2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 56
O reencontro de todos




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No capítulo anterior, Carmen experimentou pela primeira vez a sensação de estar numa família feliz e amorosa.

18 DE JULHO DE 2012

Finalmente todos estavam reunidos. Depois de muitos atrasos, contratempos, incidentes inesperados e desagradáveis, o restante da turma pode chegar ao MT onde estariam a salvo da tragédia que estava prestes a abater sobre a Terra. O reencontro foi comovente, muitos abraços, risos e também choro.

A primeira coisa que ela fez quando viu Cascão foi pular em seu pescoço e lhe dar um grande beijo, que o rapaz correspondeu sem grande empolgação. Ele ainda estava triste e abalado demais para conseguir ficar tão feliz quanto os outros.

- Ai, meu fofucho! Que saudade!
- Eu também, minha gatinha!

Mônica olhou para os lados e perguntou para Titi.

- E a família do Toni? Eles não vieram?
- Com a gente não. Eu nem sei por onde eles andam. 
- Então eles não vão vir, que coisa!

Maria Melo falou.

- Muitos parentes nossos não quiseram vir também. Eles não acreditam na gente. Ainda bem que meus pais acreditaram!
- E a Isa? Ela não veio com vocês? – Magali perguntou aflita.
- Veio sim, mas foi pra casa que o namorado dela comprou. Fica mais perto do centro da cidade.
- Ufa!

Xaveco chegou perto da Mônica, junto com os outros rapazes e perguntou.

- Ô Mônica, o que tá pegando com o Cascão? Ele tá meio estranho...

O rosto dela entristeceu e ela ficou sem saber como dar aquela notícia. O que seria melhor, ela falar ou deixar que o próprio Cascão falasse? Cebola veio ao seu socorro.

- Olha, gente... Aconteceram muitas coisas quando a gente teve que parar lá em Uberaba...
– O que? Tricota aí, vai! – Denise falou ansiosa pelas novidades.

Ele viu Cascão tentando se esquivar da Cascuda que insistia em ficar pendurada em seu pescoço e foi até ele, sendo seguido pelo restante.

- Er... Cascão... acho que o pessoal precisa saber o que aconteceu.
- E o que aconteceu? Fala, Cascãozinho!

Cascão tirou os braços da namorada do seu pescoço, olhou para o resto da turma e falou com os olhos marejados.

- Gente... é que... houve um terremoto.
- Ai coitadinho! Você ficou assustado? O chão tremeu muito?
- Dá um tempo pro Casca-Boy, gatz! – Denise repreendeu já ansiosa para saber da próxima fofoca quente. – Deixa ele falar.

Após dar um longo suspiro e enxugar uma lágrima que tinha começado a cair, ele falou logo de uma vez para acabar com aquilo.

- Um buraco abriu no chão e o carro dos meus pais caiu lá dentro.
- Ah, não!
- Mesmo?
- Que horror!
- Não acredito!

O choque foi geral. Tudo parecia tão bem encaminhado que apesar dos contratempos, ninguém esperava que aquele tipo de coisa fosse acontecer. Cascuda segurou o rapaz pelos ombros e o sacudiu perguntando.

- Como isso aconteceu? Fala!

Ele relatou o que se lembrava e Cebola contou o restante. Todos ouviam tristes e abalados com a tragédia. Afinal, podiam ter sido os pais de qualquer um deles. Quando terminaram de contar a história, Cascuda se revoltou.

- Bons amigos são vocês, heim?
- Como é?
- Deixaram os pais dele morrerem e não fizeram nada!

Cebola fechou a cara e pegou uma das mãos da Mônica.

- Tá vendo isso aqui? Ela esfolou as mãos e podia até ter perdido um dedo! Tudo isso tentando evitar que o carro deles caísse no buraco!
- Deixa, Cê...
- Ah, tá! Pra ficar intimidando os meninos com coelhadas você é a mais forte do mundo, mas na hora que precisou mesmo essa força não serviu de nada!
- Cascuda, pára com isso! – Cascão ralhou sentindo o sangue ferver. Ela pareceu não ter ouvido e continuou.
- E você? – um dedo acusador apontou na direção do Cebola – Por que não bolou nenhum plano pra ajudar? Vai ver ficou só olhando sem fazer nada! Você passou a vida inteira arrastando o meu Cascãozinho nesses planos malucos e quando ele precisou, essa sua cabeça não funcionou nem um pouco!
- Ei!

Cascão segurou-a pelo braço e pediu tentando manter a calma.

- Cascuda, não fala assim! Eles fizeram tudo o que puderam fazer, caramba! Você não ouviu que a Mônica quase morreu tentando salvar meus pais? Se não fosse o Ângelo, ela teria morrido queimada também!
- Pois aquele ali é outro imprestável! Porcaria de anjo da guarda aquele! Não nos avisou direito dessa tragédia toda, deixou a Aninha morrer e agora não fez nada pelos pais do Cascão!

O restante ouvia tudo sem falar nada. Cascuda parecia furiosa e fora de si.

- E você? – Ela perguntou apontando para Magali. – Aposto que você também não fez nada, né?
- M-mas... eu... eu... – os olhos dela se encheram de lágrimas.
- Humpt! É só isso que você sabe fazer? Abrir esse bocao pra chorar? O Cascão já salvou sua vida uma vez e quando ele precisou, aposto que ficou só chorando! Você não serve de nada mesmo!
- Maria Cascuda! – uma voz furiosa gritou, fazendo com que ela se calasse. Quando Cascão lhe chamava pelo nome completo, ela sabia que era péssimo sinal. – Agora você passou do limite! Não fala assim com os meus amigos! Não fala assim com a Magali!
- Você sempre fica defendendo ela e contra mim!
- Não começa com isso agora, tá legal? Eu tô passando pela maior barra e não quero ficar brigando por causa dessas coisas agora! E nunca mais fala com meus amigos desse jeito porque se não fosse por eles, nem eu tinha chegado até aqui, tá legal?

Um a um, o pessoal foi se dispersando e até Denise saiu dali sendo levada pelo Xaveco antes que ela começasse a gravar tudo. Quim levou Magali para lhe dar um copo de água com açúcar e Cebola se afastou junto com a Mônica. Quando se viram a sós, Cascão olhou bem para os olhos da namorada e falou.

- Na boa, Cascuda, você foi muito grossa com meus amigos!
- Pois eu só falei a verdade! Você vive se encrencando por causa deles e agora foi pra valer!
- Pára com isso, eles não tiveram culpa de nada! Agora só falta você dizer que o terremoto foi culpa deles.

Ela gaguejou, pega de surpresa.

- C-claro que não! Mas eles deviam ter feito mais pra te ajudar e não fizeram!
- Caramba, a Mônica esfolou as mãos dela...
- Desde quando isso é problema pra ela? Acorda, Cascão! Num instante ela se recupera e ainda tem os pais vivos. Já você ficou órfão no mundo!

Ele bateu na testa com a palma da mão e falou com a voz cansada.

- Olha, eu não quero mais discutir isso, tá legal? Só quero que você peça desculpa pra eles.

Cascuda se indignou.

- Pedir desculpas pelo quê? Por ter falado o que eles mereciam ouvir?
- Você foi muito injusta, ouviu? Eu estava lá e sei o que aconteceu, você não viu nada e não pode ficar julgando dessa forma! Você tá avisada: só volta a falar comigo de novo depois que pedir desculpa pra todo mundo.
- Humpt! Então não vamos nos falar nunca mais, tá legal! – ela gritou, furiosa.
- Tá legal! – ele também gritou de volta e cada um seguiu numa direção diferente. Cascão foi caminhar pela trilha da pousada, muito contrariado com tudo o que tinha acontecido. Ele estava ansioso para que a namorada chegasse logo para ter alguém que lhe apoiasse e no entanto ela só soube acusar seus amigos de forma tão injusta. Aquilo era inaceitável.

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- Pronto, Magá. Já passou. – Quim foi falando enquanto a fazia tomar um copo de água com açúcar.
- Obrigada. Que coisa horrível ela me falou! Puxa, eu queria ter ajudado sim, mas não pude fazer nada!
- Não liga não, ela falou por falar. Daqui a pouco a Cascuda se acalma e vem pedir desculpas. Por que você não vai descansar um pouco? Isso tudo foi muito estressante pra você.
- Você não vem?
- Depois. Primeiro eu vou ajudar meus pais a se acomodarem. Aí a gente se fala.

Magali foi para o quarto da sua família sentindo-se levemente aborrecida por Quim não ter falado nada para defendê-la. O Cebola defendeu a Mônica e se a Cascuda fosse um homem, ele certamente teria dado um soco na cara dela. Seu namorado, no entanto, não levantou sequer um dedo e ficou quieto deixando que aquela garota lhe falasse coisas horríveis. Só não foi pior porque o Cascão lhe defendeu. Engraçado... Ele sempre procurou cuidar dela, lhe defendia e ajudava nos momentos de dificuldade.

“Tadinho... e agora nem tem mais a namorada pra cuidar dele...”

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Seu corpo boiava placidamente na água da piscina e ela tentava relaxar. Fabinho estava tirando sua soneca, após ela ter levado várias broncas por tê-lo levado para almoçar na casa da família do Chico. Sua tia agiu como se ela tivesse tentado envenenar o menino.

- Céus, como você leva o meu filhinho para comer na casa daqueles pé-rapados!
- Tia, isso não tem nada a ver, eles são gente boa!
- Mas são... são... – ela contorceu a boca algumas vezes e falou – Pobres! Eles são pobres! Já pensou se o Fabinho tem uma intoxicação alimentar com aquela comida feita sabe-se lá de que jeito!
- Não exagera, tá bom? Tudo ali estava muito limpo! Se não tivesse, eu não teria comido!

Seu pai interferiu.

- Filha, sua tia está mais do que certa. Onde você anda com a cabeça para levar nosso filho a um lugar como esse! De hoje em diante, eu a proíbo de freqüentar a casa dessa gente, estou falando sério!
- Ah, pai! Tem dó! Eu não tenho nada pra fazer aqui, nenhum lugar pra ir e você agora quer me proibir de passear?
- Tem nossos vizinhos ricos e de boa família. Há muitas moças da sua idade que adorariam ser suas amigas. Seus primos estão se virando muito bem, só você que inventou de agir dessa forma!
- Isso não é justo! Eu não tô incomodando ninguém, vocês ficam fora o dia inteiro, não ligam pra gente e agora querem cortar minhas amizades? Não vou aceitar isso!

Ele colocou a mão no bolso e tirou dali um maço de notas.

- Filha, pare de se misturar com essa gente. Aqui, pegue esse dinheiro e vá passear na vila. Tem algumas lojas que você irá adorar.
- Eu não quero, pode ficar. – Ela falou secamente. 

Sr. Frufru levou um susto. Nunca, em momento algum, Carmen se mostrou rebelde e desobediente, muito pelo contrário. Bastava sacar algumas notas e tudo sempre ficava bem. Por que ela tinha mudado tanto? Ele se enfureceu.

- Pois vá para o seu quarto agora mesmo, mocinha! E pode esquecer o jantar na casa do prefeito! Você vai ficar de castigo!
- Ótimo, eu não queria ir mesmo!
- E por favor, pare de levar o meu Fabinho para esses lugares insalubres! Você sabe como a saúde dele é delicada!

Carmen relembrava de tudo sentindo-se indignada e até envergonhada de sua família. Como eles podiam ser tão arrogantes? Brincar no terreiro da casa do Chico não tinha feito nenhum mal ao Fabinho. Ele não teve sequer uma crise de asma! Por que sua tia insistia em inventar doenças que ele nem tinha?

“Ninguém merece, eles estragam a minha beleza! Ah, nem vou ficar pensando nisso, senão vai nascer um monte de rugas no meu lindo rosto.” Ela fechou os olhos e se deixou levar, quando sentiu algo puxando o seu pé. Não houve sequer tempo de gritar porque seu corpo foi puxado para o fundo da piscina. Carmen se debatia tentando ir para a superfície e todo o ar dos seus pulmões escalou pelo nariz e pela boca. Quando estava prestes a se afogar, ela foi puxada para fora da piscina e erguida no ar, uns dois metros acima da água.

Uma grossa corrente de cor negra segurava um dos seus pés, deixando-a de ponta-cabeça sobre a água da piscina.

- Hahaha! Você devia ter visto sua cara, foi hilário!
- Grrrr! Sua baranga, leite azedo, magricela! – Carmen berrou todos os insultos e palavrões que conhecia enquanto D. Morte apenas ria e tomava o seu copo de suco.
- Cala a boca, pirralha! Eu conheço muito mais palavrões que você, quer que eu te ensine?
- Não, quero que me solte!
- Foi você quem pediu. – ela estalou os dedos e a corrente desapareceu, fazendo com que Carmen caísse de volta para a piscina. Ela se debateu, engasgou e depois nadou para a borda da piscina e encarou D. Morte com vontade de estrangular aquele pescoço branquelo.
- Você não presta mesmo! Tava tentando me matar por acaso?
- Se eu quisesse te matar, já teria feito num piscar de olhos. Não, pirralha. Eu apenas tive um dia muito estressante e queria relaxar um pouco.
- As minhas custas, né?  
- Que culpa eu tenho se te irritar é tão divertido?

Carmen tirou o copo da mão dela, deu um bom gole do suco e falou.

- Pois eu também tive um dia muito estressante! Meus pais estão insuportáveis, não me deixam fazer nada!
- Eles são o que sempre foram, você é que nunca percebeu porque era igual a eles.

Ela pegou uma toalha para se enxugar e D. Morte se serviu de mais suco da jarra.

- Adoro suco de tamarindo. É o meu preferido. Qual é o problema, pirralha? Entrou água no seu ouvido?
- É que eu queria fazer uma pergunta.

A morte deu de ombros.

- Então faça. Se eu puder responder...
- O que acontece com as pessoas depois que elas morrem? Existe mesmo vida após a morte?
- Que pergunta! É claro que existe! Se não existisse, meu trabalho não faria nenhum sentido.
- E para onde as pessoas vão depois que morrem?

D. Morte estava estranhando um pouco aquelas perguntas, mas ainda assim tentou responder sem se extender ou aprofundar muito.

- Cada um vai para um lugar de acordo com sua evolução moral. Resumindo, pessoas boas vão para lugares bons. Pessoas ruins vão para lugares ruins.
- Tipo o céu e o inferno?
- Isso não existe! Ninguém é condenado por toda a eternidade. Olha, se eu for te explicar tudo, vou levar dias e não tenho esse tempo disponível. É suficiente saber que quando o corpo morre, o espírito vai para o local que for mais adequado para ele.
- E continuamos sendo nós mesmos?
- Claro. As pessoas não mudam depois que o corpo morre. Você vai continuar sendo a mesma pirralha chata, fresca e enjoada de sempre.
- Nhé, sua baranga! Até parece que você é melhor do que eu! Ai, larga o meu cabelo!
- Claro que sou melhor do que você! Já vivi muito e vi de tudo o que você pode imagianr!
- Larga o meu cabelo!
- Me obrigue!

As duas saíram rolando pela grama trocando tapas e D. Morte insistia em puxar os cabelos da Carmen, que se debatia tentando soltá-los. Mesmo não parecendo, a morte era bem forte e quando segurava algo, era difícil fazê-la soltar. D. Morte só parou quando ouviu o som de um apito. Era o seu celular.

- Droga, eu tenho que ir!
- Ir pra onde?
- Um avião vai cair a qualquer momento e parece que um portal deu problemas. Aff! Eu quase não tenho nenhum descanço, ninguém merece!

Ela levantou-se e procurou se recompor ajeitando o vestido e o manto. Antes de ir embora, a morte olhou para Carmen com o rosto muito sério e disse.

- Eu vou falar pela última vez, pirralha. Guarde quatro passagens em um local seguro.
- Mas...
- Se quiser me escutar, faça isso. Se não quiser, problema seu. Você foi avisada.

Sem dar mais nenhuma explicação, D. Morte saiu voando dali, deixando Carmen ainda sem entender nada.

“Puxa, por que ela fica me falando isso? Nossa, ela ficou com uma cara...” pela expressão e pelo tom com que a morte havia falado, Carmen acabou se convencendo de que se tratava de algo sério e finalmente resolveu seguir o conselho. Talvez não houvesse nenhum problema se ela guardasse bem as passagens num lugar onde ela poderia encontrar depois. Bastava ser cuidadosa.


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