Sonzai escrita por MsRachel22


Capítulo 11
We were Soldiers Once?




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/291923/chapter/11

"Você vai lutar quando tudo queimar? Você vai ficar quando tudo arder? Você vai apenas deixar queimar?"

Let It Burn

_____そんざい_____

Uchiha Obito não passava de um ser humano, preso na miserabilidade de seus demônios interiores e dos fantasmas do passado. Sua existência não passava de uma sombra entre as gerações e entre suas memórias. O manto negro que o envolvia estava tão esfarrapado quanto sua motivação.

Outrora ostentaria o símbolo Uchiha, como uma marca eterna de qual sangue corria em suas veias. Sangue corrupto, traidor e de conspiração não apenas contra uma Nação, mas uns contra os outros. Sangue Uchiha contra sangue Uchiha. O massacre deste mesmo sangue não o tornou imune ou feliz por tamanha dizimação, apenas alimentou cegamente seu plano.

Agora ostentava cicatrizes e amargura tão bem compilada numa perfeita máscara de indiferença e ambição que o fazia questionar-se se tudo aquilo valia a pena que pagava.

O garoto irritante e autoconfiante dera lugar a um homem sanguinário, com um peso maior do que seus sonhos ou expectativas juvenis. Seu sorriso - com traços de felicidade e calmaria - era exclusivo à arrogância e zombaria. Aquele garoto de doze anos dera lugar a uma sombra demarcada por tragédias e uma existência decadente.

A satisfação de assistir Hatake Kakashi caindo lhe fora imensurável. Não se igualara a nenhuma outra morte por suas mãos. Mas não fora o suficiente. O vazio em seu peito não foi apagado, seu remorso fora apaziguado apenas naquele instante e não trouxera Rin de volta.

Era um fato do qual fugiu por anos. Ela simplesmente não voltaria.

O sorriso de escárnio fez-se presente mais uma vez. Embora seus olhos acompanhassem com atenção cada movimento dos shinobis mais a frente, sua mente estava estagnada no passado mais uma vez. Soaria irônico demais admitir que tudo o que preenchera seu passado fora o sangue próprio e de inimigos. A agonia sempre se sobressaia em grande parte de seus momentos, a tragédia deixou sua marca e seus sonhos foram substituídos apenas por uma ambição.

Uma ambição ilusória, ele sabia bem disto. Mas ao menos, ela voltaria.

_____そんざい_____

Fora um simples impulso, um desejo iminente de retalhar a garganta da Hyuuga, apenas para assistir a cólera e a desolação queimarem os sonhos de Naruto e a dor o transformarem noutra sombra da decadência e da tragédia. Entretanto, impulsos não faziam parte de sua natureza calculista e controlada.

Aquele mísero espaço de conforto concedido pela Hyuuga de imediato fez sua mente paralisar numa lembrança que desejava apagar; o Time Minato reunido. As palavras sumiam quando sua mente retornava para o rosto de Rin e logo se lembrava dos filetes de sangue em abundância escorrendo pelo rosto dela, tomado pelo medo e confusão.

Mascarou suas lembranças e as sensações que elas desencadeavam num sorriso presunçoso. Seus dedos formigavam levemente, implorando por violência e pelo desencadeamento do caos.

– Desculpe a intromissão, mas já faz algum tempo... – moldou cada palavra com calma e seriedade, encarando a Hyuuga e velando sua raiva. Deu dois passos para frente, com naturalidade e firmeza. – Lembra-se de mim, Naruto?

Não havia nada cobrindo sua face além das cicatrizes; os cabelos negros caiam em desleixo e rebeldia por sua face. A pele pálida e retorcida parecia mais densa, os olhos - antes negros - continuavam traiçoeiros e com falsas emoções refletidas neles. Uchiha Obito representava o fracasso humano, a autodestruição de sua essência em troca de uma guerra por mentiras.

Pois ele sempre mentira.

Não fora uma explosão de raiva, acusações e palavras chulas que surpreenderam momentaneamente Obito. Não foram os olhos brilhando de ódio, as mãos manchadas e feridas ou os gritos brutais que dera ao avançar em sua direção na mesma velocidade que Minato. O punho atravessando sua carne e não lhe causando dano externo não lhe deixara em estado de choque.

Fora a frieza e a crueldade brincando em cada movimento do Uzumaki. O caos clamante pelo derramamento de sangue e a cólera o controlando. Sentiu seus órgãos e músculos doerem e franziu a testa. A mão de Naruto estava presa em seu abdômen, enquanto seus olhos brilhavam doentiamente de ódio. Puro e bruto.

Então a dor física o dilacerou. Cuspiu sangue com força e arrependeu-se. Trincou a mandíbula, enquanto os olhos de Naruto faiscavam entre tons amarelados e azuis.

– E-Eu não sou seu inimigo!

Com sofreguidão cuspiu as palavras e segurou o antebraço do Uzumaki, como se suas forças pudessem paralisá-lo. Sentiu-se humilhado. Era apenas um garoto, descontrolado e que gritava para cada inimigo quem ele era. Um garoto que crescera à margem da tragédia e fora renegado por sua Vila.

Os olhos de Naruto brilharam com mais intensidade, o amarelado e a linha grossa na horizontal em seus orbes ficaram mais nítidos. Girou o punho cerrado, ganhando um gemido de dor de Obito em resposta.

Não sabia por que o atacara daquele modo, mas sentia a necessidade de fazê-lo. Seu sangue fervilhava insanamente, sua mente apenas via a possibilidade de matá-lo enquanto o ressentimento o acusava de ter vidas inocentes em mãos, destruído laços, brincado com seres humanos e assistir seus medos os consumirem quando a Guerra aconteceu.

– Não brinque comigo, seu desgraçado! – gesticulou com calma cada palavra, encarando-o diretamente sem temor do Sharingan ou do Rinnegan que o analisavam. – Não sei o que você quer aqui, mas não vai conseguir. Você é um homem morto.

Um fio de desespero irradiou-se na mente de Obito. Não sentia insegurança ou piedade nas palavras e ações do Jinchuuriki. Pois ele não agia como um ser humano, apenas como um perfeito shinobi. Sem emoções. Sem fraquezas. Sem medo.

Com esforço, Obito riu baixo. Sabia o quão insano seria rir do Jinchuuriki que atravessava seu abdômen com a mão esquerda e que lhe encarava com tamanha repugna, que parecia estar ditando silenciosamente como ele pretendia matá-lo. Seria um déjà vu um tanto quanto irônico se morresse do mesmo modo que Kakashi.

Seria estupidamente humilhante morrer do mesmo modo que o Hatake.

– E me matar vai te tornar o herói de Konoha outra vez, Naruto? Isso o tornaria num homem, garoto? – soltou as palavras com pressa e com o olhar desafiante nos orbes coloridos. Virou a cabeça para o lado, como se nada pudesse abalar sua confiança. – Acredite... Eu não tenho mais nada a perder. Já você...

Levou pouco mais de um segundo para o crepitar das chamas negras capturar a atenção de Naruto. O calor moderado do fogo negro tornou-se mais intenso, enquanto as chamas percorriam ao redor de Gaara e Hinata, restringindo bruscamente sua movimentação. As chamas dançavam baixa e lentamente, queimando o nada num crescendo coordenado.

E então a violência cresceu nos olhos de Naruto, enquanto afundava sua mão no abdômen de Obito, sentindo seus músculos rasgarem sob seus dedos. Um grito de dor e agonia rompeu de sua garganta quando as pontas dos dedos de Naruto o atravessaram por completo. Não conseguia sentir o corpo desfazendo-se e expulsando a dor.

O chakra que emanava nos músculos de Naruto sobrecarregava a circulação do chakra em seu próprio corpo, causando a confusão e inutilizando os níveis de chakra em seu sistema. Era apenas um garoto, com um poder absurdo em mãos e olhar assassino no rosto.

Seu olho queimava lentamente, enquanto conseguia manipular as chamas negras num crescendo mais intenso e violento. O primeiro grito de dor fora de Hinata. Quase como se uma chama se acendesse em Naruto, a realidade o abateu e ele sentiu o choque de sua ação pesar ao ouvir mais um grito, vindo de Gaara.

– Pare com isso! – ordenou entre o desespero e a raiva. Não sabia qual dos dois o deixara desnorteado, sentia o braço regredindo e seu corpo tremendo. – Eu mandei parar!

– Você não está em posição de dar ordens ou fazer exigências, Naruto. Nunca esteve. – a voz gélida e irritadiça de Obito atravessou seus ouvidos, enquanto ele recompunha-se e limpava os filetes grossos de sangue em sua boca. Observou o Uzumaki tremer ao escutar a sucessão de gritos.

O sangue pingava quente e num vermelho vívido. As gotas que sujavam o chão caiam irregulares em proporções diferentes. O gosto de ferro e sal ainda estava no céu da boca quando deu um passo para trás, sentindo o corpo fraquejar com o pequeno movimento.

– Pare com isso! AGORA!

Aquele era o clamor de um homem desesperado, com as mãos atadas e surpreso com seus erros. Reconhecia aquele timbre de voz, a cautela exagerada em não soar desrespeitoso ou arrogante diante dele. Obito curvou os lábios num sorriso relaxado e as chamas regrediram. Observou o braço esquerdo da Hyuuga coberto por chamas negras e a costela fumegante do antigo Kazekage com orgulho pelo feito.

Os dois contorciam-se de dor, entre urros e berros desesperados por ajuda, as chamas apagaram-se. Mas não suas marcas.

– Então, Naruto... Precisamos conversar. – Obito impôs enquanto observava o horror da realidade dançar diante dos olhos de Naruto, atingindo-o rapidamente enquanto seus olhos tornavam-se azuis e sobrecarregados pela culpa. Aproximou-se com calma, deixando um rastro úmido e rubro abaixo de seus pés. – É melhor não abusar da minha paciência. Estou com um humor... suscetível.

Naruto não sentia a mão sobre seu ombro, num ato aparentemente amigável. Sentia o sangue gotejante e grudento em seu antebraço e mão esquerdos, o resto do corpo tremia e formigava entre a necessidade de ação e o impacto da mesma. Os gritos de dor dos dois shinobis inflavam a necessidade, enquanto a pele exposta e retorcida pelas chamas gotejava incessantemente traziam o impacto.

Sentiu-se com doze anos. Incapaz de proteger, ótimo em destruir.

_____そんざい_____

O limbo era uma parte de uma ilusão, onde era possível absorver alguém para dentro, condenando-o à loucura ou ao esquecimento total. Os tons cinza e preto, com profundidades e depressões diferentes entre si davam a sensação de espaço. Havia formatos de retângulos por todos os lugares, como se fossem grandes caixas, formavam escadas infinitas a lugar nenhum e não havia outra forma além daquela.

Os passos ecoavam um após o outro. O gotejar insistente de sangue vinha em diferentes ritmos, calmo e rápido. Naruto permanecia agachado, quase curvado enquanto encarava suas mãos. O andar altivo de Obito não cedera, nem mesmo à dor ou aos fantasmas de seu passado.

Naruto ergueu a cabeça quando os passos pararam e encontrou Obito diante de si, com um olhar claramente penoso e divertido.

– O que você quer comigo? Quer a Kyuubi? – questionou com a voz arrastada e com claro cansaço. Soltou uma risada curta e seca. – Não comece com essa história de novo. Você falhou duas vezes em domá-la.

O Uchiha sentiu o orgulho queimar. O lampejar de desafio estava lançado nos olhos de Naruto.

– E você falha em controlá-la. A verdade é que você nunca será capaz de controlar o poder da Kyuubi, porque você nunca será forte o suficiente para não depender dela todas as vezes que estiver perdendo. – Obito retribuiu as palavras à altura, observando o rosto de Naruto contorcer-se na raiva e discordância. – Se eu me lembro bem, é graças à este Bijuu que você consegue sobreviver. Sem o poder da Kyuubi, você é apenas mais um garoto sonhando em ser um shinobi de verdade. E é isto o que você sempre foi.

Houve o silêncio, carregado de memórias divergentes e conflitantes. Elas brilhavam e remetiam a verdade exposta nas palavras de Obito. Não importava se ela estivesse distorcida, ainda estava ali. Naruto cerrou os punhos e abaixou a cabeça.

– Você acha que eu sou o vilão por lhe dizer a verdade, Naruto? – foi com calma que a frase foi dita. Deu mais dois passos para a esquerda e sentou-se quando um retângulo na vertical ergueu-se. – Deve me considerar o culpado pela Guerra, mas isto é levemente irônico, quando você disse a todos que reclamava a culpa da Guerra.

– E o que você quer exatamente?

Um sorriso calmo e camarada surgiu no rosto de Obito. Os retângulos se moviam para cima e para baixo, num eterno ciclo alternado. Cinza e preto dominavam o espaço, o branco imperava entre os dois, como feixes de luz agregados naturalmente.

– Eu quero um mundo justo. Não é isso o que você também quer? – perguntou gesticulando suavemente. Naruto levantou a cabeça e encarou as cicatrizes no rosto de Obito. – Mas, todos nós pagamos um preço quando queremos algo tão grande e quase permitido apenas aos deuses.

O Uzumaki franziu as sobrancelhas em confusão e sentiu o corpo retesar quando se lembrou de Pain. A destruição em massa e as palavras que envolviam uma justiça divina, provida apenas pelos mais fortes, fez sua mente dar voltas. Não podia confiar em Obito. Não podia considerar que havia qualquer fundo de verdade em suas palavras.

– Nenhum de nós nasce destinado à destruição, a renegar sua Vila ou a ser escória. São as pessoas ao nosso redor que decidem isto. – Obito murmurou brando, como se contivesse sua amargura ao dizer aquelas palavras. – Vilas e nações precisam de heróis e precisam de vilões. Eles precisam disso.

Um clarão rápido surgiu e foi tomado pelo breu total. Naruto moveu a cabeça para os mínimos ruídos que ouvia. Passos, frases cortadas no ar, meias palavras distantes e o tinir de lâminas cruzando-se. Havia gritos de animação, batalha e as respirações incertas.

Então ele viu-se agachado numa floresta. Reconhecera Kakashi, mais jovem e tão frio quanto jamais aparentara ser, empunhando uma katana curta enquanto lutava contra alguns shinobis habilmente. Um garoto de cabelos curtos e negros tentava lutar no mesmo nível que ele e falhava miseravelmente. O par de óculos laranja com um elástico sobre o rosto era chamativo.

O restante do time era composto por uma kunoichi, cabelos curtos e marchas roxas nas bochechas. Durante a luta ela fora capturada. Restara apenas Kakashi e o outro garoto.

– Kakashi-sensei! – bradou e levantou aos tropeços, correu em sua direção, mas os olhos negros estavam compenetrados em outra pessoa. Parecia que ele iria cortar o garoto a sua frente.

– Eu não nasci com cicatrizes, Naruto. – a voz de Obito apareceu em algum ponto e seu corpo materializou-se atrás do menino de óculos. – Tal como você não nasceu carregando a Kyuubi. Eu tive uma vida comum, fazia missões comuns. Nunca fui superestimado, meu clã sempre frisava que o Sharingan era nossa marca e sinal de força. Eu não era forte.

– A missão é mais importante do que... – Kakashi dizia, mas fora interrompido pelo tom de voz sério do outro garoto. As palavras a seguir não importavam; Naruto já conhecia aquela frase. Seus olhos arregalaram-se e encararam o garoto com o símbolo Uchiha nas costas e depois Obito.

– De onde acha que Kakashi tirou essa frase? – murmurou com falso humor na voz. Seus pés arrastaram-se enquanto o choque preenchia o rosto de Kakashi. – Aqueles que abandonam seus amigos, são piores do que lixo. O que uma criança sabe sobre isso?

Outro clarão e outro breu mais intensos do que os anteriores preencheram tudo e dragou cada centímetro para o silêncio sufocante. Naruto forçou os olhos pela escuridão, e novamente, não conseguia nada além da quietude. Sua mente procurava encontrar a razão nas cenas que presenciara. Não entendia por que Obito estava exibindo suas memórias.

Sentia a Kyuubi silenciosa e absurdamente incômoda. Nada tinha sentido aos seus olhos, sua mente o alertava constantemente que não poderia acreditar no Uchiha, em suas lembranças ou argumentos.

Fora ele quem declarara Guerra. Fora ele o responsável pela liberação da Kyuubi, anos antes. E ele carregava a morte de seu professor.

– A verdade, Naruto, é que Kakashi e eu não éramos amigos ou rivais declarados. Éramos ambos. – a voz de Obito soava distante e acompanhava o som de seus passos. Crescia e ganhava volume a cada passo. – Ninguém havia imposto aquilo, além de nós mesmos. Eu amava a garota que o amava. E isso me destruía, porque todos o amavam. Não importava meu clã, Kakashi tinha menos do que isso e sempre era amado e adorado.

Aos poucos, a luz permeava entre a escuridão e clareava alguns pontos com dificuldade. Naruto levantou - os músculos reclamando pelo ato - e olhou em volta. Mal conseguia cerrar os punhos e erguê-los, sua pele estava rasgada e ardente.

– Apareça. – murmurou prestando atenção nos ruídos leves dos passos ali. – Não me importo com o que aconteceu na sua infância! Apenas apareça e lute!

– Eu sei que você quer derramar mais sangue, Naruto... Mas não há plateia alguma para proclamá-lo como vencedor. – Obito sussurrou com sarcasmo, ainda mantendo o andar altivo e decidido. Os primeiros feixes de luz o iluminaram e não havia mais sorriso em seus lábios. – Eu não sou seu inimigo. Acredite em mim.

– Por que eu deveria?

Lançara a pergunta forçando a voz a soar firme. Entretanto seu corpo tremia, seus joelhos cederiam logo. Não havia se recuperado totalmente de suas lutas anteriores e seu corpo clamava por descanso. Obito estava certo: era graças a Kyuubi que conseguia sobreviver, devido ao seu poder, ele ainda mantinha-se de pé após uma luta árdua. O peso do corpo cedeu e Naruto ficou sobre o joelho direito. Apoiou a mão esquerda sobre o solo, para manter o equilíbrio do corpo.

– Não deve. Você não pode confiar em ninguém. Isso é algo que temos de aprender quando todos lhe olham com repulsa, desejando que você estivesse morto e enterrado num lugar esquecido. – os olhos de Obito não demonstravam nada além de Kekkei Genkais e presunção. As íris - vermelha e lilás - remetiam perigo e vazio.

Não foram os olhos que fizeram Naruto manter a cabeça baixa, praguejar baixo quando o outro joelho cedeu e seus braços tremeram com o esforço de alinhar a postura. Eram as palavras de Obito que faziam sua mente regredir às palavras de escárnio e temor que lhe eram lançadas, independente da idade. Todos enxergavam uma raposa com imensurável poder, um garoto que poderia descontrolá-la e escória da sociedade quando o fitavam de cima.

Sempre com as cabeças erguida, bocas cobertas por mãos - como se elas pudessem camuflar as palavras que saiam entre sussurros apavorados ou de reprovação - e a distância clara dos demais entre si. Nenhum quilômetro parecia o suficiente para mantê-los a salvo de Naruto.

Cravou as unhas no solo - agora arenoso - quando a memória nítida da reclusão de todos o incomodou. Ergueu a cabeça e viu-se em outra memória; dentro de uma caverna com o teto desabando. Kakashi fora empurrado e Obito esmagado por uma rocha. O sangue vertendo do lado esquerdo do corpo do garoto era enjoativo. O rubro manchava o solo e chegou morno na ponta de seus dedos.

– Eu não me importaria de salvá-los. Não me importaria em me sacrificar, desde que ela ficasse a salvo, desde que ela vivesse. Seria uma morte honrosa. – Obito estava agachado, mexendo os dedos no sangue com desinteresse. – E não foi.

O rubro tornou-se mais denso e Naruto viu-se sendo tragado por ele. Ao abrir os olhos, o vermelho sujava suas roupas em respingados incertos e diagonais. O estalo alto e repetitivo do Chidori invadiu seus ouvidos. O brilho azul e prata dançava na mão de Kakashi; o sangue gotejante e o corpo paralisado pelo golpe o fez encarar com espanto Kakashi.

Não havia emoção no rosto do Hatake. Não havia nada em seus olhos que pudesse ser lido como uma mera reação ao ato.

– Eu me arrependo amargamente de não ter deixado aquela pedra esmagá-lo. Rin teria vivido, talvez comigo ou sentindo-se culpada pela morte dele. Mas estaria viva. – Obito não havia encarado a cena, estava de costas. Naruto fitou o manto negro e olhou em volta com confusão. – Seria um mundo diferente, não concorda?

O barulho dum trovão rompeu o céu. A chuva impiedosa lavava o sangue de Rin e apagava qualquer rastro de emoção no rosto de Kakashi.

E então, houve apenas o escuro.

_____そんざい_____

O rosto de Obito velava quaisquer emoções que pudessem demonstrar o quão destruído sentia-se. Sentia seus esforços reduzindo-se ao nada, quando se lembrava do rosto dela e do choque de seus olhos. Queimou-lhe a alma quando vira o quão tolo fora ao sacrificar-se por alguém como o Hatake.

A desolação que o instigava era a mesma que o destroçava. Suas próprias ideias destruíam seus conceitos e sonhos de haver satisfação na conclusão do Tsuki no Me. Não haveria satisfação, premiação ou extinção de seus temores, seus assombros e cicatrizes. Haveria apenas um poço profundo de mentiras e doces ilusões ao pé do ouvido.

Era disso que necessitava.

– O mundo shinobi precisa de tragédia. – pronunciou as primeiras palavras com a firmeza esperada, com o ódio escapando em cada sílaba e dilacerante como aquele que corria em suas veias. – Tragédias e vilões são os que movem o mundo ninja.

Não obteve a atenção total de Naruto, mas sabia que o passado e o presente digladiavam numa tortura mental sobre o Uzumaki. Lia o choque nos olhos dele, vagando entre o desespero e a raiva.

– Este mundo precisa de tragédias e vilões para que os heróis triunfem. Eles precisam de sangue derramado, violência e caos para que haja a paz e a glória. – as palavras saiam uma após a outra, com ferocidade e criando sua própria verdade. – Mas qual é o preço exato que um shinobi está disposto a pagar para que haja um herói? Você sabe Naruto.

As palavras ásperas cumpriram seu trabalho. Naruto vagueava entre a raiva e o desespero. Seus olhos procuravam um ponto de realidade, alguma fuga de Obito ou das cenas que presenciara. Havia somente retângulos, cinzas e pretos.

– A Vila de Konoha, aquela que você defendeu bravamente só lhe impôs um título amaldiçoado. Colocaram na sua cabeça uma moeda cobiçada de troca, não lhe deram uma identidade. O nome da Kyuubi sempre veio antes do seu, não é? – sussurrou severo, gesticulando e encarando cada lampejo de raiva no olhar de Naruto. – Antes do nome de Sasuke, vinha o massacre de um clã. Antes do meu nome, o título de vilão.

Naruto procurava algum modo de rebatê-lo, mas sentia o peso da verdade em cada frase cuspida com veracidade.

– Não importa seus esforços, qualquer Vila só irá lembrá-lo e vê-lo como um demônio que carrega outro. Sasuke só será visto como o sobrevivente do massacre de seu clã e que traiu sua Vila por poder. Eu só serei citado como o ninja que se sacrificou em vão e busca uma vingança morta.

Ambos encararam-se e houve o silêncio por meio segundo. Cada palavra remetia uma pequena e quase insignificante lembrança que provava de algum modo o quão correto estava Obito.

– Este peso foi imposto por uma Vila. Nenhum shinobi é reconhecido por seu valor, apenas por suas tragédias. – continuou aproximando-se de Naruto com cautela. – Gaara e Itachi são exemplos do que uma Vila é capaz por um shinobi que ostente a posição de herói. Você realmente acredita que algum deles queria ser visto como um monstro, uma prova viva de traição e escória? Não. Nenhum ninja é treinado para ser odiado por sua própria nação.

Outra verdade. Outro fato exposto. E o Uzumaki sentia-se atado a cada fato e a cada verdade, como se elas justificassem e explicassem sua existência.

Sua mente brincava com crueldade. Sentia os olhares tortos e de advertência sobre todos quando era menor, as mães afastando seus filhos e lhes dizendo que deveriam ficar longe. Sabia que a rejeição estava em cada rosto virado repentinamente, em cada expulsão de estabelecimento e nos murmúrios que o seguiam a cada passo por Konoha.

Fora chamado de monstro por aqueles que havia defendido durante a Guerra. Intitulado de Jinchuuriki, sem nome ou direitos, e aprisionado diante de olhares tortos e satisfeitos com o ocorrido. Não tivera defesa, apenas acusação.

– Eu sou o vilão da história por querer dar um mundo mais justo e menos odioso do que este às pessoas. E você foi instruído para ser um herói que foi odiado e renegado entre seus patriotas a fim de salvar esse mundo. Isso não é outra tragédia escrita por seus anciões e conselheiros, Naruto?

O rapaz desviou os olhos e os fechou com força. O rosto risonho e com um sorriso gentil de Kushina invadiu sua mente, tal como o tom de desculpas de Minato. Nenhuma lembrança acalentava ou diminuía a incerteza em seu peito.

Obito sorriu com calma e afastou-se lentamente.

– Você sabe que esta é a verdade. Seus Kages puseram sua cabeça a prêmio, mataram e prenderam aqueles que se puseram ao seu lado. Estão vendendo os mais habilidosos e querem moldar suas vidas a seu bel prazer. Qualquer ninja com uma Kekkei Genkai é dissecado e vendido a um alto preço entre as nações, como sinais de amizade mútua.

Naruto trincou a mandíbula. Sabia que era outra verdade, sendo exposta e jogada em sua face sem que pudesse responder à altura. Seus esforços na Guerra e o que havia perdido no processo pareciam em vão diante daquela realidade que Obito apresentava.

Era tão cruel e corrupta quanto o pós-guerra. Pois era a mesma realidade. Não havia o que salvar. O resultado da Quarta Guerra Ninja havia adicionado um capítulo na história imutável.

– Isto é um mundo justo para você?

Obito não esperou pela resposta. O limbo mesclava-se, a sensação de espaço começava a ser sufocante quando as cores misturaram-se e tudo desaparecia.

_____そんざい_____

O contato visual fora quebrado com a brasa e o crepitar das chamas próximos de si. Seus olhos varreram o local, encontrando Gaara e Hinata reclusos em diferentes espaços com as chamas negras dançando em volta de cada um num círculo pequeno. O odor de sangue e fogo encheu o ar.

O buraco no abdômen de Obito estava nítido e ensanguentado, suas vestes estavam rasgadas ao redor do ferimento, entretanto o orgulho ainda queimava em seus olhos e sua postura permanecia ereta. Suportara a dor por todo aquele tempo, mascarando com perfeição o que o afligia.

Fora assim por anos, não seria diferente agora.

– Abra seus olhos, Naruto.

A frase pairou no ar com um leve sorriso acompanhando-a. As chamas desfizeram-se tão repentinamente quanto haviam se instalado. Obito havia desaparecido pouco depois, sem quaisquer rastros que indicassem para onde havia ido. As palavras dele ainda ecoavam na mente do Uzumaki, instigando e revirando sua memória a cada hipótese que se erguia com solidez.

O ardor que devorava a pele de Hinata era insuportável, sentia seus músculos doerem e sua carne queimava como se as chamas ainda a devorassem. Tentava controlar o chakra esverdeado para fechar o máximo que podia do ferimento, entretanto seu chakra ainda estava moderado e não conseguia lidar com a dor física que lhe afligia quando fechava poucos centímetros da ferida.

Gaara mantinha-se imóvel, tentando ignorar a dor e o ardor em sua costela. Seu ferimento havia sido menor, mas profundo. Suas mãos tremiam enquanto forçava-as contra a ferida, a fim de estancar o sangue. Trincou a mandíbula, grunhindo como um animal quando sentiu outra fisgada de dor.

Naruto os assistia com a culpa ressoando em seus ouvidos e paralisando seus músculos. Nenhum shinobi é reconhecido por seu valor, apenas por suas tragédias. Olhou desolado para suas mãos, uma vermelha e a outra limpa. Qual era o valor de um shinobi?

Não ousava responder. Sabia que Obito havia lhe dado grande parte das respostas que sua mente sussurrava entre uma lembrança e outra. Sentia o calor das palavras, afugentando qualquer perspectiva de sentir que ainda tinha um lar.

Konoha não fora seu lar. Num lar, não há traição.

– Não vou abandoná-lo, Naruto-kun. Eu não vou desistir de você. – as palavras de Hinata o fizeram encará-la. Ela sorria com gentileza para ele, enquanto forçava o chakra a fechar a ferida no braço.

Os olhos de Naruto relutaram e ele quis fugir daquela realidade e de todo o seu peso. Aquele mundo não era justo ou agradável, como iludira-se que poderia ser. Havia apenas sangue e cinzas. Não havia vez para a justiça ou títulos. Qualquer homem era reduzido a nada em segundos.

Clãs desfaleciam diariamente, nações se ajoelhavam ante mercenários e Vilas eram espaços vastos de solidão e miséria. Aquele mundo shinobi não era justo. Não era afável. Era um conjunto de tragédias, dores e fantasmas.

Não havia lar ali.

– Por favor, não me decepcione e não desista de si mesmo. – o tom ameno de Hinata capturou a atenção de Naruto. Sua voz saía sussurrada, cada palavra fora dita com o esforço de parecer que ela estava bem o suficiente para estar ali. – Eu nunca desisto, lembra?

Um sorriso fraco se instalou no rosto de Naruto. Era apenas uma criança na época. Estava livre de promessas, grandes decepções e traições sucessivas. Não era um herói, era apenas um garoto de roupas laranja e azul, com uma bandana na testa e um sonho pulsante.

Definitivamente Konoha não era mais seu lar. Os anos de luta e verdades foram lapidando seu sorriso num fraco repuxar de lábios. Os últimos dias de batalha na Guerra o transformaram na imagem perfeita do descontrole; somente se lembrava de lutas árduas, rostos conhecidos e pessoas gritando seu nome.

Alguns o viam como herói, outros como um trunfo na Guerra; mas Hinata o via somente como Naruto. O garoto que queria ser o Hokage, mostrar seu valor através de seus punhos e sonhos. Ela não conseguia vê-lo com outros olhos.

– Hinata... E-Eu... – gaguejou em tom baixo. Sorriu-lhe da melhor maneira que pôde; seus olhos pedindo desculpas e acanhados. – Obrigado. Não vou desistir de você também.

Foi naquele gesto simplório que ambos ficaram num silêncio mútuo e quase necessário. Pois não havia como decifrar exatamente o que ele sentia ou o porquê dela tê-lo feito sentir que aquele par de olhos o fazia sentir-se Uzumaki Naruto.

Diante dela, ele era somente o rapaz de roupas chamativas e confiante. Diante dele, ela era a garota que o fizera acreditar em si mais uma vez. Entre si, eram apenas dois seres humanos. E por hora bastou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Yo!
Depois de muito tempo, mais um capítulo de Sonzai. ^-^'' Por favor, me desculpem a imensa demora. Estava sem tempo, inspiração e todas as vezes que tentava escrever a continuação, parecia que não estava entrando no universo da fanfic.
Enfim... Esse capítulo serviu para mostrar um lado mais, hã, sério. Espero que tenham gostado. ^^
Algumas pequenas explicações:
— Obito tem o Sharingan e Rinnegan implantados, por isso não tem como seus olhos "desativarem" e voltarem à cor original. Seria um pouco surreal demais se ele conseguisse tal feito;
— a Aliança Shinobi se rendeu porque eles não tem a localização exata de Sasuke (e não há voluntários de bom grado que queiram capturá-lo) e não podem contratar mercenários, pois investiram alto na Quarta Guerra e o resultado (que não foi o esperado) quebrou o sistema financeiro das Vilas (outro motivo que os leva a vender os shinobis mais habilidosos);
— outro motivo que levou a rendição da Aliança é que só restou um Jinchuuriki e ele é a moeda de troca mais preciosa. O país que o tiver subjugado vai comandar a Aliança inteira (pois eles estão basicamente na fase de disputa por poder militar);
— a Kyuubi não vai mais emprestar seu poder para o Naruto, isso inclui que ela não vai curá-lo (se ela o fizesse, seria meio irônico);
— quando Obito mostra o que o fez querer o Tsuki no Me, ele passa um Kakashi indiferente quando acaba matando Rin (lembrando que o Obito modificou um pouco isso, porque ele não viu a reação do Kakashi, suas emoções).
São apenas para mantê-los informados do ritmo da fanfic. Qualquer outra dúvida, me envie que eu vou procurar respondê-la.
Espero que tenham gostado da música, do capítulo e se algo não ficou bem claro ou se houve erros ortográficos, me avisem por favor.
E finalizando, muito obrigada àqueles que acompanham a fanfic e os que comentam. Seus comentários incentivam-me muito a continuar escrevendo, de forma geral. ;) Muito obrigada a LauraHazza pela recomendação. NaruHina já começou e será apresentado de um modo leve e ao mesmo tempo intenso (sou péssima em lidar com romance, portanto se não sair bom, perdoem-me) e é mais isso por hora.
Até o próximo!
o/