2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 63
O início do fim




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No capítulo anterior, Carmen recebe a notícia de que perdeu toda a sua família por causa de um grande terremoto.

26 DE JUNHO DE 2012

– Mas isso é possível? – o presidente perguntou em voz baixa para Anheuser enquanto ambos se dirigiam a sala de reuniões.
– Passamos a noite inteira estudando possibilidades. – ele respondeu também em voz baixa. – A boa notícia é que quatro das arcas estarão em operação a tempo.
– Só quatro? Chama isso de boa notícia?
– Podemos salvar mais de quatrocentas mil pessoas! Para mim é realmente um milagre, mas precisamos iniciar o processo de embarque agora.

Ele fez com que o presidente parasse e falou olhando diretamente para ele.

– Thomas, nós não temos escolha. Você precisa convencê-los!

Os dois entraram na sala de reuniões onde Adrian estava em vídeo-conferencia com os presidentes dos países integrantes do G8.

– Obrigado, senhores. Vou tentar ser breve. Segundo as últimas informações de Yellowstone... – ele parou um pouco quando o presidente entrou na sala.
– Por favor, continue Adrian.
– Obrigado, senhor. A temperatura da crosta subterrânea, ou seja, o cimento que segura nossa massa de terra está aumentando rapidamente, mais rápido do que prevíamos. – ele foi explicando enquanto mostrava imagens na tela que mostravam as camadas da Terra. - Por causa disso observamos uma grande instabilidade polar. Os campos magnéticos diminuíram em mais de oitenta por cento nas últimas quarenta e oito noras.
– Quanto tempo temos, Dr. Helmsley? – a presidenta da Alemanha perguntou.

Após um breve silêncio, ele respondeu hesitante em dar a notícia desanimadora.

– Talvez três dias se tivermos sorte.

O primeiro-ministro da Itália indignou-se.

– Como é que pode falar em sorte numa situação dessas? – o jovem logo se desculpou.
– Me desculpe, Sr. primeiro ministro, não quis parecer leviano.
– Infelizmente, quanto mais esperarmos, mais vamos precisar da sorte. – o presidente falou e levantou-se fitando cada um dos representantes nos monitores. – Meus amigos, eu recomendo uma evacuação imediata. Se alguém tiver alguma objeção, por favor, fale agora.

Todos permaneceram em silêncio, dando a entender que ninguém ali fazia nenhuma objeção.


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– Como ela está? – Serafim perguntou ao anjo que olhava D. Morte a distância segura. Em tempos como aqueles, chegar perto dela era desaconselhável.
– Está se preparando. Dentro de algumas horas, a transformação começará.
– Certo. – Ele falou com o rosto sombrio, pensando se a raça humana ia conseguir superar daquela vez.
– Eles sempre superam. – o outro falou adivinhando sua preocupação. Você sabe, eles sempre dao um jeito. Depois de alguns anos, a sociedade será reconstruída melhor que antes.

Serafim olhou para a morte mais uma vez e perguntou mais para si mesmo que para o amigo.

– Mas será que ela irá superar isso e ficar melhor que antes?
– ...
– Isso aconteceu outras vezes, porém nunca a Terra foi tão populosa quanto é hoje. São bilhões de pessoas. Não será nada fácil para ela lidar com tantas mortes.
– E quanto aquela garota?
– Ah, sim... bom, pelo menos ela irá se salvar. D. Morte não irá vê-la por alguns dias. As duas até que estão indo razoavelmente bem.
– Elas sempre brigam quando se encontram, não sei se dará certo quando elas tiverem que conviver por mais tempo.
– Isso será num futuro distante, não agora. Até lá acho que elas já terão se acertado.
– Espero que sim, isso não pode mais esperar. Não entendo porque D. Morte resiste tanto em fazer essa escolha!
– Não sei muita coisa, mas pelo que me disseram parece que ela não teve uma experiência feliz com o antecessor. É só o que eu sei.

Os dois voltaram a olhá-la em silêncio. Que criatura mais estranha ela era! Ninguém sabia quem era, de onde tinha vindo, sua idade verdadeira e muito menos seu nome. Mesmo Serafim, que era um dos mais antigos, só a conhecia como D. Morte e nada mais. Dependendo da cultura, as pessoas lhe davam um nome diferente, mas no fim ela era sempre a morte. Será que ela tinha um nome? Quem ela teria sido antes de se tornar a morte? Era um mistério total já que ela não compartilhava da sua intimidade com ninguém.

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Fazia algumas horas que Franja tentava entrar em contato com Tikara e Keika, sem nenhum sucesso. Era com muito esforço que ele ainda conseguia manter seu computador funcionando e monitorando o campo magnético da terra. Seu equipamento tinha sido bastante reduzido e limitado por causa da falta de espaço e recursos. E dentro de algum tempo, ele ia perder o contato com o satélite da nave Hoshi e também não ia mais poder acessar a internet.

– Você conseguiu, Franja? – Cebola falou entrando no quarto onde sua família ficava.
– Nada, eu tô ficando preocupado! Olha só isso aqui: O campo magnético da terra reduziu em oitenta por cento!
– Isso tudo?
– Parece que está havendo uma instabilidade nos pólos magnéticos da Terra, eles devem estar se movendo. Acho que dentro de algum tempo, vamos ter um novo pólo sul e pólo norte magnético.
– E os terremotos?

Ele olhou os dados na tela e respondeu com o rosto pálido.

– A temperatura está aumentando muito e se continuar assim, a crosta terrestre vai se desestabilizar. Quer dizer, acho que já está se desestabilizando! É por isso que eu tô preocupado com o Tikara e a Keika.
– Sei lá, eles devem estar acostumados com terremotos no Japão.
– Terremotos comuns, você quer dizer. Pelo que eu tô vendo aqui, vai ter terremoto de dez na escala Richter!
– Ué, já tivemos terremotos de 9.6, não? Só 0,4 a mais não deve ser grande coisa.

Franja olhou para ele de cara fechada e falou.

– A escala Richter não é linear, Cebola, é logarítmica. Cada ponto a aumenta, a potencia do terremoto aumenta muito mais!
– Ai minha santa Quelupita!
– É pra ficar preocupado mesmo, nem sei se aqui é tão seguro quanto o Licurgo falou. Agora, a intensidade dos terremotos irá variar de um lugar para outro, não será sempre de dez em todo mundo. Mesmo assim é pra ficar preocupado porque quando há terremotos no oceano, há tsunamis também.
– É, só que eles virão de nave, não é? Aí ficaram salvos das ondas.
– Supondo que a nave consiga decolar a tempo. Eles tiveram que fazer muitas adaptações para poderem levar um número maior de pessoas, não sei se conseguirão a tempo. É isso que me preocupa.

Do lado de fora, Mônica ajudava a carregar algumas toras de madeira para construírem um galinheiro onde pretendiam criar alguma fonte de proteínas para as pessoas do abrigo. Licurgo havia conseguido muitas galinhas da região e dentro de algum tempo, elas iam botar ovos que gerariam novos pintinhos. Aquilo ia ajudar a incrementar a alimentação das pessoas.

– Tchau Mônica.
– Oi, DC.
– Caramba, isso não tá pesado não?
– Pra mim não pesa nada. E ajuda a distrair também.
– Eu ajudaria, só que não ia agüentar nem a metade disso!
– Claro que não.

O rapaz foi caminhando ao lado dela. Havia outras pessoas ao redor e ele sabia que não era bom momento para tocar naquele assunto. Não com a Mônica carregando aquele peso. O problema era que ele nunca conseguia ficar a sós com ela. A moça sempre estava na companhia de alguém, seja do Cebola, dos pais ou das amigas, nunca sozinha de forma que ele pudesse se aproximar. E pelo visto ela o estava evitando também, o que não era bom.

Quanto mais ela se esquivava, mais ele a queria e não dava para evitar. Fazia parte da sua personalidade contrariar e querer tudo aquilo que lhe era negado. Era como o fruto proibido, no topo de uma arvore e protegido por todos os lados. Quanto mais proibido, melhor.

“Droga, será que eu vou precisar apelar? Não queria fazer isso, mas ela não me deixa outra escolha!” ele sabia muito bem como convencê-la caso não conseguisse nada pelas vias normais.

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Quim tentava inutilmente pacificar a discussão das duas, só que elas nem mesmo prestavam a atenção nele.

– Ah, quer saber de uma coisa? Você é uma chata mesmo, ouviu? Agora vai ficar implicando com os meus gatos?
– O problema não são seus gatos, é você ficar dando nossa comida eles!
– Eram os restos de comida, que as pessoas tinham deixado no prato! Você ia reaproveitar isso? Por acaso você pretendia comer?
– Magali, você não entendeu! Gatos são mais bocas para alimentar e pode chegar um tempo em que nem vai mais ter restos de comida pra eles!
– Se isso acontecer, gatos sabem caçar muito bem e podem dar um jeito!
– Ah, tá! Então eles vão caçar os passarinhos!

Magali acabou perdendo o resto de paciência que tinha.

– Qual é o seu problema, heim garota? Parece que você deu pra implicar comigo agora!

– Meninas, por favor! Ninguém tá implicando com ninguém, foi só um mal entendido! Raquel, fui eu quem deu os restos do pessoal pra ela. A Magali nem me pediu nada!
– Sem me consultar, Quim? Você não é o único que trabalha nessa cozinha, sabia?
– E o que você ia fazer com os restos, posso saber? Aposto que ia jogar tudo fora! – Magali falou com as mãos na cintura.
– O que eu ia fazer com eles não vem ao caso, talvez desse pra aproveitar em outra coisa, quem sabe como adubo e...
– Já tem muito adubo na região e jogar resto de comida na horta faz juntar formiga!

Raquel ficou sem saber o que responder. No fundo, ela não tinha mesmo ido com a cara da Magali, que lhe parecia uma garota muito delicada, fraquinha e mimada, sempre em volta do Quim lhe pedindo uma cousa ou outra.

Quim tentou acabar com aquilo antes que a situação piorasse.

– Olha, esses restos iam ser jogados fora de qualquer jeito, Raquel! Se não dá pra aproveitar nem como adubo, então qual é o problema de dar pros gatos da Magali?
– E se todo mundo tivesse bicho de estimação e...
– Só que ninguém tem, queridinha! E quer saber? Todo mundo aqui adora os meus gatos e até cuidam deles, então não vem falar que eles estão atrapalhando as pessoas porque não é verdade!

Os olhos da ruiva se encheram de lágrimas e Quim viu que ela estava a beira de um choro.

– Ah, o que é isso?
– Gente, eu só quero ajudar, que coisa! Não tenho a intenção de implicar com ninguém, acontece que tudo mudou! Eu saí de casa, perdi muitos amigos, estou aqui sozinha porque tirando meus pais nem tenho com quem conversar e... e...
– Você poderia ter amigos se não fosse tão chata e implicante.
– Magali! – Quim ralhou ao ver que aquilo tinha desencadeado o choro na outra. – Chega, também não precisa disso tudo!
– Vai ficar do lado dela agora?
– Não se trata disso, eu só não quero ver ninguém brigando com ninguém!
– Então fala pra ela não mexer comigo e nem com os meus gatos!
– Está vendo? Ela me odeia e eu não fiz nada por maldade!

Disposto a dar um ponto final naquilo, Quim pediu a Magali que deixasse a cozinha para que Raquel pudesse se acalmar.

– Você tá me expulsando?
– Não, Magá, nada disso! Acontece que essa discussão não vai levar a lugar nenhum. Por favor, colabora, vai? Estamos todos juntos nessa e não podemos ficar brigando.
– Então fala pra ela parar de me provocar! Eu tava numa boa e ela veio achar ruim comigo por causa de uns restos de comida?
– Ela não fez por mal! Olha, vá dar uma volta que depois a gente conversa. Ficar brigando não adianta nada. Você sabe disso.

Magali saiu da cozinha pisando duro, irritada por seu namorado ter ficado contra ela e do lado daquela sonsa.

Quando viu a moça saindo, Raquel pousou a cabeça no ombro de Quim e voltou a chorar com força redobrada.

– Desculpa, Quim, eu não queria brigar com ninguém!
– Tudo bem, Raquel. A Magali também tem andado muito abalada com tudo! Ela é gente boa, pode acreditar! Quando vocês se conhecerem melhor, até vão ficar amigas!

Raquel fez um muxoxo sem ele ver. Ficar amiga daquela garotinha mimada não estava em seus planos. O seu real interesse era em Quim, que tinha lhe atraído desde o começo e ela estava disposta a qualquer coisa para conquistá-lo.

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De repente, D. Morte levantou-se do seu lugar e se pôs a contemplar a terra com um olhar distante. A hora tinha chegado.


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