Sentimentos, Sons E Imagens escrita por Mayumi Sato, Labi, matthewillians, Kuroyama_Izumi, Brownie, Meiko, kaori-senpai, Blue Dammerung, Alface


Capítulo 4
Romeo and Juliet - por: Alface.


Notas iniciais do capítulo

"Enquanto Arthur era orgulhoso e conseguia manter uma pose firme em qualquer discussão, independente de como se sentisse de verdade, Alfred era um livro aberto, e talvez por isso era sempre frustrante discutir com o americano. Servia apenas para quebrar seu coração.
Alfred parecia em choque. Seu cenho franzido e sua boca contraída demonstrava um choro contido, que por alguma razão ainda conseguia ser segurado. Suas mãos, agora cerradas, tremiam de desamparo. O americano respirou fundo, passando a mão pelo seu rosto, empurrando seu cabelo para trás."
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Avisos: Conteúdo sexual e dramático.



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Romeo and Juliet

Com todo o respeito, senhor, mas eu também preciso pagar contas e comprar comida ao final do mês. – disse Arthur em um tom irritado mas contido, encostando suas costas na parede da cabine telefônica – Então se está achando o meu preço por hora muito caro, sugiro que procure outro pela região tão bom quanto eu e que faça um preço menor. Se o senhor não achar, o que, com certeza, vai acontecer, meu número continuará o mesmo. Boa noite.

Bateu com o telefone e suspirou, frustrado. Massageava as têmporas enquanto respirava fundo. Se as coisas continuassem neste ritmo, teria que persuadir a síndica do prédio novamente a atrasar mais um aluguel. Inconscientemente, batia suas unhas no vidro da cabine em um ritmo constante, que lembrava a 5ª sinfonia de Beethoven.

– Me desculpe senhor… estive ouvindo sua conversa e… o senhor cobra quanto a hora mesmo?

Arthur olhou assustado para a porta da cabine mas sorriu. Sua expressão demonstrava um desdém forçado, enquanto fingia olhar as unhas.

– Eu não sei… – fingiu desinteresse, bocejando no meio do processo – Costumo cobrar mais caro para pivetes americanos. – não conseguiu esconder o sorriso que acabou se formando em seu rosto – Ainda mais se forem artistas falidos.

– Ué, não acha que combinamos ainda mais um com o outro, huh? – Alfred se aproximou, circulando a cintura de Arthur com seu braço e beijando sua nuca, antes de sussurrar em seu ouvido – Sabe, eu sempre tive tara por ingleses sobrancelhudos, ainda mais se forem advogados… os falidos são os melhores. O que, aliás, com todo este papo de valor por hora parecia algo completamente diferente.

Arthur queria demonstrar raiva com aquela afirmação vindo do outro, mas não conseguiu. Acabou por rir ao sentir a respiração quente de Alfred na curva de seu pescoço, empurrando sua barriga com carinho.

– Dia difícil de trabalho, huh? – disse carinhosamente, enquanto retirava a franja do outro da frente de seus olhos tão penetrantes – Conseguiu vender alguma coisa?

– Nem me fale… – Alfred aspirou mais daquele cheiro tão delicioso que era o de seu amante – Consegui pintar uns 6 retratos. Ah, mas uma velhinha, que parece que era algum tipo de artista na juventude, ficou muito animada e conversamos por horas. Ela ainda me deu uns trocados e o panfleto de um ateliê de um conhecido! – depositou um beijo na curva do pescoço do inglês e se afastou, abrindo um grande sorriso – Irei lá amanhã. Quem sabe não estão precisando de mais um artista pra auxiliar nas exposições, huh?

– Oras, mas isso é uma ótima notícia! – esquecendo totalmente a irritação inicial, Arthur sorriu, acariciando a bochecha direita de Alfred – É melhor ir arrumado. Lave seu terno hoje que eu o passo amanhã de manhã. Ah, e use um pouco da colônia que tenho, mas tome cuidado pois já está acabando! Se possível também tente-

– Eu sei, Artie, eu sei – Alfred fez um biquinho, querendo ainda mais contato físico com Arthur, roçando sua bochecha com a dele enquanto depositava pequenos beijos pelo caminho – Não deixarei essa oportunidade escapar por estar mal cheiroso ou mal vestido, sim? – sorriu, olhando Arthur nos olhos – E aliás, eu já me visto bem pra caramba normalmente, não sei do que está reclamando.

O olhar de incredulidade de Arthur foi o bastante para a mensagem chegar a Alfred: não, neste mundo, regatas cobertas de tinta com bermudas listradas e bonés que foram cortesia em compras exageradas de supermercado não eram a exata definição de se vestir bem. Mas Arthur também não ficava para trás: seus ternos grandes demais para seu corpo graúdo e suéteres velhos para os dias de lazer não costumavam deixar a aparência de alguém mais profissional.

Alfred sabia o quanto ambos eram um desastre para este tipo de coisa, – “mas ao menos eu não tenho que realmente estar formal para exercer minha profissão ao contrário de alguém”, mas não preferiu adicionar este comentário pois queria acordar com todos os seus dentes na boca amanhã pela manhã – então resolveu deixar o assunto de lado à sua maneira favorita.

– E aliás… – sussurrou no ouvido do inglês, permitindo que seu hálito quente se espalhasse por toda a extensão de seu pescoço – …sei que gosta muito mais de mim sem elas, huh? – uma pequena mordida no lóbulo da orelha de seu amante foi o bastante para arrancar um gemido receoso deste, além de uma desconfortável mudança de peso entre as pernas – Você sabe como eu adoro a maneira que arranha o meu peito quando eu estou…

Uma batida no vidro foi o bastante para retirar os dois de seus devaneios sexuais – e cá entre nós, Arthur já estava bastante animado com a perspectiva de fazerem o que tinha que ser feito ali mesmo – quando um homem baixinho e meio calvo os encarou com desaprovação.

– Se já terminaram de utilizar o telefone, poderiam sair da cabine, por favor?

Alfred notou a maneira engraçada no qual seu bigode dançava quando o homem falava, mas Arthur se adiantou ao comentário ingrato do namorado. Pediu desculpas rapidamente e arrastou seu amante para fora dali, sendo seguidos por um resmungo do homem que tratou de fechar a cabine e começar a realizar a sua ligação. O casal se encarou e começou a rir, subindo juntos a escada ao lado da loja de móveis usados que se localizava em frente à cabine telefônica pública.

– Por céus Alfred, você não consegue se controlar um segundo? – Seu tom era irritado, mas uma mescla de riso era facilmente identificável em sua voz – Moramos em frente à droga da cabine! O que diabos ele achará de nós?

– Deixe que ache o que quiser, nunca mais o veremos na vida, eu espero. – observava Arthur pegar a chave e começar a abrir a porta do apartamento, o abraçando repentinamente por trás e murmurando em sua nuca – E não pense que não notei o quanto ficou excitado com a ideia de fazer algo em público… seu pervertido.

– É c-claro que não, seu idiota…! – seu rosto ficou totalmente corado, enquanto metade de si queria se derreter para aquelas carícias e jogar-se ainda mais sobre o outro e a outra metade apenas queria abrir a porta do apartamento logo e fechar Alfred do lado de fora – E-Eu apenas… Como eu posso explicar…

Sem paciência, Alfred abriu a porta do apartamento de uma vez e empurrou o corpo de Arthur para dentro, logo depois o encostando de costas na porta. Arthur pareceu ligeiramente assustado por um breve segundo, e apenas encarava as orbes azuis em busca de alguma resposta. Podia sentir a mão ligeiramente áspera de Alfred pelas químicas das tintas que já foi exposta por conta do trabalho, acariciando sua bochecha com carinho. Sua expressão era de dor, paixão e uma enorme felicidade.

–…Eu te amo, Arthur. – sussurrou, deixando que a escuridão da sala e as buzinas de carro do lado de fora do apartamento deixassem claro o quanto aquele momento era íntimo e pertencia somente a eles – …Eu te amo tanto…

Arthur podia sentir seu coração batendo mais forte, assim como também um ligeiro aperto em seu peito. Não conseguia fechar sua boca meio-aberta e recuperar sua expressão normalmente calma e precisa, ao invés da expressão surpresa e coberta de paixão que carregava no momento. Observava o cabelo caído na testa de seu amante, aquele loiro escuro que tanto amava, e seus olhos azuis penetrantes, onde podia sentir a temperatura de seu corpo subir somente de olhar diretamente para eles. Podia sentir o amor em cada gesto, em cada toque, e até na leveza na qual o sorriso de Alfred era estampado em seu rosto, revelando uma pequena covinha na parte inferior de sua bochecha esquerda. Céus… como amava aquele sorriso.

– E-Eu… também te amo, Alfred.

Sua voz saiu como um sussurro, seus lábios logo sendo tomados pelos do americano em um beijo doce e calmo, seu corpo sendo deslizado pela porta até o chão em um movimento gracioso e coberto de paixão. A língua de Alfred invadia sua boca de maneira carinhosa, mas ligeiramente possessiva, sua camiseta já sendo levantada e revelando seu tórax totalmente pálido e objeto de tanto desejo por parte do americano. Cada toque, cada gesto parecia minimamente calculado para transmitir o máximo possível da paixão e da sede que sentiam um pelo outro, mas ao mesmo tempo eram tão espontâneos e cobertos de experiência com o corpo alheio, desfrutando de cada detalhe, de cada pedaço que sentia mais prazer ao ser apertado, mordido ou chupado.

Os gemidos se mesclavam aos barulhos de uma noite normal no centro de Londres. Tão barulhenta, e tão facilmente ignorada pelo casal preso em seu próprio mundo de prazer e carinho. E cada peça de roupa esquecida pelo chão carregava uma ânsia por amar, refletiam a dependência daquele sentimento tão acolhedor, tão desesperador e ao mesmo tempo tão acalmante.

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A porta da sala rangeu ferozmente e logo depois foi batida, chamando momentaneamente a atenção de Arthur.

– …Com certeza. Sim. Senhor, permita-me te esclarecer que – Sim senhor. – Orbes verdes seguiam cada movimento de Alfred com preocupação. Observou-o retirar a gravata e jogá-la de qualquer jeito pela mesa de centro, e se tacar no sofá e encobrir seu rosto com ambas as mãos – Permita-me te esclarecer. Como o senhor afirma, de acordo com a lei possui sim direito a uma indenização, e não seria um caso difícil para se recorrer. Preciso apenas de alguns docum- Sim, é claro, encontro o senhor amanhã às nove da manhã. O preço que será cobrado do senhor será–M-Mas é claro. – Arthur parecia chocado por um momento e Alfred, curioso, levantou seu olhar para observá-lo – Será um prazer. Tenha uma boa tarde.

Por breves três segundos, o casal se encarou. A expressão miserável de Alfred retornou, mas antes que este pudesse falar qualquer coisa, foi interrompido por um Arthur eufórico.

– …Eu consegui, Alfred. Eu… Eu não acredito. – um pequeno sorriso se formava agora em seu rosto, rendendo uma sobrancelha levantada por parte do americano – Você se lembra daquele seu amigo, o músico? – antes que Alfred pudesse ter a oportunidade de responder, ele continuou – Como você havia me dito, ele possui um amigo precisando de um advogado. Um caso ridículo. Parece que este amigo e o irmão mais novo trabalham em um bar patrocinado por uma marca de cerveja. Foram flagrados tomando cerveja de outra marca fora do expediente e demitidos… enfim, um caso ridículo. A indenização por danos morais já passam das oito mil libras!

– Whoa Arthur, calma. Não está notando algo? – A expressão de Alfred era irritadiça, tendo ajeitado sua postura e apontando para si mesmo – Ou melhor, alguém?

– E a melhor parte, meu pagamento foi estimado em 30% do valor da indenização… de cada um! O valor soma… – Arthur recolheu rapidamente algumas folhas de cima da mesinha, seus olhos deslizando impacientemente sobre elas em busca de algo – Soma… quase cinco mil libras, Alfred! Podemos pagar o aluguel este mês!

– Arthur, isso é ótimo, mas eu preciso falar com você. – O americano puxou a mão do amante manhosamente, atraindo a atenção deste por alguns segundos – Eu não consegui, Arthur. Aquela entrevista foi uma grande mentira, sequer estavam interessados em mim de verdade, foi apenas um convite por educação… quer dizer, a velha, bom, a Louise, realmente se interessou pelo meu trabalho, mas os sócios dela? Nem olharam para a minha cara.

– Isso é péssimo, Al… – o britânico acariciou a bochecha de seu amante, olhando com carinho em seus olhos – Mas vamos olhar pelo lado positivo… poderemos finalmente comprar chá de verdade. Sabe o quanto tem sido horrível tomar aqueles chás de saquinho? Você não queria aquele-

– Por favor, Arthur! – assustado com o repentino choro de seu amante, Arthur calou-se rapidamente, dirigindo um olhar confuso em direção ao americano – Será que podemos nos focar na minha miséria por alguns segundos? Será que é pedir demais? – Alfred arfava, seu rosto contorcido em uma expressão raivosa que simplesmente não combinava com ele – É pedir demais para que meu namorado pare de ser egocêntrico por apenas cinco minutos e me ajude a superar uma das maiores decepções que sofri em relação à minha arte na minha vida?!

– Egocêntrico?! – a expressão calma e compreensiva de Arthur havia sumido rapidamente, enquanto sua voz levemente anasalada alcançava um volume maior – Por favor Alfred, eu estou aqui te falando que você vai ter o que comer pelos próximos 3 meses, e você vem me dizer que eu deveria deixar isso de lado e me preocupar com a sua tristeza infundada? – os braços de Arthur bateram incredulamente em seu próprio quadril, aproveitando para apoiar suas mãos ali – Você está deprimido porque não conseguiu o emprego, correto? Pronto. Eu consegui um. Sustentar um ingrato como você pode não ser a melhor coisa do mundo, mas é isso que casais fazem, não é? Você não vai morrer de fome. Vamos ter aquecedor no inverno. – o britânico apontava para a casa toda, pequenos risos de escárnio escapando sua boca. Estava cansado daquele assunto – Será que você pode não ser uma criança mimada só por hoje?!

– Mas o que diabos, Arthur! – Alfred se levantou em um pulo do sofá, olhando inferiormente para o inglês que, intimidado pela altura do outro, tropeçou para trás – É só nisso que você pensa? Dinheiro?! Eu não me importaria de morar em um albergue se pudesse ter meu trabalho reconhecido!

– Mas adivinha: você não mora. E sabe por que? – o rosto de Arthur adquirira uma coloração escarlate, furiosa – Porque sou eu quem pago todas as contas aqui! Enquanto você brinca de Picasso por aí. Você não teria sequer uma das suas bermudas patrióticas ridículas se não fosse pelo meu trabalho!

Um silêncio repentino havia se instalado na sala. Apesar da confiança na qual Arthur esbanjava, de repente se sentiu inseguro. Havia dito demais? Seu nariz continuava empinado, mas seu olhar era incerto enquanto encarava as orbes azuis.

Enquanto Arthur era orgulhoso e conseguia manter uma pose firme em qualquer discussão, independente de como se sentisse de verdade, Alfred era um livro aberto, e talvez por isso era sempre frustrante discutir com o americano. Servia apenas para quebrar seu coração.
Alfred parecia em choque. Seu cenho franzido e sua boca contraída demonstrava um choro contido, que por alguma razão ainda conseguia ser segurado. Suas mãos, agora cerradas, tremiam de desamparo. O americano respirou fundo, passando a mão pelo seu rosto, empurrando seu cabelo para trás.

– Quer dizer que eu sou apenas um problema para você? Um peso? – Arthur de repente parecia sem chão, seus olhos carregavam uma culpa visível – Sabe Arthur, eu nunca te pedi para me sustentar.

– E-Eu sei Alfred, eu sei, foi só… D-Droga Alfred, é sempre assim…! – a sala de repente se tornou gelada demais. Nenhum dos dois sabia como a situação havia chegado naquele ponto, mas um aperto no peito do inglês dizia que o melhor seria continuar. Tantas vezes haviam iniciado aquela discussão, tantas vezes ela havia sido deixada de lado em prol do bom convívio… Mas havia chegado num ponto impossível de ignorar, e os dois sabiam disso – Toda vez que algo de bom ou ruim acontece com você, eu tenho que ser o primeiro à ampará-lo ou comemorar com você. Mas quando é comigo, você sequer dá ouvidos! Está sempre cansado demais, assistindo algum programa importante ou irritado demais com algo no momento para me dar atenção e, vamos ser francos, ter queimado o macarrão que estava preparando não é motivo o bastante para sequer comemorar comigo o fato de que minha mãe passou pela cirurgia sem problema algum! Onde você está quando eu preciso de você?!

Arthur sequer se lembrava de quando havia levantado. Seu rosto se encontrava completamente contorcido de raiva. Conseguia sentir suas bochechas queimando, sua garganta fechada e lágrimas de frustração escorrendo pelo seu rosto. Respirava com rapidez, ansiando por uma resposta ao seu questionamento, mas esta nunca veio. As orbes azuis apenas o encaravam com incredulidade, o próprio rosto do americano distorcido em frustração. Apesar de que não gostasse do rumo que a conversa estava levando e de ter tantas acusações jogadas contra si tão de repente, nunca havia visto Arthur com aquela expressão. Estava mais do que acostumado a vê-lo com raiva, visto que o inglês parecia viver em um eterno mau–humor, mas não era isso que seu rosto demonstrava. Havia raiva, tristeza, desapontamento, e uma ânsia por algo que Alfred não poderia dar. Suas mãos fechadas em punho indicavam que ele havia tido o bastante daquilo.

Alfred decidiu que, também, estava cansado daquilo.

– Eu vou sair. – disse em um impulso, recolhendo seu celular e carteira de cima da mesa de jantar e os depositando rapidamente no bolso – Não me espere.

Em um instante, Arthur pareceu ter se esquecido completamente da mistura de emoções que estava sentindo, e sua voz não escondia um certo desespero.

– O que…? Espere, aonde você está indo? – franziu o cenho, caminhando em direção ao americano, conseguindo segurar a manga de seu terno – D-Daqui a pouco está anoitecendo. Senta aí, vamos conversar com calma.

Com um puxão de seu braço, Alfred arrancou as mãos do inglês que insistiam em lhe segurar. Arthur estava chocado com o movimento repentino, e sua raiva retornou com aquela demonstração idiota de força.

– Eu não vou me sentar aí e ficar ouvindo você falar mal de mim. Porque, aparentemente, sou sempre eu quem estou errado, sempre eu quem precisa se desculpar e nunca faz nada certo. Só porque você tem esse orgulho idiota e nunca admite estar errado não significa que eu tenha que aceitar este tipo de comportamento.

– Mas o que diabos…! – em completa fúria, Arthur jogou suas mãos no ar, não acreditando nas palavras do homem na sua frente – Eu sempre sei reconhecer meus erros! Mas, no momento, estamos falando de você, e não de mim! Se algum dia eu fizer qualquer merda que seja te machuque, você tem todo o direito de jogar na minha cara, mas agora não é um destes momentos.

Alfred grunhiu e bateu a porta atrás de si. O pequeno suporte para chaves que haviam construídos juntos quando se mudaram, no qual Arthur sempre reclamou que havia apenas um fino prego como apoio, se destroçou pelo chão. Arthur ficou parado, ouvindo os rápidos passos do homem que amava descendo as escadas. Sentia seu coração disparado em seu peito pela tempestade de emoções que foi aquele momento, e uma raiva contida queimava sua garganta e estômago, fazendo-lhe sentar no sofá com uma certa dor, recolhendo a almofada mais próxima e a tacando com toda sua força no chão.

Após a raiva veio a culpa, e o inglês deslizou seu corpo pelo sofá enquanto soluçava.

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– A-Ah...! A-Arthur…! Mhn...

O rangido da cama ecoava pelo apartamento às duas da manhã. Apesar dos esforços em se manterem sutis, tinham quase certeza que as paredes finas daqueles apartamentos baratos não conseguiria isolar o som do casal. Podiam apenas torcer para que os vizinhos tivessem a paciência de esperar que terminassem.

A respiração desregulada de ambos se mesclava. Ambos sentados, com as pernas entrelaçadas, seus peitos se roçando conforme se beijavam com voracidade, mãos curiosas explorando corpos que já conheciam tão bem. As mãos leitosas do inglês afundavam por entre os cabelos loiros do amante, os puxando com leveza e uma maneira que ele adorava. Sentindo suas costelas sendo roçadas pela ponta dos dedos alheios, Arthur deixou escapar um pequeno gemido por entre os lábios selados. Alfred gemeu alto quando sentiu a língua do inglês explorando sua orelha. Seu corpo tremia, seus pés se contraíam em êxtase enquanto tentava permitir que seu prazer ressoasse em um volume mais baixo.

Em um movimento rápido, deitou o corpo do inglês na cama, afundando seus dentes na curva do pescoço à sua frente, enquanto suas mãos apertavam com força os ombros pálidos, tentando manter seus corpos colados o máximo possível. Um pequeno riso de luxúria escapou os lábios ingleses, que se dedicava agora a deixar profundos chupões no pescoço de seu amado.

Com o olhar coberto de luxúria, Alfred observava cada reação do inglês às suas ações. Lambeu a ponta dos próprios dedos, logo depois os utilizando para acariciar a virilha de Arthur, passando então por suas coxas até chegar em seu membro. A expressão coberta de prazer do inglês foi o bastante para deixar o americano completamente excitado.

Suas mãos se dedicavam à masturbá-los, o ritmo aumentando gradativamente, Alfred nunca retirando seu olhar da expressão do amante. Arthur abraçava com força seus ombros, deixando marcas de suas unhas e dentes por onde quer que tentasse se apoiar naquele corpo delicioso. Sentia seu coração apertar pela emoção que lhe invadia, sentindo cada sussurro, cada palavra, cada gemido que escapava a boca do americano. Quando abriu seus olhos, percebeu que ele retribuía seu olhar, e Arthur não pôde evitar o sorriso que se abriu em seu rosto.

– A-Alfred... A-Alfred, e-eu te amo... e-eu te amo mais do que tudo, Alfred. – sua respiração falhava, suas palavras soando confusas por entre os gemidos que insistiam em escapar – M-Mais do que tudo, tudo neste mundo, v-você é meu mundo Alfred... E-Eu te amo tanto, mas tanto... S-Sempre vou te amar, para sempre, A-Alfred por favo–A-Aah....!

Sentia sua garganta formigando e as lágrimas enchendo seus olhos. Aquela emoção era forte demais para suportar, era grande demais, inflando por dentro de seu ser e transbordando por qualquer brecha que encontrasse. Apertava cada vez mais os corpos juntos, por mais difícil que se tornava respirar. Sentindo aquelas palavras de amor lhe invadindo gradativamente, Alfred aumentava o ritmo de sua mão, seus próprios olhos se enchendo de emoção ao colar cada vez mais aquele corpo miúdo e forte contra o seu.

Como se pudessem se tornar um, como se fechar aquela distância por completo nunca fosse possível, os peitos continuaram colados, os braços circulando os troncos com possessividade e as pernas entrelaçadas. Queriam ficar assim para sempre, juntos, grudados, com a paixão transbordando por entre os lençóis da cama.

E ficaram assim, para sempre. Ou, em outras palavras, apenas pelo restante da madrugada.

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Quando a campainha tocou, Alfred respirou fundo, coçando seus olhos beijados pela insônia e separando a expressão mais impassível que possuía. Abriu a porta lentamente, como se não tivesse ideia de quem poderia estar do outro lado, por mais que soubesse perfeitamente quem era. Não permitiu-se abalar minimamente a expressão ao ver aqueles cabelos engrenhados, que tantas vezes já havia acariciado nos dias mais carinhosos, e puxado nas noites mais luxuriosas. As orbes verdes lhe observavam, igualmente, com frieza.

Sem dirigir-lhe nem uma palavra sequer, Alfred deu um passo para trás, permitindo a passagem de seu visitante. Retornou a fazer o que estava antes de ser interrompido, limpando seus pincéis na pia do banheiro. Arthur, ainda na porta, demorou alguns segundos para processar o convite. Era estranho estar tão hesitante de entrar naquela casa. Quantas milhares de vezes este gesto era feito de maneira mecânica? Entrar, colocar a chave no suporte e abrir a janela da sala fazia parte de sua rotina doméstica, mas hoje seus hábitos eram outros. As pessoas eram outras.

Com uma expressão que disfarçava completamente qualquer insegurança que sentisse, Arthur foi direto a seu destino. Entrou no quarto do Alfred – que em um passado já havia sido denominado do casal – e foi em direção à estante perto da janela, não acreditando no que viu. Lembrava-se das milhares de vezes que pediu, insistiu e brigou com o americano para que separasse suas tintas, limpando as novas e jogando fora as velhas, para que elas parassem de manchar os benditos documentos de Arthur. Quantas e quantas vezes não havia sido necessário varar a noite refazendo um contrato pois uma grande mancha amarelo canário havia substituído a assinatura de seu cliente? E agora, três meses depois, encontrar a estante completamente organizada atingiu os nervos do inglês. Sentia seu humor abalado, fechando as mãos em punhos.

– Já pegou suas coisas?

Alfred manteve sua voz a mais neutra possível, depositando os pincéis limpos em uma cesta na estante. Um quase encostar de ombros se mostrou extremamente desconfortável para Arthur, que por reflexo deu um pulo para trás. Alfred o observava, uma pequena pontada de dor se tornou visível em seu cenho com aquele gesto.

– A-Ah…? A-Ah, sim, claro. – recolheu uma pequena pilha de documentos que já estavam separados, quando se lembrou de algo – Ah, estes dias eu me lembrei daquela forma de bolo que ganhei de aniversário dos meus irmãos. Ainda tem ela?

Alfred concordou com a cabeça, franzindo o cenho.

– Você a quer? Mas você nunca sequer usou. – colocou as mãos que levemente tremiam dentro do bolso da calça – Elas foram dadas ironicamente por eles, inclusive, você sabe.

Ignorando aquele comentário, o inglês se adiantou.

– Eu preciso dela. Pode pegá-la para mim?

Alguns segundos se passaram, com toda a fachada e preparo emocional por parte do americano rapidamente se desmanchando. Seu cenho se franziu, seus lábios se entortaram, enquanto ainda tentava pronunciar as palavras sem qualquer emoção.

– Ele precisa dela, não é?

– Alfred, por favor…

– Por que ele precisa dela?

Olhando dentro daqueles olhos que tantas vezes lhe tiraram o fôlego, Arthur respondeu, sua voz desanimada.

– É para preparar uma torta para a loja. – pronunciou com rapidez, suspirando e mantendo uma expressão firme – Se gosta tanto dela não tem problema, podemos comprar outra.

– Ele está aqui?

Arthur não respondeu. Conseguia perceber seu ex-namorado perdendo cada vez mais seu autocontrole, e sabia que aquilo não seria nada bom. Tentou expressar uma voz gentil.

– Alfred… Você sabe que n-

– Não me trate feito uma criança, Arthur. – sua voz deixava claro sua demanda por uma resposta rápida – Me diga, ele está aqui?

Derrotado, Arthur murmurou.

– Está lá em baixo…

Mal havia respondido, o americano já se dirigia para a porta, punhos fechados e uma expressão de morte estampada em seu rosto. Arthur tratou de largar os documentos de maneira desajeitada em cima da cama, fazendo a organizada pilha se desmoronar, em uma vã tentativa de impedi-lo com rapidez. Alcançou o americano na escada, segurando seus braços com toda a força que possuía.

– ALFRED…! Pare já com este comportamento imbecil!

O americano se debatia. Apesar da força superior que possuía, algum instinto de perigo havia sido acionado em Arthur, e a adrenalina lhe permitiu controlar fisicamente o ex-namorado. Ele grunhia, empurrava o corpo do inglês contra a parede e lágrimas de raiva desciam por seu rosto.

– DROGA ARTHUR! – seu choro agora se intensificou, sua força já não era mais tão evidente – D-Droga Arthur! E-Eu vou matá-lo!

Apesar das palavras assustadoras, o americano era incapaz de fazê-lo. Cessando completamente seus movimentos, Arthur permitiu soltar os braços do outro. Aproveitando a brecha, Alfred empurrou o corpo de Arthur contra a parede, lhe deferindo um beijo desesperado. Em poucos segundos, um soco foi dado contra seu rosto, fazendo o corpo do americano cambalear para o lado. Ambos arfavam pela rapidez dos acontecimentos dos últimos instantes. Quando Alfred abriu os olhos, sua mão acariciando seu novo machucado em sua bochecha, percebeu a expressão de completa repulsa que tomava conta do rosto de Arthur. Aquela expressão, mais do que qualquer palavra, afetou completamente o americano. Queria se esmurrar pela idiotice de seu ato.

– Artie, m-me desculp-

– Eu não quero nunca mais que me procure. Me esqueça, siga com a sua vida. – cada palavra proferida era uma facada direto no coração do americano. Uma pequena lágrima podia ser vista rolando pela bochecha de Arthur – Espero que você crie maturidade um dia. Vai se ferrar, Alfred.

Terminando de descer as escadas em um pulo, logo o inglês bateu a porta atrás de si, quase esbarrando na cabine de telefone enquanto seguia seu caminho em direção ao carro que lhe esperava do lado de fora. Seu coração batia rápido, seu rosto contorcido em dor, e cada esperança de manter um bom relacionamento com o homem que algum dia fora tudo em sua vida despedaçada pelo chão.

Naquela noite, a maldita forma de torta foi parar no lixo, e os documentos esquecidos tomaram conta do lado da cama que, uma vez, já pertenceu à Arthur.

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O álcool ainda lhe corroía o estômago, sua visão turva e sua coordenação motora ainda se encontravam extremamente falhas. Mas repetir o movimento de vai-e-vem com o quadril não era tão desafiador quando se estava bêbado. Agarrou os seios da moça deitada em sua frente, mordicando-lhes os mamilos. Ela gemeu alto, rindo enquanto brincava com os cabelos do americano. Circulava-lhe os seios com sua língua, subindo gradativamente até seu pescoço, chupando a região enquanto mantinha o ritmo constante em seu quadril. As pernas da mulher circulavam sua cintura, enquanto seus braços puxavam o pescoço do americano para mais perto, enquanto ela murmurava algo inaudível para o estado mental de Alfred.

Os olhos da moça lembravam vagamente o par de esmeraldas que uma vez já lhe miraram com desejo e paixão, mas sua voz não lhe acariciava os ouvidos, como o sentimento de uma canção nostálgica ao ser compartilhada com carinho, revivendo momentos de extrema felicidade que há muito se perderam no tempo. Sua pele não tinha gosto de estrelas, como uma fruta coberta de espinhos, desafiadora de ser deliciada, mas que ao transpassar tantas camadas possuía o gosto de um universo a lhe acariciar a língua. Seus cabelos, de um loiro-ouro, não possuíam valor algum perto do louro-palha.

Uma pontada de dor lhe perfurou o peito, e Alfred sentiu uma falta de ar momentânea. A mulher diante de si poderia ser a mais simpática que já conheceu, e possuir as mais tentadoras características físicas.

Mas ela nunca seria o Arthur Kirkland.

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Os anos passam com uma rapidez surpreendente quando se possui tantos projetos. Abrir uma empresa de advocacia, com certeza não foi fácil, mas com o pouco dinheiro que possuía e com muito trabalho duro, os frutos não demoraram para nascer. Em uma vida de correria e eternos casos que pareciam sem fim, apreciar verdadeiramente cada ano que se passava de sua vida se provou um sonho utópico para Arthur – ou, apenas, ele era um homem extremamente aficcionado por seu trabalho. Todas as suas viagens eram de cunho estritamente profissionais, e ele nunca se permitia relaxar em tais eventos. Sua vida, até então, havia sido uma eterna corrida contra o tempo para realizar tarefas profissionais. E é por isso que, naquele dia, havia decidido dar uma caminhada. Queria reorganizar seus planos, pensar melhor sobre sua vida. Lembrou-se de como havia iniciado sua carreira de advocacia há 11 anos atrás. Agora, aos 32 anos de idade, com uma estável vida garantida, Arthur se perguntava quais seriam seus planos daqui para frente. Francis Bonnefoy – um homem no qual havia tido um relacionamento de apenas 8 meses há muitos anos atrás, e acabou por se tornar um precioso (mas insuportável) amigo – gostava de implicar afirmando que Arthur estava em sua crise dos 30. Bom, nunca admitiria a ele, mas talvez estivesse. O fato é que o inglês raramente se pegava pensando sobre seu futuro, ou sobre qualquer assunto que fosse emocional demais, e aquele estado de espírito não combinava consigo. Sentou-se no banco no meio da calçada e aproveitou para inspirar o ar gelado do outono. A bela coloração amarela que tomava conta das folhas transmitia um contraste perfeito com o tronco marrom das árvores, pensou. Esta era sua estação favorita, e um sorriso delineou seus lábios ao sentir aquele clima frio.

O belo contraste entre os tons terrosos que caracterizavam a estação trouxe junto diversas memórias. Sentia-se nostálgico, com uma pequena dor em seu peito. Se havia algo que aprendeu ao longo dos anos foram que estas lembranças, não importe quanto o tempo passe, sempre iriam lhe afetar. Mesmo aos 32 anos de idade, ainda haviam momentos em que sentia uma imensa vontade de chorar ao se lembrar de sua infância, correndo alegremente pela sua primeira escola no norte da Inglaterra, enquanto driblava qualquer um que ousasse transpassar seu caminho quando jogava futebol. Ainda se lembrava com carinho de seu primeiro beijo, e se perguntava onde aquela menina simpática, de olhos esbugalhados estava agora. Céus, havia gostado dela por tantos anos, e havia criado tantas expectativas sobre seu primeiro beijo que, após ter acontecido, manteve uma expressão confusa em seu rosto, o bastante para fazê-la nunca mais querer olhar para si. Seu primeiro namorado, aos 16 anos de idade, havia marcado sua vida consideravelmente, e se pegou rindo ao lembrar dos gigantes moicanos verdes que eram seu cabelo, e de como havia sido ele mesmo responsável pela coloração que tomou conta dos cabelos de Arthur até os seus 18 anos.

E então veio o Alfred. Seus cenhos franziram com a lembrança, mas seus lábios exibiam um sorriso singelo. Havia sido o namoro mais sério no qual já havia tido até hoje. Se lembrava de como o pintor sempre zombava da coloração de seus cabelos, o chamando de “homem-grama”. Se conheceram na faculdade de direito, mesmo que em menos de 4 meses Alfred já tivesse decidido abandonar o curso. Arthur tinha ouvido rumores de que ele abandonara a faculdade para se tornar um pintor de rua e, no fundo da sua mente, relacionava àquela imagem a de alguém que havia falhado a vida. Ah, mas como estava enganado. Foi como um acaso o reencontrar perto do parque em um dia insuportavelmente ensolarado de verão. Mesmo em meio ao sol, Arthur nunca havia presenciado alguém tão estupidamente feliz em fazer o que fazia. Naquele momento, se lembra de ter sentido uma pontada de admiração enquanto o americano, durante toda a tarde, se manteve naquele mesmo ponto, pintando a paisagem. Resolveu se aproximar e a ligação foi tão forte que em menos de uma hora ambos já estavam se xingando mutualmente. Se lembrava de como a partir daí foram só risos, aulas matadas para namorar em baixo das árvores do parque, visitas à museus para ouvir Alfred criando histórias mirabolantes sobre as diversas obras – fato no qual Arthur só descobriu ser mentira meses depois – e visitas a lanchonetes baratas, onde ambos contavam as moedas para dividir um lanche ridículo, e rir animadamente enquanto o faziam.

Alfred. Alfred este que havia lhe dado os melhores momentos nos quais pudesse se lembrar, o qual lhe mostrou o quão poderoso o amor pode ser. O Alfred que lhe mostrou o quanto não estamos sozinhos neste mundo, e o quanto um beijo carinhoso na testa seguido por uma canção de ninar pode ser o melhor remédio para um choro desamparado às 3 da manhã. Alfred este que o fez perceber que você não sabe se está confortável de verdade com alguém até preparar um almoço preguiçoso juntos, seguido de uma tarde repleta de reality-shows até anoitecer, pois nenhum dos dois quer se levantar para pegar o controle remoto (ou porque, na verdade, estão torcendo por dentro para aquele chef italiano ganhar o desafio da sobremesa). O Alfred que lhe fez perceber o quão gostoso um sexo no chuveiro pode ser, e o quão broxante é tentar iniciar algo enquanto se assiste a um desenho animado. Que lhe fez ouvir músicas que nunca teria ouvido, assistir filmes que nunca teria assistido, e compartilhar um mundo novo com alguém tão diferente de si.

Arthur achava engraçado o quanto, com o passar dos anos, as únicas lembranças que possuía eram as boas. Se recordava vagamente das terríveis discussões que possuíam por motivos de orgulho, sobre a dependência emocional que Alfred possuía de si, mas também da terrível mania de exigir demais que Arthur tinha. Se lembrava de gritar enquanto chorava, desejando que aquela dor toda fosse embora. Mas estas memórias eram como um borrão. Não conseguia se lembrar exatamente como foram, ou as reais circunstâncias nas quais aconteceram, mas se lembrava de maneira vívida dos dias em que Alfred adormecia na mesa da sala em exaustão, e Arthur apenas se aproximava sorrateiramente e acariciava os cabelos de sua nuca, até perceber um pequeno sorriso se formando no canto da boca do amante, e era assim que sabia que estava acordado e pronto para chamá-lo para dormir na cama consigo. Arthur sabia que o término havia sido mais do que necessário. Quando olhava para trás e percebia o quanto havia crescido nos últimos anos, tinha certeza de que foi pelo menor. Mesmo assim, aquela pequena coceira em seu peito ainda insistia em gritar, mas era algo que, realmente, nunca iria embora.

Foi quando, em uma súbita percepção de onde estava, Arthur olhou para o outro lado da rua. Sentiu seu coração apertar com a visão da loja de móveis antigos que conhecia tão bem – e que, surpreendentemente, não havia sido fechada. Percebeu como agora havia uma padaria na esquina, e um caixa eletrônico ao lado da entrada da cada de onde, durante 5 anos de sua vida, morou. Levantou-se, incerto, e atravessou a rua com as mãos nos bolsos de seu casaco, observando a fachada tão mal–cuidada que conhecia tão bem. Sorriu com uma felicidade sincera, sendo invadido pelas boas memórias. Durante alguns bons minutos, encarava a porta de acesso para a escada que levava à sua antiga casa, e se perguntou se algum dia teria a chance de subir ali novamente. Um pequeno questionamento, no fundo de sua mente, pareceu surgir. Haveria alguém morando ali?

Pelo que podia ver da janela, havia um pequeno armário preto, mas era tudo que conseguia enxergar. Sentiu seu coração acelerar, enquanto o real questionamento decidiu se mostrar.

Será que Alfred F. Jones ainda morava lá?

Arthur se aproximou da campainha, mas se deteve. Não, aquilo era impossível. Ninguém aguentaria viver naquele inferno de apartamento minúsculo por tantos anos. Bom, considerando o quanto Alfred estava sempre falido, talvez…

Não.

Afastou aquele pensamento de sua mente, espreguiçando os braços congelados pelo frio. Caminhava pela calçada, tentando se retirar daquele lugar, mas alguma coisa o deteve. Olhou para trás, se lembrando da famosa cabine telefônica, na qual no início de sua carreira sequer possuía dinheiro para poder financiar mensalmente um telefone em sua casa, e a utilizava como meio de contato com seus clientes. Riu da vergonha de se lembrar de tal fato, tampando a boca levemente para esconder seu sorriso. Respirou fundo e entrou nela, apreciando o quanto ali dentro se tornava quentinho ao fechar a porta. Retirou seu casaco, o apoiando em um parafuso solto que havia ali dentro, ficando somente com seu terno desleixado. Encarava o telefone, de repente confuso. Por que estava ali mesmo?

Como por um impulso, já segurava o telefone em sua mão esquerda, enquanto a outra estava suspensa no ar esperando novos comandos. Para quem ligaria?

Sentia novamente seu coração acelerar, incerto sobre como deveria prosseguir com aquela situação. Após a briga memorável que teve com o americano quando voltou ao apartamento para buscar o restante de suas coisas há alguns anos, nunca mais haviam se falado. Chegaram a se encontrar em poucos momentos pela cidade, em algum shopping local ou no supermercado da região, mas nunca se falavam. Abaixavam a cabeça mutualmente como um cumprimento, reconhecendo a presença um do outro, mas no mesmo instante viravam o rosto e seguiam seu caminho.

Sabia que aquela despedida havia sido necessária. A possessão de Alfred, mesmo após o término do namoro, estava fora de controle. Havia tido muitas brigas com Francis por conta disso: Arthur ainda tentava manter algum contato com o americano na espera de terem alguma relação minimamente amigável, que gostava de possuir com todos os seus interesses amorosos anteriores, mas os encontros estranhamente melancólicos que possuíam, onde a conversa sempre chegava em um ponto desconfortável, além dos incessantes pedidos sinceros para voltarem o relacionamento e Arthur deixar Francis acabou por irritá-lo completamente. Não aguentava ter que estar tão preocupado com o sentimento alheio, pisando em ovos sempre que precisava formular qualquer frase enquanto o americano não hesitava em expor todas as suas tristezas e decepções com o inglês.

Mas Arthur também estava sofrendo. E ninguém parecia se importar.

Porém, em algum lugar de sua mente, ainda desejava ter uma relação amigável com o homem que, um dia, já foi o amor de sua vida. Afinal, compartilharam tanto de suas emoções, ideais e sonhos, conheciam tão bem a personalidade um do outro para que esta conexão se perdesse por sentimentos egoístas. Será que, 8 anos depois da separação, deveria tentar reaver este relacionamento amigável?

Será que Alfred também ansiava pelo mesmo?

Respirou fundo, digitando o número que ainda se lembrava no telefone público. Primeiramente, digitou o da antiga casa (afinal, pouco antes da separação, Arthur havia conseguido um ótimo caso que lhe rendeu o bastante para sustentar uma conta telefônica estável), mas o número já não existia mais. Colocou o telefone no gancho, o retirando logo depois e tentando novamente. Seria mais difícil do que achava.

Ligou para a telefonista, informando o nome completo do americano, ao qual recebeu um número de celular. Agradeceu e, novamente, tentou ligar. Prometeu à si mesmo que se não conseguisse falar com ele com aquele número, iria desistir. Afinal, já estava tentando demais, o melhor seria cada um seguir seu caminho. Porém, quando parecia que ninguém iria atender, conseguiu ouvir uma voz que, apesar de não ouvi-la há tanto tempo, reconheceu de prontidão.

– Alô?

Não conseguiu responder por alguns instantes, ainda em choque por aquilo ter realmente funcionado. A voz continuou a chamar e como ninguém respondia, parecia que iria desligar, mas Arthur conseguiu responder no último momento.

– A-Ah, oi! Sou eu.

Um silêncio se instalou na ligação, e por alguns segundos Arthur podia jurar que o americano havia desligado.

–Sou eu, o Arthur. Arthur Kirkland.

Respondeu como se a razão para o silêncio fosse o não reconhecimento da voz, o que não era, nem de longe, o caso. Hesitantemente, com uma voz levemente tremida, Alfred respondeu.

– A-Ah, sim… Q-Que surpresa! – Arthur não sabia o que interpretar daquela afirmação, mas optou por continuar a ouvir – E-Eu… huh… Não esperava por isso. Como conseguiu o meu número…?

Talvez tenha sido uma má ideia, afinal.

– Eu consegui com a telefonista. – respondeu, já bastante desanimado – Estava passando perto de onde era… a s-sua antiga casa, e pensei que acabaríamos nos esbarrando.

– Ah, entendi. Mas eu já me mudei daí faz… uns bons anos. – conseguia reconhecer o tom de voz que Alfred utilizava quando estava coçando sua nuca, incerto – É uma pena.

– Sim, é.

Um silêncio se instalou por uns bons minutos, até que Arthur tomou a iniciativa novamente.

– Bom… vou desligar. Foi um prazer conversar com você novamente, Alfred.

–E-Espere! – Alfred berrou, e sua voz estupefata demonstrava que estava se movendo do outro lado da linha – Você teve todo o trabalho de achar meu número de novo… Eu… Não sei o que dizer…

– Não me interprete mal! – tratou de corrigir – Eu apenas pensei que seria uma boa ideia. Foi um tanto quanto… precipitado. Me desculpe.

– Arthur. – a voz do americano era firme – Você não espera que as coisas sejam como eram antes, não é?

Aquela seriedade repentina o pegou de surpresa, e o inglês ponderou por alguns segundos. Então suspirou, sua voz demonstrando a mais completa certeza.

– Não, Alfred, não sou ingênuo a este ponto. – permitiu-se apoiar de frente ao vidro, olhando a paisagem – Afinal, se passaram muitos anos desde que… nos falamos da última vez. – gaguejou brevemente, mas retomou rapidamente seu tom de voz sério – Eu mudei muito. Eu tenho certeza de que você também. Eu só tive um momento de nostalgia, só isso. É claro que, seria muito bom retomar contato com você, mas compreendo totalmente as dificuldades que isso pode acarretar.

– Eu não sei, Arthur…

– N-Não precisa responder! Eu sei que fui longe demais… eu só…

Pausou por alguns segundos. “Eu só” o quê? Ele não poderia simplesmente dizer “eu só estou numa crise de meia-idade e pensei que talvez poderia reaver contato com a pessoa que um dia já fui próximo e desejo apenas o bem, mesmo que seja só amizade”? Seria impossível dizer algo como aquilo. Afinal, não era mais apaixonado pelo americano como uma vez fora, mas alguma parte de si sempre iria amá-lo, de alguma forma. Ainda conseguia ouvir o barulho de passos do outro lado do telefone, o que indicava que Alfred esperava por alguma resposta.

–Eu só… pensei que seria interessante saber como está.

– A-Ah…? H-Huh… – o americano não pareceu acreditar naquilo, mas seguiu com a pergunta – Eu estou bem, creio. Seguindo com alguns projetos pessoais, viajando um pouco, essas coisas.

– A-Ah, entendo…

O silêncio tomou conta da ligação novamente, e Arthur acreditou que era, finalmente a hora de desligar. Porém, Alfred foi mais rápido.

– Arthur. Sinceramente, eu não consigo ainda entender o por que de sua ligação. Eu sei que não está sendo sincero com a razão mas, bom, acho que tem alguma razão para tal. – a maneira de falar de Alfred continuava a mesma, apesar de que suas palavras agora pareciam transmitir uma maturidade que nunca havia visto no outro – Porém, vou aproveitar que já estamos nos falamos, visto que é uma oportunidade rara que só acontece de 8 em 8 anos pelo visto, para dizer o que penso. – Arthur não pôde evitar sorrir com a pequena piada, mas logo o tom de voz do americano se tornou sério novamente – Bom, gostaria de dizer que também me perguntei como estava se saindo nos últimos anos. Várias vezes pensei em te ligar, dar uma passada na sua casa… mas me contive. Porque eu não quero mais manter uma relação, por mais amigável e distante que seja, com o Arthur que eu conheci, entende? – Arthur concordou lentamente com a cabeça, por mais que Alfred não pudesse vê-lo – O Arthur de 8 anos atrás já morreu. Ele se perdeu no tempo, assim como o Alfred que você conheceu também. Eu não gostaria que pensasse, por um minuto sequer, de que está conversando neste momento com o homem que uma vez conheceu.

– …Eu sei, Alfred. – As palavras eram duras de se ouvir, porém Arthur realmente tinha consciência de todos aqueles fatos.

– Porém… – Alfred parecia levemente sem fôlego com sua caminhada, mas ainda era possível sentir a seriedade em seu tom de voz -- …Eu adoraria conhecer o Arthur Kirkland da crise de meia-idade. Eu não sei quem ele é ainda, mas seria bom descobrir.

Arthur abriu um sorriso suavizado. Esta era, também, seu desejo. Tinha curiosidade para saber quem era o homem que Alfred havia se tornado. Apesar de que alguns traços de sua personalidade sempre seriam os mesmos, sabia que grande parte delas havia sido reformulada pelas experiências que passou, assim como ocorreu com ele mesmo. Deu um pequeno suspiro.

– Esta também é minha vontade, Alfred. – sua voz era séria, mas não fria – Já partilhamos muito um com o outro, temos uma história juntos, e isso é inegável. Não é meu desejo revivê-la, ou achar que, de alguma forma, ela irá continuar a ser escrita, mas apenas… Poderíamos manter contato? Quem sabe tomar um café de vez em quando. Seria… agradável.

– Bom, o que acha de um agora mesmo?

– O que--

Sua visão estava perdida no cenário e não olhava para algo em específico, pois toda a sua concentração estava naquela ligação. Porém, com a surpresa daquele pedido, olhou para frente e percebeu que do outro lado do vidro havia uma mão em punho encostada brevemente sobre ele. Deu um pequeno passo para trás com aquela visão inesperada, seu rosto levemente corado. Ficaram a se encarar pelo vidro, Alfred com um grande sorriso jovial estampado em seu rosto e Arthur com uma expressão visivelmente surpresa. Ficaram assim por alguns segundos, até que o americano finalmente abaixou sua mão direita, que segurava o celular, o desligando.

Aquela visão foi tão inesperada que Arthur podia crer que estava vendo uma assombração. Não sabia exatamente como reagir, além de ficar parado o encarando. Alfred piscou duas vezes, notando a palidez do rosto do inglês. Riu baixinho e abriu a porta da cabine telefônica.

– Então… Quanto você disse que era a hora, mesmo?

A piada pareceu surtir efeito no inglês, que piscou duas vezes e sorriu, franzindo o cenho em uma péssima atuação irritada.

– Eu não acredito nisso…! – disse em um tom falsamente irritado, seu rosto completamente vermelho, enquanto deferia um pequeno chute contra o joelho do outro.

Alfred riu, e logo a atmosfera ruim havia rapidamente se dissipado.

– Tem um café aqui perto. Ao menos tinha, há uns 4 anos atrás… vamos dar uma olhada.

– Claro. Espero que eles também sirvam chá.

Alfred soltou uma pequena piada sobre como ele não havia mudado neste ponto, rendendo um tímido "cala a boca!” por parte do inglês.

A adrenalina de se encontrarem tanto anos depois foi lentamente se dissipando. Risos em excesso, mãos tremendo e corações disparados logo se acalmaram e ambos foram, aos poucos, capazes de interagir normalmente. Ou o mais normal possível, em uma situação como aquela.

Conhecer alguém pela primeira vez pode ser uma tarefa difícil, porém, redescobrir uma pessoa se prova ainda mais desafiador. Separar o passado do presente, esquecer velhos sentimentos e relembrar manias que o irritavam requer muita coragem e força. Porém, ter alguém que compartilhou uma importante parte de sua vida presente nela novamente é bastante reconfortante. Arthur se lamentava que para retomarem o contato demorou tantos anos, mas era mais do que necessário esperar que seus corações se recuperassem.
Ele nunca, jamais, irá se recuperar por completo. Mas a boa notícia é que nos tornamos mais fortes com o passar do tempo, e a dor já não será tão insuportável assim. Na verdade, aquele grande corte em seu coração pode, com o tempo, se tornar um formigamento confortável. Como algo que anuncia que você viveu algo precioso e de que ainda irá viver muitas outras decepções, muitas outras felicidades, amores e perdas. Porque, afinal, esta é a verdadeira prova de que se está vivo.


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Notas finais do capítulo

Palavras da organizadora:

Há quanto tempo, não é, damas e cavalheiros? Eu fico muito feliz em poder voltar a atualizar essa coletânea com um magnífico trabalho da senhorita Alface. De todas as fics que foram feitas aqui, ela é a que possui um conteúdo emocional mais denso e eu acho que isso se reflete na escolha da música feita pela autora.  Ela pôde legitimamente encontrar uma música que a emocionasse tanto quanto essa narrativa e eu recomendo, portanto, que vocês a escutem, pois o objetivo da coletânea é justamente mostrar como diferentes formas de arte podem ser combinadas para expressarem sentimentos diversos.

Quanto à narrativa, essa é uma estória sobre relações humanas e suas complexidades. Apesar de ser um pouco melancólica, a sua mensagem final é de esperança sem perder o seu realismo. Em outras palavras, eu acho que ela significa que mesmo que as coisas não funcionem da forma como você queria e mesmo que você não possa mais ter o que você tinha no passado, você pode encontrar novos modos de conhecer uma pessoa e isso é muito positivo.

Muito obrigada por todos os reviews e recomendações feitas aqui! Muitas boas autoras e estórias ainda estão por vir, portanto, por favor, continuem a acompanhar, ler e comentar essa coletânea!



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