Lua Azul escrita por Mr Ferazza


Capítulo 11
X. A VERDADE INDESEJADA


Notas iniciais do capítulo

Esse ficou curtinho por que eu não tive tanto tempo de escrever que queria dedicar um capítulo só para o que realmente é importante... A parte "somos alguma coisa" já era conhecida, então os segredos realmente estão reservados para o próximo capítulo.



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X. A VERDADE INDESEJADA.

Jane.

Meu cérebro estava quase sem funcionalidade alguma. Que bela maneira de começar um dia!

                Menos de vinte segundos haviam de passado e, no entanto, minha mente já havia feito tudo o que, naquele momento, era capaz de fazer: Ficar repetindo o meu pai dissera para ver se havia algum sentido subliminar naquelas palavras... Era a única explicação para isso.  Porque aquilo não podia estar certo. Era algo insano — com essa palavra, subentende-se que é algo doentio.

                Mas, claro, eu devia estará fazendo tempestade em copo d’água. Sequer sabia o que meu pai diria a Alec e a mim. No entanto, sentia que, também, não queria escutar. Papai continuava a olhar de Alec para mim e de novo para Alec, seus olhos escuros e inteligentes procurando por algum sinal de estresse... Era certo que ele havia encontrado.

                Não que Alec estivesse fazendo uma cara de quem está sendo torturado — na verdade, eu pensava que ele deveria estar dando pulinhos de alegria por dentro, unicamente pelo fato de que papai dissera que ele tinha razão... Tudo bem; exagero meu, talvez. Alec sabia como eu me sentia em relação a toda aquela loucura e poderia se solidarizar comigo. Um pouco.

                Tentei organizar meus pensamentos, porque eles estavam um mar de caos. Tudo o que eu sempre pensara ser um mito — mesmo não sabendo sobre o que papai falaria —, ameaçava desabar em cima de mim como uma chuva realmente gelada.

                Encontrei minha voz para, mesmo estarrecida e com o cérebro congelado, acabar de vez com esses segredos malucos e ridículos.

                — O que quer dizer com “Alec tem razão”? — perguntei de uma forma um pouco áspera demais, e isso tinha menos a ver com o fato de ter passado a noite toda com a garganta seca do que com qualquer outra coisa.

                Papai nos estudo de novo, os olhos castanhos com um brilho meio fosco e triste. Era como que um pedido de desculpas silencioso.

                — Sobre os sonhos, querida — disse ele e, depois, me deu um sorriso terno e paciente. Meu cérebro, definitivamente, estava parando... Eu podia ouvir as palavras que ele dizia, mas não encontrava o sentido delas, fazendo com que elas ficassem soltas dentro da frase. Sem utilidade alguma a não ser me confundir.

                Alec se sentou mais ereto na cama, o cabelo despenteado, e disse:

                — O que tem os sonhos? Pensei que eles fossem só isso: Sonhos e mais nada. — e, para minha surpresa, Alec disse algo sensato e perfeitamente dentro da realidade.

                — Mas não são... Digo: as coisas que você viu, querido... — ele hesitou por alguns momentos, tentando encontrar as palavras certas para dizer o que queria dizer. — Sua mãe me contou os sonhos que vocês tiveram outra noite e algo me assustou um pouco.

                — Especificamente a que está se referindo? — Perguntei e então me dei conta de meu tom de voz e de minhas palavras; ambos excessivamente formais para que ninguém notasse o estresse em minha voz.

                Na verdade, eu estava tentando fingir que não me importava com o que papai nos diria. Estava decidida a não acreditar em uma só vírgula... Que mundo seria esse se todos acreditássemos nessas coisas de gente desequilibrada?

                — Me refiro às coisas que vocês viram em seus sonhos — ele disse, os olhos pareciam vidrados em algum ponto além da parede dos fundos, onde a cama de Alec se encontrava. Só então, depois de alguns momentos de silêncio, percebi que ele devia estar olhando para suas lembranças.

                Aquilo, no entanto, não foi o suficiente para que eu pudesse deixar de lado a ideia de que a história de sonhos terem algum significado real era ridícula. Verdadeiramente, eu achava papai e Alec parecidos demais; ambos pareciam ter aquela crença injustificada no que é sobrenatural. Os dois pareciam que, às vezes, viajavam em seus pensamentos e ficavam à deriva, em outro lugar ou em outro tempo.

                — Como assim? — foi a minha grande e genial pergunta. Eu não tinha, em meu vocabulário, uma palavra melhor do que esse. Pelo menos não nesse momento.

                — A sua sombra, vampiros, e, obviamente... — ele pareceu hesitar em falar a próxima palavra. Estava presa em sua garganta, como se, quando ele a dissesse, pudéssemos entender toda aquela loucura de sonhos com significado e toda aquela blá blá blá ridículo sobre avisos de um subconsciente loucamente ativo. — E, obviamente, os Doppelgängers.

                Eu, para minha própria surpresa, comecei a rir de imediato com a palavra desconhecida.

                — Posso saber por que está rindo — perguntou-me meu pai, sua voz era um pouco severa, mas não chegava a ser zangada.

                — A p... — eu ri de novo — a palavra que você disse... É engraçada.

                Alec, que estava incrivelmente calado demais para alguém que está prestes a escutar tudo o que sempre quis                , ergueu-me uma sobrancelha daquele seu jeito irritante depois revirou os olhos.

                — Acredite em mim, querida: Não vai ser nada engraçada depois que souber o que significa... — ele disse em um tom que me deixou claro que era mais uma das besteiras de um folclore cheio de monstros estúpidos e bebedores de sangue repulsivos.

                — Certo. O que significa, então? — desafiei.

                — Muito bem, crianças... Vocês devem ter em mente que o que eu lhes disser pode ser tanto um mito como uma verdade. Eu verdadeiramente também não sei se esse tipo de coisa existe. No entanto, já houve relatos... — ele disse e ficou calado por alguns segundos. Eu arqueei as sobrancelhas, instigando-o a continuar. — Certo. Um Doppelgänger, pelo que conta a mitologia e o folclore germânicos, é uma aparição sobrenatural com a habilidade de assumir a forma de qualquer ser humano vivo. Eles podem ser visto tanto em sonhos quanto na vida real...

                Eu não podia acreditar que estava ouvindo isso. Era como todos os outros mitos idiotas feitos para ensinar criancinhas a comer vegetais. 

                — Mas o que isso tem de tão importante ou intrigante? É só um mito do folclore... Nada de tão especial. — Alec disse, falando, pela primeira vez, as palavras sensatas que eu nunca imaginara escutar dele. Alec reconhecendo que um mito era apenas um mito era novidade para mim porque, em geral, ele acreditava a acolhia tudo o que era sem sentido.

                — A importância disso é que, no folclore, diz-se que os Doppelgängers são cópias sobrenaturais que imitam o comportamento de sua cópia ou, então, agem de uma forma completamente diferente dela. O aparecimento de um Doppelgänger para conhecidos da pessoa duplicada quer dizer um agouro de má sorte. Já o aparecimento de um Doppelgänger para a própria cópia, pode significar um agouro de morte. 

                Tive de me controlar para que não começasse a rir. E eu que pensara que já havia escutado coisas ridículas nessa vida! Eu não tinha a menor ideia de como alguém sonhar com uma pessoa sonhar com alguém idêntica a ela, mas agindo de forma diferente, poderia ser um presságio de morte. Todo aquele blá blá blá era de dar náuseas.

                — Mas isso é só uma história, não é? — perguntou Alec que, finalmente, parecia ter começado a pensar de um jeito não tão ridículo. — Quero dizer... Não vejo como isso pode ser uma verdade — ele disse e em sua voz não havia medo por ele ter visto seu Doppelgänger em um sonho; havia, sim, certo divertimento com a história maluca.

                — Não sei, querido, mas há alguns relatos de pessoas que viram suas cópias e, depois de alguns dias, tiveram muito azar... — disse meu pai.

                — Foi isso que aconteceu com o vovô? — perguntou Alec. Eu não fiquei surpresa em ouvir aquilo porque sabia que, mais cedo ou mais tarde, ele acabaria tocando nesse assunto constrangedor. De novo.

                Nosso pai pareceu congelar quando Alec fez aquela pergunta. Ele tinha muita convicção que Alec estava curioso para saber mais sobre aquela história mal contada. Alec, por sua vez, descobrira — por meio de suas especulações incessantes e entediantes — que a outra história que papai nos contara — outra vez porque Alec se atrevera a perguntar — tinha muitas falhas, coisas que não fechavam com a lógica.  Não com a lógica de Alec, pelo menos. E, quando eu admitira a ele que sua teoria tinha certa razão, provavelmente eu o encorajara.

                — Huum... — papai hesitou, visivelmente incomodado com aquele assunto. No entanto, ele tinha certeza de que, mais cedo ou mais tarde, Alec terminaria por perguntar tudo a ele novamente.

                Papai sondou Alec com seus inteligentes olhos castanhos e, depois de alguma deliberação muda, decidiu dizer o que Alec esperava ouvir a muito tempo.

                — Não — ele disse simplesmente, dando de ombros, evidentemente dando pouco importância àquelas palavras que, para meu irmão, era muito esclarecedoras, mas que também levantavam muito mais perguntas.

                Alec esperou que nosso pai dissesse mais alguma coisa e isso, evidentemente, não aconteceu. Quando ficou claro para ele que papai não diria nada sobre o que não fosse questionado, ele perguntou de novo:

                — Você, então, sabe o que aconteceu?

                — Sei.

                — Pode nos contar?

                — Posso, mas não quero.

                — E então porque está nos dizendo essas coisas? — Alec perguntou e um tom repentinamente gelado recobriu suas palavras. Dava para ver que ele já estava exausto de tantos segredos. Eu também estava, é claro. Contudo, eu era visivelmente mais relutante do que ele em escutar qualquer loucura que alguém de dispusesse a nos contar. Aquela história dos doppelseiláoque já preenchera a cota de esquisitice do dia, principalmente estando com o estômago vazio.

                Papai pareceu refletir por mais algum tempo. Depois ele expirou pesadamente e disse:

                — Acho que tem razão, Alec... Vocês já têm idade e algumas cotas específicas para que fiquem sabendo de algumas coisas... Seu avô não morreu afogado no rio — grande novidade. — Não havia roubado semente alguma e não era por isso que estava fugindo... Sim, você tinha e tem razão, Alec. Seu avô possuía alguns dons psíquicos muito fortes e era, por falta de uma palavra que possa designar melhor, um... Bruxo, um mago ou qualquer palavra que vocês queiram utilizar para empregar uma denominação semelhante.

                Aquelas palavras eram minha condenação e parecia que minha cabeça já estava coberta por sete palmos de terra. Surpreendente era o fato de Alec não perceber isso... Ele esperava cada palavra com um fervor contagiante.

                — Por isso ele estava fugindo? — perguntou Alec, verdadeiramente interessado na história; seus olhos assumiram um brilho que eu nunca vira na vida... A curiosidade adia como uma chama por baixo de suas íris anis. Por um momento, desconfiei que Alec já soubesse de tudo; não estava nada surpreso, diferentemente do que acontecia comigo.

                — Mais ou menos — disse ele, a voz era só um sussurro. Tamanho era o receio de nos contar o que havia acontecido. — Digo... Era; as pessoas à sua volta haviam descoberto sobre ele e então tivemos que fugir da França enquanto eu ainda era um bebê... — papai parou sua história por um segundo, obviamente tentando se lembrar de alguma coisa. Eu duvidava que ele estivesse editando alguma coisa... Parecia realmente decidido a nos contar a verdade. Não que eu me opusesse àquela mentira. — E então as pessoas conseguiram apanhá-lo enquanto viajávamos e... E... E ele morreu. Minha mãe e eu conseguimos chegar até aqui e nos estabelecemos nesse lugar desde então.

                — E o mataram? — perguntou Alec a nosso pai, ainda com uma curiosidade inabalável e um brilho ridiculamente curioso no olhar. Será que ele não conseguia se controlar? Para mim era óbvio que tudo aquilo era ridículo e podia muito bem ser um delírio de meu pai.

                Mas não era; eu podia ver isso em seu olhar: Sua expressão torturada ao nos contar aquelas histórias malucas eram provas suficientes de que nada daquilo era invenção de uma mente incrivelmente fértil. Mesmo que papai parecesse torturado e estivesse falando sem inflexão alguma na voz — como se tivesse decorado aquela história toda —, era evidente o terror que ele parecia e estava sentindo naquele momento... Como se ele tivesse de enfrentar seus mais horríveis pesadelos de uma vez só e sem saber como fazê-lo.

                E não me restava mais nada, obviamente. Agora eu me sentia vazia; não como se estivesse com fome, é claro, mas como se nada dentro de mim pudesse aceitar aquilo e, no entanto, não tivesse opção. E era exatamente assim que eu me sentia. As palavras perderam, há muito, a capacidade de se formar em minha boca e eu sabia que se ainda pudesse ter uma reação digna de uma pessoa normal, estaria suando frio ou chorando e, ao contrário disso, eu não era capaz de ter reação alguma. Estava estarrecida.

                — Não sei, Alec. Mas, sim, é o que sua avó imaginou quando ele não voltou mais e não nos encontrou aqui. Não temos nada que possa me dar e dar a vocês alguma certeza de que ele foi morto.

                Alec assentiu e ficou calado por um segundo. Mas só por um segundo, é claro. Se não fizesse suas perguntas idiotas e ridículas, não seria Alec.

                — Tem certeza de que Jane e eu somos... — ele hesitou à menção da palavra constrangedora. Pelo menos ele tinha esse bom senso. Eu estava chocada demais para mandar Alec calar a boca, então tive de escutar essa pergunta idiota. — Quero dizer... Se esses tais dons pularam a sua geração, quem garante que não pularam a nossa também.

                Agora ele queria der uma de “eu não sei se isso é verdade”. Sabia que podia ser tudo fingimento de Alec, como, provavelmente, era. Como se ele não fosse gostar de ter razão nessa história! E porque ele tinha de mencionar as histórias idiotas que Noah contava? O que Noah sabia, para começar? Ele era só um velhote gagá que mancava e jogava suas caduquices para cima dos outros. Mas eu tinha de admitir que suas caduquices, desta vez, estavam certas. Mas eu não estranhava; quando se tem todos os anos que alguém pode ter, é bem difícil não saber de muita coisa... Pena que ele não soube a hora de parar de irritar Alec.

                Parecia que meu subconsciente já estava aceitando esse fato atroz. Por quê? Eu sabia que não teria uma resposta do Além, mas não custava perguntar a mim mesma o que eu havia feito de errado... Seria muito pedir para ser normal? Até quando eu viveria assim? Teríamos um fim igual ao de nosso avô? Eram perguntas que, provavelmente, só nosso pai poderia responder. No entanto, eu me sentiria extremamente idiota se perguntasse.

                Papai mirou Alec com um ar de curiosidade.

                — Quem lhe disse isso, Alec?

                — Noah.

                — Lamento lhe dizer, mas Noah estava enganado.

                Alec estudou nosso pai por um instante.

                — O que quer dizer?

                — Quero dizer que o “dom” de nossa família não saltou a minha geração... E esse é um dos motivos porque vocês são dois.

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