Jogos Vorazes - O Garoto Do Tridente escrita por Matheus Cruz


Capítulo 26
Fim de Jogo


Notas iniciais do capítulo

"Antes de Embarcar em uma jornada por vingança, cave duas covas"

(Confúcio)



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ZEN!

Meu grito ecoa pela Arena deserta e silenciosa, não há respostas.

Minhas únicas companhias são dois cadáveres atirados na grama. Estou sozinho e o resto do mundo parece distante e inalcançável.

Aos soluços, deixo meus joelhos cederem, tapo os olhos com as mãos enegrecidas de sujeira e choro, tremendo febrilmente.

Rezo, agradecendo por estar vivo, por ter conseguido chegar até aqui. Falta pouco até que eu possa voltar para casa, reencontrar minha família e enfim cumprir a promessa que fiz ao papai e à Annie.

Não lutei em vão, consegui! Sou o último sobrevivente, o vencedor.

Mas a vitória veio com um preço.

Abro os olhos, enxugando as lágrimas e fixando-os no pequeno corpo ensangüentado caído à alguns metros. Sinto o coração trincar e um pesar cair sobre os meus ombros. Abalado, tento ficar de pé, mas meu corpo está mais lento e pesado, minhas forças se esgotaram.

Se ainda precisasse lutar com alguém, seria morto facilmente.

Respiro fundo e começo a rastejar em direção à Zen.

Não há nada que possa fazer, há uma lâmina no seu coração. Só preciso de um último momento para olhar nos seus olhos e agradecê-lo. Ele se sacrificou por mim. Devo minha vitória a ele.

Sua morte era inevitável, sabia disso desde o início, só não imaginava os rumos que o jogo iria tomar. Em poucos dias, nasceu e cresceu uma amizade verdadeira entre nós, algo realmente raro e perigoso aqui, mas suficiente para manter vivo um pouco do antigo Finnick, e evitar que me tornasse um ratinho de laboratório da Capital.

Conto mentalmente os segundos, rezando para que o canhão não estoure antes que tenha a chance de falar com ele uma última vez. Enquanto luto para engatinhar o mais rápido possível, os pensamentos giram na minha cabeça. A dor, tanto física quanto emocional, deixa os meus músculos trêmulos e a visão turva.

Ofegante, respiro fundo e continuo, desfalecendo ao seu lado. Á beira da inconsciência, me aproximo mais um pouco e toco as pontas dos dedos na sua testa gélida e suada. Zen entreabre os olhos.

Suspiro de alívio e fico de frente para ele. A troca de olhares trás uma confusão de sentimentos. Levo a mão ao rosto, envergonhado, e volto a chorar, sentindo-me covarde e culpado.

-- Zen... – sussurro com a voz embargada, enxugando as lágrimas rapidamente. – Antes que você vá... – enxugo o nariz com a barra da camisa – Zen, foi tudo culpa minha, eu...

Engulo em seco, seu olhar é intimidador. Sinto que ele não está mais presente, mas ainda pode me ouvir. Respiro fundo, preciso ser rápido, logo o canhão irá estourar e não terei outra chance. Nunca mais.

-- Zen... obrigado – soluço – Obrigado por ter entrado na minha vida...

O canhão estoura impiedosamente. O som decepa minhas palavras.

-- Eu te amo. – sussurro, sentindo uma amargura esmagadora comprimir minhas costelas e zumbir nos meus ouvidos. – eu te amo irmão...

Aos soluços, deixo a cabeça pender para a frente. As gotas escorregam das minhas pálpebras pelo  nariz e pingam na grama.

Acabou. Venci.

Os primeiros aerodeslizadores surgem no céu, rompendo a negritude da noite com seus holofotes e lançando sobre a campina um vento quente e intenso. Uma grande garra de ferro recolhe o corpo de Dan a alguns metros, e outro aerodeslizador plana logo acima da minha cabeça, lançando a sua garra em direção a Zen. Me afasto rapidamente, desviando o olhar para não assistir àquela cena patética, enjoado.

Os aerodeslizadores se afastam e a campina mergulha novamente nas sombras. Vislumbro o reluzir azulado do tridente à alguns metros, mas o ignoro. Levo as mãos à cabeça e olho em volta, horrorizado, sentindo bile subir rasgando pelo esôfago. Preciso sair daqui, penso. Quero voltar para casa.

Aguardo a voz cantada e tradicional de Claudius Templesmith romper a quietude, mas nada acontece. A ansiedade começa à borbulhar dentro de mim, a saudade nunca foi maior, a vontade de reencontrar a Annie é avassaladora.

O desespero aos poucos ganha força, sinto os batimentos cardíacos acelerarem, finco as unhas no rosto, olhando em volta, apressado e paranóico, louco para sair dali o mais rápido possível e encontrar alguém, alguém que olhe nos meus olhos e diga que venci, que a coroa é minha e poderei reencontrar minha família.

-- Meu Deus. – sussurro, angustiado, torcendo para que no instante seguinte um aerodeslizador venha me buscar – Quero sair daqui! – as palavras saem num tom selvagem, embargadas. – Mãe... Pai...

Tudo que vivi até ali volta em flashes como luzes estroboscópicas, as cenas somem e desaparecem numa confusão estonteante de borrões e sons. Gritos, súplicas, ameaças, aplausos, conselhos, estouros de canhão. Cápsula de vidro, carruagens, criaturas coloridas, chifre dourado, labirinto, deserto, oásis, escorpiões, serpentes em chamas, explosão, rede, galhos, mortes.

Nunca mais vou precisar passar por isso de novo. Nunca mais!

O terceiro aerodeslizador surge no céu, me arrancando um suspiro de esperança, ele plana com os holofotes lançados contra o meu rosto. Protejo os olhos e o observo se aproximar como um imenso balão de metal, pousando lentamente atrás da Cornucópia.

Naquele instante, não imaginava o que estava prestes à enfrentar e como aquele sorriso desapareceria facilmente no minuto seguinte.

-- Panem! – a voz retumba, fantasmagórica e penetrante. – Querida Panem! – Claudius Templesmith me faz sobressaltar – A Sexagésima quinta edição dos Jogos Vorazes, ainda não acabou! – o sorriso desaparece do meu rosto num segundo, sinto um arrepio percorrer minha espinha, o ar faltar nos pulmões e um desespero crescer dentro do peito. – É isso mesmo! As regras foram criadas para serem mudadas, não é mesmo? Que surpresa incrível para o nosso Garoto do Tridente! – percebo que as câmeras, onde quer que elas estejam, estão focadas na minha expressão angustiada e incrédula.

A porta do aerodeslizador se abre, deslizando para o lado pela superfície lisa de metal. Aos poucos um quadrado toma forma na lateral da nave, iluminando a grama com uma luz amarelada que segue de forma irregular até a ponta dos meus pés.

De repente, as chamas ressurgem ao redor da campina, laranjas e flamejantes. Confuso, irritado, esvaído e assustado, começo à tremer, sentindo a cabeça prestes à explodir. Horrorizado, sinto a minha última chama de esperança ser apagada impiedosamente. Estou morto.

-- Senhoras e senhores, tenho o prazer em anunciar... – o som é cortado. Os Idealizadores querem que o momento anuncie por si só, pois não há palavras para descrever o sentimento que percorreu toda Panem, estampou todos os televisores e arrancou o foco de todas as câmeras.

-- Peixinho... – a voz familiar vem carregada de um ódio cortante e arrebatador. – Eu sei que você está aqui... – é fria e cruel, meio debochada – Sentiu a minha falta?

Dakota Marshall quer vingança.

...

O medo me domina. Queria acreditar, por um instante, que estou sonhando, mas sei que não é verdade. Dakota está viva e com raiva. Não há para onde fugir e tentar é besteira. As chamas cercaram a campina por todos os lados. Só me resta lutar, mesmo sabendo que, nesse estado, vencer Dakota é impossível.

Nossos olhos mantém um contato fixo e os dela parecem prestes à soltar faíscas. Segura e destemida, ela está quase igual a Dakota de horas atrás, exceto pelo ódio borbulhando no olhar.

-- Finnick Odair. – ela desce os degraus calmamente e ao pisar na grama, o aerodeslizador abandona o local sorrateiramente.

Os Idealizadores queriam isso, uma batalha final épica carregada aos extremos de rancor, paixão e nojo. Consigo imaginar com perfeição a Capital encarando um grande telão com os olhos rasos d’água, boquiabertos, emocionados como os rumos do reality.

Recuo, tropeço no meu próprio pé e caio na grama. Levanto imediatamente e corro em direção ao tridente; caído próximo. Ofegante, seguro a barra do instrumento com fervor, e me viro instintivamente. Uma sagacidade me invade. Preciso sufocar o medo.

-- Odair...  conheço esse nome faz um bom tempo, e acredite, ele só me traz tragédias. – o tom arrogante é inconfundível, tão lapidado que não deixa transparecer nenhum resquício de fraqueza.

Ela cruza os dedos numa mecha do cabelo e a joga para trás delicadamente, sorrindo. Os cachos loiros caem em cascata nos ombros, os olhos castanhos estão opacos e os lábios serrados num sorriso maldoso e calculista. O brilho da armadura é estonteante, dourada e lisa, torneada ao formato esguio e feminino de seu corpo.

-- Não... – lamento, minha voz está rouca e temerosa – Não pode ser... Dakota você... morreu!

Pisco, tentando assimilar as possibilidades, mas não consigo imaginar nada que explique logicamente a presença de Dakota aqui. A cena horrível que testemunhei horas atrás retorna, meio borrada, mas clara. É impossível que Dakota tenha sobrevivido.

-- Eu morri. Você não percebeu? A garotinha boba na qual você me transformou não existe mais. – ri friamente, observando a Arena destruída. – Nossa, isso aqui mudou muito...

-- Como? Dakota, eu vi! Você foi praticamente devorada pelos galhos, vi a morte escurecer seus olhos... – cambaleio, tentando me equilibrar em cima dos pés – Por que você está aqui?

Ela desiste de admirar a paisagem e me encara, suas feições encolhidas num sorriso malicioso se dissolvem e seus traços adotam um aspecto duro e desafiador, de repente a jovem garota fica anos mais velha, amargurada e venenosa.

-- Dizem que a vingança é doce, à abelha custa-lhe a vida. – responde vagamente.

No instante seguinte, a confusão de borrões na qual se transformaram meus pensamentos, se destrincha com facilidade, entrando em foco. A manhã chuvosa de anos atrás retorna em flashes rápidos e cinzentos: o meu pai entrando em casa chorando, a imagem da garota vendo o seu pai chegar em casa dentro de um saco preto, o senhor Calil nos contando como só sobreviveram o Sr. Odair e outro pescador que perdeu as duas pernas...

Edward Marshall, pai de Dakota Marshall.

Boquiaberto, recuo, o breve momento de iluminação é dominado novamente pelas trevas. Dakota percebe a minha compreensão e ri. Devastado, minha vontade é sair dali correndo e me esconder, agora entendo todo o rancor de Dakota. Eu sou o filho do homem que destruiu a vida do seu pai.

-- Dakota... eu não sei... não sei o que dizer. – as lágrimas escapam. Lívido, agora entendo porque ela quer voltar para casa. Sou seu último obstáculo.

-- Cale a boca – corta – Não quero suas desculpas. Crueldade do destino me trazer para a mesma Arena que você, mas, com o acaso, veio a minha chance de se vingar do homem que destruiu a vida do meu pai... – faz uma pausa – lhe tirando a pessoa que mais ama.

Fico ofegante quando um ódio repentino me penetra. Rangendo os dentes, lembro de todas as noites que meu pai acordou assustado, chorando, se sentindo culpado por ter provocado o acidente que matou seus colegas. Mergulhou na depressão por dois anos. Papai, você não fez por mal, tentava consolá-lo, Foi um acidente.

Outras famílias perderam seus mestres, outras crianças perderam os seus pais e nenhuma alimentou qualquer desejo de vingança contra o meu. Ele é um bom homem, Dakota não o conhece, prometi à ele que voltaria, perder o único filho o arrastaria para a depressão novamente.

-- Quase fracassei por sua causa. Deixei o coração falar mais alto... Nunca tinha me apaixonado por alguém antes, não imaginava que isso pudesse ser tão perigoso. – Dakota se aproxima, e para minha surpresa, reconheço o facão de Irina preso ao seu cinto. – Amar alguém é perigoso.

Milhões de possibilidades invadem minha mente, se o facão de Irina está com Dakota, é porque voltou do mesmo lugar que ela.

-- Pensei que talvez não precisasse te matar. – continua – outra pessoa faria isso por mim e ainda assim seria doloroso para o seu pai assisti-lo morrer. Idiotice a minha! – há um tom de repugnância nas suas palavras – Burra, fui muito burra. Hoje mais cedo, quando Dan me empurrou contra a parede e os galhos começaram à me sufocar, fiquei desesperada, nada saiu como planejado.

Silencia e caminha mais um pouco; me afasto, desconfiado.

-- Enquanto era laçada pelos galhos, achei que tinha desperdiçado a única chance de dar uma vida melhor ao meu pai e de vingá-lo diante de todo o país. Me senti a pior pessoa do mundo. Finnick, enquanto te via me assistir morrer, jurei, que se tivesse uma nova chance,  te mataria, não importasse as conseqüências.

Seguro com mais força a barra do tridente, até os meus dedos ficarem vermelhos.

-- Foi quando descobri que tinha uma segunda chance. – ela faz uma pausa, e nesse breve momento, somos envolvidos por uma quietude incomoda. – Eu não morri.

Aguço a audição ao máximo, revirando de curiosidade. Dependo da resposta, poderei diagnosticar o estado das minhas faculdades mentais.

-- Fui arrastada para um buraco e os galhos me soltaram numa masmorra escura.

Silêncio.

Tento digerir a história.

Isso explica o facão preso ao cinto dela.

-- Os Idealizadores explicaram como resolveram me dar uma nova oportunidade, fui um personagem importante dessa edição. Contaram como Panem se dividiu em apostas, surgiram rivalidades entre os Patrocinadores e os dois grandes candidatos eram eu e você. Os meus Patrocinadores me presentearam com essa armadura dourada e, em seguida, fui conduzida até o aerodeslizador. Permaneci num estado de transe e negação, achei que fosse uma alucinação, mas acordei ao considerar a minha sorte.

Engulo em seco.

-- Quase falhei uma vez, isso não irá se repetir. – afirma.

-- Ninguém vai me impedir de voltar para casa. – desafio.

-- Veremos. – a resposta é seca e direta.

-- Dakota, vamos jogar as cartas na mesa e acabar de uma vez por todas com isso. – sussurro, sentindo o rosto pinicar – Chega de máscaras, só jogamos com a verdade a partir de agora.

Dakota não entende. Ri, expondo apenas alguns dentes entre os lábios colados, jogando o cabelo cheio para trás, impaciente. Tremendo, tento aliviar a tensão dos músculos num suspiro profundo, fechando os olhos e calculando o quanto as próximas palavras precisam ser firmes e diretas. Levanto a cabeça. Dakota prega o olhar em mim, aguardando algum tipo de esclarecimento, acariciando suavemente a lâmina prateada do facão preso ao cinto.

-- Eu tenho pena de você, Dakota Marshall.

As chamas crepitam ao redor.

 – Assim que te conheci, dei de cara com a armadura que criou em volta de si mesma, na qual esconde lembranças, desejos e fraquezas. Onde reside a verdadeira Dakota, uma menina sensível, consternada e inocente. 

Ela permanece petrificada. Seus olhos intimidadores estão fixos nos meus, tentando me calar. Não funciona. É difícil, mas a encaro com a mesma intensidade. Por um breve momento, meu coração bate mais forte, sinto um nó na garganta. Seus olhos ganham um brilho mais castanho e aos poucos, visualizo as lágrimas se acumulando na pálpebra inferior, prestes a transbordar.

-- Não é apenas do meu pai que você quer se vingar, mas de mim também. Ninguém manda no próprio coração, é impossível saber quando o amor abrirá um alçapão debaixo dos nossos pés e todo o nosso ser mergulhará por inteiro num sentimento tão profundo e imprevisível. Do amor pode brotar tanto a admiração quanto o ódio. Quando ele nos envolve, pensamos ser uma doença sem cura, um sentimento perpétuo, mas dependendo dos cursos que a história toma, tudo pode terminar em sorrisos ou em lágrimas. O amor precisa ser sincero e verdadeiro, arrancar suspiros, invadir nossos pensamentos todas as noites quando formos dormir. Eu sei disso porque amo, você também sabe, só que quem invade seus sonhos sou eu e quem invade os meus sonhos não é você.

Dakota empalidece, as lágrimas vêem à tona e seus dedos calejados, antes enrijecidos de ódio, amolecem. Consegui abrir a armadura e expor a criatura protegida por ela. Dakota fixa o olhar nos próprios pés e treme, mordendo o lábio inferior com mais fervor, assustada, forçando-se a sufocar as emoções. Após anos tentando enterrar sua verdadeira face, entrar em contato com ela tornou-se um martírio.

Abalado, agarro o tridente e me preparo para matá-la.

Dakota se expõem ao baixar a cabeça. Os joelhos meio dobrados, deixando as mechas cacheadas do cabelo formar uma cortina em volta do seu rosto. Com o pescoço pálido ao alcance, bastaria um único golpe e seria o vitorioso. Um pesar comprime minha cabeça, fazendo o sangue correr mais rápido por minhas veias. Tentando não perder o fôlego, penso na família, na Annie e em tudo que conquistarei ao sair daqui vivo. Suspendo o tridente e avanço.

Devia ter imaginado que não seria tão fácil assim.

-- Desgraçado! – o vulto loiro apareceu atrás de mim. Os dentes do tridente se fincaram na terra, na direção onde antes estava o pescoço de Dakota. A voz fria me arrepia dos pés à cabeça, carregada com uma maldade crua e verdadeira, respingando saliva na minha nuca – Acabou. Fim de jogo. Xeque-mate!

A derrubo com uma rasteira e arranco o tridente da terra, jogando alguns bolos de areia para cima. Dakota gira para o lado quando invisto em outro golpe com o instrumento,  as chamas em volta da campina refletem na superfície lisa e dourada da armadura, freio as mãos antes que os dentes afundem na terra e a ataco novamente, mirando as pernas finas e torneadas.

A ferida nas costas dá uma fisgada violenta, seguida de uma dor inebriante. A fenda no ombro também protesta com o esforço, ignoro o incomodo e concentro na luta. Preciso extrair o máximo de energia que possa ter sobrado no meu corpo, se morrer, ao menos fiz o máximo que pude. Focar no exposto, reflito. Pernas, braços e pescoço.

Recuo alguns passos tentando sintonizar os reflexos e manter Dakota no meu campo de visão. Ela tem uma armadura, está protegida, não posso golpear às cegas, preciso saber exatamente onde fincar o tridente, matando-a com um único golpe. Ela é ágil, extremamente precisa e segura, um passo em falso é morte certa.

A minha primeira inimiga também será a última.

-- Peixinho... – vislumbro suas curvas, contornadas pela coloração forte das chamas ao fundo, distantes apenas por uns quinze metros.

Corre em minha direção, decidida, tirando adagas do cinto. As lâminas passam zunindo próximas à minha orelha direita e planam para além, na escuridão. A distração foi premeditada, sinto um chute violento no ombro machucado e cambaleio para trás, vendo manchas esverdeadas embaçarem minha visão por causa da dor intensa no ferimento. Dakota tira o facão do cinto e golpeia, desvio por pouco e revido com o tridente. Os instrumentos se chocam, faíscas se acendem no encontro.

A garota salta para trás e ataca mais uma vez, bloqueio o golpe e vários outros que se seguiram numa velocidade impressionante, os sons ecoam além do estalar do fogo. Uma coloração avermelhada ilumina a face de Dakota, lhe dando um aspecto tenebroso. O suor brilha em pontinhos na expressão fatigada.

-- Vem, Dakota, vem... É isso que você quer, não é? Eliminar quem te rejeitou. – ela range os dentes e franze a testa numa careta de raiva. – Quer me fazer pagar.

-- Vou te mandar para o inferno! – grita, sem conseguir conter a falta de convicção nas palavras. Ela ainda está apaixonada, isso é evidente. Pode ser cruel, mas essa é uma arma poderosa, e se for preciso usá-la, que seja.

-- Inferno... – provoco, mesmo sem nenhum humor para sarcasmo – a definição de inferno se resume em três palavras: amor não correspondido. – o efeito é imediato e avassalador. – Foi  nele que te prendi Dakota, você já está no inferno, e não precisei fazer nenhum esforço para que isso acontecesse.

Silêncio.

-- Desgraçado... filho de uma... – a voz sai embargada, ríspida. Ataca.

O facão paira no ar em direção à minha cabeça. Uso o tridente impedi-la, desta vez, no entanto, levanto os três dentes afiados e prendo o cabo enrugado com dois deles. Deu certo! Consegui! Com toda a força, arranco o facão das mãos de Dakota e o atiro o mais longe que posso. Uma pontada gélida penetra meu ombro. Dakota empalidece e corre na direção onde o instrumento ameaça cair. Avanço e deito o tridente, Dakota tropeça e cai. O facão desliza no terreno íngreme em direção às chamas. Dakota gira o corpo e fica de frente para mim. Com todas as minhas forças, finco o tridente na barriga da garota, faíscas voam e nada acontece.

Uma adaga risca minha testa, o sangue escorre e cai sobre um dos meus olhos. Uma segunda raspa no meu lábio. Desvio da terceira. Irritado, ataco, determinado à acabar com isso de uma vez por todas.

As adagas esgotaram. Desarmei minha adversária.

Dakota levanta com os punhos serrados, tremendo. Um aspecto animalesco domina sua face. Ofegante, se assemelha a um tigre prestes a expor suas garras. A armadura amassada na altura do abdômen se move de acordo com sua respiração descompassada.

O tridente rasga acima da sua cabeça, Dakota dobra a coluna para trás e a barra passa rente ao seu peito. Determinado, foco nas pernas, mirando os dentes nos pés. Dakota salta e aplica um chute certeiro no meu rosto. Salivo, sinto gosto de sangue. A campina gira por alguns segundos, balanço a cabeça tentando orientar o cérebro.

No instante seguinte, uma força devastadora me atinge na barriga. Sou violentamente arremessado para trás e caio na grama com o impacto, uma dor lacerante racha minha cabeça. Pisco os olhos e serro os punhos.

O tridente não está mais entre os meus dedos.

Dakota surge no meu campo de visão, seu rosto se multiplica e gira enquanto tento assimilar em qual direção devo olhar. Quando as formas se encaixam e começam a fazer sentido, me sobressalto. Vejo o tridente reluzindo na mão direita dela e, petrificado, me sinto incapaz de mover um músculo. Impotente, assisto Dakota atirar o tridente metros adiante.

Estico as pernas, atingindo sua armadura. Dou uma cabriola para trás e fico de pé a tempo de impedi-la de socar o meu rosto, segurando seu punho no ar. Nossos dedos estalam. Com um movimento leve e veloz, dobro o braço dela para trás, deixando-a de costas para mim, imobilizada. Ofegantes, nossas respirações trabalham em uníssono, meu peito nu roça na sua armadura, meus lábios sopram próximos ao seu ouvido direito.

-- Por que não acabou comigo de uma vez? – sussurro, tocando os lábios na orelha quente.

Dakota estremece.

-- Responda! – digo, deslizando os lábios ao longo do pescoço macio e molhado.

-- Porque eu te amo, seu canalha. – responde, fechando os olhos e controlando a tremedeira nas pernas.

Colo o rosto junto ao dela. Com a outra mão, puxo a sua cabeça para trás deixando a mostra o pescoço fino e avermelhado, coberto de veias que dilatam e encolhem, e a boca rosada ao alcance da minha. Perdão, Annie... penso, enojado. Beijo Dakota com ternura, empurrando a língua para dentro de sua boca, ela hesita em corresponder, tencionando todos os músculo do corpo.

Seus dentes perfuram meu lábio inferior com violência, por um momento pensei que ela fosse arrancá-lo e soltei seu braço por impulso. Um grande erro. Ela mete o dedo no meu olho esquerdo e corre para pegar o tridente uns quinze metros adiante. Desorientado, corro atrás dela, alcançando-a com facilidade e puxando-a para trás pelo cabelo. Dakota cai. Salto por cima dela e corro, o olho esquerdo piscando repetidamente. Perco o equilíbrio, Dakota agarrou o meu pé me fazendo tropeçar. Vejo-a pular por cima de mim. A derrubo novamente, levanto, contorno seu corpo caído e corro em direção ao brilho azulado na grama.

Pego o tridente e me viro, Dakota corre em minha direção. Ela cai de joelhos e lágrimas surgem em seus olhos. Um sentimento de piedade me invade, mas o sufoco sem remorso. Dakota sabe que perdeu. Só um sobrevive, Zen não pode ter morrido em vão.

-- Finn... – ela começa à soluçar. Há uma confusão de emoções perpassando seu rosto – Finn, desculpe... eu... a culpa... eu...

Não espero para escutar o que ela tem à dizer.

Segundos depois o tridente atravessa o pescoço de Dakota Marshall.


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Notas finais do capítulo

OI! desculpem mesmo a demora, tudo culpa da escola, mas acho que compensei com o tamanho do capítulo! rs. Gente eu to muito feliz pelos comentários do capítulo anterior e espero não decepcioná-los! Amo vocês leitores, e desculpem se andei meio ausente, mas é porque preciso ser alguém na vida, por isso, o único jeito é estudar!

Ah, e aproveitando, haverá um concurso literário na minha escola, mas não irei participar porque o objetivo do concurso é incentivar os jovens á escrever, como escrevo por conta própria, minha professora disse que não precisava participar, mas que poderia falar sobre a experiencia de escrever e escolher um trecho da minha história para ler.
Vocês poderiam me ajudar a escolher? Sugestões nos comentários!

Uma abraço!


Matheus.