Finalmente a professora Marilyn tinha parado de explicar, com detalhes, a matéria de espanhol que preenchia cada pedacinho do quadro negro. Levei a aula inteira para copiar aquilo tudo, em partes por preguiça, também por lerdeza natural e, sobretudo, por falta de vontade mesmo. Faltavam dez minutos para o fim da aula mas ela era a única professora da universidade que nunca nos liberava nem um minuto mais cedo ou mais tarde que meio-dia. Ela preferia gastar o tempo remanescente tirando dúvidas pessoais dos alunos, que sempre iam até sua mesa. Eu preferia gastar esse tempo entrando nas redes sociais pelo celular, enquanto ouvia burburinhos no corredor através da porta que normalmente ficava fechada mas, dessa vez, alguém saiu e a deixou aberta. Com a multidão que passava, percebi que dois professores estavam entre eles e provavelmente acompanhavam suas respectivas turmas liberadas.

O mais alto deles era nosso professor de linguística Laurence Thompson, ou simplesmente Larry, como gostava de ser chamado. Ele parecia jovem e descolado demais para alguém que já tinha doutorado e, pelo leve bronzeado que ele sempre apresentava, eu diria até que ele passava os fins de semana surfando ou corrigindo nossos trabalhos na praia, porque ele passava trabalho demais com prazo de entrega até as sextas para alguém que tinha os fins de semanas livres. Costumava dar aula descalço, com as mangas da camisa social dobradas e parecia causar explosões de ovários em suas aulas e até mesmo quando as garotas cruzavam com ele nos corredores. Ele tinha os cabelos castanhos jovialmente cortados em franja e repicados pelas laterais como se fosse um integrante de alguma banda popular e seus olhos cor de mel não tinham nenhuma cor muito especial, mas ele transmitia um brilho tão intenso através deles, que fazia com que todas se apaixonassem. Todas, menos eu. Eu achava ele bonito sim, também era um dos professores mais legais que a gente tinha e possuía uma paciência sobre-humana até com minha lerdeza excepcional para entender aquela matéria chata que ele lecionava. Mas garotos populares não faziam exatamente o meu tipo e, mesmo sendo um professor, ele era um deles.

Ao lado dele vinha o professor Keith Moon, que como seu próprio nome sugeria, era um completo lunático. O pior de tudo é que ele dava aula de literatura, então aparecia com as teorias mais explosivas e absurdas possíveis sobre cada assunto e, como era exatamente essa área que eu pretendia seguir no curso de Letras, me preocupava sair dali ou do mestrado com um estado mental pior que o dele, uma vez que eu já não era exatamente o tipo de pessoa mais normal do mundo.

Ele cutucou Larry e apontou para a nossa sala, o que fez com que os dois parassem na porta e cochichassem alguma coisa que, pelo que entendi, era a respeito da professora Marilyn. Como ela era amiga deles também, obviamente estavam esperando que ela saísse e, como todas as garotas da sala começaram a suspirar descaradamente com o todo-gostosão Larry Tompson recostado no batente da porta, Moon começou a alisar brincalhonamente o braço dele da forma mais gay possível, tentando mostrar para aquelas taradas que ele já tinha dono. Larry começou a rir e até eu devo admitir que aquele sorriso por trás da barba milimetricamente aparada deveria ser a coisa mais perfeita que existia na face da terra.

As meninas reviraram os olhos para aquele doido e eu era a única que ria compulsivamente da cena, vendo como ele fingia dar beijinhos no mais alto, atingindo apenas o ar.

—Vê se pode, eu desejo esse corpo nu desde o primeiro período e ele só dá bola pro novo professor bonitão!! —Eu disse de zoeira, assim que me aliviei do ataque de risos.

Aquele baixinho ergueu uma sobrancelha para mim e entrou na sala me encarando, o que me fez parar de rir e me deixou temporariamente sem ar. Não que ele fosse o cara mais charmoso do mundo e seus olhos castanhos, sobrancelhas grossas e cabelos escuros ainda lhe davam a aparência mais comum possível, mas tinha alguma coisa nele que me atraía. Talvez a forma largada como ele ia dar aula, de camiseta, bermuda e chinelão, parecendo mais um hippie do que um professor. Ou então o jeito descontraído e maluco dele, com o qual eu me sentia livre para fazer essas piadinhas bestas como se ele fosse um amigo chegado, ainda que tivessemos uma certa distância como professor e aluna dentro da sala de aula. Mas aquela não era a aula dele, então ele parecia se sentir livre para fazer alguma coisa insana, como se fosse um aluno qualquer.

—Não se preocupa Ash, tem Moonie pra todos aqui! —Ele disse convencido e, se aproximando vagarosamente do lugar onde eu estava sentada, se inclinou sobre mim e fechei os olhos nervosamente, com certo receio do que aquele lunático iria fazer.

Mas logo abri os olhos de novo para me certificar de que a maluca em questão não era eu, quando senti seus lábios sobre os meus e sua língua pedindo passagem. Mas louca mesmo eu seria se não me aproveitasse da situação, então me deixei levar pelo beijo que, como todos tinham visto, foi uma iniciativa dele, então eu não levaria a culpa por nada. Não sei exatamente quanto tempo ficamos ali nos beijando em meio aos comentários surpresos e escandalizados do pessoal da minha turma, mas o tempo pareceu parar naquele momento.

Eu ainda tentava me recuperar do agradável susto quando ele terminou o beijo com um selinho exagerado e dirigiu seu olhar satisfeito para a mesa da professora, que escondia pesarosamente o rosto com uma das mãos, como se não quisesse acreditar no que tinha acabado de ver.

—Vamos embora seu maluco, antes que você acabe expulso do corpo docente! —Larry entrou na sala rindo e tirou seu amigo dali, mas deu para ouvir a resposta dele enquanto caminhavam pelo corredor:

—Por que? Estamos num país livre, todos aqui somos maiores de idade e a Marilyn ali precisa entender que nem tudo na vida é organizadinho da maneira que era quer! —Ele se defendia com risadas gostosas.

Toda a turma me encarava, com exceção da professora, que já tinha sua atenção voltada para os alunos com dúvidas em sua mesa e comecei a rir sozinha enquanto me conectava pelo celular, eu precisava achar alguém online para contar aquilo e esse era o melhor jeito de ignorar aquele bando de gente chata que estudava comigo.

“Claaaaiiiirreeeee você não vai acreditar no que acabou de acontecer!!“ Mandei um inbox para a única amiga que estava disponível naquele momento e contei tudo o que tinha acontecido, até que chegou meio-dia e ela me obrigou a prometer que ia direto para a casa dela contar todos os detalhes.

Eu sabia que ele tinha feito aquilo só para irritar a toda-certinha e vice-coordenadora Marilyn, ela era bem legal, mas as vezes aquela organização exagerada que ela impunha incomodava a todos. Eu só não sabia era por quê tinha gostado tanto daquele beijo e passei por ele no corredor desejando profundamente que ele repetisse aquilo, nem que fosse só mais uma vez.