Lua Azul escrita por Mr Ferazza


Capítulo 5
IV. HEMATÓFAGOS




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IV. HEMATÓFAGOS

ALEC

Observava cuidadosamente a expressão de Jane enquanto eu contava a ela meu sonho, que, acredito eu, não deveria ser mais assustador — pelo menos não para ela — do que o meu.

                Quando acabei de falar, seus olhos ficaram inexpressivos, quase como se estivessem voltados para dentro, investigando sua própria imaginação. E eu sabia que esse era exatamente o caso.

                Obviamente, eu não queria falar — pelo menos não agora — que ela estava ficando mais receptiva para com minhas histórias, que, eu tinha certeza, ela inda acreditava que era uma besteira sem dimensões humanas — literalmente.

                Não queria falar porque, conhecendo minha irmã, eu sabia que, assim que tocasse no assunto da receptividade, ela começaria a tratar as histórias com a mesma relutância inconveniente de antes.

                Com certo atraso, percebi que ela não mais fitava o vazio. Agora ela mirava a porta. Parecia que estava olhando para alguém, atrás de mim.

                Eu me virei lentamente na cadeira, e vi que mamãe estava na soleira da porta, parada com a expressão pensativa. O balde da água quase escorregando da mão. Eu não apostaria muita coisa nisso, mas acreditava que ela não tinha ouvido.

                Sua expressão me dizia que eu estava errado. Há quanto tempo ela estava ouvindo nossa conversa? Tempo suficiente para compreender o sonho de Jane e o meu. Disso eu tinha quase certeza.

Mas o que havia de tão interessante —para ela — em ouvir duas crianças compartilhando sonhos? A não ser que ela acreditasse em vampiros, não havia motivo para que ela ficasse daquele jeito.

Será que acreditava? Eu não estava disposto a fazer essa pergunta, e cruzava os dedos para que Jane não pensasse nisso e perguntasse. Eu tinha de admitir que, até mesmo para mim, aquela história de vampiros era ridícula. No entanto, pelo ponto de vista de Jane, eu era perfeitamente capaz de acreditar, já que, para ela, a história que eu investigava era tão ridícula quanto.

E ela não deixava de ter razão. Por um momento fugas, considerei se deveria parar de me preocupar com aquilo, mas algo me dizia que havia mais naquela história de bruxos do que somente algumas meras coincidências.

Mamãe ainda estava na porta, nos fitando como se tivesse visto um fantasma.

— Mamãe? — perguntou Jane, se levantando da cadeira.

Mamãe levantou a mão para conter o avanço da Jane, que já estava perto dela, atrás de mim.

Os olhos de minha mãe, azuis como os meus, eram um pouco incrédulos. Parecia que ela tentava explicar algo a si mesma. E, pelo modo cauteloso como agia, eu podia dizer que ela não estava se saindo muito bem. Seus cabelos cor de areia — meio tom mais claro do que os meus e do tom exato dos de Jane — caiam-lhe nas costas e pareciam envoltos por uma névoa que, na verdade, era a garoa fina que começara a cair em algum momento em que Jane e eu estávamos absortos demais em nossa conversa para perceber.

Jane hesitou no lugar e mamãe ficou calada por um momento.

— Você ouviu nossa conversa? — perguntou Jane, num tom baixo e parecendo culpada.

Mas que droga! Eu queria fechar sua boca com cola. Ou fita adesiva, mas não havia sido inventada ainda.

Eu congelei na cadeira onde estava, e não sabia se poderia me mexer.

O.K., eu tinha de admitir que minha reação fora exagerada. Era apenas um sonho. Um sonho um pouco sem sentido... Mas qual deles tem algum? O que mamãe poderia dizer? “Eu os proíbo de sonhar com vampiros!”. Talvez, mas eu não sabia se ela sabia sobre vampiros. E ela não sabia que nós não sabíamos se ela sabia sobre vampiros.

Talvez os vampiros fossem somente isso mesmo: Criaturas lendárias do horror que só serviam para colocar medo nas pessoas e explicar desaparecimentos estranhos que, na maioria das vezes, eram culpa dos próprios seres humanos.

Mas o que eu entendia do mundo? — eu era só um garoto de quase treze anos que nunca havia saído de onde morava desde que nascera. — E, também, o que mamãe sabia do mundo? Pelo o que ela sempre nos disse, sempre ficara nesse lugar, desde sempre. Papai viera da França para cá, e, se não fosse por isso, eles jamais teriam se conhecido.

E então, sendo assim, eu não duvidava de nada nessas histórias de sobrenatural. Talvez achasse um pouco ridículo aquilo tudo, mas não podia dizer com certeza que nada daquilo existia.

Se Jane pudesse saber o que eu pensava, eu teria virado as costas para mamãe e, muito provavelmente, me dado um murro no meio do nariz.

Ao contrário de mim, ela ridicularizava essas histórias que eu não sabia dizer se eram verdadeiras ou não. Coisa de gente sem nada para fazer, dizia ela sempre que, em qualquer circunstância, o assunto sobrenatural era mencionado.

Tive de me concentrar para perceber que Jane ainda esperava uma resposta de mamãe.

Mamãe assentiu pensativa.

— O quanto ouviu? — perguntou Jane a ela. À sua própria maneira, Jane era quase tão curiosa quanto eu.

— Quase desde o começo de seu sonho, Jane — admitiu. — Perdi um pouco, mas consegui saber que falava dos Voltu... — ela não terminou a palavra. Colocou as duas mãos na frente da boca aberta com uma expressão de “Eu não devia ter dito isso”.

Seus olhos azuis ficaram um pouco assustados, como se ela estivesse decidindo se diria algo importante e crucial. Ou como se acabasse de ver sua sepultura cavada na terra.

Por motivos pessoais, eu preferia a primeira opção.

— Mãe? Está tudo bem? — perguntei. Era mais por hábitos sociais — não que aqui nós convivêssemos muito com outros seres humanos — do que por real curiosidade. Seus olhos azuis, agora sólidos como gelo, já me diziam que alguma coisa não estava bem.

Pergunta desnecessária.

Agora Jane estava mais intrigada com a palavra que mamãe abafara com as mãos do que com qualquer outra coisa.

— O que você ia dizer? — perguntou ela, que devia saber que mamãe não diria muita coisa; em sua expressão, já estava claro que ela não diria mais nada.

Mas eu não duvidava que, de alguma forma, Jane arrancaria a verdade de mamãe. Ela era famosa pela insistência. Quando resolvia insistir em algo, se tornava verdadeiramente irritante. E conseguia o que queria.

Na verdade, eu também. No entanto, não era assim tão irritante quanto ela.

— Mamãe — chamou Jane, nas pontas dos pés, com a mão acenando na frente dos olhos de mamãe. — MAMÃE! — Jane soltou um grito extremamente agudo, capaz de perfurar os tímpanos.

Eu tapei os ouvidos.

— Credo, garota, quando foi que resolveu sair por aí imitando uma hiena? — eu disse depois que ela parou.

Jane deu de ombros e voltou-se para mamãe de novo.

O que você ia dizer? — perguntou ela mais uma vez. — O que é um... Como foi que começou mesmo?... Voltu? Aposto que tinha mais, não tinha? — ela começava a tagarelar.

Mamãe ergueu uma mão para silenciá-la e então, pela primeira vez depois que quase deixar escapar a palavra, falou:

— Me deem um minuto, crianças — disse ela, num murmúrio baixo — Estou decidindo algo.

Ela ficou pensando por algum tempo, mas depois disse:

— Olhe, eu não posso contar muita coisa a vocês, crianças; tudo o que eu sei, são lendas que eu ouvi. Principalmente que Talles me contou — Ah, claro. Papai sabia mais sobre essas lendas do que mamãe.

Mas... Será que ele sabia tanto assim, ou eram somente coisas que ele ficara sabendo?

— Certo. — disse Jane. — Talvez papai saiba mais sobre isso... Mas o que foi que ele lhe disse, mamãe? O que é um Voltu? — perguntou.

Mamãe revirou os olhos, um pouco contrariada. Depois deu de ombros, conduziu Jane até a cadeira em que ela estava sentada e depois desabou em outra ao lado dela.

— Muito bem — disse ela, como se estivesse tentando se localizar na conversa; seu tom não era animado, mas um pouco resignado, como se ela não tivesse escolha a não ser contar o que sabia. Porque, sendo ela mãe de minha irmã-gêmea-alguns-segundos-mais-velha-e-infinitamente-mais-irritante, ela conhecia Jane muito bem para saber que não estaria em paz enquanto não despejasse a verdade em cima de nós. — Vou contar o pouco que eu sei. Talvez seu pai saiba muito mais que eu, então, tenham em mente que isso não passa de um lenda muito antiga.

Mas é claro que nós teríamos em mente que aquilo que ela diria não passaria de lendas, mentiras antigas. Como se pudéssemos acreditar nessas coisas.

— Pelo que pude ouvir de sua conversa, vocês falavam sobre sonhos com... Vampiros — disse ela, um pouco relutante em usar a palavra. Mas eu também ficaria um pouco receoso se tivesse de explicar a crianças sobre criaturas que eu sequer acreditava. Não era a tarefa mais fácil do mundo.

— Basicamente — disse Jane, tomando a frente de discussão. Para ela, parecia que ser alguns segundos mais velha lhe dava vantagens incríveis. Eu não me importava.

Mamãe assentiu.

— Vampiros, como vocês já devem saber, são seres que vivem no imaginário das pessoas há muitos séculos. E vocês, mais do que ninguém, podem entender o que estou falando, porque nosso vilarejo é infestado desse tipo de lendas. Basicamente, são demônios hediondos que saem à noite para encontrar o que eles não mais possuem. A seiva da vida — a voz de mamãe ficava mais fraca enquanto ela prosseguia com os detalhes técnicos da lenda. — Sangue. Sangue humano. Algumas pessoas dizem que quando eles bebem de uma pessoa é impossível não matá-la... — sua voz falhou na última palavra, como se tivesse receio de pronunciá-la. — Mas isso é algo a que todos estão alheios já que, segundo essa última parte, não sobra ninguém para contar os detalhes sórdidos. Obviamente, uma parte fundamental dessa lenda, diz que esses demônios não podem sair ao Sol, porque virariam cinzas antes que pudessem perceber o eu lhes havia acontecido.

Mamãe sorriu e depois revirou os olhos, mostrando que achava aquilo tudo uma besteira descomunal. Eu não a culpava.

Eu sabia sobre esse tipo de detalhe técnico sobre as lendas dos vampiros, mas ainda assim acreditava muito pouco neles. Como se o Sol os fosse impedir da sair de casa — ou onde quer que eles morem. — Mas talvez fosse verdade; pelo que se acreditava, vampiros eram demônios, criaturas das trevas que tinham sua existência confinada à escuridão... Ou então não.

Era difícil analisar logicamente uma lenda fantasticamente aterrorizante como aquela.

— Muitas pessoas têm pavor de vampiros, mesmo sabendo que eles não existem. Muitos padres são ensinados desde crianças para caçar essas criaturas demoníacas. E eles não só caçam vampiros, como também lobisomens... Bruxas — ela hesitou ao pronunciamento daquela última palavra, porque sabia que era um tema delicado para nós —, e outras criaturas sobrenaturais que eventualmente alguém diga que exista.

Mamãe parou um pouco, mas continuou logo, vendo nossas expressões confusas.

— Vampiros podem ser mortos com uma estaca fincada no coração — ela disse, respondendo à pergunta muda em nossos olhos.

Jane ficou mais confusa ainda.

— Mas, como nós sabemos, tecnicamente vampiros estão mortos — disse ela; Obviamente, sabendo que vampiros precisam de sangue, Jane deve ter concluído que eles não o tinha. Logo, não estavam vivos. Pelo menos não na denotação biológica do termo. — Como é que eles podem ser mortos por uma estaca? E como um humano poderia matá-los, se são demônios super-rápidos?

Mamãe revirou os olhos de novo e soltou pesadamente o ar.

— São lendas, Jane — explicou.— Não inventei nada disso, então não posso responder essas coisas. Vampiros podem ser mortos por estacas no coração porque o imaginário das pessoas os fez assim. Esses demônios não existem de verdade, então as pessoas os criam como querem que sejam.

Foi a vez de Jane revirar os olhos.

— Ah, tá. — ela bufou. — Essa lenda só pode ter sido inventada por alguém mentalmente retardado. Se um vampiro tecnicamente está morto, quer dizer que seu coração não bate... Em uma linguagem coloquial, o coração só está ali para enfeite. Que mal faria fincar uma estaca num coração parado? Daria no mesmo se eu pegasse um machado e tentasse derrubar uma árvore já caída. — ela revirou os olhos de novo, depois suspirou alto. — Ou tentasse queimar um papel que já está em cinzas. Ou tentasse arrancar a cabeça de alguém que já esta decapitado. Ou... — ela começava a tagarelar freneticamente.

— Sim, Jane — eu disse. — Já entendemos o que quis dizer. Um exemplo já basta, sim?

Ela me fitou, indignada, mas depois desviou o olhar e se voltou para mamãe.

— Continue, por favor. — ela pediu.

Mamãe assentiu e continuou.

— Basicamente, isso é tudo o que posso dizer. Além disso, dizem que todos os vampiros são impedidos de entrar em uma casa onde haja seres humanos. Ao menos, é claro, que um humano que viva na casa os convide.

Jane bufou de novo, e dava para ver que a história ficava mais sem nexo a cada coisa que era acrescentada à lista.

Para ser bem sincero, eu também compartilhava das opiniões de Jane. Sobre a estaca no coração... Bem, aquilo era ridículo demais para que eu pudesse acreditar. Essa história de precisarem de convite para entrar em uma casa certamente fora inventada por alguém que estava delirando. Era a única explicação. Como se houvesse alguma força magicamente eficiente para impedir um demônio de entrar em uma casa.

Nem na história da luz do Sol/torradeira-de-Vampiros eu acreditava muito, já que não haveria muita lógica se um vampiro torrasse quando exposto ao Sol. O que os deixaria livres para sair à noite que os impossibilitava durante o dia? Pelo que as sabia, a Lua “ganha” a luminosidade do Sol, então, tecnicamente, pelo menos para um vampiro, não haveria uma grande diferença entre a noite e o dia, já a luz da Lua vem diretamente do que se alega que pode feri-los.

A voz aguda de Jane arrancou-me de minhas deliberações.

— Quer saber? — perguntou — Isso está ficando mais idiota a cada palavra, mamãe. — ela disse, indignada. — Como se esse tipo de coisa pudesse existir! — exclamou.

— Bem.. Eu disse a vocês que eram somente lendas — mamãe disse, na defensiva. — Além do mais, eu também não acredito nisso. São todas lendas. E, apesar me muitas pessoas morrerem de medo, acredito nesse tipo de seres sobrenaturais tanto quanto vocês.

Jane assentiu.

— Certo. Mas... Isso não explica nossos sonhos. O que quero dizer é... Os vampiros com os quais sonhamos estavam aqui em casa. Era dia e, sinceramente, eu não me lembro de tê-los convidado a entrar. — ela disse, zombando.

— São somente sonhos, Jane — eu disse a ela. Parecia que eu estava tentando reconforta-la, mas depois que revirei os olhos.

Jane fez que sim.

— Tá. Tudo bem. — disse ela, voltando-se novamente para mamãe. — E vai nos explicar o que era aquele negócio de Voltu? O que seria isso? — perguntou, erguendo as sobrancelhas.

Mamãe suspirou.

— Escute querida... Há um motivo para eu tê-los reconhecido quando você os mencionou... — ela parou por um minuto, depois suspirou e disse: — Essa... Hum... Lenda... Vem dos povos latinos, na verdade. Ou seja, seu pai me contou essa história.

“Tudo começa com a lenda de um enorme grupo de vampiros muito poderosos. Esses vivam na Dácia, que é um lugar muito longe daqui. Quando o Império Romano conquistou o local, já havia outro grupo de vampiros que era tão grande quanto esses. Os vampiros de Dácia viviam de um modo um tanto espalhafatoso. Ou seja, não guardavam segredo se sua existência, e, por consequência, todos sabiam da existência de vampiros.”

— Certo — eu disse, tentando entender. — Mas onde entram os Voltu?

— Os Volturi — disse mamãe —, segundo contam as lendas latinas, eram o outro grupo de vampiros poderosamente numerosos que viviam em algum lugar relativamente perto do centro do poder do Império. Conta-se que eles, havia muito, estavam descontentes com o modo exorbitante que os dácios viviam. Imaginem: Os dácios escravizavam os humanos e os matavam sem fazer segredo do que eram. Muita gente vivia com medo de ser escravizada por eles. E quando o Império Romano conquistou a Dácia, os vampiros dos mantos negros, os Volturi, acreditaram que essa era a chance de acabar com os dácios. Conta-se que, primeiro, eles os advertiram que deveriam fazer segredo de sua existência. Ir embora do lugar onde governavam. E quando os dácios não aceitaram os termos dos outros demônios de manto negro... Os Volturi os atacaram. Em apenas algumas décadas, destruíram a maior parte desse grupo que era, pelo menos, uns mil anos mais velho do que o deles.

“Os Volturi conseguiram acabar com o grupo dos dácios porque foram mais espertos do que eles... Ou seja, usaram vampiros mais poderosos. Essa tem sido a marca desses vampiros. Eles escolhem os vampiros mais poderosos para fazer parte do grupo.”

— Certo. — eu disse — Mas, se isso são somente histórias, porque as pessoas inventariam que vampiros declaram guerra a outros vampiros? Não faz sentido...

Eu disse, e Jane revirou os olhos, e depois me fitou por algum tempo como se dissesse: “Não posso acreditar que você está acreditando nessas lendas idiotas”.

A verdade é que eu também não acreditava. Contudo, havia, naquela história, algo que se encaixava. E eu não conseguia lembrar o que era. Só uma sensação, na verdade.

Naquele instante, eu não queria saber sobre os vampiros da Dácia que perderam a guerra contra os Volturi. A única coisa que eu queria era encontrar algum sentido na história que mamãe contara, e, com certeza, a maior parte dela não possuía sentido algum; eram somente lendas inventadas por pessoas que possuíam uma enorme quantidade de tempo ocioso.

Mas havia um linha de raciocínio da qual eu tentava não me perder.

Primeiro: Esses vampiros de Dácia, segundo o relato de mamãe, não faziam questão de guardar o segredo de sua existência, eisso, claramente, queria dizer que muita gente ficara sabendo sobre vampiros.

Segundo: Se muita gente ficara sabendo da existência de vampiros e esses vampiros não faziam segredo de sua existência, as pessoas que sabiam, obviamente, também não tinham porque esconder que sabiam de existência de vampiros. A língua das pessoas é algo extremamente poderoso, e seria idiotice subestimar a rapidez com a qual uma notícia como essa se espalharia.

E terceiro: Esses Volturi queriam que os dácios guardassem segredo sobre sua existência. Depois que os dácios provavelmente disseram não, os outros vampiros declararam guerra a eles, e, encobertos pela guerra humana, conseguiram destronar os vampiros de Dácia. E então, como eles queriam segredo de sua existência, eles poderiam muito bem ter eliminado qualquer pessoa que soubesse sobre vampiros, e, depois de tê-lo feito, simplesmente criavam novas histórias para mascarar a verdade.

Conclusão: Havia, então, uma grande possibilidade de tudo o que soubéssemos sobre vampiros ser somente algo inventado...

Não, não, não, pensei comigo mesmo. Esse raciocínio só faria sentido se a existência desses demônios hematófagos fosse verdade, o que, é claro, não era.

Senti-me extremamente idiota somente por estar pensando naquelas coisas; não era a coisa mais sã no mundo ficar pensando sobre vampiros quando eu sequer sabia se eles existiam.

Mamãe se levantou da cadeira em que estava, ao lado de Jane, pegou o balde cheio d’água que deixara em cima da mesa e disse:

— Agora, se me derem licença, Sr. e Srta. Curiosidade, preciso fazer o café-da-manhã — disse ela, mas depois foi até a janela e olhou para fora; o Sol já estava quase no meio do céu, e eu tinha certeza de que, se fosse até lá fora, minha sombra ficaria exatamente abaixo de meus pés. Então deveria ser quase meio-dia — Bem, na verdade, já está quase na hora do almoço — disse, depois de observar o céu.

Jane me olhava com um ar especulativo. O que ela estava pensando? Será que considerara as mesmas coisas que eu?

Eu duvidava disso, já que, para ela, toda essa história não valia nem a pena ser ouvia. Mas naquele dia, ela ficar curiosa. E isso era tudo; eu podia ver em sua expressão que seu interesse por esse tipo de histórias malucas acabara.

                Agora, pensando melhor e com aquela loucura das lendas de vampiros explicada, eu podia perceber uma coisa.

                Se mamãe no acreditava em vampiros, isso significava que ela ficara preocupada com outra coisa, quando nós a vimos e ela quase deixou cair o balde. E, com certeza, não era com os vampiros de nosso sonho — Isso eu pude notar pelo tom descontraído que ela usava quando contava a história.

                Ou será que ela estava tentando esconder seu temor? Não. Mamãe sabia mentir tanto quanto papai, e era fácil identificar quando ele mentia. Devia ser outra coisa.

                — Mãe? — chamei em uma voz baixa.

                Ela se se virou de seus afazeres e perguntou:

                — O que é?

                — Estava pensando... Com o que você estava preocupada... Digo, na hora que estava na porta? — perguntei, tentando, de alguma maneira indescritível, dar a entender que sabia que não era com a lenda dos vampiros que ela estava preocupada.

                Ela desviou o rosto, os olhos voltando-se para a janela, onde pouco a pouco uma nuvem escura encobria o Sol, dando ao meio dia a impressão de um crepúsculo fora de hora.

                Eu podia notar claramente que seus olhos incrivelmente azuis estavam fixos em outro lugar, como outra realidade. Algo na disposição de seus traços juvenis e lindo me deu a impressão de que, ao mesmo tempo em que ela sabia de algo, também duvidava disso.

Era como se estivesse vendo o mundo inteiro ardendo em chamas e duvidasse disso por uma razão lógica, como, por exemplo: Nem toda a superfície do planeta pode pegar fogo, porque a maior parte dela é composta por água, e não há fogo na água.

Naquele instante em que ela deliberava sobre sabe-se lá o que, um relâmpago clareou o meio-dia escurecido pelas nuvens. Depois, com um estampido que parecia que o planeta iria se desfazer em pedaços, um trovão ribombou no céu.

Mamãe sacudiu a cabeça como se estivesse tentando espantar uma ideia que a incomodava. Ou poderia ser uma mosca inconveniente. Depois disso, voltou seu rosto, com uma expressão perfeitamente composta, os olhos azuis dando a ela um ar ingênuo, e me disse.

— É uma longa história — disse ela, dando de ombros. — Talvez outro dia eu possa contar a vocês, queridos.

Uma chuva forte e fria começou a cair depois que o relâmpago estourou no céu.

— talvez você deva trancar as janelas, Alec — disse mamãe de repente — estou achando que essa tempestade vai ficar feia.

Eu me levantei da cadeira e tranquei a porta quando me voltei para a janela, vi que mamãe tinha razão; nuvens de tempestade muito escures pairavam sobre a floresta, tornando a visão quase um cenário de destruição.

Outro relâmpago rasgou o céu naquele instante e eu pude dentro da floresta por um milionésimo de segundo. As formas escuras da vegetação densa faziam das sombras das árvores, contra a luz do relâmpago, desenhos — Figuras grotescamente inanimadas.

Eu fechei a janela antes que o próximo trovão ribombasse no céu com outro barulho ensurdecedor.


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo será postado, provavelmente, no dia 01/01/2013. Comentem, por favor. Obrigado e feliz Natal.