Jogos Vorazes - O Garoto Do Tridente escrita por Matheus Cruz


Capítulo 16
Plantamos a semente da discórdia


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo, espero que gostem porque escrevo pensando em vocês. Gosto muito dos meus leitores e quero agradecer a todos que me apoiam e deixam elogios emocionantes nos comentários. Eu quero agradecer as pessoas que recomendaram, porque ter 9 recomendações é muito emocionante!

Bem, vamos ao capítulo.

Abraços à todos vocês,

Matheus



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Ver a flauta quebrada aos pés de Dan foi um golpe certeiro no meu coração, o ardor ao redor dos olhos antecede as lágrimas, mas procuro enxugá-las rapidamente, enterrando as lembranças o mais fundo possível dentro de mim.

Eu e Dakota trocamos olhares, afinal ela também sabe que o instrumento pertencia ao Henry, um sinal de que ele está por perto e correndo perigo.

–- Como sairemos daqui? – Opala pergunta.

–- A única água que tínhamos ficou na Cornucópia. – Seth completa, pondo uma mão na cabeça e lamentando, a outra agarra a barra de aço da clava com força – junto com os mantimentos e as armas.

–- Hum, tudo bem! – Dan concorda irritado, pois foi ele quem liderou a brincadeira e provocou essa confusão – De qualquer forma teríamos que vir buscar água amanhã, certo? Nunca conseguiríamos trazer todas as armas e mochilas nas costas, então esse não é o grande problema, mas sim encontrar o caminho correto.

–- A inclinação do terreno pode nos ajudar – lembro e os demais concordam comigo - descendo é para o deserto, subindo, para a Cornucópia.

–- Então partiremos ao amanhecer, uma caminhada no escuro não ajudaria em nada.

Concordamos com a idéia e se afastamos à procura de um lugar menos estreito. Olho uma última vez para trás e vejo o corpo ensangüentado da menina do 11 largado na grama. Consegui salvá-la da tortura humilhante e dolorosa que estava sofrendo, o pesar não veio dessa vez.

Meus olhos não descansam. Continuo alerta, tenho medo que nosso grupo acabe encontrando o Henry. O garoto ainda está por perto, eu sinto. Isso é um labirinto, a cada curva tudo pode acontecer, principalmente se for manipulado pela Capital, que adora um bom show de horrores. Receio que nosso passeio entre essas paredes de vidro não seja tão pacífico, eles planejam alguma coisa, um novo banho de sangue.

Caminhamos por uns vinte minutos.

–- Aqui está ótimo – Irina interrompe meus pensamentos enquanto abre a mochila, tira o saco de dormir e o estende na grama.

Ficamos num ponto de encontro entre quatro corredores, ou seja, também temos quatro saídas em diferentes direções (caso aconteça o inesperado), além de usarmos brilhantemente a ilusão de ótica do labirinto. Agora possuímos vários olhos, olhando através de inúmeros pontos.

O lugar é largo, mas nos amontoamos, porque ainda ficamos à centímetros dos galhos espinhentos e afiados enroscados na parede, esperando apenas um passo em falso para dar o bote, Seth e Dan ficam de guarda, de costas um para o outro, observando se alguém se aproxima, eu deito por cima da mochila no meu saco de dormir, com a espada presa no cinto, e as mãos na nuca, improvisando um travesseiro. Dakota está sentada ao meu lado e uma ponta de desconfiança me penetra, faz um bom tempo que a garota não fala uma palavra, isso não combina com ela.

–- Nem pense em pregar os olhos... – sussurra urgente para mim – todo cuidado é pouco...

Balanço a cabeça concordando. Nesse momento ouvimos o aerodeslizador se aproximar, com certeza é para recolher o corpo da menina do 11. Levanto os olhos e fico mirando o céu estrelado. A luz opaca da lua ilumina o local.

O hino de Panem chega aos nossos ouvidos e todos ficam alertas. Eu me sento surpreendido, respiro fundo e espero. Refletores holográficos lançam no céu imagens dos tributos mortos nesse primeiro dia, em ordem crescente ao número dos distritos, começando com a garota do 3, morta por mim. O menino do 5, os dois do 6 (mortos por Dakota e Zen), menina do 7, o garoto do 8, casal do 9, a do 10 e encerra com a colega de distrito do Henry, morta por minha espada. Restam 14 na competição, entre eles Zen, perdido em alguma zona da Arena.

Sentado, tiro a mochila das costas e, pela primeira vez, a abro para ver o que tem dentro. Vasculho, mas pouco enxergo. Duas cordas, algumas maçãs, a adaga que me feriu mais cedo, um saco de nozes e a pomada. Nada especial.

Confesso que esperava um tridente na Cornucópia. Depois do sucesso que foi a repercussão da minha apresentação, imaginei que os Idealizadores facilitariam o jogo para mim, mas estava errado. Tridentes são raros e Mags nunca concordaria em sacrificar o seu, aquele tridente parece ter um significado muito importante para ela.

Ali deitado, vejo reluzir as correntes da clava de Seth. O garoto é esperto, se não me engano tirou um 9 na nota final, ele tem uma habilidade especial e se for com uma arma tão mortífera quanto essa, com certeza é um inimigo muito mais forte do que eu imaginei.

Dan brinca com o pequeno machado bronze em mãos, frio, acho que por trás da tortura da garota, existia, não só a intenção de dar orgulho ao seu distrito, mas nos fazer ter medo dele, mostrar do que é capaz.

Minha desvantagem com relação aos outros Carreiristas é que não consigo matar friamente, é minha índole. Quando eu sonhava em ser Carreirista, matar parecia fácil, mas nem por isso eu sentia prazer em assistir aquilo.


Hum, se não estivesse tão exausto juro que teria resistido, mas quando eu abri os olhos novamente ainda não tinha percebido que tinha dormido um bom tempo.


Me assusto quando ouço o som de um zíper se abrindo. Dakota tira uma faca da mochila de alguém e silenciosamente fecha o zíper de volta. Saltita até as coisas de Opala, que deixou a sua mochila de lado, abre, põe a faca lá dentro e volta calmamente ao seu posto, acho que é a sua vez de guardar o acampamento improvisado.

Todos estão adormecidos.

A sede me abate em seguida, faz um bom tempo que não ponho um gole de água na boca, respiro fundo e levanto o tronco. Minha perna não incomoda mais, mas sinto meu corpo inteiro doendo por dentro, como esmagado por um rolo compressor.

–- Dakota? O que você estava fazendo?

–- Shiii! – a garota me lança um olhar ameaçador, levando o dedo a boca, num pedido de silêncio – Cuidando da nossa aliança.

–- Você está aprontando alguma coisa...

–- Quero sobreviver querido... E estou te arrastando comigo, nem sempre eu sou boazinha assim.

–- É algum plano...?

–- Espere só para ver – diz baixinho – Dakota Marshall sempre sabe o que está fazendo.

Tenho um mau pressentimento.


Quando os demais acordam, nós trocamos um olhar de cumplicidade, Dakota insinua um sorriso maldoso. O céu já está amarelado com o amanhecer. A noite foi fresca, mas o dia promete ser escaldante. Hora de seguir estrada, não sabemos se estamos distantes ou mais perto do que imaginamos do deserto, mas é melhor partir cedo.


Enrolo o saco de dormir e guardo na mochila, confiro minha espada presa no cinto, abocanho uma maçã (tentando amenizar a sede), e já estaria preparado para a trilha, se um grito de ódio não tivesse me sobressaltado.

–- Sua vagabunda! – Irina grita, vermelha de raiva, avançando em Opala. – Essa faca é minha!

Surpreendida, Opala é derrubada, Irina finca as unhas no rosto da garota e lhe tira a faca que reluzia entre seus dedos, e esta grita desesperada. O cabelo castanho Opala reluz enquanto Irina pega sua cabeça e balança de um lado para o outro, com violência.

–- Vadia! Pensou que ia me roubar não é mesmo? – Irina fuzila Opala, imagino raios entre os olhares trêmulos das duas. O chute na barriga faz Irina se curvar, Opala se solta e a empurra, o tapa estala na face da outra, o sangue escorre pelo canto da boca de Irina, que é surpreendida por outro tapa.

Ninguém se adianta para apartar a briga, apenas cruzam os braços e assistem, trocando sorrisos. Dakota pisca o olho para mim, agora compreendo qual era o plano. Plantar a semente da discórdia, o que foi até divertido.

Irina imobiliza Opala, como uma aranha e aponta a faca para a nuca da garota.

–- Nunca mais pense pegar alguma de mim! – fala entre dentes.

–- Mas, eu não peguei nada! – Opala tenta explicar, com o braço preso nas costas por Irina, vermelha de raiva.

–- Mentirosa! – Irina a solta e ajeita o cabelo, vaidosa. – Sua desgraçada, só não acabo com você agora porque temos uma aliança.

As risadas ecoam, eu também entro na brincadeira dessa vez, mas paro repentinamente e pisco os olhos para alguma coisa se mexendo atrás de Seth.

A diversão acaba quando os vejo se aproximar pela direita. Era um leve farfalhar, mas aos poucos todos percebem os ruídos e olham na mesma direção em que meus olhos quase saltaram das órbitas de susto. Ouço os passos desesperados atrás de mim, o medo me invade e as palavras escapam por minha boca entreaberta de perplexidade e terror.

Os bichos se aproximam rapidamente, correndo com suas patinhas finas e balançando a calda erguida, onde um ferrão negro e cheio de veneno segue para nos matar. Velozes, determinados, teleguiados!

–- Ah!!!! – ouço Opala gritar, as garotas esquecem a briga, esticam os braços, pegam suas mochilas caídas e começam a correr.

Continuo paralisado de medo, não sei, minhas pernas travaram! Socorro!

Eles querem nossa carne!

Os escorpiões sobem pelas paredes com facilidade, nem ao menos escorregam pela superfície lisa. Os galhos não se mexem mais, parece que tudo ao redor paralisou, menos as criaturas famintas que avançam.

Ai! Consigo me libertar quando esbarram em mim e correm na direção oposta à que os teleguiados avançam. Sigo atrás deles numa corrida desenfreada pelas trilhas do labirinto. Oh, meu Deus!!! Eles estão surgindo de todas as direções, não adianta virar para a direita que mais um exército deles vem por ali, em frente, mais deles, só resta a esquerda.

Meus passos escorregam pelo terreno, estamos descendo! Fica cada vez mais difícil se equilibrar! O grupo inteiro parece desesperado, os escorpiões vêm logo atrás, numa velocidade impressionante, chegando cada vez mais perto! Bichos nojentos modificados em laboratório, programados para devorar qualquer um que verem pela frente!

Deslizo, e apalpo o cinto em busca de uma espada. Lembro que matá-los assim deve ser um grande erro, como aconteceu com as serpentes no treinamento. Ah, os outros se empurram, tentando ultrapassar uns aos outros, estão alucinados!

Curvas e mais curvas, a ilusão me deixa tonto, é muitas direções, muitos reflexos, escorpiões deslizam pelo vidro e se multiplicam ao refletirem no próximo, que reflete no vidro da frente e de repente estão em todos os lugares!

Irina e Opala vão na frente, Seth e Dan se empurram e fazem o mesmo com as garotas, é uma corrida pela sobrevivência! Num segundo vejo a lâmina da faca de Irina cortar no calcanhar de Opala em meio à confusão, vingativamente, cruelmente, e a menina cai. Eu e Dakota tropeçamos nela e despencamos derrapando e levantando poeira. A grama sumiu, agora só tem areia! Me levanto urgentemente, Irina, Dan e Seth viram uma curva próxima. Seguro a espada com força e sinto os bichos subirem por minhas pernas, rápidos! Chuto o ar, Dakota me deixou para trás, segue pisando em alguns que já tentam nos cercar.

Olho para trás e vejo o sangue escurecer a areia amarelada, Opala está gritando de horror, está morrendo, não consegue mais levantar, Irina a cortou no calcanhar, mais por vingança do que pelo instinto de sobrevivência, mas não posso fazer nada. Uma onda de escorpiões a cobre, o corpo desaparece em meio à eles, os gritos são chocantes, a boca aberta logo foi invadida pelos escorpiões.

Enquanto viro a curva para acompanhar o grupo escuto o canhão e sei que Opala morreu.

Os caminhos se multiplicam em minha frente e o medo de se perder do grupo me atinge, os escorpiões agora correm pela areia e passam sem perceber por mim, eles têm muita comida esperando lá atrás, daqui à pouco mal sobrará os ossos de Opala.

Vejo a cabeleira loira de Dakota virar uma curva e as passadas chegam aos meus ouvidos, me adianto desesperado para segui-los, nem percebo quando um calor penetrante e o vento quente cheio de grãos de areia atinge meu rosto, viro a mesma curva que os outros e me deparo com a imensidão.

Chegamos.



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