2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 67
Planos malignos




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No capítulo anterior, o primo de Licurgo morreu durante a erupção do vulcão de Yellowstone. Cascão terminou com Cascuda por causa do seu jeito frio de ser e Mônica decidiu que ia contar a verdade para o Cebola.

Ela estava tão deprimida que nem um pedaço de melancia trazido pelo seu namorado conseguiu lhe dar algum ânimo. Apesar de ter comido tudo só para não deixá-lo chateado, Magali mal pode sentir o gosto. As imagens vistas mais cedo não saiam da sua cabeça.

Na manhã daquele dia, a luz elétrica foi cortada em decorrência dos terremotos. Felizmente Franja tinha instalado painéis solares no abrigo para manter funcionando pelo menos o essencial enquanto a energia elétrica não fosse restaurada. Foi assim que todos conseguiram assistir televisão e viram imagens tristes e chocantes.

– “A América do Sul foi arrasada por uma série de grandes terremotos. O número de mortos deve ultrapassar dois milhões de pessoas. A destruição do Rio de Janeiro está além do que se pode imaginar.”

Foi quando todos viram as imagens do Rio, que mostrava apenas a mais pura devastação. Nada ali lembrava a cidade que sempre atraiu tantos turistas no passado.

– “Dois tremores de 8.5 graus deixaram as pessoas nas ruas lutando desesperadamente pelos últimos recursos.” – nessa hora, eles mostram pessoas se aglomerando e brigando por qualquer migalha de alimento que pudessem encontrar.

Mais adiante, eles viram um vídeo aéreo mostrando o Cristo Redentor com o repórter falando sobre a destruição que a cidade estava sofrendo.

– “... Ainda não recebemos nenhuma confirmação.... Oh meu Deus! O Cristo Redentor está desmoronando!” – O repórter gritou desesperado diante da grande estatua que se desfazia diante dos seus olhos. - “Eu não acredito! Está desmoronando!”

Ao fundo, eles puderam ouvir os gritos desesperados das pessoas que assistiam tal cena. As pessoas que estavam assistindo também gritaram e choraram ao ver um dos símbolos do Brasil sendo destruído em questão de segundos. Era uma estátua grande, sólida e que ninguém ali imaginava que um dia poderia ser destruída.

– “O medo e o caos se espalharam por todo o planeta. Em Londres, os trigésimos jogos olímpicos foram suspensos. Centenas de milhares estão marchando em direção Rua Downing exigindo a suspensão do bloqueio de informações imposto pelo primeiro ministro.”

– Bem que o Ângelo falou que não ia ter as olimpíadas... – Cebola murmurou para si mesmo.

– “Estamos recebendo informações de todos os cantos do mundo.”

As garotas choraram ao verem uma menina com traços orientais escondendo o rosto sob mãos sujas de terra para chorar. Dava para ver o desespero daquelas pessoas, que sofriam sem fazerem a menor idéia do que estava acontecendo.

– “Milhões e milhões de pessoas desesperadas estão se reunindo em lugares públicos por toda parte para rezar. Líderes espirituais de várias religiões estão levando suas mensagens sobre o fim do mundo pelas ruas dos EUA.”

Também foi mostrado a peregrinação de milhares de fiéis em busca do conforto da oração. Pessoas de todas as religiões tentavam apelar para a ajuda divina. Católicos, judeus e muçulmanos se reuniam em seus locais de oração. Eles viram inclusive centenas de muçulmanos se ajoelhando em círculos ao redor da pedra negra, uma das relíquias mais sagradas do islã.

Várias pessoas andavam pelas ruas carregando cartazes, chorando e rezando. O medo e o caos estavam por toda parte e nenhum lugar parecia ser realmente seguro.

Magali relembrava aquelas cenas, sentindo o coração apertando de tanta tristeza por aquelas pessoas. Por que ninguém foi avisado? Qual era o sentido de toda aquela tragédia? Eram tantas mortes, destruição, devastação. Será que a humanidade ia sobreviver aquilo? Depois do que ela tinha visto, toda sua vontade de viver tinha escoado como areia entre os dedos. Tudo o que ela mais amava tinha sido destruído e não havia mais esperança para a humanidade.

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Ela andava chutando pedras e remoendo sua insatisfação.

“Grrrr! Que ódio! Foi tudo culpa deles, tudo! Agora eles ficam lá chorando que nem um bando de criancinhas com uma coisa que nem tem conserto e eu fiquei sem namorado!” Cascuda foi pensando cada vez mais furiosa com os amigos do Cascão, que em sua cabeça eram os culpados pelo fim do seu namoro.

Um pouco mais cedo, ela viu Quim levando um pedaço de melancia para Magali. Depois ela viu Mônica e Cebola abraçados, um consolando o outro. Que injustiça! Eles estavam felizes acompanhados enquanto ela tinha ficado sozinha.

“Humpt! Eu bem que devia acabar com a graça deles, é isso que eles merecem! Acabei ficando sem namorado por causa deles, então devia fazer o mesmo.” ela parou de andar, deixando aquela idéia amadurecer um pouco. Por que não? Se ela tinha ficado sozinha, nada mais justo do que dar o troco acabando com o namoro deles.

Acabando com o namoro da Mônica e do Cebola, ela estaria se vingando dos dois de uma vez só. Depois restava acabar com o da Magali, que sempre lhe despertou inveja por ter um namorado que sempre fazia suas vontades. Sem falar que às vezes ela ficava com ciúmes porque Cascão tinha mais cuidado com aquela esfomeada do que com ela, que era sua namorada legítima.

Várias vezes ela tinha ouvido boatos de pessoas falando que Cascão e Magali deveriam namorar, que formavam um casal bonitinho e assim seriam dois casais no quarteto principal da turma, como se fosse o grupo ABBA. Ela fingia ignorar, mas por dentro queimava de raiva e só não falava nada porque via que os dois eram apenas amigos e nunca pensaram em ter algo mais íntimo. Ainda assim aquilo lhe incomodava.

– È isso aí! Eu vou acabar com o namoro deles, então eles vão ver o que é bom pra tosse! Agora... Como eu faço isso? Vejamos...

Após pensar um pouco, ela lembrou-se de ter ouvido uma fofoca da Denise sobre aquela cozinheira gorda que trabalha na cozinha do abrigo. Segundo sua amiga, Raquel parecia estar gostando do Quim e tentava conquistá-lo, mas não estava tendo sucesso porque ele só tinha olhos para Magali. Bem... Talvez aquela coitada precisasse de alguma ajuda e ela sabia o que fazer. Aquele caso parecia encaminhado, faltava ver o que fazer com a Mônica e o Cebola.

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– Tikara, informe sua posição! – Franja falou pelo rádio, tentando sintonizar para diminuir o barulho da estática.
– Estamos sobrevoando a ilha de Madagascar e nossa posição atual é latitude 18° 55' sul e longitude 47° 31' leste.
– Qual é a previsão de chegada ao Brasil?
– Se tudo correr bem, a previsão é de doze horas e cinqüenta e um minutos.
– A nave está suportando bem o peso extra?
– Sim, mas nós temos que viajar com apenas um terço da velocidade máxima para evitar complicações. Nós estamos no limite e não podemos facilitar.

Atrás do Franja, o resto da turma comemorou feliz em saber que tudo estava indo bem com Tikara e Keika e que em breve eles iam rever os amigos. Finalmente uma boa notícia! Ou não? O som de um pequeno estrondo se fez ouvir no rádio e Franja tentou chamar os amigos já sentindo um aperto ruim no peito.

– Tikara? Keika? Podem me ouvir? Respondam!
– Franja! Uma das turbinas do motor deu pane e... espere! Alerta vermelho! Todos aos seus postos!

Ele falou palavras em japonês que ninguém pode entender e novamente eles ouviram outro estrondo. Franja gritou no radio até ficar rouco e não houve mais resposta. O comunicador ficou mudo e por mais que tentasse, ele não conseguiu restabelecer a comunicação.

– Droga, eu não acredito! – ele bradou jogando os fones de ouvido no chão. – será que tudo agora tem que dar errado?
– Calma, amor... – Marina tentou acalmá-lo. – Talvez tenha sido algo temporário.
– Não, não foi Marina! Aquela explosão foi em um dos motores, só pode! E fui eu quem fez o projeto para as modificações! Foi tudo culpa minha!

Ele andava de um lado para outro culpando a si mesmo e as suas invenções que sempre davam errado nas piores horas possíveis. Seus amigos estavam certos, seus inventos nunca foram de fato confiáveis.

– Calma aí, cara! - Cebola falou também para acalmar o amigo. – Você fez tudo o que podia, vai ver aconteceu algum imprevisto.
– Que imprevisto, Cebola? Eles estavam viajando pelo ar e não corriam nenhum risco de serem atingidos por terremoto ou tsunami! Fui eu quem falhou mesmo, droga! Inventor de merda eu sou!

O susto foi geral. Para alguém como Franja ter falado um palavrão, era porque a situação estava muito ruim. Ao ver que o rapaz estava muito agitado, Marina pediu para que o pessoal os deixassem sozinhos para que ela pudesse acalmá-lo. Com todo mundo ao redor, Franja se sentia ainda mais pressionado e cobrado.

– Que coisa, será que vamos perder o Tikara e a Keika também? – Mônica perguntou já do lado de fora do quarto. – Já perdemos tanta gente!
– Calma, não vamos tirar conclusões precipitadas. De repente a nave conseguiu fazer um pouso forçado, assim eles poderão se safar.
– De que jeito, careca? Se eles pousaram em terra, tem os terremotos. Se pousaram no mar (argh!), tem os tsunamis!

Os dois olharam para ele com a cara feia, fazendo-o se calar. Agir com pessimismo só ia servir para deixar todos ainda mais deprimidos. A turma se dispersou e cada um foi tomando uma direção e ele resolveu dar uma passada no quarto da Magali. Seus pais estavam ajudando em uma pequena lavoura na propriedade e deixaram a filha descansar.

– Oi, posso entrar? – ele perguntou batendo na porta.
– Pode, Cascão... – uma voz fraca e muito cansada respondeu.

Ela estava deitada em uma pequena cama, enrolada nas cobertas e soluçando de tanto chorar. Isso partiu o coração dele.

– Caramba, Magá! Fica assim não!
– E você quer que eu fique de que jeito, Cascão? Eu não agüento mais isso! Esse lugar é muito ruim, a comida é péssima, meus gatos vivem soltos por aí e minha família tem que viver amontoada nesse quarto e ainda dividi-lo com outra!
– Ah, peraí! Pelo menos vocês estão com a família da Mônica, aí não é tão ruim. Pior sou eu que tô dividindo o quarto com uns seis marmanjos que nunca vi na vida! Olha, eu sei que tá ruim aqui, mas no resto do mundo tá muito pior!

Ela descobriu a cabeça e o encarou irritada.

– Ai, Cascão, pára de ficar repetindo essas coisas! Agora tá todo mundo me tratando como se eu fosse uma garotinha mimada e eu tô cansada disso!
– Como é? Quem tá te tratando assim?

Magali sentou-se na cama e desabafou.

– Toda hora me falam que estamos seguros, que tudo mudou e eu tenho que acostumar, como se fosse fácil! O Quim não me dá atenção e aquela chata da Raquel vive me alfinetando e me tratando como se eu...
– Como se você fosse uma fresca, mimada e cheia de vontades.
– Exato, mas eu não sou assim! Você sabe que eu nunca fui assim, é que tá difícil demais e ninguém entende!

O rapaz tentou se manter calmo para consolar a amiga e falou colocando um braço ao redor do ombro dela.

– Eu entendo o que você tá sofrendo porque eu tô sofrendo também. Perdi meus pais, minha casa e até meus gibis e brinquedos. Também não tá sendo fácil pra mim não, Magá! Mas eu vou levando como dá porque ficar deprimido também não vai ajudar em nada!
– Por favor, Cascão, não fala assim que eu me sinto pior ainda! Eu não sou forte como vocês! Por favor, não fica me julgando como se eu fosse uma chata e fresca, eu juro que não tô fazendo de propósito! Tá difícil demais pra mim e eu não consigo superar como todo mundo!
– Mas...
– E você ficar repetindo que todo mundo tá sofrendo e superando só faz com que eu me sinta pior comigo mesma! Por que os outros conseguem e eu não? Será que eu sou tão fraca assim?
– Isso você não é, poxa. Lembra lá do...
– É, já sei, o reino dos gatos. E daí? Isso aqui é muito diferente, é o mundo inteiro se despedaçando. É demais pra mim!

Ele calou-se já sem saber o que dizer para ela. Por outro lado, ele não a julgava uma chata e fresca, nada disso. Magali sempre foi muito sensível e delicada, era por isso que ela sentia aquela tragédia mais do que as outras pessoas. Pensando bem, ela precisava de apoio, não de julgamentos.

– E o Quim, cadê ele?
– Tá lá com aquela gorda horrorosa!
– Ué, você nunca foi de falar assim!
– Mas dela eu falo, aquela antipática! Fica lá dando uma de mulher maravilha, se fazendo de forte só para me humilhar mais ainda.
– Também não é assim, calma lá! Você não pode achar que todo mundo tá contra você, Magali!
– Eu sei! Mas tem hora que...
– Olha, eu não sei como te ajudar porque também tô na mesma situação, mas acho que ficar aí enrolada nas cobertas também não vai resolver nada. Vamos, levanta e vamos dar uma volta pra você tomar um pouco de sol.
– E a Cascuda?
– Ih, nem me fale! Eu terminei com ela, então não tem grilo.
– Terminou? – ela espantou-se. – Mas vocês namoram desde pequenos!
– Pois é, só que andaram acontecendo uns lances. Vamos fazer assim, você levanta daí, lava o rosto e vamos dar uma volta enquanto eu conto tudo.
– Tá bom...

Na verdade, ele não pretendia contar toda a história para ela, só o suficiente para justificar o fim do namoro. Ele não queria que ela se sentisse culpada por tudo de ruim que lhe aconteceu.

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Cascuda observava de longe Raquel andando com Quim enquanto ambos levavam um grande cesto de legumes para a cozinha. Pelo visto, ela tinha resolvido seguir o seu conselho e se arrumar um pouco melhor. E também se tornar um pouco mais delicada e sensível já que era desse tipo de garota que Quim gostava.

As duas tinham se conhecido enquanto Cascuda ajudava a lavar as vasilhas do jantar.

– Ué, a Magali não vinha?
– Pff! Aquela ali? Esquece, ela tá enrolada nas cobertas e não quer saber de fazer nada na vida, vê se pode?

A outra se indignou.

– Eu não acredito! Todo mundo trabalhando aqui e a dondoca descansando como uma princesa? Fala sério! Até aquela sua amiga patricinha tá trabalhando duro e essa garota fica nessa preguiça toda?

Ela sorriu ao ver como tinha sido fácil se aproximar de Raquel. Bastou falar mal da Magali para atrair sua simpatia imediata. Sem falar que tinha sido muito fácil se aproximar de Magali e oferecer para ir lavar as vasilhas em seu lugar. A tola acabou acreditado que ela fazia aquilo por gentileza e sequer desconfiou de nada!

– Espera só o Quim saber disso! Se bem que aquele ali não faz nada, fica tratando aquela fresca como se ela fosse de açúcar! Aí ela não vai mudar de jeito nenhum!
– Bem... ele só faz assim porque pensa que ela é muito frágil, delicada e não está agüentando tudo isso. Se ele visse que ela não passa de uma egoísta que só olha pro próprio umbigo, já teria dado um chute nela.

O rosto de Raquel se iluminou com aquela nova dica. Por via das dúvidas, ela resolveu perguntar uma coisa.

– Engraçado... achei que você fosse amiga da Magali.
– É... mais ou menos. A gente é amiga, mas nunca fomos assim muito próximas. É que de vez em quando ela colocava o meu namorado... bem... ex-namorado em várias encrencas porque ela nunca foi capaz de resolver seus problemas.
– Ex? Vocês terminaram?

Cascuda contou a história do seu jeito, colocando-se no papel de vítima.

– Nossa, que triste...
– Liga não, daqui a pouco ele vem atrás de mim pedindo pra voltar. Ninguém nesse mundo além de mim agüenta o cheiro ruim dele.

As duas continuaram conversando e Cascuda dava a ela várias dicas para fazer com que Quim perdesse o interesse pela Magali e se sentisse atraído por Raquel. Um deles foi a melhoria na aparência, que estava um tanto desleixada. Assim ele poderia ver o contraste já que Magali não cuidava mais de si mesma, estava pálida e com olheiras. Sem falar que ela tinha aconselhado a outra a mostrar mais ainda seus dotes culinários já que cozinhar era a paixão de Quim e Magali mal sabia fazer um pacote de miojo.

Depois disso tudo, ela via os dois passeando como velhos amigos e se Raquel seguisse seus conselhos, tudo ia sair conforme seu plano.

Só que sua alegria não durou muito porque ela viu Cascão andando com Magali em direção ao lago. Ao lago? Ela cerrou os punhos com força. Quando ela pediu para os dois darem uma volta no lago, ele não aceitou porque era cheio de água, mas agora ele fazia isso pela Magali?

“Isso mesmo, sua vaca! Vai aproveitando que daqui a pouco eu acabo com sua alegria!”


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