2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 71
Parte do plano funciona




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No capítulo anterior, Carmen e D. Morte presenciaram os tripulantes da arca tomarem decisões muito importantes para a continuidade da civilização humana.

Quim andava ao redor da lagoa remoendo sua mágoa. Se as coisas entre ele e Magali já estavam ruins, depois da discussão que tiveram outro dia sobre seu excesso de peso tudo ficou insustentável. Ele tentou ajudá-la, mandava coisas gostosas para ela comer, fazia visitas levando flores colhidas com dificuldade e tentava reanimá-la de todas as formas. Nada funcionava. Magali insistia em ficar afundada na própria depressão e sequer se preocupava em olhar ao seu redor. Ela agia como se fosse a única a sofrer com aquela tragédia, o que não era verdade.

Ela tinha sobrevivido, estava com seus pais, era jovem, forte e saudável. Podia recomeçar a vida em outro lugar sem problemas. Então por que ela continuava não enxergando as coisas boas que ainda tinha e preferia lamentar pelo passado que se foi? Embora também estivesse triste por ter perdido o bairro onde passou toda a infância, Quim tinha se conformado em seguir sua vida. Ela não.

“É... acho que foi melhor assim. O pai tá certo, a Magali ficou muito chata, egoísta e depressiva.”

Terminar o namoro não foi nada fácil. Todos da turma ficaram contra ele.

– Seu tosco, vai deixar a Magali justo quando ela mais precisa de você? – Mônica o recriminou indignada com o seu comportamento e Cebola concordou daquela vez.
– Cara, a Magali tá enfrentando a maior barra e você vai largar ela na mão? Esse negócio de depressão é muito sério, tem gente que até se mata por causa disso!
– E o que vocês querem que eu faça? Já tentei de tudo e não dá, gente! Eu não sou médico, não sou psicólogo e não sei o que fazer pra ajudar! Ela não reage a nada!

O mais furioso de todos foi Cascão, que precisou ser segurado pelos outros rapazes para não partir para cima dele.

– Você é muito cafajeste, cara! A Magá tá doente e você pula fora?
– Se você tá com pena, então cuida dela você porque eu não agüento mais, cheguei ao meu limite! Cansei de fazer tudo por ela e só levar patada em troca!

Ele caminhava chutando as pedras enquanto relembrava tudo aquilo. Por um lado, ele se sentia culpado por ter abandonado Magali justo naquele momento terrível. Mas por outro lado, ele não estava mais agüentando aquela situação. E para piorar, seu pai o pressionava o tempo inteiro.

– Filho, o que tu ganhas vivendo a bajular a faminta deste jeito, ó pá? Ela não passa de uma ingrata e não reconhece nada do que tu fazes por ela!

Aquilo era repetido todos os dias e a situação dentro de casa estava se tornando um inferno. Todas as vezes que ia visitar Magali, ele não sofria somente com o desgosto de ser maltratado por ela. Sofria também com as recriminações do seu Quinzão por causa da sua insistência em ajudá-la. Então ele tomou uma decisão e escolheu o caminho mais fácil.

Embora não estivesse apaixonado, ele gostava de Raquel. Era trabalhadora, estava sempre alegre, bem humorada e tinha os mesmos sonhos que ele. E o melhor, tinha também a aprovação do seu pai. Assim, ele resolveu esperar por alguns dias até a poeira abaixar e só então pedi-la em namoro. Fazer isso logo depois de terminar com Magali poderia piorar sua situação com o resto da turma.

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– Minha nossa, eu não entendo o que tá acontecendo com ela, gente! – Mônica falou tentando fazer com que Magali se levantasse da cama.

Cascão e Cebola tentavam ajudá-la e também não entendiam por que ela tinha se tornado tão apática a ponto de sequer importar por ter levado um fora do namorado.

– Gente, vai ver ela tá fraca demais. Vamos dar alguma coisa pra ela comer. Eu trouxe um suco de acerola que tem muita vitamina C, deve ajudar. – Cascuda ofereceu trazendo a refeição daquele dia.

Cascão observou a moça cuidado tão bem da Magali e ficou feliz ao ver como ela tinha mudado. Com algum custo, eles fizeram com que Magali comesse tudo e tomasse o suco também. quando Cascuda saiu do quarto para levar as vasilhas, Cascão a acompanhou.

– Caramba, você tá sendo muito legal com a Magali.
– É... acho que fiquei com remorso por ter tratado ela tão mal. Será que ela vai ficar bem? Coitada, acabou levando um fora do namorado! Isso dói tanto...

Ele fingiu não ter entendido a indireta. Mesmo estando feliz com a mudança da namorada, ele ainda não se sentia preparado para reatar o namoro. Estranho... era como se seus sentimentos por ela tivessem esfriado depois daquela discussão. Sem falar que sua preocupação com Magali não o deixava pensar em mais nada.

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No quarto que sua família ocupava, Carmen escrevia em seu caderno há algumas horas.

“Nossa, lembrar as coisas é difícil mesmo!” ela foi pensando enquanto anotava tudo o que vinha a sua mente sobre o que tinha ocorrido naquela arca.

Quatro dias tinham se passado desde então. Quando ela chegou em casa, encontrou Cotinha e Tonico muito aliviados por ela ainda estar viva. Ela não pode deixar de rir um pouco do excesso de medo que eles tinham da D. Morte, que apesar de assustadora não era uma pessoa ruim.

Quando tudo ficou normal, as duas foram para o lado de fora e sentaram-se no topo de uma das arcas. Elas conversaram, trocaram insultos, alguns tapas, quase caíram no mar e no fim dividiram uma garrafa de vinho para comemorar a salvação daquelas pessoas.
E quando a levou de volta para o abrigo, D. Morte falou antes de se despedir.

– Mandei meus emissários coletarem algumas coisas pra você. Acho que deixaram no quarto da sua família. É uma... bem... gratificação por ter acompanhado e observado tudo o que aconteceu nas arcas.

Os olhos dela se iluminaram.

– É? Que coisas?
– Algo pra cuidar desse seu cabelo que tá parecendo palha de milho.
– Grrr!

D. Morte desapareceu dali dando ridasas e Carmen entrou rapidamente ansiosa pra saber o que a morte tinha lhe deixado. E qual não foi sua surpresa ao se deparar com uma grande caixa de papelão repleta com produtos de beleza. Maquiagens, cremes, xampus, sabonetes e muitas outras coisas.

– Vixe, isso aqui dá pra muito tempo, nossa! É muita coisa mesmo!

Ela ainda ria ao lembrar do espanto de Cotinha com aquele presente e o receio de manter tudo aquilo no quarto. Foi preciso que Carmen lhe garantisse que não havia nenhum perigo e que D. Morte não tinha parte com o diabo como eles pensavam.

Também foi engraçado o reencontro com os amigos e a curiosidade deles com o que tinha lhe acontecido. Sem se fazer de rogada, ela contou tudo o que tinha presenciado, tentando não esquecer nenhum detalhe. Todos ouviam roendo as unhas e vibraram no fim ao saberem que as pessoas naquelas arcas tinham sido salvas. Jackson e Adrian ganharam vários fãs, ao passo que Anheuser se tornou alvos de xingamentos injuriados por parte de todos, especialmente da Mônica.

– Grrrr! Se eu tivesse ali, teria dado umas bifas nesse folgado!
– Pô, mó sacanagem! O indiano que descobriu tudo morreu e esse Zé Mané saiu vivo? Fala sério! – Cascão também falou indignado.

Quando explicou para a turma que D. Morte tinha a levado para ver e ouvir tudo, Cebola aconselhou.

– Se ela queria que você visse tudo, então o melhor é anotar o que aconteceu enquanto ainda tá fresco na sua memória.
– Boa idéia, nem tinha pensado nisso!

“Claro que não!” ele pensou com seus botões e Marina se ofereceu para fazer os desenhos das arcas conforme as descrições de Carmen. Talvez ela até pudesse também desenhar os rostos dos principais envolvidos na trama. Seria uma boa forma de documentar o que aconteceu.

Desde então Carmen se dedicava a escrever tudo o que se lembrava, procurando não esquecer nenhum detalhe. Quando terminou, ela também teve a idéia de escrever o que tinha acontecido naquela cidade do interior e por fim, a loira acabou escrevendo toda a história, desde o dia que recebeu a primeira pista do Ângelo. Felizmente havia muitos cadernos e canetas entre os presentes que D. Morte lhe deu.

Ao relembrar da caixa, ela levantou-se para descansar a mão de tanto escrever e voltou a olhar o seu conteúdo. Era realmente muita coisa e ela ficou um tanto preocupada. Produtos de beleza tinham data de validade. Nem ela seria capaz de usar tudo aquilo em tão pouco tempo e o resto acabaria estragando, o que seria um desperdício.

“Hum... acho que vou dar um pouco disso pras meninas. É mesmo! ah, olha só! Tem batom com gosto de fruta... quem gosta disso é a Magali, então vou dar esse pra ela.” ela foi separando os itens pensando em cada uma das amigas e um pequeno kit de beleza chamou sua atenção. Era uma caixa que tinha o espelho preso a tampa, havia estojo de sombras, batons, brilho labial, blush máscara para cílios e pincéis de aplicações. A caixa era na forma de uma pequena maleta que facilitava o transporte.

Pelo que ela se lembrava, aquele produto era da marca preferida de Denise, que adorava aquelas coisas mais chamativas.

“É... depois eu dou isso pra ela. Agora deixa eu ver o que mais tem aqui...”

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– E aí, ele já te pediu em namoro? – Cascuda perguntou para Raquel aproveitando-se de que Quim não tinha chegado.
– Ainda não, mas tá quase lá. Ele tá me olhando com aquela cara, entende?
– Então é só questão de tempo!
– Ai, eu nem posso acreditar que ele terminou com aquela preguiçosa pra ficar comigo!

Cascuda apenas deu um sorrisinho perverso, feliz por metade do seu plano ter dado certo. O namoro da Magali estava acabado, agora só faltava o da Mônica e do Cebola. Por causa do estranho passeio que Carmen tinha feito com D. Morte, Denise acabou se esquecendo temporariamente da grande fofoca, mas ela sabia que dentro de algum tempo a ruiva acabaria dando um jeito de espalhar a novidade. Bastava esperar.

“Eles nem vão saber o que os atingiu, hahha!” para tudo ficar perfeito, faltava apenas Cascão reatar o namoro. Apesar de ela ter feito as pazes com o pessoal, Cascão ainda estava meio arredio, talvez preocupado com Magali. Como sabia que pressionar era pior, Cascuda achou melhor ser paciente e ir jogando charme aos poucos para fisgá-lo novamente.

Quanto a Magali, ela decidiu continuar lhe dando os tranqüilizantes pelo menos até acabar a cartela. Assim daria tempo para que o namoro de Quim e Raquel estabilizasse e não houvesse mais possibilidade de ele mudar de idéia. Depois, ela pararia de lhe dar os comprimidos. Afinal, não tinha como Magali sofrer pelo fora estando dopada.

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Denise bem que estava doida para contar a grande novidade, mas a oportunidade não surgia. Sempre que as garotas estavam reunidas, Mônica estava com elas e não tinha como contar a grande fofoca com a parte envolvida por perto e ouvindo tudo. Fofocas eram para serem ditas pelas costas.

E também havia outro motivo que a deixava um pouco com o pé atrás. Apesar de Cascuda ter lhe garantido que Mônica tinha traído o Cebola com DC, ela os observou por um tempo e não viu nada de mais. DC não ficava mais secando a Mônica como antes e de vez em quando até saia para passear com Dorinha.

“É... vai ver isso só aconteceu uma vez, que pena... ah, mesmo assim vai dar uma fofoca das boas!”

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Magali bem que tentou se levantar, mas uma tonteira muito forte lhe atingiu, fazendo com que ela voltasse a se deitar rapidamente.

“Droga, o que tá acontecendo? Eu quero sair daqui!” ela pensava sentindo aquela onda de desânimo invadindo seu corpo. Sua cabeça estava confusa e ela mal se dava conta do que acontecia ao seu redor. Ela se lembrava muito vagamente do Quim ter conversado algo sério, mas ela não conseguiu entender direito.

Nos últimos dias, ela não conseguia entender muito bem o que as pessoas diziam e também não se dava conta do que ela mesma falava ou fazia. O que estava acontecendo com ela? Quando seus amigos iam visitá-la, ela tentava falar com eles e as palavras não saiam. E quando conseguia falar algo, ela acabava sendo grossa com eles mesmo não querendo. No fim, ela voltava a mergulhar naquele torpor desagradável sem conseguir fazer nada para reagir.

O quarto estava escuro, e as jalenas fechadas com cortina. Seus pais tinham saído para ajudarem nos afazeres do abrigo e só apareciam de vez em quando para ver como a filha estava. Qualquer um podia ver a tristeza e o medo em seus rostos. Seus amigos também vinham lhe visitar com regularidade. Só Mingau e Aveia permaneciam com ela o tempo inteiro, saindo apenas para se aliviarem.

Os filhotes tinham sido adotados por outras famílias no abrigo, que lhes davam atenção, comida e uma cama quente para dormirem. Eles alegravam as pessoas que ainda estavam tristes e traumatizadas por tudo o que tinha acontecido. Mas ela não sabia disso porque estava totalmente imersa naquele torpor que não passava nunca.

Ao lado dela e ao mesmo tempo invisível aos seus olhos, um emissário da morte a vigiava.


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