Annabeth se odiava por não conseguir se concentrar nos livros. Ela teria uma grande prova na manhã seguinte, mas a matéria simplesmente não fixava em sua mente e aquilo a deixava irritada. Não seria surpresa se dissesse que uns dos motivos por não conseguir se concentrar naqueles três capítulos fosse culpa de Percy Jackson. Qualquer coisa que lia lembrava ela do jantar da semana passada.

Annabeth passou quase a noite toda de braços cruzados sem saber pra quem olhar, ou quem culpar. Sua mãe, por não ter dito o nome do filho do seu futuro marido ou Poseidon por ter tido aquele filho horrível. Ou simplesmente Percy por ser filho de um grande homem. Ela não tinha muito bem uma relação explícita quanto a isso, mas preferiu considerar suas acusações. Percy também sentiu raiva. Ele sabia que seu pai e Atena sabiam que os dois estudavam na mesma escola, que se meteram em confusões um por causa do outro e que se detestavam.

Por fim, Percy e Annabeth resolveram ser educados – só um pouquinho – em respeito aos seus pais. Eles tinham que, acima de tudo, desejar toda a felicidade do mundo para eles. O resto do jantar ocorreu tenso, o clima foi horrível. Um choque – pelo menos para os dois adolescentes. Annabeth ficou quase que a semana toda sem falar com a mãe, e Percy vivia fora de casa, desejando que a hora de voltar nunca chegasse. Ele podia ir para o apartamento da mãe... se ela não estivesse viajando com seu namorado, Paul.

O fim de semana após o jantar passou e logo na segunda, Percy puxou Annabeth em um canto do refeitório, onde quase ninguém percebeu os dois.

– Escute, ninguém precisa ficar sabendo disso... E talvez eu seja legal na frente de Atena e do meu pai, mas é só por eles. Não pense que eu gosto de você, porque eu realmente não me vejo nesse cargo – Percy falou o mais baixo que conseguiu.

– Posso dizer o mesmo em relação aos nossos pais. E a você também, já que te considero algo desprezível – Annabeth respondeu e balançou os ombros. E assim aconteceu.

Bolinhas de papel não eram mais arremessadas durante as aulas de história e ninguém tentava fazer ninguém de idiota na frente de uma sala inteira. Quando trocavam de aulas e se encontravam no corredor, ocorria apenas uma troca de olhares frios ou simplesmente passavam reto. As únicas pessoas que ainda sabiam disso eram Thalia e Luke, as pessoas que Annabeth e Percy mais confiavam no mundo. É claro que os dois caçoaram muito deles, mas nenhuma palavra saiu da boca deles para outra pessoa. Como foi dito, as pessoas que eles mais confiavam.

Depois daquilo, eles saíram como uma ‘família’ e Annabeth estava até treinando algumas falsas expressões de entusiasmo. Divertiam-se de verdade às vezes. Na verdade, foi uma vez ou outra.

Annabeth fechou seu livro de Biologia e foi até a cozinha. Chutou algumas caixas de mudança de Poseidon e do seu abominável novo colega de banheiro. Todas as manhãs Poseidon organizava algo, já que ele e Percy morariam com Atena e Annabeth. Ela continuou indo para cozinha e abriu uma janela que dava para o jardim para que o ar circulasse.

O que ela iria fazer agora? Assim que as provas finais acabassem – faltavam apenas três provas para que se encerrassem de vez – e eles recebessem seus resultados, Poseidon e Atena iriam se casar. Sairiam em lua de mel na manhã após o casamento e Annabeth roia as unhas por isso. Ela provavelmente teria que ir para a casa do seu pai em São Francisco porque seria meio estúpido ficar com Percy em casa e aquilo não seria muito bom. O único problema era que ela não queria ficar em São Francisco da mesma forma que não queria ficar com Percy.

Ela tinha que pensar em algo antes que a semana terminasse.

(...)

– Você pode ficar lá em casa – Thalia sugeriu quando Annabeth falou do seu caos mental, na sexta. Annabeth teria prova de História agora e Thalia de Geometria, e as salas eram uma em frente à outra. Andavam devagar, já que ainda tinham um tempinho antes.

– É muito gentil da sua parte, mas acho melhor não. Você tem seu pai e seus irmãos vão vir nessas férias, como você mesma disse. Vou atrapalhar demais – Annabeth falou, recusando o convite.

– Bom isso é verdade... Mas talvez eu possa ficar com você na sua casa. Você sabe, se aquele retardado mental tentar algo com você eu encho ele de porradas – Thalia sorriu maleficamente e Annabeth riu. Aquela garota de cabelo atrapalhado, olhos azuis como a tempestade e que continha o guarda-roupa mais punk do mundo fazia ela se sentir melhor em qualquer situação.

– Talvez essa seja uma boa ideia mesmo. – E realmente era. Thalia podia dar uma forcinha às vezes; aquilo seria bom. Ao chegarem às salas, se despediram e desejaram boa sorte uma à outra e entraram. Annabeth se sentou na mesma cadeira que sempre se sentava nos dias de prova, ao lado da larga janela ao fundo, longe de todos. Vendo que mais pessoas chegavam e que a prova não demoraria muito para começar, ela já organizou sua caneta, lapiseira e a borracha em cima da mesa e deixou o resto das coisas em sua bolsa pendurada na cadeira.

Ficou batucando o pé, entediada até uma bola de papel cair em sua mesa. Não era daquelas que usavam para lhe tacar no cabelo, e sim aqueles do tipo que mandavam recados. Ela olhou para o lado tentando ver quem foi, mas ninguém mostrava sinal de que enviaram algo para ela. Desamassou o papel e leu a letra bagunçada.

“Luke vai ficar na nossa casa nas férias. Espero que você não se importe.”

Annabeth leu mais algumas mil vezes, torcendo para que aquilo fosse parte de sua dislexia. Infelizmente não era. O aplicador da prova entrou mandando todos se aquietarem e Annabeth amassou o papel novamente, por raiva. Procurou por Percy na sala. Ele estava sentado a duas fileiras de distância, rindo com o garoto da cicatriz na face. O pesadelo de Annabeth ficava cada vez pior com o passar dos segundos.