2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 76
Morrendo de vergonha




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No capítulo anterior, o plano de Cascuda foi descoberto graças a ajuda de D. Morte.

De onde estava, ele viu Cascão e Magali saindo juntos para sua caminhada diária. E dava para ver que a aparência dela tinha melhorado.

“Puxa... será que ela sente minha falta?” Quim perguntou para si mesmo observando os dois com os olhos tristes.

Quando soube o que Cascuda tinha feito com Magali, a reação inicial foi a de ficar chocado. Como alguém podia ser tão baixo assim? Dessa forma, suas amigas explicaram que Magali estava sob efeitos de sedativos que tinham como efeito colateral deixá-la confusa e até um tanto agressiva. Com isso ele entendeu que ela nunca o maltratou intencionalmente e que dentro de algum tempo ela ia voltar a ser como antes. Até aí tudo bem.

Ele achou que poderia reatar o namoro e ajudá-la a se recuperar já que o pior tinha passado. Mas na prática as coisas foram muito diferentes. Quando falou aos seus pais sobre o ocorrido, seu Quinzão foi logo jogando um balde de água fria no seu ânimo.

– Filho, eu lamento o que aconteceu com a faminta. De verdade eu não desejo nenhum mal a esta gaja e agora que tu explicaste, eu entendo que ela estava doente. Mas entendas que agora tu estás a namorar com a Raquel, que também é uma boa gaja e gosta de ti.
– Mas pai, eu não gosto dela, gosto da Magali! Quero reatar com ela!
– E tu pretendes descartar esta gaja como se fosse um pão mofado?

O jovem engoliu em seco.

– Tu pediste a gaja em namoro na frente dos pais dela. Agora pretendes voltar atrás? Queres mesmo partir o coração dela deste jeito?
– E o que o senhor quer que eu faça? Que eu continue a namorar com ela ainda gostando de outra?

Seu pai colocou uma mão em seu ombro e falou.

– Tu só tiveste problemas com a faminta. Namorar com ela sempre foi complicado! Ela pode ser uma boa gaja, mas está a dar muito trabalho! Essa gaja é muito dengosa, fraquinha e tu precisas de alguém forte e robusta como a Raquel.
– Pai, por favor! Eu nunca me importei de cuidar da Magali!
– Mas eu me importo, filho! Esta moça nos dará muito trabalho, pense bem! Tu não podes mais viver a fazer todas as vontades dela como antigamente. Não, vamos deixar como está. É mais fácil para todos.

Quando os perdeu de vista, Quim ficou se perguntando se aquilo estava mesmo certo. Era justo continuar infeliz só para não desagradar a sua família?

– Oi, Quinzinho! Vem ver os temperos que eu colhi na horta! Eles têm um cheiro muito bom! – Raquel falou rindo para ele com seu rosto redondo e simpático. Pensando bem... ele sempre a achou bonita e simpática também. E sempre admirou seu conhecimento e habilidades na cozinha.

Em parte seu pai tinha razão. Continuar namorando com a Magali poderia ser muito complicado. Seria preciso cuidar dela o tempo inteiro, fazer as coisas por ela e ele não podia se dar a esse luxo. Com Raquel tudo ficava mais fácil porque ela era independente e não exigia tantos mimos e cuidados. Bastava alguns agrados para deixá-la feliz.

Ela até podia não ser tão linda e meiga quanto Magali e às vezes era mandona também, mas pelo menos com ela ele tinha sossego. Era o caminho mais fácil e confortável. Ainda assim, o seu coração apertava de saudades todas as vezes que pensava na Magali e era bem provável que ele não conseguisse esquecê-la nunca mais.

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Uma semana tinha se passado e Cascuda se recusava a sair daquele quarto e enfrentar o resto da turma. Como encará-los depois de tudo o que aconteceu? Ela não tinha somente aprontado com Magali, tinha aprontado com a Mônica e o Cebola também. Depois que Licurgo contou aos seus pais o que ela tinha feito, eles a obrigaram a pedir desculpas para Magali e aquela foi a maior vergonha de toda sua vida.

Magali até que não foi tão dura, talvez porque ela ainda estava sob efeito dos remédios, mas foi duro suportar os olhares hostis e incriminadores dos pais dela. E do lado de fora, ela viu os mesmos olhares no resto da turma, inclusive no Cascão. Quando ela se lembrava da forma como ele a olhou, as lágrimas vinham aos seus olhos e ela não sabia o que tinha sido mais doloroso, se o olhar dele ou se foi quando ele virou o rosto para o outro lado para não olhá-la mais.

“Que droga, tudo ficou uma tremenda porcaria!” nem Raquel aparecia mais, certamente deve ter ficado com medo de levar a culpa pelo que ela tinha feito. Afinal, Cascuda dopou Magali para ajudá-la a ter alguma chance com o Quim e qualquer um poderia pensar que ela teve algo a ver com isso.

Então, lá estava ela sozinha trancada em seu quarto e saindo apenas o mínimo necessário.

Sem amigos, sem namorado e totalmente isolada do resto do mundo. Adiantaria pedir desculpas? Embora fosse a coisa certa a se fazer, ela sentia que aquilo não ia adiantar de nada. E graças a Denise, aquilo deve ter se espalhado por todo abrigo, então fazer novos amigos estava fora de questão. Ela não tinha para onde ir e nem a quem recorrer.

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– Carminha, quando é que a mamãe vem?
– Ela tá trabalhando com o papai lá no campo, xodozinho.
– Não, eu tô falando da outra mamãe.

Carmen engoliu ruidosamente. Estava ficando cada vez mais difícil despistar Fabinho para não lhe falar sobre a morte dos seus pais. Mesmo tendo aceito Cotinha e Tonico como sua mãe e seu pai, ele ainda perguntava pelos pais biológicos, tios e também por Felipe e Luisa. Carmen já não sabia mais o que responder ao menino e temia traumatizá-lo falando a verdade.

– Eu quero a mamãe! Ela não gosta mais de mim? – ele começou a choramingar, deixando a moça com o coração partido.
– Claro que gosta, ela sempre gostou de você!
– Mas nunca ficava comigo! Só queria sair e comprar coisas! Ela saiu pra fazer compras? Por que ainda não voltou?
– Er... olha, por que você não vai brincar com os amiguinhos?
– Por que eu quero a mamãe! – ele começou a chorar para valer, deixando-a aflita. Como explicar para ele que seus pais tinham morrido por causa do terremoto? E como dizer a ele que ela tinha fugido e deixado toda a família para trás?

Quando tentava dizer alguma coisa, sua garganta apertava ao imaginar que ele ia odiá-la pelo resto da vida por ter deixado sua família morrer. Ela mesma se condenava.

De repente, ele começou a ofegar e tossir, indicando outra crise de asma. Ao ver que ele não conseguia respirar direito, Carmen aplicou o inalador e só ficou aliviada quando ele voltou a respirar normalmente. Aqueles ataques estavam se tornando mais freqüentes e ela temia o pior. Não havia nem médico e nem hospital ali perto.

– Xodozinho, é melhor você ficar quietinho pra descansar, viu?
– E a mamãe? Ela não vem?
– Depois eu vou procurar ela, tá? Descanse primeiro.

O menino virou para o lado e dormiu, ainda fungando um pouco por causa do choro. Ao ver que ele estava dormindo, ela pegou seu caderno e voltou a escrever. Um caderno já tinha sido preenchido com tudo o que ela viveu nos últimos meses, mais os relatos dos seus amigos e de várias pessoas.

Dentro deles também tinha suas aflições, a dor que sentiu ao ter que deixar a família para trás e toda sua experiência com D. Morte, incluindo as brigas que as duas sempre travavam. Denise a rodeava o tempo inteiro de olho naqueles cadernos e para ter um pouco de sossego Carmen deixou que ela olhasse algumas coisas, exceto aquele onde tinha seus segredos. Ela não queria que ninguém soubesse que ela tinha deixado sua família porque temia que seus amigos não fossem capazes de entender.

Como não podia conversar com ninguém, escrever se tornou sua única alternativa. Fazia vários dias que D. Morte não ia visitá-la e Carmen às vezes lamentava um pouco a falta dela. Embora fosse grosseira, pelo menos era capaz de entendê-la sem lhe condenar.

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– Anda, Magá! Vamos acabar com essa moleza! – Cascão chamou, incentivando a amiga que vinha logo atrás.
– Ai, pega leve! Essa trilha é difícil demais!
– Mas exercita que é uma beleza!

Ele parou um pouco para que ela o alcançasse e os dois continuaram andando e conversando. Magali estava melhorando aos poucos e Cascão sempre a levava para fazer caminhadas e se exercitar. Depois de voltar a tomar sol, seu rosto ficou corado e as olheiras estavam quase invisíveis. De vez em quando ela ainda tinha recaídas e era preciso um esforço monumental para tirá-la da cama. Às vezes ela se fechava tanto em si mesma que Licurgo aconselhava a não insistir e nesses dias Cascão a deixava quieta.

– Apesar de não tomar mais aqueles sedativos, ela ainda está com depressão, tem que ter paciência. – Licurgo aconselhava aos seus amigos. – Muitas pessoas aqui do abrigo estão deprimidas também, é muito difícil.

Suas amigas lhe contaram tudo o que tinha acontecido, até sobre a visita do emissário da morte que eles espantaram graças a Carmen. Magali não pode acreditar que tudo aquilo tinha acontecido enquanto ela dormia alheia ao mundo lá fora.

– Nossa, se o anjo da morte ficou me rodeando, então eu devo ter ficado muito mal! Ai, obrigada Carmen! – Ela falou abraçando a amiga com força.
– Ai, de nada. Mas foi a Mônica quem deu a maior surra nele, hahaha!
– E a D. Morte não zangou com você?

Ela mostrou um grande arranhão nas suas costas.

– A gente brigou um pouco, mas ficou tudo bem.
– Ai, credo!
– Liga não, daqui a pouco some. Você devia ver o tapão que eu dei na cara dela. Hahaha!

Mesmo não tomando mais os sedativos, Magali também se sentia muito desanimada e triste por tudo o que tinha acontecido, especialmente com o seu namoro. Cascão tentava distraí-la o máximo que podia para que ela também não sofresse por Quim ter terminado o namoro para ficar com outra.

– Eu não acredito que ele me abandonou desse jeito! – ela falava chorando no colo do Cascão.
– É porque ele não te amava de verdade, senão teria ficado do seu lado o tempo inteiro! Liga não, você não perdeu grande coisa.
– Só que agora ele tá com aquela horrorosa!
– Pior pra ele, ué!

Quando ela chorava por causa do ex, era difícil animá-la e Cascão precisava conversar muito e ser paciente. As outras garotas também ajudavam arrumando o cabelo dela da melhor forma que podiam, fazendo as unhas e aplicando maquiagem.

– Fófis, você pode até chorar litros por causa do bofe ali, mas na frente dele tem que manter a dignidade sempre! Não pode dar a ele o gostinho de te ver sofrendo! – Denise aconselhava, tentando dar a ela aulas de segurança e auto-estema.
– E nada de correr atrás, senão eu te dou umas bifas! – Mônica também falava todas as vezes que Magali pensava em procurar pelo Quim. – De hoje em diante, você não chega mais perto daquela cozinha!

O apoio dos amigos era bom, mas ainda havia um longo caminho a percorrer até que ela tivesse totalmente recuperada. Pelo menos ela não vivia mais naquela prostração de antes e até estava começando a fazer pequenos trabalhos para distrair a mente.

– Caramba, olha só essa vista! – Cascão falou quando eles chegaram ao topo da colina.
– Nossa, é bonito mesmo! Valeu a pena eu quase morrer no meio do caminho.

Ela respirou profundamente o ar limpo e levemente perfumado pela vegetação nativa. Até que aquele lugar não era tão ruim quanto ela pensou no início. Era bonito, cercado de natureza, tinha água em abundância, eles podiam cultivar comida, criar animais... dava para recomeçar a vida ali. Talvez ela até devesse arrumar um jeito de melhorar a qualidade da alimentação das pessoas ali aproveitando melhor os recursos que eles tinham.

Cebola dizia várias vezes que com o tempo, a sociedade voltaria a ser reconstruída. Então quem sabe ela não poderia, algum dia, realizar seu sonho de estudar nutrição? O mundo não tinha se acabado, então ainda havia muitas possibilidades.

Os dois se sentaram no chão e ficaram ali olhando a paisagem em silêncio, só curtindo o momento. Magali colocou a cabeça sobre o ombro do Cascão e para deixá-la mais confortável, ele pôs o braço ao redor do ombro dela.

“Fala sério, esse Quim é otário demais por dispensar uma garota como a Magali!” ele pensou apoiando o rosto sobre a cabeça dela. Seus cabelos eram bem macios e tinham um cheiro bom. E a proximidade dela fazia seu coração bater mais depressa e lhe dava uma sensação diferente, algo que ele não sentia nem quando namorava Cascuda. Será mesmo que o Cebola estava certo?

Ele sentia um grande desejo de cuidar dela, protegê-la e fazê-la feliz. Por ela, ele era até capaz de tomar banho todos os dias! Aliás, utlimamente ele tem andado mais preocupado com sua higiene pessoal do que de costume. Com Cascuda ele não tinha esse cuidado porque ela já tinha se acostumado com seu mau cheiro.

O rosto dela levantou-se um pouco para olhar para ele.

– Ué, o que foi? – Ela perguntou olhando-o nos olhos.

Sem responder nada, ele a apertou mais para junto de si e encostou os lábios nos dela com carinho, provando-os bem devagar. Aos poucos ele foi aprofundando o beijo ao ver que ela não oferecia resistência e eles se deixaram ficar ali sem pensar em mais nada.

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Ao ver Cebola carregando um cesto de roupas que tinha pego do varal, DC não resistiu e resolveu alfinetar um pouco.

– Ô cebolão, a Mônica ainda não tirou você do castigo?

Irritado, ele soltou um palavrão e continuou levando o cesto sob as risadas do outro que se divertia as suas custas.

– Hahaha! Quem mandou acreditar na fofoca dos outros? Mas não esquenta não que faltam só quatro dias pro castigo acabar.
– DC, faz isso com ele não, coitado! – Dorinha falou tentando conter o riso.

Ele deu um longo suspiro e levou a roupa para dentro. Antes de entrar, ele viu os dois dando um longo beijo. Pelo visto, eles estavam mesmo juntos. Numa coisa aquele cretino estava certo. Quem mandou acreditar em qualquer fofoca ao invés de confiar na Mônica? Agora ele tinha que se esforçar muito para compensá-la por suas desconfianças e da próxima vez ele ia pensar muito bem antes de pisar na bola com ela de novo.

– Mô, tá aqui as roupas.
– Obrigada, lindo!
– Agora dá pra eu ir jogar bola com a galera? Eu ralei muito hoje!
– Claro, pode ir. De noite a gente se vê.

O rapaz saiu dali feliz da vida e Marina falou para a Mônica.

– Coitadinho, Mônica! Não acha que tá na hora de acabar com esse castigo?
– Faltam só quatro dias e acabou. E eu nem tô abusando muito. Ah, Marina, o Cebola aprontou tanto comigo a vida inteira e muitas vezes eu é quem saía como vilã. Tá na hora de ele sofrer um pouco também.
– Faz muito bem, gatz! Não pode dar moleza pra esses rapazes não! Se a gente bobear, eles pisam em cima! Por que acham que eu levo o Xaveco na rédea curta?

Mônica começou a dobrar as roupas e comentou com as amigas.

– Viram como a Magali tá melhorando? Ainda bem, nossa! Eu tava muito preocupada com ela.
– Também, com o Casca Boy cuidando dela o tempo inteiro!

As garotas deram risadas e Mônica continuou.

– É mesmo, eles tem ficado muito tempo juntos ultimamente.
(Marina) – Tá aí uma coisa que nunca me passou pela cabeça: Magali e Cascão. Eles sempre pareceram tão diferentes!
(Irene) – Diferentes sim, mas eles se dão muito bem e tem até algumas coisas em comum.
(Denise) – E parece que ele tá caidinho mesmo, tá até tomando banho com mais freqüência! Ele não fazia isso pela Cascuda.

Por pouco, Mônica não rasgou uma blusa de tanta raiva.

– Grrrr! Nem me fale daquela.... daquela... grrrrr! Ela quase matou a Magali e isso eu não perdôo de jeito nenhum! Ela que não mostre a cara tão cedo!
(Marina) – Eu não faria nada contra ela, mas confiar de novo eu não confio não! Onde já se viu fazer uma coisa dessas?
(Denise) – E pensar que eu andava com ela!

As garotas continuaram conversando e não viram que alguém escutava a conversa através da porta. As lágrimas rolaram pelo rosto dela e Cascuda saiu correndo dali antes que alguém a visse.

Quando estava voltando para seu quarto, ela passou perto da porta de entrada e viu Cascão chegando junto com Magali. Os dois estavam conversando animadamente e de mãos dadas. De mãos dadas? E trocando beijos? Ela tampou a boca com a mão para conter o choro ao ver a cena mais dolorosa da sua vida. Então era isso, qualquer esperança de ter o Cascão de volta estava definitivamente morta.

Ela correu de volta para o quarto e jogou-se na cama chorando como nunca chorou antes. Sua vida tinha acabado e ela não conseguia encontrar nenhuma saída. Suas amigas nem queriam mais ver seu rosto, seu ex-namorado estava gostando de outra garota e ela estava totalmente sozinha e isolada.

Sem falar que um dia ela ia ter que sair daquele quarto para trabalhar e fazer algo de útil. E com isso teria que viver constantemente com a hostilidade e frieza daqueles que foram seus amigos um dia. De repente, a vida pareceu totalmente estéril e sem sentido. Não havia mais esperança, não havia nenhum conforto. Ninguém que lhe estendesse a mão e tentasse entender seus motivos.

No fundo ela não queria ferir ninguém, nunca foi sua intenção matar Magali. Ela só estava triste e magoada e com isso acabou tomando decisões erradas. Por que todos só julgavam e ninguém tentava entender? Se lhe dessem ao menos uma única chance, ela faria tudo para se redimir. Mas depois do que viu e ouviu naquele dia, Cascuda percebeu que não havia mais nenhuma chance para ela.

Então, no auge do seu desespero, ela só conseguiu enxergar uma única alternativa.

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Já era tarde da noite, mais de onze horas. Carmen virava de um lado para outro sem conseguir conciliar o sono. Alguma coisa a incomodava profundamente. Ela sentou-se na cama e olhou ao redor. Tudo estava escuro, todos dormiam e nada de estranho estava acontecendo naquele quarto.

“Que droga, o que tá acontecendo?” ela tentou voltar a dormir e não conseguiu. Era como se algo a puxasse para fora da cama e por fim ela levantou-se e saiu do quarto sem fazer nenhum barulho.

A pousada do abrigo estava toda escura, mas ela conhecia bem o lugar e conseguiu caminhar sem tropeçar em nada. A porta de entrada estava destrancada, já que cada família tinha seu quarto que era trancado a chave. O céu estava bem estrelado e era noite de lua crescente. Ao longe, ela ouvia o som de grilos, sapos, aves noturnas como corujas e outros animais que ela não soube identificar. Fora isso, o silêncio reinava. Sem som de carros, pessoas ou qualquer coisa da cidade grande.

Apesar de tudo parecer tranqüilo, aquele incômodo não passava de jeito nenhum.

“Mas o que tá acontecendo? Heim? O que é isso?” em sua mente, ela viu Cascuda andando no meio do mato levando apenas uma lanterna. O que ela estava fazendo naquele lugar? Olhando melhor, ela viu que Cascuda estava no alto de uma grande colina, perto de um paredão de pelo menos quinze metros de altura. Um frio percorreu sua espinha quando ela viu D. Morte ali perto.

– Ai meu santo! Eu tenho que fazer alguma coisa! Peraí, calma, calma! Aaaaaiiiii! – ela foi até o quarto da Mônica e bateu na porta várias vezes até o pai dela atender com a pior cara possível.
– O que está acontecendo?
– Cadê a Mônica? A gente tem que ajudar a Cascuda!
– Como é?
– A Cascuda vai pular da montanha, temos que fazer alguma coisa!

Mônica apareceu na porta com o cabelo desgrenhado e também de cara ruim.

– Carmen, você ficou doida? Olha a hora!
– Esquece a hora, a Cascuda vai pular da montanha!
– Como é?
– Eu tô vendo! E a baranga tá perto dela!
– Que baranga, criatura? Ah, tá falando da D. Morte?
– É! Anda, vamos!

Elas acordaram Cascão e Cebola e os quatro correram para o local da visão de Carmen. Felizmente Cascão sabia onde ficava por conhecer bem o lugar.

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O vento soprava com força sobre seu rosto. A lanterna foi deixada de lado. Ela não precisava de nenhuma iluminação para fazer aquilo. Ao seu lado, D. Morte acompanhava tudo balançando a cabeça.

– Detesto suicídios. – ela falou consigo mesma. – São a pior parte desse trabalho.

Ela olhava hesitante para o abismo. Às vezes dava um passo para frente e logo recuava. Seu coração batia descompassado e uma sensação ruim tomou conta do seu estômago. Ela queria e ao mesmo tempo não queria fazer aquilo.

“Se o pessoal ao menos me perdoasse! Não, eles não vão perdoar nunca! Acabou!” ela pensou e só não deu o passo definitivo porque ainda tinha medo de morrer.

E se ela não morresse de imediato? E se ficasse agonizando durante horas antes de morrer? Pior ainda, ela poderia sobreviver, mas ficar com graves seqüelas como ficar deformada ou paralítica.

Aquela altura seria suficiente para uma queda fatal? Ela deu uma olhada, calculando a altura do paredão. Havia muitas rochas no fundo que poderiam facilitar o trabalho. Bastava criar coragem e dar um passo para frente. Assim seus problemas estariam terminados.

Quando os quatro chegaram ao topo da colina, viram Cascuda a beira do paredão e Mônica chamou.

– Cascuda! O que você tá fazendo aqui?

Ela virou-se rapidamente, surpresa por eles a terem encontrado justamente ali. Será que eles tinham ido atrás dela porque se importavam?

– Anda, sai daí e vamos embora! – Mônica pediu. – Não faz isso, você é tão nova!
– Acabou... eu não quero mais voltar pra lá! Todo mundo vira a cara pra mim, eu tô sozinha!
– Mas também, depois do que você fez... ai! – ela gritou com uma cotovelada que Carmem lhe deu e Cebola falou.
– Esquece isso, Cascuda! A gente pode se acertar! Com o tempo vai tudo dar certo!
– Não vai não! A Mônica já mostrou que não vai esquecer!

Os outros três olharam para Mônica com cara ruim e ela resolveu contornar a situação.

– Olha, Cascuda, eu fiquei zangada sim, mas você sabe que eu esqueço logo! Vamos embora daqui e amanhã eu converso com o resto do pessoal e tudo vai se resolver.
– Gente, me desculpe... eu não fiz por mal, só estava muito magoada! Não queria ferir ninguém!
(Cascão) – Então por que você fez aquilo?
– Porque você terminou comigo por causa deles e eu fiquei muito magoada!
– Então que acertasse as contas comigo, não com os meus amigos!
– Eu... eu... nem sei o que tava pensando na hora!
– Pois devia ter pensado direito! Você quase matou a Magali e isso eu não perdôo!

Um tapa voou na cabeça dele vindo da Mônica que o olhava de cara feia. Naquele momento Cascuda precisava de compreensão, não de julgamentos.

– Estão vendo? Não tem mais jeito pra mim! Acabou mesmo!

Carmen olhava para D. Morte, pedindo que ela fizesse alguma coisa, qualquer coisa. A morte não lhe dava nenhuma resposta.

– Anda, Cascuda, sai daí! – A loira pediu se aproximando de vagar.
– Não chega perto! – ela gritou temendo que a tirassem dali a força.
– Não precisa ficar com medo de mim, sua boba! O que acha que eu vou fazer? Você tem mais força que eu!
– Eu tô falando sério, Carmen! Não chega perto!

Ela parou um pouco, há cerca de dois metros da outra. Logo atrás, Mônica Cebola e Cascão tentavam convencer Cascuda a não pular.

(Mônica) – Cascuda, por favor, pensa nos seus pais! Se você fizer isso, como acha que eles vão ficar?
– Eles já estão sofrendo e morrendo de vergonha por minha causa! Pelo menos eles vão ficar livres de mim! E quer saber, eu não tenho mais ninguém pra sentir minha falta!
(Carmen) – Se você fizer isso, vai morrer!
– É isso mesmo que eu quero! Acabar com tudo!

Ela tomou a decisão. Não havia mais como ter suas amizades de volta e Cascão estava perdido para sempre. E ser aceita de volta na turma só por piedade ela também não queria. As coisas não iam mais ser como era antes. Vaso quebrado não tinha conserto.

– Não! – eles gritaram ao mesmo tempo quando viram Cascuda tomando impulso para saltar.

Como estava mais perto, Carmen correu até ela e conseguiu segurar sua mão. O chão na beira do paredão se desfez por causa do peso das duas e ambas caíram juntas sob os gritos apavorados dos três.

(Mônica) – Ai, não acredito! Cascuda! Carmen!
(Cebola) – Como isso foi acontecer?

Eles chegaram mais perto da beirada e viram uma figura vestida de preto surgindo de trás do paredão. Em uma mão, ela levava sua foice. Com a outra, ela segurava a mão de Carmen que por sua vez segurava a de Cascuda.

– Me solta, eu quero morrer! Me deixa ir! – Cascuda gritava se debatendo enquanto Carmen tentava segurá-la a todo custo. Para acabar com aquilo, a morte jogou as duas no chão como se fossem dois sacos de batata. Mônica e Cebola seguraram Cascuda para evitar que ela voltasse a pular do paredão e Cascão olhou para D. Morte sem entender nada. Por que ela tinha salvado a vida da Cascuda?

Carmen levantou-se e falou.

– Ufa, obrigada por salvar minha amiga!
– Ela só foi salva porque você não soltou a mão dela. – A morte falou friamente e desapareceu dali, deixando-os sozinhos.



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