2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 58
A arrogância da família Frufru




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No capítulo anterior, Carmen teve que decidir sobre a morte do Chico.

16:00

O clima era de desolação. Cotinha chorava desesperada ao lado do caixão do filho. Tonico também não conseguia conter as lágrimas. Rosinha também chorava pelo namorado, não acreditando que todos os seus sonhos tinham se acabado. Como aquilo foi acontecer? Todos os amigos e conhecidos estavam no velório, tristes e abalados com aquele acontecimento.

E ninguém ali ignorava o que estava se passando no país. Terremotos estavam se tornando cada vez mais freqüentes e pelo visto, a tendência era só piorar.

– Meu fio! Eu num querdito qui perdi otro fio! – a mulher chorava ao lembrar-se também do enterro da sua filha Mariana, que tinha morrido ainda bebê. Levou muitos e muitos meses até que ela conseguisse superar aquela perda e ainda assim ela chorava sozinha de vez em quando ao lembrar da filha que tinha morrido tão cedo. Como superar o choque de perder outro filho?

Carmen assistia a tudo encostada num canto, perguntando se aquele pesadelo nunca ia ter fim. Pelo que D. Morte tinha lhe falado, era só o começo. Por que ela tinha deixado para ela decidir se o rapaz devia morrer ali no posto ou ser levado para a cidade? Ela não fazia idéia. Tudo parecia tão sem sentido!

O velório foi relativamente rápido e em pouco tempo o corpo de Chico foi enterrado no cemitério da vila. Quando teve uma chance, Rosinha foi falar com ela.

– Olha, foi bondade sua ter ajudado o Chico.
– Mas não adiantou em nada.
– Acho que tinha que ser assim.
– É...

Após um longo suspiro, Carmen voltou-se para Rosinha e falou com a voz aflita.

– Você e sua família tem que ir embora daqui. Isso que aconteceu hoje não é nem a décima parte do que está por vir. Saiam daqui enquanto ainda podem, não percam tempo! Avisa pra todo mundo!

Se antes ela não acreditava nem um pouco naquela conversa, agora Rosinha tinha ficado alarmada. E se aquilo fosse mesmo verdade? E se algo de muito grave estivesse acontecendo?

– E pra onde a gente vai?
– Pro Mato Grosso ou Goiás. Fuja enquanto é tempo, não dá bobeira não!

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Ele sabia que estava correndo um certo risco ao fazer essa viagem, mas não conseguia evitar. Licurgo olhava pela janela do avião, imaginando como o mundo ia ficar quando tudo terminasse. Com certeza nada mais seria como era antes. Nem mesmo as pessoas.

Tudo estava tranqüilo em seu abrigo no Mato Grosso e ele achou que não haveria problemas em se ausentar por um dia ou dois. Era para ser algo rápido.

Ao desembarcar, ele alugou um carro e foi direto para Yellowstone visitar seu primo Charlie pela última vez. Enquanto dirigia, ele ouvia a transmissão daquele maluco, que parecia não se importar nem um pouco com o que estava acontecendo. Alguns helicópteros iam e vinham e ele sabia que eram do governo.

Chegando no parque, ele logo notou uma grande mudança. Aquele lugar não tinha nada a ver com o que ele tinha visto em fotos e cartões postais. Após procurar um pouco, ele encontrou o trailer de onde seu primo fazia as transmissões de radio e tinha chegado bem a tempo de ouvir o seu bordão:

– E não esqueçam: ouviram isso primeiro com Charlie Frost!

Assim que a transmissão foi encerrada, Licurgo chamou a atenção do primo com uma leve batida na porta do trailer. Charlie deu um largo sorriso.

– E aí, primão? O que tem mandado?
– Muitas coisas. O pessoal já chegou no meu abrigo na chapada dos Guimarães, lá no Brasil.
– Bom pra eles!
– Escuta, já não era pra você ter dado o fora daqui?
– E perder toda a diversão? Nem pensar! Cara, isso aqui vai se tornar o maior vulcão ativo do mundo e eu quero ver tudo em primeira mão!
– Hã... você sabe que não irá sobreviver a isso, não sabe?
– Bah, todo mundo vai pras cucuias mesmo!
– Não necessariamente. O local onde fica o abrigo é seguro. Por que não vem comigo?

Charlie balançou a cabeça negativamente enquanto dava uma grande mordida em um picles.

– Eu vou ficar bem aqui e transmitir pra todo mundo!

Pela primeira vez, Licurgo desejou que seu primo não fosse tão louco assim.

– Não esquenta, primão. Eu prefiro alguns segundos de êxtase do que viver uma vida inteira medíocre. Tô numa boa, sério.
– Se você diz. Ah, antes que eu esqueça, te trouxe isso.

Os olhos dele brilharam e ele deu um largo sorriso. Eram quatro grandes potes de marmelada, doce que ele amava de paixão.

– Rapaz, agora eu vou poder morrer feliz da vida! Valeu, primão!
– De nada. Aproveite bem.

Mais do que depressa, o radialista abriu uma das latas, tirou uma generosa fatia e levou a boca sem se dar o trabalho de oferecer ao seu primo. Afinal, o presente era para ele. Após se deliciar com a guloseima, Charlie voltou-se novamente para Licurgo.

– Se você quer mesmo tomar conta daquela galera do Brasil, melhor vazar agora. Quando o bicho pegar pra valer aqui, você não vai ter como voltar.
– Está certo. Adeus então e aproveite o grande estouro.
– Pode crer! E não se esqueça:
– Você ouviu isso primeiro com Charlie Frost!
– Issssaaa!

Embora aparentasse estar tranqüilo, era com muita tristeza que Licurgo dirigia de volta para o aeroporto. Pelo visto, aquela aberração ia levar mais uma pessoa querida. Se bem que daquela vez, seu primo tinha lá sua parcela de culpa.

Ao ver que a gasolina não ia dar até o fim do trajeto, Licurgo resolveu parar para abastecer a fim de evitar surpresas desagradáveis. Era preciso sair dali o mais rápido possível.

Quando ele chegou ao posto de gasolina, sua atenção foi atraída para uma grande limusine parada perto das bombas. Que inusitado! Do lado da limusine, ele viu um homem junto com seus filhos. Um garoto com cara de entediado e uma menina com marias-chiquinhas e um aspecto meigo que usava um chapéu na cabeça que mais parecia um boné.

“Eles não deviam estar indo para Yellowstone agora, isso é suicídio! Alguém tem que avisá-los.” O louco pensou e uma voz pareceu falar em sua cabeça.

“Se você falar agora, ele apenas irá embora sem saber de nada. Eles terão mais chances se forem para Yellowstone.” Não ia adiantar falar nada com eles, era preciso que vissem com os próprios olhos e talvez aquele homem poderia até conversar com o seu primo. Olhando melhor para o homem, ele logo o reconheceu e não hesitou em ir falar com ele mesmo assim.

– Jackson Curtis? – ele assustou-se um pouco quando aquele homem esquisito com cabelo desarrumado aproximou-se.
– Olá... eu te conheço de algum lugar? Seu rosto não me é estranho...
– Você autografou meu livro. Realmente adorei, excelente leitura!
– Acho que estou lembrando... obrigado por ter gostado do meu livro.

O radio do carro estava ligado e Licurgo pode ouvir a transmissão de Charlie em alto e bom som.

– Esse cara parece maluco...
– É o meu primo.
– Ops, foi mal...
– Não tem problema. Escuta, ele está transmitindo de Yellowstone. Por que não dá uma passada no trailer dele para bater um papo? Eu garanto que achará tudo muito interessante.
– É, de repente...
– Bem, eu preciso ir. Adeus e boa sorte.
– ???

Licurgo entrou rapidamente em seu carro e Jackson desistiu de pensar naquilo. Se aquele homem era primo daquele locutor maluco, então não valia a pena esquentar a cabeça com ele.

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Seu pai ralhava, sua mãe dava ataques de histeria, seus tios deram várias broncas e Carmen ouvia tudo sem se alterar. E daí que eles falassem? Aquilo não ia lhe fazer diferença alguma. Felipe e Luisa ouviam tudo através da porta, preocupados com o castigo que a prima estava para receber. Daquela vez ela tinha passado todos os limites!

– Você me mandou ir para o inferno! Eu! Sua mãe! Como você pode fazer isso, como? Filha ingrata! Ai meus sais, acho que vou morrer!
– Peça desculpas para sua mãe agora mesmo, mocinha.

Carmen deu de ombros e falou.

– Desculpa, mãe. Prometo que nunca mais farei isso de novo!

A Sra. Frufru chorava copiosamente, fazendo todo o esforço possível para que as lágrimas saíssem dos seus olhos. Carmen sabia que aquele choro era fingido e só seu pai acreditava naquilo.

– Eu estou muito decepcionado com você, Carmen! Como você me faz passar essa vergonha levando um bando de favelados em um dos meus carros! Que horror!

Ela não falou nada. Tentar explicar alguma coisa para o seu pai era perda de tempo e saliva, ele nunca entendia nada. Vendo que a filha não falava nada e não reagia, Sr. Frufru tomou uma decisão. Era preciso lhe aplicar um grande castigo para que aquele tipo de coisa não se repetisse nunca mais.

– Tudo isso é por causa dessa conversa maluca de fim do mundo, não é?
– Não é conversa maluca, pai! Tudo vai acabar mesmo!
– Pára com isso! Não fica falando essas besteiras!
– Não é besteira, é a realidade. Enquanto vocês ficam aí nesse monte de futilidades, o resto do mundo vai desmoronar! Quando é que vocês vão acordar, heim?

O homem não agüentou e desferiu um tapa no rosto dela, que caiu no chão por causa da força do impacto. Sua esposa quase teve um desmaio e os tios tentaram acalmá-lo. Ele recuperou a compostura e falou novamente.

– Isso vai acabar agora mesmo, de um jeito ou de outro!
– Acabar como? Esses terremotos vão acontecer e não há nada que nem você e nem o seu dinheiro possam fazer!
– Tem uma coisa que eu posso fazer sim. – ele mostrou a ela algo que a fez gritar apavorada.
– Não! Como o senhor achou isso? Como?
– Achou mesmo que ia esconder de mim? Você comprou passagens de avião sem me falar nada? E ainda comprou na classe economica? Quem você pensa que somos? Um bando de desclassificados? Isso é inadmissível!

Ela levantou-se rapidamente e foi para cima do pai tentando lhe tomar as passagens. Como era grande e forte, ele a empurrou fazendo-a cair sentada no sofá.

– Basta de toda essa história, estou farto disso! Aqui estão todas as passgens, não estão?

Diante do sinal afirmativo da filha, ainda assim ele contou e viu que tinha uma para cada membro da família.

– Pois muito bem. Para acabar de uma vez com essa insanidade, eu vou dar um jeito nessas passagens e não quero ouvir mais nenhuma palavra sobre isso.
– Pai, não por favor! Eu faço o que o senhor quiser, qualquer coisa!
– É claro que você vai fazer o que eu quiser! Você é minha filha e tem que me obedecer. Quanto a essas passagens, ninguém vai precisar disso.
– Oquê? Não!

Sem falar mais nada, ele jogou as passagens na lareira e ateou fogo. Carmen ainda tentou salvar alguma coisa, mas ele a segurou com força.

– Chega, mocinha. Acabou. Pára com essas besteiras que o mundo não vai acabar coisa nenhuma e ninguém aqui precisa disso! Nós somos a família Frufru, temos dinheiro, poder e influência. Mesmo que aconteça alguma coisa, estaremos acima de qualquer problema.
– Você ficou louco! Essas passagens eram a nossa salvação!
– Nossa salvação é ficar aqui, não precisamos ir para um abrigo como um bando de refugiados mortos de fome. Quanto a você, eu não posso deixar sua rebeldia impune.
– E o que você vai fazer? Já estamos condenados mesmo!
– Você está de castigo e não irá para a festa do prefeito! Ficará aqui tomando conta do Fabinho. Você não estava preocupada em deixá-lo sozinho? Pois então fique aqui com ele enquanto o resto de nós vai passar um fim de semana maravilhoso na fazenda do prefeito.

Foi com muito custo que Carmen não pulou de alegria. Ela procurou manter o choro, fingindo conforme tinha aprendido com sua mãe. Seu pai pensava que a estava castigando sendo que era aquilo mesmo que ela queria, poder ficar ali com o seu primo ao invés de ir para aquele local quase no fim do mundo.

– Agora vá para o seu quarto e só saia quando eu mandar! E nada de andar de carro, todas as chaves serão guardadas no meu cofre! Você está de castigo até aprender a ser uma boa filha!

Ela saiu dali pisando duro e seus primos foram com ela até o seu quarto.

(Felipe) – Poxa, Carmen! Você endoidou de vez!
– Endoidei nada, vocês dois sabem muito bem o que vai acontecer! Por acaso esqueceram de que tudo virá abaixo?
(Luisa) – Também não precisa exagerar! Aqui é seguro e apesar desses pequenos tremores, nada de grave aconteceu. Na cidade é que está pior, aqui tudo parece tranqüilo!
– Parece, Luisa, parece! Só que não vai durar. Vocês dois não deviam ir a essa festa.

Felipe protestou.

– Aí não, né? Caramba, só porque essas coisas estão acontecendo, a gente vai deixar de aproveitar a vida? Se é pra morrer, então eu vou morrer feliz e não enfurnado aqui dentro de casa!
– Isso mesmo! Eu não quero ficar aqui e perder toda aquela festa. Sem falar que o Guga vai e eu quero ficar com ele!
– Vocês são uns burros mesmo, que coisa!
– Burra é você! – Felipe retrucou irritado – Fica aí desafiando o seu pai e não vai ganhar nada com isso! Agora vai ficar aqui de castigo sem poder ir a festa.
– Grande coisa, eu não queria ir mesmo!

A mãe dos dois apareceu na porta e falou em tom enérgico.

– Felipe, Luisa, vão para o quarto de vocês. Seu tio falou que não é para ninguém conversar com a Carmen enquanto ela estiver de castigo.
– Tá bom, mãe... – os dois saíram dali contrariados e a mulher fechou a porta, deixando Carmen sozinha e desolada.

O pior era que nem chorar ela conseguia mais. Tudo parecia tão surreal! A única coisa que lhe consolava era saber que tinha conseguido salvar quatro passagens. Seu pai não tinha dado falta delas porque ela tinha pedido ao Cebola que comprasse quantas pudesse e ele comprou mais quatro.

“Puxa... então foi por isso que a baranga me falou pra guardar essas passagens? Faz sentido... mas o que vou fazer só com quatro passagens? Não vai dar pra todo mundo! E o vôo sai no dia 21! Ai meu santo!”

Sua cabeça ficou confusa com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo e ela não conseguia encaixar nada com nada. As passagens estavam escondidas em um livro, um lugar onde seu pai não pensaria em procurar. Por que somente quatro? Aquela pergunta estava fervilhando em sua cabeça.

Primeiro, D. Morte tinha lhe falado para guardar aquelas passagens. Depois falou que salvando Cotinha e Tonico, estaria salvando a ela e Fabinho. De que jeito? Levou uns dez minutos para ela se dar conta da situação. Quatro passagens tinham sobrado. Ela, Fabinho, Tonico e cotinha eram quatro pessoas.

– Não... eu não posso fazer isso, não posso de jeito nenhum! - daquela vez as lágrimas voltaram a correr pelo seu rosto enquanto ela repetia para si mesma que jamais ia conseguir aquele tipo de coisa. Não tinha como.
 


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