Lua Azul escrita por Mr Ferazza


Capítulo 7
VI. CULPA




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VI. CULPA

ALEC

Certo. Então eu não deveria estar apavorado com o que acabara de acontecer — Noah, a ventania e sua consequente morte com a árvore tombada —; havia sido um acidente: Essa seria a resposta mais racional que eu deveria ser capaz de encontrar, mas não era.

                Mas essa atitude não era minha.

                Esse tipo de negação era típico de minha irmã. Eu sabia que não deveria acreditar nesse tipo macabro e grotesco de acidente. No entanto, acreditar que aquilo fora obra do acaso era minha única opção no momento... A não ser que me culpar fosse uma dessas opções. E isso não era a coisa mais fácil ou agradável do mundo. Até porque eu não estava preparado para sentir esse tipo de culpa sobre meus ombros.

                Mas, que opção eu tinha? Era muito improvável que coincidências horrendas como essas acontecessem duas vezes — num intervalo de tempo tão pequeno. — e eu não conseguia me enganar, dizendo que eram apenas casualidades, Novamente, então, era um comportamento para Jane, não para mim.

                O caso do poço da morte e da árvore inconveniente eram, em alguns aspectos, semelhantes; os dois envolviam mortes extremamente violentas; os dois requeriam algum tipo de casa para acontecer e, o mais importante, eu havia, de uma forma retardada, desejado, ainda que por um momento inegavelmente fugaz, a morte das pessoas que estavam envolvidas na situação. E então, inevitavelmente, eles morreram.

                Eu havia desejado que a mulher não pudesse abrir aquela boca infeliz para ninguém — Impedir alguém que sabe demais de dar com a língua nos dentes era, sempre, uma boa forma de proteção e uma garantia que certas coisas não iriam vazar. — E também, como se aquilo não bastasse, considerei, por um momento realmente insignificante, que ela se desequilibrasse e caísse no poço fundo. Pensado e feito! Em menos de dois segundo, a mulher já não estava entre os vivos; ela havia partido dessa para uma melhor.

                Estremeci quando, novamente, me lembrei das semelhanças entre os dois casos. Aquilo tudo era ridículo, e eu poderia, em algum lugar remoto dentro de mim, ter consciência disso um pouco mais firmemente; não conseguia, no momento, acreditar que haviam sido acasos. Conscientemente, eu tinha a ideia geral de que aquilo podia ser culpa minha. A lembrança da garota, caindo com a cara na lama, me lembrou de que eu estava certo. — ela havia sido um cobaia para aquele teste que, no momento, havia sido engraçado. Agora eu não podia encontrar nada de cômico naquilo, não mais; era a confirmação de meus medos e de minhas suspeitas.

                Eu havia fingido, na frente de Jane, que aceitava a situação, mas na verdade só queria fazê-la aceitar que aquilo não era uma coincidência. Ela não acreditou em mim; eu, de certa maneira, a invejava por isso. Ela não teria de conviver com a culpa de haver provocado a morte de alguém. Provocado, não matado de fato. Porque uma coisa era imaginar uma situação na qual a pessoa poderia morrer, outra era realmente matar.

                Porque eu não me sentiria tão solitário em minha culpa se conseguisse dividi-la com Jane. Não era como se ela tivesse de sentir culpa também, mas falar parecia que acalmava as coisas; eu não podia ter certeza. Não havia falado do sentimento de culpa com ninguém.

                É claro que Jane também já havia provocado mortes a acidentes realmente traumáticos, mas, no caso dela, isso não seria válido — sentir uma culpa imensa —, porque ela não tinha ideia do que estava fazendo, e, mesmo se tivesse a mais vaga noção, não acreditava realmente que poderia fazer algo assim. Eu acreditava. Eu havia usado isso. Duas vezes. A segunda havia acabado de acontecer.

                Eu estava tão imerso em meus pensamentos e ruminações do sentimento de culpa que mal havia percebido a hora em que meu pai e minha mãe irromperam para fora de casa gritando nossos nomes. Mal percebera que Jane e papai haviam entrado e que mamãe estava ao meu lado, sacudindo freneticamente meus ombros numa esperança de que eu respondesse.

                Precisei de alguns segundos para encontrar minha voz e responder algo coerente.

                — Alec — disse mamãe; seus olhos azuis e profundos cheios de preocupação — Por favor, me responda, querido... Você está machucado? — perguntou, e eu tinha certeza deque ela repetia aquela pergunta pela ducentésima septuagésima oitava vez. Eu só me dera conta agora. Era perfeitamente trivial que ela pensasse que eu estava machucado; não sangrava, mas ela podia pensar que um galho da árvore que caíra havia batido em minha cabeça.

                — Estou bem — eu disse, minha voz nada mais do que um sussurro débil e assustado (é claro que minha voz poderia estar débil justamente porque eu estava assustado).

                Ela me olhou, confusa. Confusa porque tinha certeza de que havia acontecido alguma coisa comigo. E havia mesmo, mas não era sobre aquilo que ela queria saber; ela se preocupava fisicamente.

                — O que aconteceu? — perguntei; levei alguns segundos para compreender que eu havia feito uma pergunta idiota.  O que aconteceu? Como se a árvore caída não respondesse tudo.

                — Bem... Uma árvore caiu com o vento e... — ela pareceu hesitar em me contar o que eu já sabia. Eu só a ouvia parcialmente. Não estava interessado e sabia o que havia acontecido. — Noah foi atingido.

                Eu já sabia. Muito obrigado por me lembrar, eu queria ter dito. Fiquei calado. Foi então que vi a verdadeira cena da catástrofe que ainda tinha forma diante de mim; Os vizinho bisbilhoteiros que haviam ido até ali ainda não havia mexido na cena catastrófica. A cabeça de Noah jazia em algum lugar perto de seu corpo descabeçado — eu podia ver a seimicabeça, mas não corpo. — A parte superior da calota craniana estava separada do restante da cabeça, ligando-se a esta somente pelo cérebro, que estava exposto e brilhando de uma forma doentia entre a lema e sob a luz do Sol.

                — E... — gaguejei. Eu queria dizer: “eu sinto muito”, mas mamãe tomou minha incapacidade de continuar como se eu a estivesse instigando a continuar.

                — Ele morreu — disse ela. É claro que eu já sabia. Eu havia querido que ele morresse, mas não acreditava que teria meu desejo fugaz realizado tão rapidamente.

                De repente algum instinto de estupidez tomou conta de mim; eu me levantei do tronco onde ainda estava sentado e imóvel — eu nem queria saber por quanto tempo ficara sem me mexer — e fui em direção de árvore frondosa que, agora cobria quase todas as casas além do lugar onda havia caído.

                Eu não sabia o que estava fazendo. Tampouco tinha ideia do que esperava encontrar, mas a curiosidade insana venceu o bom senso e o impulso que eu estava tentando reprimir — o de não vomitar.

                Andei até bem perto da árvore tombada, e podia ter quase certeza dos olhos de curiosos às minhas costas. Não era bom que, nesse momento, eu chamasse a atenção daquela gente preconceituosa para o fato de que eu existia e estava, irremediavelmente, no local onde ocorrera o acidente.

                Eu tinha certeza de que, em algum momento, a família de Noah — seus filhos, netos e alguns bisnetos — apareceria por ali. Eu não iria querer estar ali quando isso acontecesse; parecia estranhamente inevitável que eles viessem me confrontar e exigir respostas, blá, blá, blá; talvez acontecesse exatamente como no caso de Anne.

                Mas eu estava considerando sofrer por antecipação; é claro que aconteceria. No entanto, eu não tinha motivos para me preocupar com isso antes que acontecesse.

                Estava a alguns passos da árvore caída. Eu não tinha a mínima ideia do que estava fazendo, ou do porquê estava fazendo; era algo quase compulsório, como se, de alguma forma estranha, mãos fantasmas me empurrassem até lá. E eu conhecia essas mãos fantasmas. Chamava-se curiosidade. Eu era um curioso incorrigível, e, da mesma forma que o caso da mulher descabeçada do poço, eu sabia que podia me arrepender de ver aquela cena. No entanto, até que eu não estivesse regurgitando o café da manhã, não conseguiria parar de avançar. Eu parecia um masoquista.

                E talvez fosse; no momento em que cheguei perto o suficiente para ver o que havia acontecido realmente — com a árvore e com Noah —, eu, é claro, desejei ter ficado onde estava (seguro e sem náusea alguma, perto de minha mãe). Por que eu era tão... idiota? Por que não conseguia conter minha curiosidade só por uma vez? Pelo menos para evitar ter de vomitar na frente de tanta gente.

                No momento em que vi a cena grotesca mais de perto, meu estômago, imediatamente, começou a protestar, a girar em bloops desagradáveis, querendo colocar para fora tudo o que eu havia comido naquele dia. Conti a ânsia de vômito colocando uma mão na frente da boca, embora essa forma não fosse a mais eficaz de fazê-lo — eu sabia que, para afastar totalmente a ânsia, deveria me afastar dali. O mais rápido possível e enquanto o vômito ainda não havia passado muito aquém do esôfago.

                Minha curiosidade vence mais uma vez. Os detalhes da cena eram hediondos e eu duvidava que pudesse esquecê-los tão fácil. Mesmo que me afastasse dali naquele instante, eu ainda corri sério rico de vomitar; então, porque eu me afastaria agora? O estrago já estava feito.

                O tronco da árvore caíra sobre sua barriga e, antes de rolar para o lado, deixando toda a cena grotesca explicitamente exposta, um enorme galho havia tido a oportunidade de deixar sua marca no cadáver de Noah; O grande galho, fino, pontiagudo, e, no entanto, mais forte do que uma lâmina, passara por cima da barriga do velho, cortando o abdome de uma extremidade a outra, deixando as vísceras expostas de uma forma que não deveria ser permitida para qualquer criatura.

                O galho o cortou tão fundo que era possível ver uma parte ensanguentada do intestino delgado para fora, enganchada de uma forma doentia no galho que servia de gancho e estendia todo o intestino do velhote como se aquilo fosse um enfeite de natal macabro contornando o galho. A única coisa que faltava era as pessoas cantarolando Jingle Bells em volta da árvore enfeitada.

                Mas o galho também abrira espaço para outros órgãos. Os que ficavam protegidos pela caixa torácica haviam descido, já que o diafragma fora rompido e, agora, parecia um pedaço de pele qualquer; por um enorme corte, era possível ver o coração e os pulmões. As artérias do coração estavam rompidas e o sangue jorrava do enorme corte como se fosse água — a diferença estava na cor e no cheiro; o sengue não era vermelho. Parecia mais preto, devido à concentração do líquido, do que rubro. O cheiro era enjoativo, como ferrugem... E era bem provável que tenha sido esse cheiro que me fez perder o controle sobre meu estômago e vomitar.

                Tentei ao máximo evitar a náusea, mas não foi possível; no final, vomitei ruidosamente em um espaço entre os galhos da árvore — pelo menos não ia ficar exposto a todos, e eu agradecia por isso, pelo menos.

                Eu voltei correndo para o lugar onde mamãe esperava por mim, os olhos astutos e azuis como safira me estudavam cuidadosamente, mas também de um jeito preocupado; como se pensasse que eu havia enlouquecido. O que, de uma forma distorcida, não era mentira. Afinal, quem mais, além de mim mesmo, iria assistir o estrago que uma árvore havia feito a um senhor? Quem analisaria a cena com os detalhes das vísceras e órgãos vitais? Eu devia mesmo ser um pouco maluco.

                — O que foi fazer lá? — perguntou mamãe, seu tom era um pouco severo — Tentar vomitar? Então parabéns. Você conseguiu — disse ela, com sarcasmo.

                — Desculpe — consegui dizer depois que minha boca já não estava com gosto ruim; eu precisava de água. — Estava curioso. Sinto muito.

                Ela me olhou exasperada e depois revirou os olhos.

                — Certo, Curiosidade Em Pessoa, vamos para a casa. Aposto que você precisa de água. — ela disse, passando a mão por meu ombro e afagando-o.

                Com certeza. E, além disso, eu não tinha certeza se conseguiria continuar com aquelas imagens na cabeça sem desmoronar. Eu me recusava a acreditar que aquilo era fruto de minha vontade, mas eu não tinha como duvidar; era bem possível que aquilo tenha sido culpa minha... Como Noah dissera mesmo? Era algo como... “Quanto mais tivéssemos certeza de nossos dons, mais evidentes eles ficariam”. E eu podia interpretar aquilo muito bem. E a parte sobre arder... Eu me recusava a tentar interpretar essa parte, porque eu poderia não gostar do que descobriria, eu tinha certeza.

                Quando passei pela porta vi Jane sentada na cadeira, com uma mão na face; ela também parecia enjoada, mas não a ponto de vomitar... Eu também não o teria feito se não tivesse feito a idiotice de ir até os restos mortais da árvore e de Noah.

                Ela me mirou por alguns segundos, e então, como se eu tivesse dito algo extremamente engraçado, ela começou a rir um pouco — um som baixa, mas exalando diversão.

                — Posso saber qual é a graça? — perguntei, depois de dar um gole na água. Estava com tanta sede que bebi tudo em menos de dez segundos

                Ela sacudiu a cabeça, mas disse:

                — Está na sua cara que você vomitou — ela disse e riu de novo enquanto eu enchia meu copo com mais água.

                É claro que ela saberia; Jane me conhecia tão bem quanto meu pai ou minha mãe, talvez melhor. Era uma pena que ela não tivesse vomitado para que eu pudesse rir da cara dela também. Seu estômago era mais forte do que o meu.

                — Rá — eu ri só uma vez — Muito engraçado.

                Ela deu de ombros.

                — Ninguém mandou você bancar o detetive e ir lá xeretar o que não é da sua conta — disse Jane, e ela parecia um pouco... Desconfiada. Era como se ela soubesse que eu já imaginava que tudo aquilo poderia ser culpa minha.

                Eu a fuzilei com os olhos e balancei a cabeça... Bem, era a única coisa que eu poderia fazer — Falar sobre esses assuntos na frente de nossos pais era meio... Constrangedor. Mas eu ainda não havia esquecido aquela história de vovô; mesmo sabendo que  havia alguma coisa, eu não desistira até saber a verdade. Mas não iria pressionar meu pai agora. Ficaria um pouco evidente demais que eu sabia de algo... Ainda que não tivesse certeza.

                — Então, queridos — disse papai —, por que vocês não nos contam o que aconteceu lá? Já que, ao que parece, vocês eram os únicos que estavam no lugar... — sua voz se calou, e ele tinha certeza de que a pergunta ficar clara.

                Eu protelei. Queria ter editar as partes que pareceria deslocadas antes de lhes dizer qualquer coisa... E, além disso, o que mais havia a dizer — que pudesse ser dito? Eu não sabia

                O vento... Noah, no lugar errado, na hora errada... A árvore que caíra por causa do vento — desafortunadamente, em cima de Noah. Não havia muito mais para contar, então dei de ombros. Não iria dizer muita coisa

                Eu hesitei por um segundo, para que minha voz conseguisse ser mais alta do que um sussurro.

                — Na verdade... Nada além do que vocês viram. — eu disse, e esperava que minha voz parecesse convincente pelo menos para meu pai e minha mãe. Eu tinha certeza de que Jane sabia um pouco mais que eles — O vento, Noah e a árvore. — falei, encolhendo os ombros.

                Papai me estudou por um segundo com seus olhos negros e astutos; imaginei que ele soubesse que eu estava escondendo algo. Ela mirou em meus olhos, muito mais alto do que eu, os braços fortes cruzados sobre o peito; a postura era meio ameaçadora.

                Depois ele assentiu e disse:

                — Très bien. Je vous crois — ele disse e depois deu de ombros. Na sua cabeça poderia estar passando muita coisa, mas eu sabia, muito antes que ele dissesse, que não havia acreditado em mim.

                Então estávamos quites; ele havia contado uma história difícil de engolir. Eu havia contado uma história, mas omitira certos detalhes. Estava tudo certo.

                Papai se virou e saiu. Provavelmente para ajudar alguém com a árvore — talvez o corpo de Noah já tivesse sido retirado, mas eu não queria pensar nisso.

                Jane se levantou da cadeira, contornou a mesa e veio em minha direção. Ela agarrou o ombro de minhas roupas e tentou me puxar para o quarto — eu tinha certeza de que ela queri conversar sobre aquilo.

                Agradeci que mamãe estava distraída para perceber a forma rude como Jane se aproximou; aquilo teria sido difícil de explicar — ou talvez ela pensasse que se tratasse do terno tratamento entre irmãos.

                Eu me afastei dela com um safanão. Depois a olhei com confusão. O que ela estava pensando de tão importante que explicaria aquela atitude?

                — O que quer, Jane? — perguntei com rispidez, ainda com raiva por causa de sua atitude.

                — Preciso conversar com você — disse ela, cochichando.

                Eu revirei os olhos.

                — Isso eu deduzi sozinho — disse, ajeitando a roupa onde ela havia puxado. Depois fingi tirar a sujeira dos ombros. — Me referia à maneira brusca como me puxou — eu disse e sabia que estava exagerando, mas era divertido, às vezes, ver Jane irritada.

                Sim, sim, sim; pode ser perigoso para mim que eu a veja irritada. Tudo por causa de nossos supostos dons. Mas, estranhamente, isso não parecia funcionar quando os alvos dessas vontades éramos nós dois. Extremamente curioso, e eu ainda não havia pensado o bastante sobre isso. Na verdade, ainda deliberava sobre nossa peculiar herança de família.

                — Ah, Alec. — ela disse, com impaciência — Pare com esse drama!

                Eu ri. Ela me fitou, exasperada.

                — Tudo bem. — eu disse.

                Jane pareceu avaliar o que iria falar, porque hesitou alguns segundos.

                — Eu lhe chamei — disse, suavizando a expressão mais correta. —... Bem eu estava curiosa. Seu lhe agarrei pelas roupas... Desculpe, mas foi para mim saber o que havia acontecido.

                Eu arfei. Meu Deus; eu não tinha ouvido aquilo. Eu levantei a mão para silenciar o que ela começava a dizer. Que atrocidade! Eu não deixaria que ela assassinasse ainda mais...

                — Em primeiro lugar, Jane, isso eu já havia deduzido antes; não há motivo para toda essa pressa. — eu disse — E, em segundo, mim, índio, não conjuga verbos. — eu disse, depois ergui uma sobrancelha, desafiando. Ela ficou confusa. Eu ri.

                Ela me fuzilou com os olhos, confusa. Será que ela não havia entendido?

                — Ah, cale a boca! — disse, me dando um soco no ombro. — eu aqui, preocupada com o que aconteceu e você falando sobre concordância — ela disse, depois de algum tempo pensado no que eu dissera.

                Eu a olhei com uma expressão de horror fingido.

                — Ah, pare com isso — disse ela de novo. — Venha. Vamos conversar.

                Eu lhe contei sobre como eu achava que havia provocado o acidente com a árvore. Ela, obviamente, revirava os olhos a cada vez que eu citava sobe minhas desconfianças — que ficavam cada vez mais fortes e fundamentadas — e, às vezes, ria de algo que achava ridículo demais para ouvir em silêncio.

                Seu rosto começou a ficar verde quando comecei a lhe contar sobre como estava o corpo de Noah quando eu havia ido bisbilhotar.

                — Me poupe dos detalhes sórdidos, Alec — ela disse, tapando os ouvidos com as mãos.

                Eu ri e ela me deu outro soco no ombro.

                — Está muito engraçadinho hoje — ela disse, e eu pude sentir que ela tinha razão. O que havia comigo? Talvez fosse o pânico me impedido de levar as coisas um pouco mais a sério; subconscientemente eu sabia que minha mente estava evitando qualquer forma de se lembrar com detalhes do que havia acontecido.

                Era por isso que eu não queria falar naquilo — pelo menos não naquele momento. — Eu sabia que a culpa me inundaria de novo. Eu não queria desmoronar. Como era possível que Jane não acreditasse? Eu sabia o que podia fazer, e, então, me sentia culpado quando acontecia. Talvez fosse exatamente por isso que Jane se negasse tão veementemente a acreditar nas mesmas coisas que eu; ela não tinha tanta força emocional como eu, e, por consequência, queria evitar, de alguma forma, sentir culpa. Eu podia entendê-la.

 Jane sempre pareceu mais forte do que eu... Mas eu nunca havia pensado nela daquela maneira, nunca me havia passado pela cabeça que aquela máscara de incredulidade fosse comente isso. Uma máscara. Para evitar o que eu estava sentindo agora. Evitar a sensação de que, alguma hora, ela desmoronaria. Tudo por causa da pressão que esse suposto dom exercia sobre nós.

Resolvi lhe dizer a verdade.

— Desculpe — eu disse, estudando-a. Sua expressão era bem séria, e eu sabia que algo borbulhava em sua mente, a ponto de ferver; ela estava se consumindo com a ideia de perguntar o que realmente havia acontecido. E, também, eu tinha certeza de que, quando ouvisse a verdade, ela se negaria a acreditar no que ouvira. Era sempre assim. Jane era obstinada com essa história — Eu... Eu não consigo me libertar desse sentimento de culpa, Jane. É impossível e está me consumindo. Não sei por quanto tempo vou conseguir aguentar, na verdade... Eu queria provar algo para mim mesmo, mas, de certa forma, não queria descobrir que estava certo, me entende? Queria poder afirmar a mim mesmo que o que eu descobri não passa de uma brincadeira de mau gosto. Já foram 4... Isso tem que parar. Se nosso avô era alguma coisa, provavelmente sabia fazer algo além de matar ou trazer azar... Isso tem que acontecer.

Eu terminei meu longo discurso e estava chorando. Jane me observava e eu pude perceber que seus olhos também estavam marejados. Ela podia sentir a verdade em minhas palavras. Podia não concordar com o que eu pensava, mas conseguia se solidarizar om meus sentimentos.

— Não se preocupe, Alec — disse ela, afagando meu ombro, o que me pareceu estranho; gestos de carinho não eram muito típicos de Jane. Principalmente comigo, já que ela insistia em mantar a famosa animosidade com o irmão mais novo (eu não era tão mais novo do que ela) — Isso não foi culpa sua... E, mesmo se fosse... Não. Não é sua culpa. Você não pegou um machado e foi derrubar a árvore, nem planejou isso para quando Noah passasse.

Ela continuava me acalmando enquanto eu tentava, inutilmente, não sentir culpa pelo que havia acontecido.


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo poe demorar para sair, OK? Tenho ideias mas não consigo encontrar um ideia para introduzi-las. Desculpem.