Dreamland: Onde Os Segredos Se Escondem escrita por alexiawhittier


Capítulo 2
Capítulo 2




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Os visitantes andavam calmamente atrás de mim, ao que eu os guiava para a sala que todos ansiavam por ver. Senti então uma mão em meu ombro, e olhei para o dono dela.

– Pronta pra fazer os clientes se apaixonarem pelo Cerebrum, Samantha? – Harry sorriu para mim.

– Você sabe que não é este o nome real dele – Num tom de brincadeira, apontei para a placa acima da porta, que tinha os dizeres "Bawaajige Nagwaagan", e Harry riu baixo.

– Não sei nem pronunciar isso aí. É Cerebrum.

Quando o aparelho estava em seus toques finais, minha avó quis nomeá-lo Bawaajige Nagwaagan, que significa "Apanhador de Sonhos" na língua indígena Ojibwe. Não demorou muito até que eles precisassem achar um outro termo para ser usado como referência, e atualmente chamamos a obra de Cerebrum, a palavra em latim para cérebro. Contei tal curiosidade para os visitantes antes que adentrássemos a sala.

A porta branca levava a uma pequena antessala, que tomava todo o comprimento da próxima. Atrás da parede de metal, ficava uma mesa com três cadeiras, cinco gavetas no canto e, mais importantemente que os outros itens, o computador para onde iria o vídeo capturado no sonho. Através do largo vidro que ficava atrás da mesa, via-se o Cerebrum. Levamos o grupo então, pela porta de metal, à próxima sala, que ostentava a grande estrutura branca e azul. A cama era circundada pela "parede" branca, que tinha todo seu sistema ligado ao computador. Harry posicionou-se ao lado da máquina e tomou a palavra.

Eu adorava o jeito como Harry explicava, mesmo já sabendo tudo o que ele dizia. Ele e todos os outros me tratavam como adulta apesar de a maioria me conhecer desde que eu era criança – claro que o diploma em Neurociência e a especialização em Psicanálise ajudavam. Nunca fui uma menina mimada que vê a empresa da família como fardo e, ao contrário da minha mãe, sempre corri atrás para ter certeza de que meu legado se tornasse algo positivo em minha vida. E Harry sabia disso. Ele sempre apoiou todas minhas decisões, por honestamente concordar com elas. Na verdade, Harry era a coisa mais próxima que eu tinha a um pai.

– Este é o Cerebrum – Harry pôs-se a explicar aos novos acionistas, pesquisadores e demais profissionais. – O paciente deita nesta cama, e estes eletrodos são conectados quando ele entra na máquina. Os impulsos elétricos são enviados a este computador, onde são convertidos em imagens. E é aqui que vem o diferencial – Harry formou um sorriso entusiasmado. Adorava vê-lo explicando esta parte em especial, uma vez que ele foi um dos principais responsáveis por ela – A alta tecnologia nos permite juntar essas imagens e formar uma ordem, então não temos somente imagens aleatórias, e sim uma sequência, um filme. Além disso, nosso software converte as ondas cerebrais em áudio também, e às vezes é possível detectar palavras.

– Tudo parece ótimo – Um dos novos pesquisadores assentiu – Estaremos de volta para o teste final. Será às quatro, certo?

– Quatro em ponto – Sorri antes de todos sairmos da sala mais importante da “terra dos sonhos”.

​ Passei a tarde em meu escritório, fazendo nada em especial. Assisti um pouco de televisão, lidei com uma coisa ou outra e no computador e então abandone tal tarefa, fitando o porta-retratos sobre a mesa. Era uma foto de meus avós e eu no meu primeiro dia de aula, acompanhada de vários adesivos brilhantes que soletravam “Vovó Joanna, Vovô Hank e Samantha”. Minha mãe provavelmente estava viajando, correndo atrás de um namorado, ou desmaiada bêbada em algum canto do país. Como eram lindos meus avós, sempre foram. Lembrei das tantas horas que havia passado penteando o cabelo ruivo de minha avó, perguntando a ela porque o meu cabelo era loiro como o do vovô e da mamãe e não ruivo como o dela. Tão lindos, tão inteligentes, tão gentis... O que fizeram para merecer morrerem esmagados dentro de um carro, isso eu não sei. Abaixei a moldura e fui ver um pouco de televisão antes que as memórias ficassem deprimentes.

​ Alguns minutos antes das três da tarde, chegou para o teste final nosso cobaia: James O’Donnell, o filho mais velho de Harry. Incrível como ele sempre me fazia rir sem qualquer esforço de sua parte. Era seis anos mais velho que eu, mas se comportava feito uma criança. Seu cabelo nunca havia visto um pente, estava sempre atrasado (naquele dia não, mas desconfio que Harry tenha o ameaçado de alguma forma), esquecia suas coisas em qualquer lugar que fosse, e seu apartamento... Só pisei lá uma vez, a pedido de Harry, mas prefiro nem comentar aquele apocalipse que James considera ser seu lar.

– Está com sono, filho? – Harry indagou, assegurando-se de que James havia cumprido o acordo e passado a noite anterior acordado.

– Pai... – Ele apoiou as mãos nos ombros de Harry e olhou em seus olhos dramaticamente – morrendo.

– Não finja que nunca passou noites acordados antes, James – Ri do sorriso malicioso que se formou em seus lábios. – Agora vamos, chega de drama.

– E o que seria de mim sem drama, pequena? – Sorriu mais uma vez para mim e pôs-se, enfim, na cama do Cerebrum.

Esperei ele se ajeitar e então coloquei os eletrodos em sua cabeça. Cobri-o com a coberta e assegurei-me de que o remédio para dormir não seria necessário. Andei então até o painel eletrônico, que ficava do outro lado, na parede branca do Cerebrum. Iniciei o sistema e ajustei as configurações, e então a cama foi deslizada até a metade para dentro do aparelho. Antes de sair da sala, desliguei a luz principal, deixando somente a leve luz azul que brilhava no rodapé da cama.

Ao fechar a porta atrás de mim, já na antessala, sentei-me em frente à extensa mesa, checando se as telas transmitiam o que deviam. À esquerda, o largo monitor já começava a mostrar a atividade cerebral captada pelos eletrodos. Do lado direito, um monitor bem menor mostrava James, através da câmera de visão noturna de dentro do aparelho. A tela central, ainda sem atividade, aguardava ansiosamente para fazer a conversão das ondas em imagens e sons. Sentado ao meu lado, Harry observava as telas tão atentamente quanto eu, procurando por algo que pudesse anotar. Depois dele estava Genevive, que era neurologista como eu e amiga desde a universidade, diante de um computador e pronta para preencher um diário completo de informações sobre o ciclo de sono de James, o que viria a ser protocolo com nossos pacientes.

Foram menos de cinco minutos de sonolência e James já estava na fase 2 do sono Não-REM, onde ainda não ocorrem os sonhos. Era ainda um sono não-profundo, onde seria fácil acordar o paciente, mas James dormia feito uma criança que brincou o dia todo.

– Sabe que não precisa ficar aqui, não é? – Voltei-me a Harry, sorrindo – Os sonhos só começarão daqui a mais de uma hora.

– A senhorita também não tem nada que ficar encarando telas vazias, mas aqui está – respondeu Harry, sagaz, fazendo-me rir.

– Que tal irem os dois tomar um chá para acabar com essa ansiedade, em? – Genevive observava a hesitação de ambos diante da sugestão. – Prometo que chamo vocês se alguma coisa acontecer.

– Como se estivesse chamando médicos diante de um ataque cardíaco – brincou Harry enquanto apontava o dedo para Genevive, e ela riu, concordando com a cabeça.

Saí da sala logo atrás de Harry, protestando ao vê-lo andando até a pequena mesa que carregava uma garrafa térmica e um pote com bolachas. Bati a mão em seu ombro e continuei andando, em direção ao elevador.

– Se é para relaxarmos, vamos fazer isto decentemente.

Harry entrou no elevador logo após eu tê-lo feito, rindo, e apertou o botão do andar seis, abaixo do que estávamos.

– E o chá lá debaixo é mais decente que este só porque está em uma cozinha, propriamente?

– E porque lá tem comida – Sorri, saindo para o sexto andar.

– Seus avós teriam orgulho, Sam – Harry abriu um sorriso largo, nos dóis já na cozinha.

– Falavam tanto desse momento... Deviam estar aqui.

– Bom, de alguma maneira... eles estão.

Ao voltar-me da caixa com os sacos de chá, derrubei um deles em minha xícara e sorri para Harry, alcançando então a garrafa d'água. Enquanto observava a infusão, fiquei imaginando de que maneira estariam ali os meus avós, mais além dos bibelôs na decoração daquele ambiente.

Às quatro horas, já de volta à sala do Cerebrum, recebemos os nossos clientes, membros da diretoria do hospital East Meadow. Após termos acomodado os cinco no sofá e cadeiras disponíveis na sala, explicamos resumidamente o que havia acontecido até então, com base no que Genevive havia reportado.

Em menos de quinze minutos, James finalmente chegou à fase REM. Os eletrodos começaram a captar as ondas, e todos voltaram sua atenção à tela do computador.

– Ainda deve levar cerca de dez minutos para conseguirmos ver alguma coisa – Informei à equipe, e logo todos já estavam tomando notas. James já começava a sonhar, mas as imagens chegariam com um certo atraso.

Depois de tanto encarar a tela vazia e observar Genevive fazer anotações freneticamente, um retângulo preto se formou na tela central. Uma névoa roxa se fez na imagem, e foi ficando mais e mais nítida em meros segundos. Nem percebi que todos haviam se reunido à minha volta, e assistiam comigo ao quase perfeito cenário, que começava a tomar vida.

As primeiras imagens me deixaram emocionada. Não pelo conteúdo do sonho, é claro – até porque aquele cenário era provavelmente um clube de strip-tease – mas porque tudo estava funcionando perfeitamente. Eu já havia presenciado muitos testes (todos, na verdade, desde mais ou menos meus doze anos de idade), mas depois dos ajustes finais, tudo parecia mais mágico. Acompanhamos James em suas “aventuras”, o que me levou a pensar se existe algum homem nesse mundo que não é o todo-poderoso em seus sonhos, e a conversão do som estava ótima – às vezes, dava até para ouvir palavras inteiras e deduzir frases.

Só sonhamos com rostos que conhecemos, mas não reconheci ninguém nas imagens de James, fora ele mesmo e uma breve aparição de uma atriz da qual ele sempre falava. Entre uma cena e outra, tomavam conta algumas imagens acinzentadas de transição. A minha parte preferida era ver os cenário, que se construíam ao que James se movia no sono. Se ele subitamente se virava, prédios e calçadas se formavam instantaneamente. Ao que se aproximava, mais e mais detalhes surgiam. Era mágico.

Ao final do primeiro ciclo de sono, os clientes já haviam coletado as informações necessárias, e foram embora, marcando um próximo encontro para o fechamento do contrato. Harry deixou que o filho dormisse por mais um tempo, e então o acordou.

– Agradeça ao seu subconsciente por mim, por não me colocar para dançar em seu colo – Levantei as sobrancelhas enquanto retirava os eletrodos de James.

– Funcionou? – James arregalou os olhos, entusiasmado.

– Pode ver por si próprio – Conduzi-o a uma cadeira extra diante do computador e reproduzi o vídeo.

– Demais! – James ria como bobo diante de sua distorcida imagem, que se divertia com strippers e aparentemente salvava o mundo depois – Então quer dizer que você ficou com ciúmes dessas sortudas aí, Sam? Desculpe, tentarei consertar isto da próxima vez.

– Não ouse – Reprovei-o, mas acabei rindo. – Que é que vai fazer amanhã? Dormir o dia todo?

Nah, este tanto foi o bastante – James via seu reflexo no vidro e passava freneticamente as mãos no cabelo, que pelo jeito ele ainda não julgava bagunçado o bastante – Tem uma corrida de bicicleta que acontece todo ano perto daqui, afim de ir.

– Você vai correr de bicicleta? Numa competição? – Segurei o riso, imaginando-o em tal situação.

– Ei, ei! – James fez-me rir de novo com sua indignação – Saiba que sou extremamente atlético! Mas de qualquer maneira, não é o caso... É uma corrida sem regras, só todo mundo acelerando e passando por cima de tudo. Demais!

– Suspeito, porque para você tudo é demais – Peguei minha prancheta e saí, deixando-o com um beijo na bochecha.

Só percebi o quão devagar estava andando quando meu sapato freou contra o chão. Observava o mapa do sono de James tão atentamente que meus olhos começaram a arder. Decidi que seria melhor ir para casa descansar, e depois analisar melhor aquele papel que me era tão precioso agora. Precisava dormir para sanar o cansaço e acalmar o entusiasmo. Talvez até sonhasse com o Cerebrum. Ri de tal pensamento. Mapear meus sonhos seria interessante qualquer dia desses.


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