Cinzas do Crepúsculo escrita por Lady Slytherin


Capítulo 60
Ashes


Notas iniciais do capítulo

Uau. Cá estamos nós, no último capítulo. Não sei o que dizer. Espero que gostem, e nos vemos nas notas finais.



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CAPÍTULO 60

ASHES

Dumbledore não poupou esforços para mostrar a Harry a razão pela qual ele era o único bruxo que Voldemort temia: Seus movimentos fluidos lançavam jatos de infinitas cores em velocidade surpreendente, e ele se desviava dos ataques de Harry com maestria. Seu cabelo longo não o atrapalhava, voando por trás dele, e as vestes pareciam ter sido equipadas com feitiços de proteção, pois qualquer feitiço que deveria tê-lo atingido apenas foi absorvido.

Grunhindo, Harry usou a mão esquerda para tirar o suor da testa, aproveitando-se de uma pilha de escombros para diminuir o ritmo da respiração. Logo, porém, a pilha não estava mais lá, e Dumbledore estava de volta com a sua sequência de feitiços. Eram todos considerados da luz, o que não significava o fato de serem inofensivos.

“Avada Kedavra!” berrou o rapaz, lançando o feitiço e imediatamente pulando para a esquerda. Dumbledore não se importou em se mover, apenas levitando as pedras espalhadas pelo chão e fazendo com elas um escudo que dissipou a maldição. O mago avançou, forçando Harry a recuar mais e mais, até se dar conta de que já lutavam ao ar livre.

Raízes brotaram do chão, surgindo dentre corpos e agarrando as pernas do garoto, puxando-o para baixo. Sem opções, ele pulou e ateou fogo às raízes, rolando no chão em uma tentativa de escapar das chamas. Ainda assim, estava quente, quente demais, e só depois de um tempo Harry percebeu que o fogo não havia apagado: Ao contrário, se espalhava, criando um círculo de labaredas que o rodeavam, aproximando-se perigosamente do seu corpo.

Dumbledore não iria queimá-lo, iria? Ia contra todos os seus princípios.

Ainda assim, o círculo continuou diminuindo de tamanho, ao ponto de queimar as extremidades das vestes de Harry. Aparatar? Impossível. A água não podia ir para tantas direções ao mesmo tempo. Ele grunhiu, prendendo a respiração. Olhou ao seu redor e, determinado, correu para as chamas atrás dele.

O instante em que cruzou-as foi um dos momentos mais dolorosos da sua vida, seguido pelo alívio imediato da água fria do Lago Negro. Percebeu seu erro um segundo mais tarde, quando Dumbledore, sem hesitar, fez movimentos com a varinha que gerou um redemoinho na água, e foi por pouco que saiu do Lago, o peso desnecessário de suas roupas encharcadas não ajudando na batalha.

A realização de que as chances de ganhar eram mínimas foi um baque para ele: Harry ia morrer. Se não fizesse algo logo, morreria em segundos, no máximo minutos, e tudo que sonhava em conquistar desmoronaria como um castelo de cartas em uma ventania. Com a força renovada, atacou. Esqueceu os feitiços de defesa, focando-se apenas em desviar-se do poder inimigo enquanto chegava mais perto, os feitiços que saíam de sua boca todos de magia negra surtindo o efeito desejado, encurralando Dumbledore.

Agora as coisas mudavam. Seus olhos tinham um brilho selvagem e cada lufada de ar que respirava era um lembrete de que ele ainda estava vivo.

Se não estivesse em uma situação de tamanho perigo, Harry teria rido quando o velho mago tropeçou no corpo mais próximo. Enquanto Dumbledore se recuperava, o rapaz teve a chance de examinar a fila de lençóis brancos que cobriam os guerreiros caídos. Sem surpresas ali. Ele se aproximou, novamente focado no oponente, quando algo chamou sua atenção.

Na pilha de corpos destinada aos lutadores dele, alguém se mexeu.

Com a pele exibindo queimaduras de terceiro grau, uma figura feminina rastejou para fora da pilha, inicialmente irreconhecível por causa das já mencionadas queimaduras e perda total do cabelo e vestes. Ela levantou a cabeça, encontrando o olhar de Harry.

Mesmo naquela situação, os olhos azuis bebê de Fleur não haviam mudado.

“Incarcerous!”

Pela segunda vez em poucos dias, Harry tombou para frente, imobilizado.

“Sinto muito que as coisas tiveram que ser desse jeito, Harry.”

“Era o único jeito” o rapaz cuspiu. Tentou olhar para Dumbledore, mas o movimento doía-lhe demais por causa das cordas, inclusive em seu pescoço. “Não importa quais caminhos me levaram a fazer isso. O fato é que, de qualquer maneira, iríamos nos encontrar aqui no final da jornada.”

“São belas palavras, mas nem as mais belas desse mundo podem te salvar agora.” O velho mago levantou a varinha solenemente, sem prestar atenção nos ganidos angustiados de Fleur, que tentava se arrastar até eles. “Avada...”

Um vulto branco e vermelho voou em sua direção, derrubando-o. Em seguida, ouviu-se o repetido som de carne batendo em carne ao que Lily Evans segurou Dumbledore abaixo dela, as mãos tremendo enquanto desferia golpes no peito de Dumbledore para fazê-lo parar. Quem a via podia dizer que a bruxa não estava bem: Com olhos vermelhos e inchados, havia chorado, indecisa, durante a batalha, além dos dias anteriores desde que encontrara o que restava de Nicholas.

“Lily! Não...”

“É o meu filho” ela explicou enquanto chorava, parando os golpes para segurar a garganta de Dumbledore com as duas mãos. Seus dentes batiam uns contra os outros; as lágrimas pararam, mas o tremor aumentou ao observar a vida se esvaindo dos olhos do diretor a cada segundo que o segurava ali, a varinha longe do seu alcance. “Eu já perdi um deles. Não posso perder o outro.”

Harry já estava quase inconsciente quando outras pessoas ousaram se aproximar para checar o pulso de Dumbledore. Lily, histérica, olhou para os lados, falando para quem quisesse ouvir: “Meu filho! Meu filhinho está morto... James, James... Nick, por favor...”

_

Quando Harry acordou, sua garganta doía horrivelmente de onde as cordas haviam lhe apertado, assim como seus tornozelos e pulsos. Grogue, olhou para os lados, reconhecendo a Ala Hospitalar de Hogwarts. Representantes da Varinha Vermelha cuidavam das vítimas, dando alta a elas o mais rápido possível para que outros feridos pudessem ser tratados. Dois guardas vigiavam a sua cama, e murmuraram algo para Lupin, que se aproximou da cama.

“Bom dia, Harry. Como se sente?”

Uma enfermeira se aproximou, examinando seu pulso, pupilas e hematomas antes de se retirar, sem dizer uma única palavra. Harry não sabia se era pelo fato de ser ele, ou pelo fato de todos estarem ocupados demais. “Hey, Lupin. Estou, sei lá. Como pareço?”

“Como se o Expresso Hogwarts tivesse passado por cima de você” comentou Lupin com um leve risinho. “Você esteve inconsciente por dois dias. Tive que organizar as coisas enquanto dormia. Basicamente, McGonagall fez a coisa certa e comandou aos soldados da luz que parassem de lutar. Os que pararam foram perdoados e não cumprirão tempo em Azkaban, apesar de terem os nomes anotados. Os que insistiram em brigar já estão sendo encaminhados para a prisão.”

“Bem pensado.”

“Obrigado. Os menores de idade continuam em casa, mas já foi anunciado que Hogwarts abrirá novamente em Setembro. O currículo escolar continuará o mesmo, com pequenas alterações em Feitiços, mas dentre as eletivas estarão Política, Costumes Bruxos e Maldições, este último apenas para os alunos do último ano.”

Harry assentiu, mordendo os lábios com a dor que correu pelo seu corpo. Remus, notando o seu desconforto, pegou um frasco que estava do lado da cama e fez com que o rapaz engolisse depois de alguns segundos de persuasão. Quase aos dezoito anos, Harry ainda evitava medicamentos sempre que necessário.

“Traga uma enfermeira aqui.”

Lupin enrijeceu. “O que foi? Não está se sentindo bem?”

Não. A mentira saiu suavemente de seus lábios: “Pelo contrário, quero alta da Ala Hospitalar. Quero visitar o castelo.”

As medibruxas da Varinha Mágica de fato estavam ansiosas por vê-lo de pé, e lhe deram várias pequenas cápsulas esverdeadas que, de acordo com elas, continha pequenas doses concentradas de analgésicos. Era inspirado na medicina trouxa, uma delas lhe confessou, assustada, mas era ótima para transportar para todos os lugares.

Antes de saírem, Remus levou Harry para a área de queimaduras. Tonks vigiava a última cama, tentando permanecer alerta depois de mais de 24 horas sem dormir. “Não fui feita para isso” ela reclamou, esfregando os olhos. Seus cabelos estavam em um discreto marrom cinzento, exceto por uma ou outra mecha pintadas de dourado. “Quero nossa cama, Remus.”

O olhar do lobisomem era o de não perguntar, o que fez Harry rir silenciosamente antes de espiar como estava a situação atrás das cortinas.

“Tudo bem?”

A voz rouca de Fleur foi ouvida do outro lado em um murmúrio irreconhecível.

Ela estava coberta dos pés à cabeça com uma pomada mágica dermatológica regenerativa. Não seria o suficiente, os médicos haviam dito quando ela chegou, carregada às pressas por Remus e Tonks. Se sobrevivesse, ela carregaria para sempre as marcas do fogo que a havia consumido de dentro para fora. Sua sorte, eles completaram, foi que Fleur não era uma veela total, de modo que a destruição não fora tão intensa quanto poderia ser.

“Como está, Fleur?” Harry colocou a mão na sua, apenas tocando-a. A loira não mostrou sinais de sentir o toque, fazendo Harry se preocupar. Não deveria ser daquele jeito. “Consegue sentir a minha mão?”

Fleur moveu milimetricamente a cabeça de um lado para o outro. “’Arry...”

“Você vai ficar bem” ele lhe prometeu, sentindo que dizia aquilo mais para si mesmo. “Dois dias é bastante tempo, o pior já passou. Logo você vai poder voltar para casa.”

“Não há como.”

Agora a mão de Harry foi na direção do seu rosto, enxugando uma lágrima que escorria pela gaze. “Não chore, ok? Tente descansar. Vou dar uma volta para o castelo, trarei notícias.”

Fleur lhe deu um sorriso fraco que não chegava aos seus olhos. “Volte logo.”

Harry assentiu. A veela podia não sentir, mas ele pressionou o polegar com mais força contra a bochecha, tentando obter uma reação, mas foi em si mesmo que sentiu a dor ao observar a inocência nos olhos de Fleur.

_

A caminhada foi complicada no começo, com todas as escadas que precisou descer para chegar ao térreo. Harry observava a tudo conforme andava para fora do castelo, na direção da segunda torre. Os corpos estavam sendo retirados, e brevemente o rapaz reconheceu Nott entre aqueles que seriam enterrados com honras próximos do castelo. Blaise estava duas fileiras a diante, apesar de demorar um pouco para ser reconhecido: Algo sólido lhe havia acertado a face, deformando-a.

A poeira era magicamente retirada, e esponjas mágicas esfregavam o sangue das paredes e chão com água sanitária concentrada. O cheiro estéril lembrava-lhe da Ala Hospitalar, razão pela qual Harry fez questão de andar mais rápido. Aquele não era um ambiente em que se deveria gastar muito tempo, não naquele estado. A restauração de Hogwarts iria custar caro.

Chovia quando ele saiu pelas portas dianteiras. Uma garoa, na verdade, que formava poças entre as pedras e enlameava o caminho. No instante em que cruzava a ponte que ligava as duas torres de Hogwarts, a chuva aumentou para uma tempestade típica de verão. Harry se apressou, cobrindo a cabeça. A diferença entre a poeira de dentro do castelo com a umidade do exterior lhe incomodava.

“Harry!”

“Não me diga que está ficando velho” o rapaz retrucou, quase correndo. Havia engolido uma das cápsulas trouxas antes de sair da Ala Hospitalar e começava a entender o que a Varinha Vermelha queria dizer por concentrado. Seus pulsos mal doíam, o pescoço era apenas um pequeno incômodo. “Quero visitar as masmorras!”

Afinal, fora ali que passara seus melhores momentos de Hogwarts.

Merlin foi acordado por Harry quando este chegou no quadro. “Está de volta?”

“Tive que sair” ele disse, dando de ombros. “Obviamente não sei a senha, mas acho que pode quebrar a minha.” Lembrando-se da rotina, piscou, sorrindo de lado.

O mais poderoso bruxo de todos os tempos riu suavemente, materializando a porta que foi aberta com um clique.

O outro lado estava irreconhecível: Todos os móveis haviam sido empurrados contra a porta e escadas que levavam aos dormitórios, além da claraboia fortificada para garantir que a água do lago ficasse de fora. As paredes, sempre pintadas com atenção nos mínimos detalhes, descascava, e Harry podia jurar ter visto teias de aranha nos cantos da Sala Comunal.

Ele olhou para o local onde ficava a poltrona destinada aos casais. Em seu quarto ano, havia passado um bom tempo ali com Daphne, e às vezes fantasiado em estar não apenas com ela, mas com uma outra loira.

As coisas costumavam ser mais fáceis quando ele era um adolescente, Harry pensou com um suspiro. Atrás dele, Lupin conseguiu uma concessão da parte de Merlin para entrar na sala comunal, e arfava, tentando recuperar o fôlego. Ele carregava um olhar fraternal dirigido para o jovem.

“Não faça mais isso comigo!” Remus reclamou, apoiando-se. “Passei da idade de correr atrás de outros. Tentei te avisar, essa área corre risco de desabamento. Os aurores... Acho que eles tentaram criar uma defesa ao bloquear as saídas.”

Harry mal prestou atenção; a sala exercia uma pressão forte sobre ele, puxando-o.

Puxando-o como uma veela.

Seus olhos se arregalaram. Não era possível. “Moony, está sentindo o cheiro de alguém?”

“O que eu sou, um cachorro?”

“Estou falando sério. Tente se concentrar, acho que tem uma veela por aqui.”

Correu para fora da Sala Comunal em direção às masmorras propriamente ditas. Por alguma razão, lembrava-se das palavras dos centauros de quando ele estava no primeiro ano. Marte havia desaparecido havia muito tempo; Regulus já estava morto fazia três anos. E Dumbledore, morto ao virar da Lua. Seus astros estavam desaparecendo.

A direção era óbvia, seguindo o conceito de que, se não estava à plena vista, estava escondido. Depois de apalpar as paredes a procura por passagens, finalmente sua mão passou através do centro de uma tapeçaria. “Sabe como aumentar em tamanho a passagem?”

“Um Engorgio deve funcionar. Engorgio!”

Sem pensar muito, Harry se lançou para dentro. Nunca havia considerado a possibilidade de que ela estivesse viva.

“LUMOS!”

Era uma sala pequena, apenas o suficiente para caber o corpo de uma garota. Ela estava encolhida em posição fetal, dormindo. Cabelo prateado caía livremente por suas costas até o umbigo, em um belo contraste com a pele de uma palidez que não era natural, causada pela quantidade de tempo fora da luz solar.

“NON!” ela berrou, subitamente acordada enquanto cobria os olhos com as mãos. Encolheu-se contra a parede, esperando... Um golpe, talvez? Só depois de vários minutos foi que teve a coragem de espiar por entre os dedos para ver o intruso. Não reconhecendo-o, procurou por armas, o que deu a Harry a oportunidade de examina-la por completo.

Era magra, magra demais. O rapaz podia contar suas costelas e nomear parte dos ossos que lhe apareciam conforme a veela se movia. Não tinha curvas, mas Harry não se deixou enganar por aquilo. No orfanato, poucas meninas tinham seios grandes o suficiente para precisarem de um sutiã.

Onze, doze anos, no máximo. A idade conferia.

“Gabby?” Houve reconhecimento nos olhos da menina. “Sou eu. Revan. Sou amigo de Fleur.”

“Fleur?”

Harry estendeu uma mão para ela. “A guerra acabou. Venha comigo.” Quando se aproximou o suficiente, bagunçou seus cabelos.

Foi o suficiente.

_

A recuperação de Fleur foi algo maravilhoso depois que reconheceu a menina esquelética que entrava na Ala Hospitalar carregada por Harry. As irmãs colocaram as camas lado a lado, deixando-se juntas e conversando sobre tudo o que havia acontecido desde que a guerra começara. No fim da semana, a veela mais velha recebeu alta da Unidade de Terapia Intensiva e foi colocada no Expresso Hogwarts em uma cadeira flutuante, junto com outros feridos.

Gabby (que, desde que atingira a puberdade, insistia em ser chamada pelo nome completo) já ganhava algum peso, mas era forçada a carregar um IV pelo braço, além de só estar ingerindo líquidos com exceção se raros lanches sem fibra. Ela fitava seu reflexo na janela do Expresso, o cabelo quebradiço que cobria o corpo “tábua”. Torcia que, em alguns meses, pudesse adquirir a beleza característica das veelas.

“Não se preocupe, Gabrielle” Fleur murmurou, sem abrir os olhos. “Nenhuma veela é bonita enquanto passa pela puberdade. Você estará linda ano que vem.”

“Como sabia?” ela saiu do assento próximo ao da janela para se acomodar ao lado da irmã. “Talvez...”

“Nada vai acontecer” Fleur insistiu, suspirando em prazer quando novas compressas frescas foram colocadas magicamente em suas queimaduras. “A pior possibilidade é você parecer uma bruxa pura para sempre. Não é ruim.”

Fungando, Gabrielle tocou a pele de Fleur. “Ainda não consegue sentir isso?”

“Aí, não, mas as vestes cobriram a maior parte do meu corpo.” Ela esperou até que os ponteiros mágicos marcassem o horário das dezessete horas em ponto. De hora em hora, uma enfermeira vinha até o vagão que as irmãs dividiam para aplicar mais pomada em Fleur e checar a situação de sua pele, além de trocar o IV de Gabrielle e lhe dar um lanchinho.

A próxima pergunta da adolescente foi abrupta, passados vários minutos depois da enfermeira já ter saído depois de confirmar que as duas estavam bem: “Acha que vão gostar de mim?”

“Espero que o preconceito contra veelas acabe, ou pelo menos diminua. ‘Arry evita cotas, pois as considera injustas, mas diz que ‘Ogwarts passará a aceitar criaturas mágicas como estudantes. Merde, com um lobisomem como diretor, as coisas estão fadadas a mudar.”

Os professores de Hogwarts que haviam sobrevivido e se rendido aos ganhadores foram convocados para uma reunião assim que a poeira baixou. Por unanimidade, concordaram que Lupin seria o melhor intermediário durante a transição para o novo regime. O choque veio até mesmo para o lobisomem, que depois do fim da guerra esperava encontrar um lugar confortável para morar com Tonks perto de uma floresta.

Poderia reformar a Casa dos Gritos, Harry lhe sugeriu, mas as memórias eram fortes demais. No fim das contas foi decidido que a passagem continuaria lá, para os aventureiros, e que Tonks seria aceita como professora de Defesa caso estivesse interessada no cargo, podendo assim morar no castelo.

“Você não respondeu minha pergunta” bufou Gabrielle, cruzando os braços. “Alguém vai gostar de mim?”

“Respondi sim.”

“Alguém vai gostar de mim como você gosta de Harry?”

Se Fleur não estivesse sentada, teria precisado se apoiar. “Sabe muito bem que ‘Arry...”

“E você são só amigos? Você já me disse isso umas dez vezes e não acreditei em nenhuma delas. Só falta ele babar quanto te vê, e eu me lembro de vocês dois quando estava no último ano. Amigos não fazem aquelas coisas.”

A vergonha de saber que a irmãzinha, na época com 8 anos, sabia o que eles faziam fez com que sua pele queimada se avermelhasse. “Olha...”

“Está tudo bem. Você devia falar para ele como se sente.”

Pacientemente, Fleur lhe explicou que Harry ainda estava de luto pela esposa falecida não mais do que duas semanas atrás, e com dois bebês, aquela não era a melhor hora. Finalizou com o fato de que as coisas ficariam estranhas demais se ele dissesse que não, não estava interessado. A amizade que construíram nos últimos anos iria se desfazer como mágica.

Gabrielle revirou os olhos, entediada pela conversa fiada da irmã. Correu os dedos pelos cabelos, garantindo que nenhum nó se formasse, até o fim do percurso, enquanto pensava em maneiras de convencer Fleur a se declarar. Não seria tão difícil: Harry, afinal, provavelmente iria precisar de um lugar para ficar até arranjar outra casa.

_

Astoria fitou-o por baixo do véu preto que cobria sua face. Com dezesseis anos recém completados, aparentava ser mais velha, as linhas de preocupação marcando seu rosto vermelho pelas lágrimas. Três semanas não era o suficiente para encerrar o período de luto pela irmã mais velha, e ver o responsável indireto pela morte dela não lhe ajudava em nada.

“Não entendo o que está fazendo aqui” ela falou, com um ar cauteloso que não existia da última vez que Harry a tinha visto antes de fugir.

“Quero expressar as minhas mais sinceras desculpas por tudo o que aconteceu” o rapaz lhe explicou, examinando um retrato de Daphne que olhava para ele e sorria melancolicamente. “Eu também sinto falta dela. Merlin, como sinto falta dela. Nos anos que passamos juntos ela se tornou parte essencial da minha vida, e ainda não sei como vou fazer agora que Daphne se foi.”

O nome da falecida pareceu despertar algo em Astoria, que voltou a chorar. Ela conjurou um lenço, enxugando as lágrimas, sendo observada o tempo todo por Harry. Respirou fundo, tentando se conter. “Onde está enterrada?”

“Ela foi a primeira a ser enterrada no memorial dos guerreiros caídos. Está debaixo de uma cerejeira, com vista de Hogwarts ao longe. A lápide...” Sua descrição foi interrompida pelo choro de um bebê que demandava atenção. “Já conheceu seus sobrinhos?”

“Sobrinhos?” Astoria piscou, confusa. “Com S no final?”

“A existência de Arcturus não foi revelada ao mundo por precaução. Era a nossa pequena arma secreta, o pequeno. Venha, quero que os conheça. São a cara de Daphne.”

Fleur tentava fazer com que Regulus parasse de chorar quando entraram no antigo quarto de Gabrielle, cantarolando canções de ninar em francês enquanto balançava o loirinho, cuja face se iluminou ao ser o pai passando pelo batente da porta.

“Esse é Regulus. Olhos azuis, faz birra por atenção. No futuro será o Lord das casas Potter e Black. E esse...” Harry levantou Arcturus, ajeitando-o no colo antes de o entregar a Daphne. “É Arcturus. A esperança dos Greengrasses.” O bebê riu, estendendo a mão na direção do véu de Astoria.

Observando a interação entre os dois, Fleur deu um sorriso amargo. Ela não imaginava que a morena sentisse algo por Harry, mas o modo como segurava o bebê era quase maternal. Quanto tempo até o relacionamento deles se tornar mais do que era? “Hmmm, ‘Arry, vou estar na sala se precisar de alguma coisa.”

“Não” murmurou Astoria, fascinada com a semelhança entre Daphne e Arcturus. “Não se incomode comigo. Posso levá-lo aos jardins? Quero passar mais tempo com ele.”

Harry se apressou em conceder o pedido, disposto a fazer qualquer coisa para que a jovem se distraísse dos pensamentos da irmã, além do fato de que passear com o bebê era algo inofensivo.

Quando a porta se fechou, ele se sentou enquanto fazia caretas para Regulus. Era estranho estar sozinho no mesmo recinto que Fleur, principalmente depois que suas queimaduras começaram a melhorar e ela pôde tirar a gaze de alguns lugares do corpo. Com o rosto livre, não parecia mais ser a mesma pessoa, e todas as tentativas de comentar o assunto acabavam com uma discussão entre os dois sobre aquilo ter sido a escolha da veela.

“Ele é lindo.”

“Obrigado.” O rapaz caminhou até o sofá onde Fleur estava sentada, apenas assistindo o filho. “Ele vai ser um arrasador de corações quando crescer.”

“Nem um pouco como o pai, certo?” ela riu, procurando por traços de Harry na criança. O rosto era quase o mesmo, com exceção dos traços mais delicados. “Obrigada por aceitar minha oferta de ficar por aqui.”

O rapaz deu de ombros. “Sem problemas, é ótimo ficar aqui.”

Ficaram em silêncio por alguns minutos, ouvindo a respiração e frequentes resmungos de Regulus, aproveitando o momento de paz. Nenhuma discussão, nenhuma dor pelas perdas da guerra...

Até a porta se abrir.

Gabrielle olhou para os dois, franzindo a testa antes de abrir um grande sorriso. “Está se declarando, Fleur?”

Harry engasgou com a própria saliva enquanto Fleur corava. “Gabrielle...”

“É o que parece. Foi Astoria que se referiu aos dois como os pombinhos.”

Ele não acreditava que Astoria realmente tivesse dito isso, mas aquela era a última coisa em seus pensamentos. “Por que iria se declarar para mim?”

Rindo, Gabrielle piscou para ele antes de fechar a porta.

“Olha, não é o momento para isso.”

“É o momento perfeito.” Harry colocou Regulus no próprio colo, rezando para que o pequeno pudesse ficar em silêncio por tempo suficiente para Fleur dizer o que tinha para dizer. “E então?”

“Eu...” Merda. Era assim que os meninos se sentiam quando se declaravam para ela em Beauxbatons? “Cara, desculpa, Harry. Eu não sei fazer isso. Sei lá... Antes você era o meu amigo, mas o tempo foi passando, e percebi que quero fazer parte disso.” Ela fez um gesto ao redor do quarto. “Não como sua amiga. Quero ser mais do que isso. Sei que faz muito pouco tempo desde Daphne, mas gostaria que você me desse uma chance. Quero que olhe para mim do mesmo jeito que costumava olhar para Daphne, como se eu fosse a melhor pessoa do mundo.”

“Fleur...”

“Também sei que não me pareço mais com a moça de um mês atrás, e que você pode arrumar coisa muito melhor...”

Harry levantou a mão, pedindo para ela parar de falar. “Sim, Fleur, posso te dar uma chance.” Inclinou-se até seus lábios se encontrarem em um beijo curto e doce. “Vamos fazer as coisas funcionarem.”

Ele conseguiu senti-la sorrir, seguido de um toque em sua nuca, puxando-o para perto mais uma vez. “Obrigada.”

Suas próximas palavras, “Não há de quê”, foram abafadas pelo próximo beijo.

_

Lily olhava para o teto do hospital sem dizer uma única palavra. Sua respiração era curta e rápida, quase desesperada, até que o horário do Alprazolam chegava e ela se sentia flutuando novamente em uma sensação de bem estar.

“Lily?”

Meio dopada, meio alerta, ela olhou para o intruso. Algo dentro dela pedia que corresse, mas a parte sã de sua mente estava dopada pela alta dose de ansiolíticos que tomava diariamente. Com quase quarenta anos, sua visão começava a se deteriorar, e o sono apenas lhe deixou perceber cabelos pretos em uma figura alta e bronzeada.

“James?”

A figura não lhe respondeu. Ao chegar mais perto, a ruiva se questionou desde quando o marido usava lentes de contato verdes. “Como está se sentindo, Lily?”

Duas criancinhas seguiam “James”, olhando ao redor, curiosas. Eram loiras, fazendo algo clicar na mente de Lily. Ela não tinha nenhum filho loiro, apesar dos genes correrem em seu sangue. Seu marido havia arrumado outra? Era a mulher alta que se aproximava devagar?

“Okay...” ela murmurou, se levantando. “Por que não veio me visitar mais vezes, James?”

“Sou Harry, mamãe. Seu filho.” Ele se sentou na cama, colocando uma das crianças loiras em seu colo. “Regulus e Arcturus pediram para conhecer a avó.”

A confusão era clara na face de Lily, fazendo Harry suspirar. Ele sussurrou em francês para Regulus ir até Fleur, desde o último mês de Maio oficialmente sua madrasta. O pequeno assentiu, correndo até a figura que considerava sua mãe e tagarelando sobre a estranha de cabelos esquisitos sentada na cama.

“Onde está Nick?”

“Nick está na área de danos permanentes desde 1998. Já faz algum tempo. Sabe que dia é hoje?”

Lily fez que não, sentindo lágrimas surgirem. Deveria se lembrar de que dia era? “Que dia é hoje?”

“Primeiro de Setembro. Estamos em 2000.” Harry suspirou novamente, decidido a fazer da visita mensal à Ala Psiquiátrica do hospital algo produtivo. Mesmo se a ruiva não entendesse nada do que ele dizia, pelo menos tentaria. “Estamos começando o terceiro ano do novo mundo em Hogwarts. Os resultados são maravilhosos, principalmente depois do acordo de intercâmbio com Beauxbatons. Lupin é um excelente diretor. Lembra de Moony? Pois é. Ele tem um filho agora, se chama Teddy, que tem cabelo azul. É muito amigo dos meninos.”

Ao ouvir a referência, Arcturus gritou um delicioso “Teddy!” de onde estava sentado.

“Fui eleito Ministro da Magia recentemente. Estamos fazendo uma reestruturação no Ministério que vai levar um tempo, e já há pessoas contra nós, mas tudo vai dar certo. Me casei com Fleur no começo do ano, ela é uma pessoa ótima. Estamos tentando dar uma irmã para os meninos, e se o enjoo dela significa o que acho que significa, isso irá acontecer logo.”

Uma paz tomou conta de Lily, que perguntou: “Serei avó?”

“Já é avó, mas sim, será avó de outro bebezinho.”

Harry checou o relógio e se levantou.

“Já?”

“Preciso aparatar agora para Hogsmeade se eu quiser conversar com Moony antes dos alunos chegarem” ele explicou, desfazendo alguns dos nós do cabelo de Lily. “Volto aqui mês que vem. Fique bem, ok?”

“Okay.”

No instante em que Harry desaparatou com as crianças e Fleur, desespero tomou conta dela. Estava sozinha novamente. Seu batimento cardíaco aumentou e teve a impressão de estar sem ar. Soldados, soldados ao seu redor! Incapaz de fazer qualquer coisa além daquilo, Lily começou a gritar.

_

Harry contou cem novos alunos sendo sorteados pelo Chapéu Seletor, sendo distribuídos igualmente entre as quatro casas. As mesas estavam cheias de alunos que retornavam das férias de verão, alguns pela primeira vez desde a queda de Hogwarts em 1998: Só agora as coisas começavam a se acalmar o suficiente para a população aceitar o novo regime.

A reconstrução do castelo fora cara, mas cada nuckle compensou no resultado final: Lembrava muito a antiga Hogwarts, exceto pela melhor iluminação e pedras de cores mais claras, dando a impressão de um ambiente mais seguro. Não era por causa disso que perdia a imponência; assim como antes, dava a impressão de ter estado lá havia séculos.

“Sejam bem vindos a Hogwarts!” anunciou Lupin, olhando para cada um dos estudantes. “Espero que tenham um excelente ano escolar.”

Com aquelas breves palavras, os alunos aplaudiram antes de devorarem a comida servida em pratos dourados e prateados. O lobisomem gesticulou para que Harry se aproximasse, sem parar de sorrir e cumprimentar aqueles que se aproximavam da mesa de professores para dizer um “Olá!” aos seus favoritos.

“Olhe para isso” Remus murmurou, gesticulando para o Salão Principal cheio de vida. “É como se nada tivesse acontecido.”

A impressão era essa, apesar da realidade ser outra. Mesmo assim, Harry assentiu, pois entendia o ponto de vista de Lupin. Aquilo não era uma ditadura, e cada pessoa naquele salão estava ali voluntariamente. Depois de um tempo, aceitaram a nova perspectiva bruxa, e gostaram dela.

Assim, o império deles crescia a cada ano, do nada, passando pela reconstrução das ruínas de Hogwarts até que o pouco que restava do antigo regime desapareceu como a última luz do Crepúsculo antes do anoitecer.

No final das contas, a escuridão, por mais sombria que fosse, trouxera paz.

E Cinza não era uma cor ruim.


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Notas finais do capítulo

Ok, pessoal. É isso.

Gostaria de agradecer cada um de vocês, tanto aqueles que estão comigo desde 2012 quanto aqueles que apareceram no capítulo anterior. O apoio de vocês na fic é tão importante que não consigo me expressar em palavras, mas saibam disso: Sem vocês, Cinzas do Crepúsculo não teria chegado ao patamar que chegou.

Não sei o que vou fazer agora. Tenho algumas ideias para Originais, mas o período no qual escrevi Cinzas mudou, e nesse período eu também mudei. Passei por uma crise de ansiedade, OD de ansiolíticos (os mesmos que Lily toma nesse capítulo, se estiverem interessados) e duas mudanças para outras regiões do Brasil que abriram minha cabeça para o mundo. A realidade não é um mar de rosas, e deve-se aprender a seguir em frente.

Peço desculpas por quaisquer desentendimentos que eu tenha causado, assim como possíveis momentos na fic que possam ter deixado alguns de vocês irritados/chateados/desconfortáveis.

Em geral, espero que tenham aproveitado a jornada. Até a próxima grande aventura!