Jogos Vorazes - O Garoto Do Tridente escrita por Matheus Cruz


Capítulo 7
Brincando com Carreiristas




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O ginásio é imenso. Armas, simulações de armadilhas e obstáculos que podemos vir a encontrar na Arena, estão em todos os lugares. Somos um dos primeiros à chegar e eu sigo todo confiante para a pilha de instrumentos disponíveis num pequeno pedestal de mármore. Sei que não encontrarei o que realmente quero, mas mesmo assim arrisco uma sondada em volta, sem resultado.

Dakota vai para o outro lado do ginásio e fica em frente à uma parede coberta por alvos, pendurados em diferentes posições. Uma mala de couro aberta oferece adagas afiadas e a menina as manuseia sem dificuldade.

Já treinei muito com facas na escola, mas nunca me dei bem com elas, sempre arranjava um corte ou acertava alguém. Mas minha destreza com lanças e espadas é impecável, e claro, com tridentes.

Nunca tive um. Os tridentes são muito caros, já pesquei com o de um velho pescador do cais e a experiência foi bem interessante. Me apaixonei de verdade quando os tridentes também participaram dos treinamentos escolares, aperfeiçoei técnicas e aprendi golpes fatais. Os demais alunos não se interessavam tanto por eles quanto eu, por isso sou um dos únicos do meu Distrito à usá-los para combate.

Estaríamos sozinhos ali se não fosse por outros dois tributos do Distrito 7, na outra extremidade do ginásio.

Solitário, vou sorrateiro até uma câmara escura repleta de manequins brancos, sem rosto, organizados em longas fileiras. Numa caixa de vidro pendurada na parede, lanças e espadas são expostas. Agarro uma espada, pesada demais, demoro para me acostumar com ela, levanto o braço e a giro entre os dedos, superstição minha, e enfio sem hesitar a lâmina num dos bonecos de porcelana.

Ouço passos atrás de mim.

–- Parabéns! – um garoto se aproxima, batendo palmas e sorrindo simpático. Ele é magro, tem um cabelo cinzento liso e curto. – Isso foi incrível, queria saber lutar com espadas também. Onde você aprendeu? – sua voz é fina e alegre.

–- Bem... – fico sem palavras, o garoto olha pacientemente para mim, aguardando uma resposta.

Pensar em ter contato com outros tributos tirou meu sono ontem à noite. Depois do que aconteceu, das atenções concentradas em mim e Dakota, pensei que a recepção seria no mínimo assustadora, com ameaças sussurradas e um dedo apontando para minha cara, nunca imaginei nada tão caloroso e amigável...

–- OK, você é um daqueles guerreiros Carreiristas, deve estar com vontade de enfiar essa lâmina no meu peito. Acho que eu nem devia ter falado com você, eu sou um mané, não se preocupe em responder... – ele dá as costas e sai andando calmamente.

–- Ei! Espere... – digo, o garoto se vira para mim – Eu posso... te ensinar alguma coisa.

–- Sério? – ele saltita na minha direção, eufórico – Eu aprendo rapidinho, juro que não vou errar...

–- Calma, tudo bem, você pode errar, ninguém consegue na primeira tentativa.

–- Ufa! Ainda bem que você me entende... – vejo a pequena etiqueta grudada na sua camisa, nela está escrito: Distrito 12.

–- Você é do Distrito 12? – pergunto.

–- Sim. – ele responde enquanto tira uma lança de bronze da caixa de vidro.

–- Como é o seu nome?

–- Zen.

–- Bem o meu é...

–- Finnick Odair, eu sei, todos andam falando de você. – Zen segura a lança com as duas mãos, normal em inexperientes e seus olhos brilham enquanto examinam o objeto.

–- Hum, não sente raiva de mim? – arrisco – Acho que exagerei um pouco, acabei ofuscando você e os outros...

–- Claro que não! Imagine... Nem sei como te agradecer! – Zen diz, e se prepara para arremessar a arma num dos bonecos.

–- Agradecer?

–- É, o meu estilista é um mongolóide, nossa fantasia estava horrorosa e o nervosismo me consumia, acho que eu não teria coragem nem de acenar. Foi um alívio saber que tinha dois tributos peladões chamando a atenção de todo mundo, assim não daria tempo de ninguém prestar atenção nos insignificantes competidores do Distrito 12.

–- Hum... – a sinceridade do menino me pega de surpresa.

–- Então, você não vai me ensinar? – Zen sorri e eu retribuo.

–- É muito fácil...




A treinadora é uma mulher negra, alta e de porte atlético. Agora os 24 tributos se encontram reunidos em volta no pedestal de mármore onde ela se encontra, cercada de armas. Zen está ao meu lado, encolhido, temendo os outros, tão maiores e mais fortes que ele. Dakota fez amizade com a menina do Distrito 1 e as duas conversam fluentemente. Eu evito olhar para os lados, estou sendo vigiado, sinto isso, o que me dá uma tremedeira nas pernas e um formigamento irritante no peito.




Todos nós estamos vestidos com um uniforme colã azul e preto.

–- Bem vindos à Estação de Treinamento. Durante três dias, os Idealizadores dos Jogos estarão observando vocês por aquele vidro – ela aponta para a parede de vidro negro, não é possível ver o que está do outro lado, e de repente e sensação estranha faz sentido. – Se esforcem bastante, a nota vai ser uma importante aliada, essa é uma oportunidade única.

–- Estou perdido, eu não sei fazer nada... – Zen pousa a mão no meu ombro e suspira angustiado.

–- Os obstáculos daqui sugerem o que vocês encontrarão na Arena. – ela aponta para a entrada das câmaras, uma delas é a que eu estava minutos atrás. – As armas são as mesmas espalhadas na Cornucópia. – isso me desanima, pelo jeito não haverá tridentes na Cornucópia. – Bem, boa sorte!

Os tributos se espalham, eu sigo em direção à uma das câmaras e Zen me segue.

–- Eu vou com você. – concordo e seguimos para uma das portas de carvalho entreabertas.

O local é estreito, escuro e o corredor de entrada lembra um... Eu e Zen entramos numa curva, e outra e continuamos andando, não entendo o objetivo daquilo, mas continuo, se tem alguma pista sobre o que poderei encontrar na Arena, ela está aqui.

Começa a ficar frio, o chão escorregadio, as paredes cobertas de limo e teias de aranha.

–- Finn, que lugar estranho. – viramos à direita e nos deparamos com dois corredores, cada um seguindo para um direção.

–- Ops, e agora? – eu me pergunto por qual corredor continuar.

–- Melhor nos separarmos, se algum de nós encontrar a pista, volta para esse mesmo ponto de encontro, se não encontrar também. – Zen aponta – Eu vou pela direita.

–- Feito.


É desencorajador andar por ali sozinho. Surgem curvas e portas em todas direções, o caminho fica mais sinuoso e minha respiração faz eco no espaço deserto. Evito tocar as paredes cobertas de limo, continuo à passos vacilantes, inseguro.


Mags disse que essas câmaras são importantes. Hoje pela manhã tivemos uma conversa sobre o Treinamento e ela me alertou sobre os demais tributos. Não se pode confiar inteiramente em nenhum deles, alianças são importantes, mas perigosas. Acordos com os tributos certos, grandes, fortes e inteligentes.

Zen é um menino, deve ser mais novo do que eu. Inocente, acho que a idéia de matar outras pessoas é distante demais para ele, dói o coração só de pensar em como ele vai morrer em poucos minutos, não sobreviverá à Cornucópia. Amigo, ele me ver assim, mas não quero fazer amizades. Alianças tudo bem, mas amizade é algo muito mais profundo. Confiança, não posso entregá-la novamente, Zen pode ser muito mais esperto do que eu imagino.

Devo me afastar dele.

Isso são os Jogos Vorazes, não um passeio no parque. Se por acaso encontrar alguma coisa, não mostrarei à ele, quem me garante que ele vai me ajudar se por acaso encontrar a pista?

–- AI! – escorrego e tento me apoiar nas paredes. Xingo, o musgo esverdeado cobriu minhas mãos. – Eca! – tento tirar aquele material viscoso de mim, sacudir o braço não adiantou muito.

O reflexo azulado atinge meus olhos, pisco tentando me acostumar à luz. Boquiaberto, adianto-me, uma camada de líquen se desprendeu da parede e revelou uma vidraça gasta e arranhada. Empolgado, removo a sujeira e a vidraça vai ganhando forma aos poucos. Luz enche o ambiente úmido, aperto os olhos e vejo algo se mexer do outro lado, ou alguém... Zen, o corpinho magro e o andar desengonçado são inconfundíveis, mesmo que o tenha conhecido há algumas horas. Ele está correndo e tem... Oh, não! Dois tributos o persegue.

Infelizmente não consigo ver mais nada, sigo, limpando o vidro e tentando entender que caminho eles estão seguindo. Tenho um mal pressentimento...

Os perdi de vista, com certeza aqueles Carreiristas o alcançaram, mas é proibido matar tributos antes de entrar na Arena. Deve ser uma daquelas brincadeiras violentas dos Carreiristas. O Zen é pequenino, magro e mau sabe segurar uma espada, o alvo perfeito.

–- Finn! – o meu coração salta, Zen está atrás de mim, com sangue escorrendo pelo canto da boca – Socorro.

–- Ora, ora ora! – familiar os Carreiristas que saltam à nossa frente – o gnomo e a sereia... – a voz fria e grossa faz o ódio borbulhar dentro de mim, líquido, fervendo, subindo pelo esôfago e queimando a garganta.

–- Fazem um lindo casal. – o inconfundível cabelo cor de fogo é da garota do Distrito 2.

–- Vamos sair daqui Finn – Zen insiste, tremendo, com medo.

–- Shiii, Irina, acho que a sereia não gostou muito da brincadeira... – o tributo masculino do Distrito 2 me fuzila com um olhar penetrante. Olhos de caçador, assassino.

Simplesmente travado. A raiva faz meus dentes rangerem, eu retribuo o sentimento... Levanto o braço calmamente, troco um último olhar com Zen e mostro o dedo do meio para o garoto do Distrito 2.

–- Dan... – Irina tenta impedir o colega, mas Dan avança e afunda o punho na minha cara.

–- Não brinque comigo, nunca! – a dor é forte, com certeza fraturei meu maxilar. O gosto metálico do sangue invade a boca e se mistura a saliva, cuspo no chão. – Fricote...

Dan e a garota do 2 dão as costas, eu me ponho de pé com a ajuda de Zen.

–- Eu acabo com ele! – estou cego, é horrível esse sentimento que me consome.

–- Não! – Zen tenta me impedir de avançar.

–- Me solte! – empurro o garoto, que cai feito uma marionete. Não olho para trás, corro, deslizando pelo chão escorregadio. Os dois estão poucos passos a frente. Agarro o ombro largo de Dan – Minha vez! – o punho fechado, certeiro, violento. Escuto um “crock” quando o murro atinge o rosto dele.

–- Meu nome é Finnick Odair, e tenho o maior prazer de te mostrar quem é o fricote aqui! – digo enquanto avanço para matá-lo.



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