A Winter Night escrita por Olivia Hathaway


Capítulo 1
Capítulo 1




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/292589/chapter/1

Inglaterra, Janeiro de 1953


Era uma das tardes mais frias do ano, em que a neve cobria praticamente toda a rua em uma camada grossa. Na verdade, provavelmente era a mais fria. A maioria das pessoas estava trancada em casa procurando um jeito de se aquecer com um monte de roupas e cobertas, acompanhadas de uma lareira farta.

Geralmente eu passava esses dias deitada no sofá assistindo TV ou lendo. Ou simplesmente dormindo. Só que hoje decidi ser um pouco mais sociável e abri mão de ficar enroscada nas cobertas o dia inteiro para me divertir com Lissa, minha melhor amiga. Desde que ela se casou com Christian Ozera, um advogado renomado da cidade, nós havíamos nos distanciado um pouco. Quase não tínhamos tempo de conversar no hospital porque sempre havia algum tipo de serviço.

“Acho que o bolo vai queimar outra vez. Já estou sentindo o cheiro!” anunciou ela dando um pulo do sofá.

Inspirei o ar. Ela tinha razão, já dava para sentir mesmo um cheiro de queimado. Nós duas nos distraímos por causa da TV, que parara de funcionar. E até agora, com a ajuda de Lissa, eu estava tentando sintonizá-la outra vez, sem obter sucesso. A nevasca realmente estava muito forte para ter feito esse estrago.

“Oh droga!” falei quando vi o bolo que Lissa acabara de tirar do forno. Tinha queimado mais do que eu esperava: a parte de cima estava praticamente preta. E o cheiro...

Ela suspirou e abriu uma das gavetas da cozinha, procurando por uma faca. “Sabe, acho que a gente consegue salvar alguma coisa daí. A não ser que você tenha outro tipo de comida sem ser aquelas bolachas recheadas”

“Qual o problema delas?” indaguei, sorrindo. “Elas não são tão ruins assim. Na verdade, matam a fome de qualquer um!”

Ela fez uma careta. “Rose, você come até pedra,se duvidar.”

“Tudo bem, eu tenho algumas fatias daquela torta de ontem. E os restos de um frango” falei.

Lissa remexeu na sua saia, pensativa. Eu me levantei e comecei a procurar uma garrafa de leite para fazer chocolate quente, o que provavelmente seria o nosso lanche da tarde.

“Eu poderia ligar pro Chris trazer alguma coisa, passar naquela padaria...” Lissa olhou para o relógio.

“Mas ele não vai estar trabalhando até as sete?” perguntei.

“Hoje ele sai mais cedo” disse se virando. Seu cabelo, tão louro que ás vezes parecia ser branco, acompanhou o movimento. Ela sorria “Ele não está mais atendendo aqueles chatos dos McNamara, acredita? Finalmente ele perdeu a paciência com aquelas briguinhas entre eles!”

“Se tem uma coisa que eu nunca esperaria era Christian perder a paciência. Ainda mais do jeito que ele conversa com seus clientes” falei “e como ele está se sentindo? Mais ou menos como naquele dia em que o Peter o deixou seis horas preso naquele armazém?”

Ela riu “Não! Aquele dia foi aquele dia. Impossível de ser comparado! E... oh! Maggie, cuidado pra não me assustar de vez, menina!”

Lissa ergueu minha gata, Maggie. Ela fora um presente da minha avó antes dela falecer ano passado. Eu tinha desistido de ter animais de estimação logo quando tive que deixar minha collie nos EUA. Infelizmente, ela estava velha demais para suportar uma viagem de avião. Eu a amava, e foram meses difíceis para eu me acostumar com sua ausência. Mas no natal do ano seguinte, fui surpreendida por um pequenino gatinho birmanês dentro de um embrulho de presente com fitas rosa. Minha avó havia conseguido me fazer encontrar aquele amor incondicional que eu tinha lutado para esconder.

Maggie soltou um miado e pulou, correndo para a janela mais próxima, onde parou para ficar observando o movimento inexistente na rua.

“Sua gata está agitada hoje” observou Lissa.

“Acho que ela só precisa de uma distração” falei “Mas mesmo que eu abrisse a porta para ela sair, ela só agüentaria alguns segundos antes de começar a miar implorando para entrar”

“E estaria com as patas encharcadas, provavelmente” Lissa caminhou até a janela e pegou Maggie no colo. Maggie protestou no início, mas logo se acalmou quando Lissa começou a provocá-la com uma mecha do seu cabelo.

Era evidente o quanto Lissa amava animais. Ela tinha três gatos e um lindo casal de Dálmatas. Se não fosse por seu pai e pela guerra, Lissa teria cursado veterinária ao invés de trabalhar como enfermeira. E se não fosse pela guerra, jamais teríamos nos conhecido em uma base em Londres, tratando dos feridos.

Um pouco depois de a guerra ter começado, minha mãe se alistou para trabalhar como enfermeira enquanto meu irmão e pai para se alistaram para o exército. Na época, eu tinha apenas 12 anos e tinha sido enviada para morar com minha avó em Edimburgo por causa dos bombardeios. Mas quando completei 16 anos, implorei para minha avó para que ela me deixasse ir para Londres ficar com minha mãe. Eu estava ficando louca, pois não tinha recebido notícias nem do meu irmão e nem do meu pai há seis meses e tinha a esperança de que se eu fosse para Londres eu encontraria as respostas que precisava. Minha avó, é claro, tinha recusado o meu pedido, pois Londres tinha sido atacada recentemente.

Então eu fiz algo que ninguém esperava: eu fugi.

Não foi tão complicado. Eu tinha economizado um pouco de dinheiro durante todos esses anos e meio que já suspeitava da decisão dela. Para a minha sorte, tinha um grupo de pessoas que estavam indo para Londres no final de semana para tentar se alistar nas fábricas de armas e uma dessas pessoas era um amigo que eu tinha feito quando tinha me mudado para Edimburgo. Ele me ajudou a forjar documentos falsos e a enviar dois telegramas quando estávamos em Manchester: um para minha mãe avisando da minha chegada e o outro para minha avó, pedindo desculpas por ter fugido e para avisar que eu estava chegando em Londres sem nenhum problema.

Dois dias depois eu desembarcava em Londres, vestindo uma saia azul marinho com uma camiseta de algodão branca e com um sobretudo vermelho, carregando uma pequena mala e uma sacola com comida. No instante em que pisei no terminal eu me arrependi por não ter me vestido de uma maneira mais simples, pois os olhares dos soldados, trajados em seus uniformes, caíram em mim, me observando com o mesmo interesse que os homens de Edimburgo tinham quando me encontravam na rua. Por onde passava podia ouvir os assobios, os comentários. Eu os ignorei, mesmo tendo soldados que valeriam a pena serem observados.

Um pouco depois, um apito avisando que um trem estava de partida.

E quase não reconheci minha mãe do lado de fora, que me esperava ao lado de um carro, usando um simples vestido com estampa de flores, seu cabelo ruivo balançando por causa do vento. Ela me pegara totalmente de surpresa, pois eu não avisara a ela o meu horário de chegada.

“Eu sempre soube que você era teimosa e rebelde, mas não a ponto de enganar sua avó e fugir para Londres” ela me dissera depois que nos abraçamos e depois que ela me deu um puxão de orelha. “Ah, minha filha! Sua rebeldia quase custou a vida de sua avó e a minha sanidade! E o que eu deveria fazer com todos aqueles soldados que ficam te olhando como se você fosse um pedaço de carne?”

Eu dei uma resposta engraçadinha, nós duas rindo. Então entrei no carro e minha mãe me levou até a pequena casa que ela morava junto com mais duas enfermeiras.

Por incrível que pareça, o bairro em que ela morava havia escapado das bombas da Luftwaffe, o que eu era agradecida. Londres estava um caos, com muitas construções destruídas por causa dos bombardeios, sendo que algumas eram mais recentes – um deles tinha acontecido na semana anterior. Só de olhar toda aquela destruição e barricadas espalhadas pela cidade me deixavam com vontade de voltar para Edimburgo e esquecer tudo o que eu tinha visto. Viver na ignorância naquele momento seria um presente daqueles.

Mas eu não podia. Teria que buscar as respostas que precisava. E acabei descobrindo que a melhor maneira de conseguir isso foi me voluntariar na base que minha mãe e as outras enfermeiras trabalhavam. Foi complicado convencer minha mãe, pois ela achava que eu era nova demais para estar lá, para ver os horrores que a guerra causara com os soldados.

Confesso que foi horrível no começo, vendo soldados que pagavam o preço por defender a nação, todos acamados com todo o tipo de ferimento que se possa imaginar. Demorei cerca de um mês semanas para me acostumar com isso, com os grunhidos de dor, com o sangue e com a visita constante da morte. Minha função lá era ficar checando os pacientes, verificando se eles precisavam de algo.

E foi em um desses dias que acabei conhecendo Lissa.

Eu estava observando um soldado que já estava prestes a ter alta apesar da perna e mais duas costelas quebradas, um soldado chamado Jason Phillips, quando ele me surpreendeu ao agarrar a minha mão.

“Seria muito atrevimento da minha parte dizer que quero agradecer os cuidados que recebi da senhorita quando sair dessa cama?” seus olhos azuis se encontraram com os meus, suplicantes. Sua voz tinha um forte sotaque galês.

“Eu... olha, senhor Phillips, eu –“ comecei a dizer que não poderia sair com ele porque não estava interessada em nenhum homem quando uma voz feminina me cortou bruscamente.

“Ah, Phillips, você se esqueceu que ninguém vai cair nesse seu charme? Pare de adular a garota para sair com você”

Virei na direção que a voz veio e encontrei uma mulher loira e sorridente que nos olhava com um olhar divertido. Ela tinha os cabelos curtos cacheados – como praticamente todos os penteados da época – ,olhos verde jade e usava o mesmo uniforme que eu. Ela parecia uma boneca de porcelana e eu jurava que ou ela tinha a minha idade ou era um pouco mais velha, uns dois anos, no máximo. Ela se aproximou e estendeu a mão.

“Sou Lissa, e você deve ser Rose Hathaway, filha de Janine. Estou certa?”

Assenti. “Eu mesma”

“Oh, a filha de Janine” exclamou Jason, me observando atentamente. “Bem que percebi algumas semelhanças. Mas você é ainda mais bela que sua mãe”

“Pare de babar em cima dela” censurou Lissa, me puxando para longe de Jason. “Eu não vou deixar que ela caia nas suas cantadas”

“Eu não iria cair” falei. Lissa sorriu.

“Eu imaginei” ela olhou para Jason “Jason, se você continuar importunando minhas enfermeiras, irei sedá-lo. Ou quem sabe, arrancar sua língua fora. O que você acha, Rose?”

“Hm... acho que Mary faria um ótimo trabalho em sedá-lo” sorri para Jason “você sabe, a ruiva que usa óculos ”

Mary Thorpe, uma das enfermeiras de nossa equipe, tinha a fama de ser completamente cruel com os soldados quando se tratava de injeções. Era meio cômico olhar o desespero nos olhos dos soldados quando viam que era ela quem iria lidar com eles.

“Wow!” exclamou ele, colocando a mão enfaixada no coração. “Você teria coragem de fazer tamanha maldade com um pobre soldado que esteve lutando por sua segurança?”

Lissa lançou-lhe um sorriso cruel. “Qualquer um que incomode meus amigos ganha uma punição severa”

Depois que deixamos Jason, Lissa e eu saímos para tomar café e nunca mais nos desgrudamos. Ela esteve ao meu lado para me consolar quando descobri que meu pai tinha morrido em uma ofensiva contra os alemães na França e que meu irmão estava marchando com os russos rumo a Berlim, um ano mais tarde.

Quando voltei para os EUA junto com minha mãe depois que a guerra acabou, continuamos sendo melhores amigas até a minha volta, cinco anos mais tarde. Minha mãe tinha morrido vítima de pneumonia e tinha deixado pra mim uma casa no interior da Inglaterra como herança da família. Por não ter mais nenhum parente nos EUA, decidi voltar para a Inglaterra.

***

"Sabe de uma coisa? E acho que você deveria ficar lá em casa. Pelo menos nesse fim de semana" Lissa disse, fazendo-me trancar minhas lembranças.

"Por que você acha isso?"

"Rose, você está sozinha!" exclamou ela, bufando. "E é inverno. Eu sei que você sabe se virar e tudo mais, só que nem a Margareth está aqui! É perigoso!"

"Oh Liss, pare com isso. Eu estou bem, estou me virando e nenhum engraçadinho se atreveria a invadir a minha casa num tempo como esse. E Margareth volta de Londres segunda" abri um sorriso confiante "Acho que ainda consigo sobreviver mais três dias"

Margareth trabalhava para a família de minha mãe antes mesmo de eu nascer. Ela tinha cuidado de minha mãe desde que ela nascera, e de mim, quando tinha me mudado para Edimburgo na época da guerra. Quando me mudei de volta para a Inglaterra, ela se ofereceu para trabalhar para mim. Eu a aceitei, especialmente porque ela era a única pessoa depois de Lissa que eu confiava. Além disso, ela me ajudava a administrar a herança que minha avó deixou quando morreu. Portanto, ter Margareth ao meu lado era um alívio.

Só que nesse momento, ela estava de férias em Londres com sua irmã. E mesmo detestando admitir isso, eu sentia falta dela. Especialmente da comida que ela fazia.

Lissa colocou os pedaços do bolo cuidadosamente em um prato que eu tinha pego. "Eu ainda prefiro ver você segura lá em casa. Christian não reclamaria e Cat amaria cada segundo..."

"Mas é claro que ela amaria" dei meu melhor sorriso e me apoiei na bancada "Afinal, sou a melhor e mais dedicada tia do mundo!"

Só que eu não conseguiria ficar presa na casa de Lissa durante três dias. Eu amava eles, e minha "sobrinha" Catherine, de apenas 3 anos, era um amor. Mas eu me sentiria uma intrusa lá. Afinal, era a vida deles.

"Então por que você não vem?" Ela me olhou desconfiada "E não me venha com essa de que você só iria atrapalhar!"

"Mas é a rotina de vocês" expliquei "E eu realmente só iria atrapalhar" Eu não iria dizer que não queria ir também para ter que vê-los em seções de amassos a qualquer hora do dia. Lissa e Christian têm um senso bizarro a respeito de privacidade.

"Rose, são apenas três dias pelo amor de deus!"

"Nop"

"Você é uma chata, sabia?"

"Nada que eu já não tenha ouvido antes" resmunguei.

Uma hora depois, Lissa e eu estávamos na sala, tomando chá e comendo as partes que não queimaram do bolo. O locutor do rádio avisara que a temperatura iria despencar mais ainda, o que era algo esperado nessa época do ano.

Christian apareceu algumas horas depois, com dois pacotes de comida, reclamando do frio e da neve que o atrapalhara na hora de estacionar o carro.

"Sério, acho que hoje iremos passar a noite aqui. Duvido que o carro arranque com toda essa neve!" disse ele, largando as sacolas na mesa. Seus olhos azuis gelo caíram em mim. "E você parece mais magra do que semana passada. Margareth está te fazendo uma falta danada né?"

Esse era Christian Ozera, com sua marca registrada. Ele sempre diz o que vem em mente, especialmente para provocar os outros. Quando o conheci, eu o achei extremamente arrogante e cínico. Teve dias que eu tive que me controlar para não socá-lo quando ele me provocava. Apesar das brigas, viramos grandes amigos.

"E você continua o mesmo babaca de sempre" respondi. Ele sorriu e me deu um abraço, seu casaco cheio de neve.

"Seu cretino!" exclamei sentindo o gelo. Afastei-me dele bruscamente, o que lhe arrancou uma risada. "Isso não tem graça!"

"Ta bom, chega vocês dois" Lissa puxou Christian para ela, ajudando-o a tirar o casaco. Em seguida, ela o puxou para um longo beijo, um que prometia muitas coisas.

Pigarreei e os dois se separaram.

"Eu até que cederia um quarto pra vocês, mas estou com fome e me parece que você trouxe alguma comida" apontei para as sacolas.

"Bom, eu estou te fazendo um favor" Christian pegou os pacotes e foi em direção a cozinha. "Você pode retribuir cedendo o quarto"

"Christian!" exclamou Lissa, rindo.

"Só estou negociando, amor. É uma troca justa!"

Revirei os olhos e começamos a arrumar a mesa da cozinha. Não iríamos usar a mesa da sala de jantar, era desnecessário. Enquanto Lissa e eu organizávamos os talheres, Christian puxou dois pacotes com sanduíches e uma garrafa de champanhe.

"Whoa, o que estamos comemorando hoje?" perguntei.

"A nevasca?" revirei os olhos.

"Rose, onde estão as taças?" perguntou Lissa, fechando uma das portas do armário.

"Na porta da ponta" respondi. Coloquei o prato com os pedaços que sobrara do bolo.

Maggie apareceu na cozinha, saudando Christian. Ele acariciou a cabeça dela em resposta.

"Seu gato, em contrapartida, está mais saudável que você, Rose" disse. Eu o espetei com um garfo em resposta, fazendo-o praguejar.

“Chamei Rose para passar o resto do final de semana com a gente, mas ela recusou” disse Lissa a Christian. Ele me fitou com cara de quem se sente ofendido.

“Eu sei que você me odeia. Mas não sabia que era tanto a ponto de se recusar a ficar com a minha adorável companhia”

Dei uma mordida em um pedaço do bolo. “Vocês sabem como eu odeio invadir a privacidade dos outros”

Lissa estava para me retrucar quando Christian ergueu a mão, em um gesto para silenciá-la. “Não adianta discutir com ela, Liss. Rose e sua teimosia ganharam dessa vez”

Ela murmurou algo que não consegui ouvir e serviu champanhe para nós três.

“E por falar em lares, vocês não deveriam estar com Cat?”

“Ela está tranquila com a Anne. Cat nem olhou na minha cara quando entrei em casa para pegar meu casaco. E Anne aceitou ficar até tarde cuidando dela” respondeu Christian.

Balancei a cabeça. “Vocês são, tipo... os pais mais desapegados que já vi na vida”

Lissa riu. “Não, nós só buscamos um pouco de paz ás vezes”

“Sabe, Rose” Christian beliscou um dos sanduíches. “ter filhos é uma das coisas mais maravilhosas do mundo, mas ás vezes eu tenho vontade de jogar tudo pro ar e sumir por um tempo”

Dei uma mordida no meu. “Então eu presumo que é melhor não ter filhos”

“Você não tem cara de que gostaria de ter filhos” disse ele, brincando. “Não acho que você teria paciência com eles”

Dei de ombros. “Eu não tenho vontade de tê-los de qualquer maneira, mesmo se tivesse paciência”

Eu nunca tinha pensado muito a respeito de ter filhos, para ser sincera. Claro que quando eu resolvesse casar, eu eventualmente teria filhos. Era impossível evitar. E eu até que gostava de crianças, mesmo que elas me irritem com gritos e choros ás vezes. Mas o que mais me preocupava era a hora do parto. Aquilo sim era uma tortura. Como enfermeira, já presenciei vários partos, onde mães passavam horas urrando de dor até dar a luz. Era uma tarefa dolorosa e demorada, sem falar dos riscos. Já presenciei a morte de algumas mães logo após o parto.

Christian estava prestes a me responder quando ouvimos um estrondo vindo do lado de fora, perto do portão. Maggie deu um pulo e correu para a escada. Christian e Lissa foram para a janela, alarmados.

“Rose, tem alguma coisa perto das suas latas de lixo” disse ele.

“Eu sei” falei, indo para o corredor pegar o rifle do meu irmão. “São aqueles malditos guaxinins!”

Lissa veio até onde eu estava. “Eu pensei que seu vizinho tinha acabado com os ninhos deles!”

“Mas ele acabou” verifiquei se a arma estava carregada. “Só que semana passada essas pragas resolveram voltar. Abra a porta pra mim, Liss.”

“Ei Rose, venha aqui” chamou Christian. Entrei na cozinha e vi que ele observava atentamente o local onde estavam as latas de lixo. Lissa já estava ao lado dele. “Eu não acho que aquilo sejam guaxinins”

Bufei. “Mas é claro que são! Quem mais viria revirar seu lixeiro numa hora dessas?”

“Meu deus, tem um homem lá fora!” exclamou Lissa, colocando a mão na boca. No mesmo instante, larguei o rifle na mesa e fui até eles.

“Ali, olhem!” apontou Lissa para algo que parecia lutar para manter o equilíbrio. “Tem um homem ali!”

Eu tinha que dar crédito a Lissa. Aquela coisa parecia ser um homem até. Mas eu ainda estava descrente, já que nenhum mendigo arriscaria sair na rua numa hora dessas, com um tempo desses. Nem mesmo ladrões seriam loucos a esse ponto.

“Eu vou lá fora ver” anunciou Christian, já indo em direção a porta da frente. Eu me apressei

“Vou com você” avisei, pegando o rifle na mesa.

Ele me olhou de lado “Não precisa. Se for algum engraçadinho bêbado eu já o expulso daqui. Fique com Liss”

Lissa me puxou para dentro e Christian fez sua caminhada até o portão da frente, onde o suposto homem parecia ter se apoiado numa das barras da grade. Vi que Lissa estava certa quando vi o cara levantando a cabeça para falar com Christian.

“Puta merda, é mesmo um homem” murmurei saindo de perto de Lissa e indo em direção aos dois, curiosa. Lissa nem sequer protestou. Ao contrário, ela me seguiu, também sob efeito da curiosidade.

Afinal, não era toda noite que aparecia misteriosamente um homem na frente da sua casa.

E ele estava doente. Mesmo de longe, dava para ver e ouvir que ele tossia demais. Eu tinha certeza que ele estava com uma gripe daquelas, senão com algo pior. E dava para ver que ele estava se esforçando para manter o equilíbrio mesmo segurando uma pesada sacola. Seria ele um fugitivo?

Percebi que entrar na conversa era a minha melhor opção. Desci os degraus e caminhei até eles.

“Christian, o que está acontecen-“

Neste exato momento, Christian girou para me encarar e vi que ele estava pasmo. Suas próximas palavras foram uma ordem. “Pegue Lissa e preparem um quarto, agora”

Olhei Christian sem entender. Ele repetiu a ordem e Lissa entrou correndo dentro de casa. Eu permaneci parada onde estava. Christian me encarou.

“Rose, será que dá –“

“Eu não vou sair daqui enquanto você não me contar o que está acontecendo” olhei para o cara que estava ao lado de Christian. A barba estava comprida e seu casaco estava bem gasto. E o homem estava prestes a desmaiar de tão fraco que estava. Voltei meu olhar para Christian. “e por que eu preciso ceder um quarto para um... estranho” Eu sabia que estava sendo mesquinha, mas não me importava.

O cara se aproximou, com certa dificuldade. Foi ai que vi como ele era incrivelmente alto. Deveria ter perto dos dois metros de altura, no mínimo. E quando ele falou - apesar da voz estar fraca por causa da gripe - percebi um pesado sotaque que não reconheci.

“Madame, perdoe-me por estar aqui a essa hora da noite” ele pausou por causa de uma tosse que o atingiu. “mas achei que Nicholas Hathaway morava aqui”

“Ele morava” me peguei respondendo, mas era tarde demais. Eu estava intrigada. Como ele sabia que meu irmão morava aqui? Aliás, onde meu irmão o tinha encontrado?

Como se tivesse lido a minha mente, Christian enfiou uma mão no bolso de seu casaco e puxou um pedaço de papel amassado e me entregou. Apesar da pouca luz proveniente da lanterna que Christian carregava, eu consegui ler o endereço da casa e reconhecer a letra de meu irmão.

Olhei para o homem. “Onde conseguiu isso?”

“Nicholas me deu antes de partir de Berlim”

Essas foram suas últimas palavras antes dele desmaiar.




Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!
Gostaria muito de saber o que acharam e no que devo melhorar ^^
Bjs e até o próximo capítulo!