And more confusion

Kaline Bogard

Parte 04

São ondas de amor

Sam dirigiu muitos quilômetros antes de atingir a cidade de tamanho razoável.  A maior parte do percurso fizera em um silêncio reflexivo e solitário, já que Dean acabara adormecendo deitado no banco de trás, agarrado ao preciso álbum e com os doze pacotes de figurinhas apertados na mão que descansava sobre o peito.

Foi com certa relutância que despertou o irmão quando encontrou um Cyber Café.

– Ei, Dean, acorde.  Temos que arrumar documentos pra você.

O loirinho abriu os olhos de forma relutante e bocejou longamente.

– Podemos come alguma coisa?  To cum fome – reclamou ao descer do carro.

– Eu estava pensando nisso mesmo.  Quanto antes terminarmos aqui mais rápido podemos comer – Sam garantiu batendo a porta e trancando o Impala.

– E o Dean pode faze xixi?

A pergunta mais que desconcertou Sam.  Definitivamente ele não estava acostumado a cuidar de crianças!  Desde quando o mais velho precisava pedir para ir ao banheiro?  Aquilo era algo que as crianças faziam normalmente? Sam não se lembrava de muita coisa de quando tinha aquela idade.

– Sammy! – o loirinho puxou a barra da blusa do irmão de forma impaciente.  Trançava as perninhas – Rápido!

– Entendi!  Agüenta! – o moreno segurou na mão do garoto e praticamente o arrastou para o Cyber.

Assim que entraram ele dirigiu-se ao balcão e reservou rapidamente um computador, antes de perguntar onde era o banheiro e correr com Dean pra lá.  Depois que ambos se aliviaram no mictório, Sam teve que erguer o outro para que Dean pudesse lavar as mãos, já que não alcançava o lavatório.

Só então voltaram para o salão onde havia um computador esperando por eles.  A primeira coisa que Sam fez foi forjar documentos infantis para Dean.  Tinha tanta prática nisso que foi fichinha.  Depois pesquisou rapidamente alguns textos sobre desenvolvimento infantil e enviou para o próprio e-mail.  Leria tudo com calma no notebook quando parassem em algum hotel.

Dean ficou quietinho o tempo todo, compenetrado em folhear o álbum de figurinhas se imaginando a colar cada uma delas.  Desistira de colar com pressa durante o almoço.  Era melhor fazer quando parassem num hotel, como Sam sugerira a princípio.

– É a única vantage de se um pirralho! – o loirinho exclamou – Ganha um álbum de figurinhas.

Sam sorriu.

– Terminei.  Vamos embora.

Os irmãos levantaram-se e foram ao balcão pagar as despesas, inclusive de impressão.  Quando pegou umas moedas de troco Sam sentiu um puxão na barra da blusa.  Olhou para Dean que mantinha os olhos verdes fixos no vidro do expositor apontando algo com o dedinho indicador.  Ali também vendiam figurinhas para o seu precioso álbum.

Nem foi preciso pedir.  O moreno devolveu as moedas ao funcionário que sorriu em compreensão quando ouviu o pedido.

– Tudo em figurinhas, por favor.

– Obrigado! – Dean sorriu tão feliz que Sam achou valer a pena concretizar esse agrado, depois da mancada que dera com o seu irmão mais velho.

S&D

Não tiveram dificuldade alguma em encontrar um restaurante onde pudessem comer com tranqüilidade.  O loirinho convenceu Sam que não havia problema em devorar uma montanha de batatas fritas e um super Milk Shake de chocolate.

Alguma coisa naqueles grandes olhos verdes (ou talvez fossem as pequenas sardas sobre o nariz afilado, vai saber) impedia Sam de dizer “não” ao garoto.  E o moreno começava a desconfiar de que Dean percebera essa sua fraqueza e estava se aproveitando dela...

Para si solicitou um especial do dia e suco natural.

A garçonete terminou de anotar os pedidos e ia se afastando quando a vozinha suave de Dean a impediu.

– Uma moça tão bonita num teria umas figurinha tipo essas – mostrou as que segurava e estavam meio amassadas – pra vende.  Teria...?

Sam não conseguiu esconder a surpresa.  A funcionária riu divertida e piscou cúmplice para o loirinho.

– Não temos.  Mas para um rapazinho tão educado... quem sabe... eu tenho um amigo que conhece um amigo...

O moreno voltou os olhos para a garota que sorriu.  Acabou dando-se por vencido.

– Coloca na conta, por favor.

– Claro, bonitão.

– Obrigado, Sammy!

– Mas em troca essa é sua última dose de batatas fritas.  Depois só comida saudável.

O garoto abriu a boca em um “Oh” silencioso e protestou fervorosamente.

– Mais Sammy...

– Nada de “mas” – o caçula cortou – Isso não é negociável.

Dean recostou-se na cadeira e apertou os lábios em um bico mal humorado.  Porém a careta se desfez assim que o milk shake caprichado foi colocado a sua frente, junto com as deliciosas batatas fritas.

O almoço foi tranqüilo e rápido.  Sam estava absorto demais em seus pensamentos, admirando o irmão enquanto ele devorava as batatas fritas.

Quando estavam terminando a garçonete aproximou-se discretamente e entregou alguns pacotinhos para Dean, piscando de modo cúmplice.  O garotinho era um fofo, ainda mais com todas aquelas sardas.

O outro Winchester sorriu de lado antes de tirar algum dinheiro da carteira e jogar sobre a mesa, já com o valor das figurinhas computado.

S&D

Depois os irmãos caíram na estrada e Sam dirigiu o resto do dia.  Tinha pressa de chegar logo a Illinois e encontrar Bobby.  Imaginava a reação do outro caçador quando descobrisse o tamanho da enrascada...

O sol se punha no horizonte quando Dean acordou de uma nova soneca no banco de trás.

– Sammy, eu to cansado.  Falta muito?

– Não – ele tinha consultado o mapa há pouco tempo.  Havia um hotel nas proximidades.

– Eu quero abri minhas figurinha! Você prometeu, Sammy.

– Sei disso.  Só tenha um pouco de calma...

– E eu preciso faze xixi! Sammy!

O moreno contou até cinco antes de parar no acostamento.

– Está bem.  Podemos parar aqui pra você fazer xixi.

– Aqui?! – o menino soou horrorizado – Mais num tem lugar pra lava a mão!

– Dean... – Sam resmungou.  Aquela preocupação toda com higiene era nova.  Seria coisa de criança?  Ele não fazia idéia – Se você estiver muito apertado tem que ficar sem lavar a mão.

– Num precisa.  Eu agüento mais!

Apesar da afirmação cheia de certeza o moreno resolveu pisar mais fundo no acelerador, só por garantia.

O hotel a beira de estrada não era nada cinco estrelas, mas dava pro gasto, já que tinham ficado em lugares bem piores em várias ocasiões anteriores.

Registrar-se foi rápido e fácil.  O homem atrás do balcão nem solicitou documentos, apenas anotou os nomes dos novos hóspedes e pediu para que Sam assinasse o comprovante.  Depois disso entregou a chave e desejou uma boa estadia.

O quarto era como tantos outros espalhados pelo país.  Duas camas simples de solteiro, um armário e uma mesinha de cabeceira.  Pelo menos era tudo bem limpo.

Com um suspiro o moreno jogou as mochilas sobre uma das camas, então sentiu um puxão na barra da blusa.

– Sammy, preciso i no banheiro!

– Sei disso, Dean.

– Sammy...

– Olha, – o rapaz abaixou-se e colocou as duas mãos sobre os pequenos ombros do menino – A situação está difícil, as coisas estão confusas... mas você não precisa me pedir permissão pra ir ao banheiro, Dean!  Pelo amor de Deus.

O tom saiu mais ríspido do que Sam planejava, porém sentia-se desgastado diante de tudo aquilo.  Mesmo que a culpa fosse unicamente dele.

– Num consigo evita, Sammy...

A mágoa evidente na voz infantil partiu o coração do moreno e ele arrependeu-se instantaneamente.  Porém antes que pudesse dizer alguma coisa Dean afastou-se, largando as figurinhas amassadas e o álbum sobre a cama e seguiu para a porta que dava acesso ao banheiro.

Sam respirou fundo e ficou em pé.  Olhou em volta pensando no que fazer.  Talvez ligar o computador portátil assim que tomasse um banho.  Depois de Dean, claro.  Alias, precisava abrir o chuveiro pro irmão, já que ele não alcançava e...

– Merda!

Apressou-se até o banheiro e abriu a porta sem bater.  Flagrou o loirinho parado em frente ao vaso sanitário pensando em como faria para se aliviar, já que ele tinha a altura de um pirralho de quatro anos, ou seja, não alcançava a privada direito.

A entrada do moreno o fez virar a cabeça.  Os irmãos se encararam em silêncio por alguns segundos, até Sam quebrar o contato e ir socorrer o garoto.  Também o ajudou a lavar as mãos no lavatório.

– Vou abrir o chuveiro pra você tomar banho.  Deixa que separo uma roupa.

– Hn – Dean respondeu.  Quando Sam estava saindo do banheiro, ele não resistiu – Depois posso abri as figurinha?!

O tom quase desesperado trouxe um sorriso aos lábios do Winchester mais alto.

– Depois do jantar.  Algo saudável para variar.

– Combinadu!

O tom animado de expectativa não diminuiu a culpa que Sam sentia.  Precisava reverter Dean a forma adulta.  Urgentemente.

S&D

Depois do jantar Sam sentou-se com o notebook numa das camas e começou a pesquisar sobre Cluricaun e como desfazer os feitiços deles, vez ou outra mudando a janela e lendo algo sobre desenvolvimento infantil.

– Sammy, terminei!

O chamado fez com que Sam olhasse para a outra cama, vendo que Dean tinha terminado de comer todo o jantar.

– Muito bem – ele lembrou-se que crianças precisavam de reforçamento positivo – Vá escovar os dentes com sua escova do Batman e pode abrir as figurinhas.

– OBA! – e o menino disparou para o banheiro.  Sam contou até três e sorriu cheio de dentes quando ouviu o grito – SAMMY!!

O irmão mais velho não alcançava a pia, evidentemente.  Rindo alto o moreno foi socorrê-lo.  O bom daquela situação era que poderia pegar no pé de Dean por muito, muito tempo quando tudo voltasse ao normal.

Finalmente, com os dentes bem escovados, Dean subiu na cama, sentando-se a moda oriental, e se dedicou ao álbum.  Pegou um dos pacotinhos e rasgou, desvendando as fotos de jogadores dos times de futebol americano.

– WOW!

Sam parou de navegar na Internet e ficou observando enquanto o loirinho virava as páginas até achar o local onde deveria colar a primeira figurinha.  Com solenidade que não combinava com a pouca idade Dean destacou a imagem e colocou com todo cuidado do mundo.

– Ahh...

A exclamação decepcionada intrigou Sam.

– O que foi?

– Colo torto.  E agora, Sammy?

O moreno riu.

– Traz aqui.

Dean recolheu todos os pacotinhos e o álbum e saltou da própria cama para a de Sam, caindo sentado sobre o colchão.  Então estendeu seu precioso pertence para o irmão.

Fascinado, Dean assistiu Sam puxar a figurinha com cuidado até descolá-la por completo, para voltar a pregá-la, da forma correta.

– Deu certo! – exclamou feliz – Obrigadu!

– Por nada – Sam bagunçou os fios de cabelo lisos.

– Sammy me ajuda eu cola o resto...?

A pergunta veio acompanhada do olhar esverdeado mais pidão que Sam já tinha visto na face da Terra.  Ninguém seria capaz de dizer “não”.

– Certo.  Você vai abrindo os pacotinhos e eu vou colando.

Dean obedeceu sem questionar.

Por algum tempo ficaram absortos na tarefa.  Pouco a pouco a pilha de figurinhas diminuía e as páginas do álbum se tornavam coloridas pelas pequenas fotos.

– Você cuidava de mim assim.  Se lembra Dean? – Sam perguntou tomado por uma súbita onda de nostalgia e saudade.

– Claro – o loirinho respondeu juntando as imagens repetidas com as mãos pequeninas – Sammy nunca me deu trabalho pro Dean.

Sam não respondeu, teve dificuldade até de engolir saliva, diante do sentimento profundo que o atingiu.  Os olhos observavam fascinados aquela criança a sua frente, recolhendo cartas adesivas colecionáveis como se fossem a coisa mais importante do mundo.

Era o seu irmão mais velho, sabia disso.  Mas no momento Dean estava vítima de um feitiço sobrenatural e não parecia seu irmão.  Parecia, simplesmente, um garotinho de quatro anos, tão frágil e desamparado quanto as crianças nessa idade poderiam parecer.

E Sam compreendeu todo o sentimento protetor que o mais velho tinha consigo.  Conseguiu entender a vontade de cuidar e bem-fazer, manter a salvo de qualquer maldade que o mundo oferecia.

Pois era exatamente assim que ele se sentia, colando figurinhas com o seu irmão.

Continua...