Jogos Vorazes - O Garoto Do Tridente escrita por Matheus Cruz


Capítulo 19
Trevas e Luzes


Notas iniciais do capítulo



Quero dar boas vindas á Icaropratti que recomendou minha fic e e pedir que vocês leiam a fic do meu primo:


minha leitora fiel, Morghan, fez uma resenha num site, deem uma passada lá:http://worldbehindmywall.fanzoom.net/?p=2422



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Os acontecimentos anteriores voltam aos meus pensamentos quando pouso novamente minha cabeça na superfície macia em que estava deitada. A surrada mochila que agarrei na Cornucópia agora serve de travesseiro. Fecho os olhos, as cenas correm em flashes velozes e violentos: Meu reencontro com Zen, Dakota lhe atirando uma adaga, correria, a dor intensa que me apertava o estômago, o som do canhão, explosão, nuvens de fumaça verde. Escuridão, vozes.

Enfim, perguntas.

Uma confusão de borrões invade meu trêmulo campo de visão quando arrisco reabrir os olhos. Vislumbro as copas das tamareiras, estranhamente próximas, girar e perder foco. Pisco, numa tentativa inútil de anular a tontura, mas não funciona, ao contrário, trás à tona a sonolência da qual quero me livrar.

Meu corpo pesa mais que o normal quando tento ficar de pé novamente. Os trapos nos quais estou vestido estão ensanguentados e sujos de terra, rasgados acima dos ferimentos. Quase me sento, mas escorrego e volto a bater as costas na superfície lisa da rocha. Respiro pesarosamente, o simples esforço exauriu minhas últimas forças.

“– O Finn abriu os olhos, veja...”.

“– Deixe-o em paz, Zen... Teremos tempo para explicar tudo depois...”

Vozes. Balanço a cabeça, convencido de que aquilo foi uma alucinação.

E poderia ser mesmo uma alucinação, se não ouvisse o que ouvi, nem visse o que vi em seguida.

–- Dakota, o Finnick está se mexendo!

No segundo seguinte desperto, e tudo começa a se destrinchar numa urgência tão absurda que me falta ar. Sento de repente, num impulso, e a dose de euforia impede um possível desmaio. Enfim os vejo, e meu coração acelera.

Os dois tributos são sombras esguias á beira da rocha. A luz opaca da lua ilumina a expressão de alívio de Zen quando ele se vira e me fita com seus olhinhos alegres intensos, se assemelhando aos de um fantasma, refletindo o brilho cinzento da atmosfera.

–- Zen – sussurro, rouco – Zen... eu sabia... eu sabia! – um leve ardor me invade a garganta.

–- Finn – diz, esboçando um sorriso, enquanto fica de pé e se aproxima – Finn, você acordou! Como está se sentindo? – a voz familiar do garoto me convence de que aquilo não é um sonho. Ele está mesmo vivo! Meu amigo não morreu!

É engraçada a serenidade naquela face infantil em meio a esse mar de trevas. Impossível não reconhecer a coragem e a força que emana desse garoto que parece mais um estereótipo do que é frágil e inocente. A Capital não conseguiu transformar a criança que conheci no Centro de Treinamento num ratinho de laboratório, mas acendeu nele algo que os Jogos Vorazes têm a função de exterminar: Esperança.

A Esperança não conseguiu impedi-lo de matar a garota do Distrito 6, mas não deixou que o circo de horrores tirasse o que há de bom nele. Ele chorou pela menina do 5, me perdoou depois de ter puxado seu tapete e fazê-lo acreditar que sou um crápula traidor e ainda salvou minha vida.

–- Zen, o que aconteceu? Por favor, me explica como conseguiu... – ele parece não ter escutado minha pergunta, simplesmente sorri e se dobra para sentar ao meu lado.

O vulto sombrio atrás dele se aproxima cauteloso.

Reconheço as curvas sinuosas de Dakota Marshall. Meu foco de observação escorrega de Zen para ela, e isso me faz lembrar a última vez que vi seu sorriso maquiavélico, frio e calculista, os seus olhos pousando em mim com uma ferocidade avassaladora, se virar e atirar certeiramente uma adaga contra o meu melhor amigo desde que entrei nos Jogos, alguém que ela sabia ser muito importante para mim. Não pestanejou. Ela atirou para matar, eu ouvi o canhão! No entanto Zen está aqui, ao meu lado, junto à sua assassina, sorrindo como se nada tivesse acontecido.

Dakota me fita calmamente, me analisando com seus olhos precisos, deixando exposta toda a sua periculosidade, não na intensão de me fazer teme-la, mas num retrato verdadeiro de quem ela realmente é. Se quiser uma Dakota sincera, isso é o máximo que posso conseguir.

Minha primeira inimiga virou uma aliada, uma traidora e enfim uma heroína em poucos dias. Dakota não matou Zen, salvou a vida dele, a minha e a dela numa uma única cajadada. Uma façanha, e tomou posse da minha admiração. Panem inteira deve estar admirada com o feito da garota, choveu suprimentos... Vejo a pilha de paraquedas e mochilas logo atrás, pelo canto do olho.

Porém as perguntas voltam à entrar em ebulição, saltitando na minha cabeça, cheia de interrogações e teorias. Absurdas, coerentes, inimagináveis, impossíveis, atropeladas numa cachoeira turbulenta que pesam minhas pálpebras. Se o Zen ainda está entre nós e o canhão estourou... Quem morreu no lugar dele? E esse plano, porque Dakota desistiu da aliança que tanto prezava e traiu os Carreiristas? Onde anda Irina, Dan e Seth, ou dois deles? Como conseguiram me arrastar até essa rocha imensa? Porque sofri mais com a explosão que eles? Quanto tempo fiquei desacordado?

Explicações. Preciso delas.

–- Ora, até que enfim o efeito do gás passou, o Finn estava delirando desde a noite passada. – Dakota fala com Zen, como se eu não estivesse presente, no tom arrogante de sempre, dobrando as mãos na cintura.

–- Efeito do gás? – deixo escapar a primeira pergunta.

–- Sim. O explosivo tinha um gás entorpecente. – Zen responde, mas continuo sem entender muito bem.

–- Explosivo?

–- É. – Dakota se intromete – Você não entenderá nada se não contarmos tudo do início. Há muita coisa para ser esclarecida. Entendo sua confusão.

Concordo. Dobro uma das pernas e sinto algumas pontadas nos ferimentos espalhados pelo tórax ao encolher a barriga. A antiga camisa de flanela azul está coberta por uma camada amarelada e espessa de areia. A calça, rasgada em inúmeros pontos, ficou irreconhecível após a explosão. Suspiro e prendo uma mecha do meu cabelo grudento atrás da orelha direita, aguçada para não perder uma palavra do que meus companheiros disserem em seguida.

–- Tudo bem podem começar...

–- Você está pronto Finn?

–- Eu acho que sim – Dakota responde por mim – Sou eu quem não estou preparada para explicar nada agora.

Eles se entreolham.

–- Tudo bem, eu começo. – Zen suspira e continua – do início.

–- Ainda me lembro daquele dia horrível no Centro de Treinamento, quando vi você chegando e se juntando àqueles Carreiristas nojentos como se fossem amiguinhos de infância. Sabia que tinha alguma coisa errada, porque no dia anterior você os tinha desafiado e feito uma aliança comigo e com o Henry. Fomos ver o que tinha acontecido, e acabei me arrependendo profundamente.

Finnick, você estava tão diferente, pensei que tinha sofrido uma lavagem cerebral. O outro brutamonte disse que você tinha escolhido eles e que você tinha vergonha de me ter como aliado. E quando o ouvi concordando, fiquei perplexo com sua falsidade.

Engulo em seco, envergonhado.

Pensei que tinha me enganado, Finnick, achei que aquilo fosse algum trote de Carreiristas, me senti um palhaço. Mas descobri tudo por trás daquilo... Graças à Dakota.

O quê?! Graças a quem?

Dakota me contou. Arrastou-me a uma das câmaras e disse os verdadeiros motivos por trás do que aconteceu. Sobre os patrocinadores, a mentora de vocês...

Na arena, sabia que devia ficar longe de vocês ao máximo, para evitar que acontecesse exatamente o que aconteceu ontem.

Surpreso, encaro Dakota, que desvia o olhar, envergonhada. Não sei dizer ao certo no escuro, mas desconfio que ela tenha corado. É difícil se desfazer da pose de vilã de uma noite para outra.

–- Ei! Agora é a minha vez, não quero que o Finn pense que eu virei fada madrinha dele. – Dakota interrompe orgulhosa.

–- Finnick, eu procurei o Zen... expliquei tudo e, acho que esse foi o meu maior acerto nos Jogos.

Sempre soube dos perigos da nossa aliança. Nunca confiei em nenhum dos meus adversários, nem mesmo em você Finnick. E, naquela noite, no labirinto, eu te alertei para que não pregasse os olhos, em nenhum momento. Você não me escutou.

Dan e Irina planejavam a minha morte, acreditando que eu estivesse dormindo. Mas eu escutei cada palavra do que disseram. Queriam eliminar a parceira de distrito do Garoto do Tridente, para ficar com você só para eles. Uma atitude sensata, eu faria o mesmo, por isso fiquei alerta.

Vingativamente, plantei a sementinha da discórdia. Lutei para manter a aliança, mas depois daquela noite, o que eu mais queria era destruí-la. Irina e Opala, distrito 1 contra o 2, e quem acabou sobrando foi a bocó da Opala. Se não tivesse implantado aquela faca na mochila dela, Irina cortaria o meu calcanhar, não o dela.

Faz sentido.

No oásis, quando nos encontramos com Zen, vi a oportunidade de me livrar deles, era uma adaga para cada pescoço, mas Irina foi mais esperta, porém a lâmina da faca dela não era longa o suficiente para salvar o Seth também. Fingi que mataria o Zen e atirei contra eles, minha sorte foi Zen ter encontrado um dos explosivos entorpecentes na mochila da garota do 5, e acendê-lo. Corremos para longe e nos protegemos com a barra da camisa, mas você respirou o gás e desmaiou. O arrastamos até a imensa rocha atrás do lago que você abriu e cuidamos dos seus delírios e da febre alta. Ficamos um pouco tontos também, mas só o suficiente para dar uma sonolência leve.

A observo tomar fôlego. A incrível sensação de esclarecimento me invade e tudo finalmente fez sentido na minha cabeça.

–- Irina e Dan devem estar nos caçando. O pior de tudo é que hoje não aconteceu absolutamente nada, a foto de apenas um tributo apareceu refletida no céu, nada de suprimentos, há apenas uma lata de mingau, sinal de que temos que partir ao amanhecer, antes que os Idealizadores inventem uma maneira mais violenta de nos fazer voltar para o labirinto.

–- A Arena está ficando menor, temos que sair logo cedo – Zen acrescenta sério.

–- Você já está melhor agora Finn, só não fomos embora antes por sua causa.

–- É os delírios passaram... Aliás...

Continuo calado.

–- Finnick... – Zen se dirige à mim, como quem lembra de algo de repente, sem ouvir minha pergunta anterior – Quem é... Annie?

Minha expressão tranquila se transforma numa carranca preocupada ao ouvir o último nome sair entre os lábios de Zen. Annie.

Como ele sabe sobre ela? Ah, não! Mais perguntas se precipitam, e, mescladas ao medo, se transformam num visgo dolorido no cérebro. Quem é... Annie? A pergunta foi direta. É fácil responder, aliás, seria se não fosse algo tão importante, e meu silêncio os alerta sobre isso. Dakota com certeza já sacou, afinal, ela mora no Distrito 4 também e estava presente no momento que Mags à citou durante o café.

Sempre temi que alguém nos Jogos soubesse sobre a Annie. Minha força e meu ponto fraco. Como eles descobriram sobre ela?

– Diz ai porque todo mundo quer saber! Alguma garota especial flechou o coração do nosso peixinho? Você é apaixonado por alguém Finnick Odair?

– Não. Ninguém especial. - esse momento terrível volta á tona.

O silêncio se rompe.

–- Você repetiu esse nome inúmeras vezes enquanto dormia. Annie...

–- Não... não... não é ninguém – digo finalmente, gaguejando.

–- Como ninguém, você gritava por essa tal de...

–- Zen! – Dakota interrompe – é melhor deixa-lo em paz, ele já ouviu demais por hoje. – suspiro de alívio quando Zen concorda com a cabeça.

–- Tudo bem.

–- Agora, vamos dormir, amanhã será um dia muito mais puxado. – Dakota se estica e pega uma mochila da pilha pela alça, abre o zíper e tira uma lata – A última – estende a lata para mim – para você.

Aceito. Agora infeliz por perceber que estou em dívida com Dakota. Ela me salvou, salvou a vida do meu melhor amigo, e impediu que ele me odiasse para sempre. Toda moeda tem dois lados, todo mundo tem dois lados, e creio que Dakota aprendeu a conviver com suas trevas, e com sua luz.


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