VIII. Porque ser invisível é gravar perigosamente

Estávamos no estacionamento de hotel de beira de estrada, Sirius havia tirado algumas garrafas de cerveja do porta malas e eles estavam bebendo. Eu e Dorcas nos recusamos.

- Cara... Isso ‘tá mais louco do que eu pensava – disse Sirius, bebendo um gole – ‘tá muito irado!

- Só se for pra você – murmurei me desencostando do Chaulau e me apertando em minha blusa de frio, sentindo a câmera dentro do meu bolso interno. Comecei a andar em direção ao hotel.

- Aonde você vai? – perguntou o Potter. Não me virei e continuei a andar.

Eu queria gravar o Lady. Eu precisava gravar o Lady. Era uma passagem na minha vida que eu talvez nunca tenha coragem para fazer de novo. Eu estava me arrependendo horas depois, imagine repetir o ato?

Você já sentiu como se seu espírito estivesse livre de obrigações e rótulos? Como se nada, além de você e somente você importasse? Quando você sente que tudo vai valer a pena, mesmo que seja a maior cagada do mundo? Talvez não, por que vocês não são tão irresponsáveis como os Marotos, ou a mim.

Eu... preciso gravar no Lady. Se tornou meu diário, meu melhor amigo com que desabafo. Eu sabia que pessoas me assistiam, muitas pessoas, mas isso só fazia a coisa ficar mais forte. Saber que alguém me escutava, que alguém sabia que eu estava ali. Saber que eu fazia algo que realmente valia a pena, e que seria recompensada.

Que eu existia. Que eu fazia a diferença. Que aquele era o meu momento.

Passei pela porta e espiei por meu ombro. Não tinha ninguém me seguido. Olhei em volta do hotel e fui até a recepção, onde um homem gordo e fedido estava entretido num computador mais antigo que eu já vi.

Cheguei perto e ele pareceu nem me notar. Pigarreei. Ele olhou pra mim, e eu observei com o mais puro nojo um olhar malicioso dele passar pelo meu corpo. Totalmente enjoada, perguntei grossa aonde ficava o banheiro e ele me indicou com um aceno de cabeça.

Andei apressadamente até o banheiro, mas de longe consegui sentir o cheiro horrível que exalava, não cheguei a entrar.

Vamos Lílian, pensei parando, qual lugar por aqui não denunciaria onde você esta?

Olhei em volta novamente e vi uma porta. O que custava ver?

Me aproximei lentamente olhando pros lados. Eu sabia que o corredor estava deserto e que dificilmente alguém apareceria ali, mas eu estava muito assustada pra isso.  Não exatamente assustada... Sabe quando você sabe que esta fazendo algo errado, ou algo que você não deveria estar fazendo e seus sentidos ficam mais aguçados e parece que o mundo vai conspirar contra você?

Exatamente isso que eu estou sentindo agora.

Abri a porta. Ela rangeu por estar muito velha, mas foi pouco.  Estava muito escuro e tinha um cheiro razoavelmente suportável , liguei e com a luz da pequena tela eu iluminei o que deu, descobri que era um sótão, bem sujo, mas nada insuportável como o resto do prédio.

Eu gravei, dando muitas pausas e exaltações que me entregariam.  Seria um vídeo horrível, que vai ter muitos cortes, mesmo. Mas não irei gravar novamente pois eu falei num entusiasmo que  eu nunca tive, até agora.

Quando voltei percebi que tinha demorado demais, e que todos tinham revirado o hotel atrás de mim, afobados, quase derrubando tudo pra me achar. Quando eu apareci foi uma gritaria geral.

Potter estava tão afobado que me deu medo. Seu rosto estava vermelho, seus cabelos completamente bagunçados (diferentemente do bagunçado normal, era um bagunçado... bagunçado) e seus óculos estavam tortos em seu rosto, fazendo ficar bem engraçado.

- Que foi? – perguntei, Dorcas começou a falar, berrar, xingar, bater e tudo que se pode fazer  quando você reencontra sua melhor amiga ruiva que tinha sumido num hotel podre e desconhecido.

Black estava normal, como quando sai. A diferença é que agora fumava um cigarro junto a Marlenne, que também estava calmíssima.

- Onde vamos dormir? – disse depois de me livrar dos socos de Dorcas e recuperar o ar.

- Aqui – disse Sirius depois de soprar o ar. Potter se aproximara também e pegara um cigarro, juntando as pontas com o de Marlenne para acender. Torci o nariz pro cheiro.

- Sério? Esse hotel tá caindo aos pedaços, e não temos dinheiro – eu disse e olhei pra Dorcas esperando apoio, que não veio.

- Mas eu prefiro dormir aqui e gastar nosso dinheiro do que ficar em um carro apertado, ou pior, nem dormir – ela disse e eu a olhei indignada. Depois que os três apagaram o cigarro, entramos novamente.

O velho tarado ainda estava lá, fazendo a mesma coisa de quando entrei sozinha. Ficou animado ao ver hospedes, e logo nos mandou para nossos quartos. Dormiríamos todos em um só quarto.

Subimos as escadas rangendo indo para o quarto 62. Entramos e era um lugar não muito bom, mas não chegava a ser péssimo. Como o velho tarado havia dito, não tinha 6 camas, apenas duas de casal. Nós garotas dormiríamos nas camas (eu dividiria uma com Dorcas) e os meninos dormiriam no chão com colchões que o velho tarado disponibilizou.

Pelo menos tiveram esse gesto de cavalheirismo.

Eu queria contar para Dory que havia gravado, mas não havia como. Mesmo se sussurrasse em seu ouvido, acho que daria para ouvir. Estávamos no meio do nada, estava o maior silêncio e um mínimo movimento faria as molas enferrujadas da cama velha ranger.

Nunca em toda minha vida eu imaginaria que um dia eu chegaria a esse estado, de dormir em uma cama enferrujada, num hotel caindo aos pedaços, numa estrada deserta com os Marotos, McKinnon e Dory, num tipo de aventura rebelde de adolescentes problemáticos.

Eu estava muito desconfortável, e não consegui dormir. Não por ter dividido a cama com Dory, até porque nós duas somos magras demais e não ocupamos muito espaço na cama, mas por estar onde estou. Agonizante.

No meio da madrugada, não sei ao certo, mas talvez as 4hrs senti uma vontade de ir beber água, e eu sabia que teria que descer ao saguão para comprar uma água na maquina.

E o que aconteceu dentro de 5 minutos só de ida para matar minha sede... Eu não conseguiria explicar em tão poucas palavras.