no quarto todo sério. Era meu irmão mais velho.

— Olá mano! — disse eu

— Olá, você está bem? — Falou com uma expressão séria como se não importasse com nada daquilo.

— Estou. Quero dizer, acho que estou. Nem sei o que aconteceu comigo.

— Você teve um corte na cabeça e quebrou uma costela. Coisa à toa — disse ele.

— Onde está papai? — perguntei

— Está na delegacia.

Fiquei em silêncio. Ele ficou ali, me olhando.

— Hoje é véspera de natal, sabia? — retrucou a Sandra, quebrando o silêncio.

— Natal? Dormi um tempão, hem? Dois dias... Durval, me responda, Alguém se feriu? Morreu? Eu preciso saber.

— Você atropelou um homem, quebrou a perna dele. Ele está no quarto ao lado. Disse que depois vem aqui visita-lo. Você destruiu alguns carros e amassou gravemente seis, além do muro que derrubou.

— E o caminhão?

— Esse não sofreu quase nada. O pára-choque agüentou tudo milagrosamente. Você teve sorte de ter entrado naquela casa cheia de terra. O caminhão derrapou até parar.

Lembrei-me daquele senhor no asfalto, desaparecendo em seguida debaixo do veículo. Perguntei ao Durval sobre ele; mas não sabia.

— Sobre esse eu não sei. Se fosse grave já estaríamos sabendo, a rua estava cheia de gente.

Logo o médico chegou. Examinou-me e disse que já poderia ir para casa. Papai estava nos esperando. Estranhei a seriedade e frieza do médico. Ele não estava me dando alta, esta mesmo é ficando livre de mim.

Meu pai entrou na sala. Olhei para ele como quem esperava o pior. Tinha consciência do meu erro e do mal que causei. Seja qual fosse a consequência eu merecia.

— Então, garotão, está pronto para outra? — perguntou papai quando me viu. Estranhei a brincadeira.

— Olá, papai!

Ele caminhou, passo a passo, até onde eu estava e me deu um abraço.

— É um prazer vê-lo, filho. Se aquilo tivesse acontecido comigo, nem sei o que faria.

— O senhor não está bravo comigo? — perguntei.

— Não, filho. Eu me culpo também. Sabia que você desejava isto e deixei as chaves em casa com o caminhão sem freio na garagem. É como se tivesse deixado uma arma carregada no quarto com você lá dentro. Eu tenho que me sentir aliviado de você estar aqui. Poderia ter sido pior. Já fiz muitas travessuras nesta vida filho. Só não tive o azar que você teve.

Confesso que não esperava tanta complacência de meu pai.

— Estou envergonhado. Desculpe meu pai. — quis chorar, mas tentei me manter firme. — O que o senhor estava fazendo na delegacia? — quis saber.

Ele ficou calado. Insisti, e ele falou:

— O delegado me chamou. Ele é meu amigo, e sabe que isto tudo merece um inquérito e poderia lhe dar até prisão se houvesse queixa. Mas não houve ainda, contudo ele quis me dar uns conselhos.

— Que conselhos? — era Durval quem perguntava.

— Estamos em apuros, filho! — falou papai, já mudando a expressão e indo sentar no sofá — acho que vamos sair da cidade!

— Quê? — bradou Durval enfurecido.

— Não é possível!

— Dêner — continuou papai — você atropelou um senhor. Ele machucou muito mas esta consciente. A sorte dele foi ter caído e ficado entre as rodas. Porém ele está em estado de choque e com ódio. Contudo já pediu a família nada fazer. Ele me conhece e sabe que isto tudo foi fruto de uma imprudência sua Dêner. Ele abre mão da vingança mas nos quer fora da cidade.

— Ah, que isto, quem ele pensa que é? — Durval perguntou.

Meu pai respirou fundo e disse

— João Victor Martini!

Gelei. Que azar!

Durval fez uma careta e resmungando “vixi…”

Um arrependimento se apoderou de meus sentimentos. João Victor era um dos homens mais ricos da cidade e irmão do prefeito. Mas isto não representava muito. Todos o respeitavam não por ser rico, mas por ser um verdadeiro coronel na cidade. Seus inimigos desapareciam misteriosamente e seu passado sombrio, pelo menos na boca do povo, era recheado de atrocidades. Era um homem que estava sempre nos jornais e na maioria das vezes como réu em algum processo.

— Viu em que enrascada nos colocou? — Falou meu pai tentando manter a calma, mas era visível que não estava calmo — O delegado, que é meu amigo, me chamou e nos aconselhou a darmos o fora agora. Urgente! — Respirou fundo e disse — Se o homem tivesse dado queixa não era tão preocupante, mas ele sinalizou que quer nos dar a chance de ir embora. Sinceramente não é só por causa do João Victor que temos que ir, mas também porque a população está revoltadíssima. — Olhou para Dêner e completou — Você transformou o centro da cidade num inferno.

— Isso já deu para sentir. — falou Durval — No banco todo mundo me tratou de um modo muito desagradável. Os clientes estão me olhando como se fosse eu o maluco no volante destruindo tudo as vésperas do natal. — Com estas palavras me encarou com um sorriso acusador — O gerente já me disse que, se a coisa continuar assim, ele vai antecipar minhas férias ou me transferir para outra cidade.

— Hum... a coisa já está neste pé? Para qual cidade ele iria te transferir? — perguntou papai.

— Sugeriu Rio Verde.

— Então é para lá que vamos.

Estavam todos tristes comigo. Havia tolerância mas eu senti que estava mudando a vida de todos sem que eles tivessem pedido isto. Minha família se uniu a mim, mas não estavam felizes comigo.

Ainda esperamos uns dias para mandar os móveis para a nova cidade. Papai foi até lá, comprou uma casa e pôs a nossa à venda. Meu irmão foi transferido do banco e Sandra demitiu-se da loja de perfumes em que trabalhava.

Todos os prejuízos foram pagos. Não foi necessário gastar muito, pois os carros que amassei estavam segurados. O homem que atropelei quebrara gravemente a perna direita e o dono da casa entrei pelo quintal afora exigiu outro muro, claro.

Esse acontecimento foi o precursor de mudanças indesejáveis que viriam.


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