2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 45
Mais um enterro na turma




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No capítulo anterior, Carmen tentou lutar contra D. Morte para salvar a vida de Aninha, mas acabou perdendo sua amiga no final.

Ela acordou na cama do hospital, com Felipe e Luisa do seu lado.

- Carminha? Tia, ela acordou!
- Ai minha filhinha! Você está bem?
- Hum? – sua mente estava confusa e levou algum tempo até ela se dar conta de onde estava. E levou o dobro do tempo para lembrar do que tinha acontecido no dia anterior.

Sua mãe estava ao lado da sua cama falando coisas que ela não entendia muito bem.

- A Aninha... levaram ela pro hospital? Ela tá bem?

Houve um silêncio constrangedor e ninguém ali conseguia encontrar as palavras certas para lhe dar aquela notícia. Luisa tentou arriscar alguma coisa, já que mais cedo ou mais tarde Carmen ficaria sabendo.

- Sabe o que é, Carminha... ela tipo assim, não agüentou os ferimentos e...
- Então aquela baranga filha duma quenga conseguiu! – ela resmungou, fazendo sua mãe lhe repreender por causa do linguajar. Carmen ignorou e continuou imersa em seus pensamentos. Então sua amiga tinha morrido e por pouco ela não morreu também.

A Sra. Frufru resolveu sair do quarto para chamar o médico e os dois aproveitaram para conversarem melhor com a prima.

(Felipe) – Ô Carminha, o que rolou lá na agencia? Cara, seu olho tá roxinho!
(Luisa) – E tem marcas de unhas nos seus braços. Isso não foi por causa do desmoronamento.

Carmen olhou para os seus braços e viu que tinha mesmo marcas de unhas. O seu pulso tinha alguns hematomas e ferimentos causados pelo apertão que D. Morte tinha lhe dado, além do ferimento causado pelo vergalhão. Suas mãos estavam feridas e suas unhas quebradas. Quando uma única unha se quebrava, ela ficava de luto por dias, mas daquela vez ela não conseguiu reunir forças para ficar triste por causa daquilo. Na verdade, ela nem sabia o que estava sentindo. Era como se algo dentro dela tivesse se quebrado.

- Carminha? – Luisa chamou mais uma vez e ambos viram que ela não parecia com disposição de falar.
- Olha, o enterro da Aninha vai ser hoje a tarde... você não tem que ir, mas...
- Eu vou. – ela falou. – Ela é minha amiga, não posso deixar de ir.

Sra. Frufru entrou novamente no quarto junto com o médico. Após um rápido exame, Carmen recebeu alta. Tirando os ferimentos, ela estava bem e não precisava ficar internada.

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- Puxa, então era por causa disso que você tava chorando...
- Era. – Nina respondeu cabisbaixa.
- Você sabia que a Aninha ia morrer?
- Isso não, mas sabia que o terremoto ia ser muito grave e que muitas pessoas iam morrer.

Ângelo deu um triste suspiro e quis saber.

- Você disse que daria para retardar o terremoto...
- Nós fomos proibidas de fazer isso. Serafim disse que tinha que acontecer sem interferência. Ai, Ângelo! Eu sinto muito, de verdade! Se pudesse, teria feito alguma coisa, pode acreditar.
- Calma, tá tudo bem. Sei como são essas coisas. Mas por que o Serafim não deixou vocês fazerem nada?
- Ele não disse.

Ele não estava zangado com Nina porque sabia que ela só estava seguindo ordens, mas ele não entendia por que D. Morte não tinha lhe falado nada sendo que de certa forma ela estava acima das regras. Se falasse algo, nada ia lhe acontecer. Por que então ela guardou segredo?

- Você tá zangado com a D. Morte, né?
- Tô mesmo! Caramba, achei que ela fosse minha amiga! A Aninha morreu e eu não tava lá do lado dela pra dar apoio! Tremenda sacanagem!

Nina viu que Ângelo estava mesmo zangado com D. Morte e tentou acalmá-lo.

- Não briga com ela não, tá?
- Brigar com ela? Claro que não! Do jeito que eu vi a D. Morte ontem, nem coragem de chegar perto dela eu tenho mais!
- Também não é assim, Ângelo! Imagina o quanto isso deve estar sendo difícil para ela, coitada! Ter que levar a vida de todo mundo, ver tanta dor e sofrimento e se sentir responsável por isso...
- Será? Desde que o pessoal do cemitério foi embora, ela tem andado muito estranha!
- Deve ser porque ficou sem os amigos. Já pensou como deve ser triste ficar sozinha? E se você brigar, ela vai ficar sem amigo nenhum. Tenta ter um pouco de paciência com ela!

Não tinha jeito. Quando Nina lhe pedia alguma coisa com aquele olhar suplicante, não tinha como ele resistir. E ela não deixava de ter razão. Naquele momento, D. Morte precisava de compreensão, não de julgamentos.

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Aquilo era surreal demais para ser verdade. Era como um sonho ruim, daqueles que deixavam uma impressão desagradável por várias horas depois de acordar. Se a morte de Toni tinha sido triste para a turma, a de Aninha foi traumática. Ele tinha se envolvido com pessoas que não prestavam, então era mais ou menos previsível. Mas o caso dela era diferente. Aninha levava uma vida tranqüila e não tinha se metido em nenhuma encrenca. Sua morte não foi apenas uma surpresa. Foi também um choque para todos.

Os pais de Aninha choravam ao lado do caixão. Sua mãe estava inconsolável e nada ia diminuir sua dor. O resto da turma também acompanhava o velório e as garotas choravam muito.

(Cascuda) – Gente, eu não acredito que a Aninha morreu! Outro dia mesmo a gente tava falando com ela numa boa!
(Marina) – Eu nunca ia imaginar uma coisa dessas!
(Mônica) – Droga, se eu estivesse lá, teria levantado aquele bloco de cimento de uma vez!

Titi estava do lado do caixão, contemplando o rosto pálido da ex namorada. Ele parecia alheio a tudo, como se ainda não tivesse se dado conta do que aconteceu. Jeremias chorava muito, não acreditando que tinha perdido sua namorada justo quando as coisas estavam indo muito bem entre eles.

Ao ver o pranto do amigo, Titi ficou pensando consigo mesmo em como a vida era estranha. Ele tinha falado com Aninha na manhã do dia anterior e até chegou a pensar em levá-la para um passeio. O que teria acontecido se ele tivesse reunido coragem de pedir para que ela não fosse com Carmen? Teria mudado alguma coisa? Em sua opinião, teria. Bastava um gesto, uma palavra, um convite. Então ela nunca teria ido ao shopping e não teria morrido daquele jeito. O terremoto ia acontecer de qualquer jeito, mas ele a teria protegido.

Ele mordeu o lábio inferior, sentindo seu coração se destroçando ao imaginar como poderia ter sido e não foi. Seus planos de chamá-la para um jantar romântico nunca iam se concretizar. Algumas lágrimas começaram a correr em seu rosto. Várias vezes ele disse para si mesmo que tinha tempo, que poderia reatar com ela depois, que aquilo podia esperar. Agora era tarde demais para fazer qualquer coisa. Ele nunca mais ia vê-la, nem dizer o que sentia. Jamais poderia ter outra chance para fazê-la feliz e ser o namorado que poderia ter sido. Aninha estava morta e ia ser enterrada dentro de alguns minutos. Não havia mais nada que ele pudesse fazer.

Quando Carmen entrou no recinto do velório, todos olharam para ela surpresos com seu estado. Ela usava óculos escuros para esconder o hematoma de um dos olhos e blusa de manga comprida para cobrir os ferimentos dos braços. Seu aspecto não estava muito bom considerando que ela nunca saia de casa sem estar devidamente produzida. Ela foi direto ao caixão para dar condolências aos pais de Aninha e depois ficou olhando o rosto da amiga por um tempo.

O cadáver estava frio, pálido e tinha algodão em suas narinas. Sobre seu corpo havia cravos brancos e amarelos. Não, aquela não era mais sua amiga. Era só um corpo vazio que em breve ia apodrecer. Ainda assim as pessoas choravam ao redor daquele corpo como se ele fosse a própria pessoa.

“Eu heim... por que tô pensando nisso?” ela se perguntou surpresa com os seus pensamentos e foi para junto das amigas e todas foram para fora do velório a fim de conversarem melhor.

- Como você está? - Mônica perguntou preocupada com seu abatimento.
- Viva. O resto eu não sei.

Elas se entreolharam surpresas com aquela resposta e Magali falou.

- Talvez você não devesse ter vindo, isso pode te fazer mal.
- Eu tô bem, não podia deixar de vir.

Seu olho começou a coçar e ela precisou tirar os óculos, causando um espanto geral.

- Gsuis! O que houve com o seu olho, Cacá? – Denise perguntou apontando para o hematoma.
- Eu... eu não sei... não lembro. – ela mentiu não querendo dizer que tinha levado um soco da D. Morte. As garotas ainda insistiram em fazer mais perguntas e acabaram desistindo quando Carmen silenciou-se.

Quando chegou a hora, quatro homens pegaram o caixão e o cortejo foi em direção a cova que tinha sido aberta para receber o corpo de Aninha. Seus pais seguiam o caixão com o pranto redobrado, junto com os demais parentes e o resto da turma. Fazia muito frio e o vento soprava com força.

Antes de o caixão descer, Mônica fez um rápido discurso dizendo o quanto Aninha ia fazer falta para a turma e cada um colocou uma flor sobre o caixão prestando sua última homenagem.

- Cara, fica assim não... – Titi tentou consolar Jeremias, que chorava totalmente desolado. Não deu muito certo já que ele também chorava tanto quanto o amigo.
- Eu não tava lá pra proteger ela... que bosta de namorado eu sou!

“Bosta de namorado?” Titi pensou. Jeremias nunca tinha sido uma “bosta” de namorado, muito pelo contrário. Durante o pouco tempo que o namoro durou, ele tinha sido praticamente perfeito. “Eu é que fui uma bosta de namorado, porcaria! E agora não posso fazer nada pra consertar!”

Quando terminaram de descer o caixão, os coveiros começaram a cobri-lo com terra. Aos poucos as pessoas foram dispersando, ficando ali somente os pais de Aninha, Titi e Jeremias. Eles queriam ficar ao lado dela até o último minuto.

- Ei, Mô! Calma! – Cebola tentou consolar Mônica que ainda chorava muito.
- Ai, Cê! Eu ainda não acredito no que aconteceu! E tudo vai ficar pior ainda!

Ele a abraçou, fazendo com que ela apoiasse a cabeça em seu ombro. Mônica tinha razão, aquele terremoto tinha sido apenas o começo de tudo. A tendência era só piorar e ele sabia que eles não podiam mais continuar naquele bairro.

Quando eles estavam perto da saída do cemitério, viram Ângelo chegar voando e Mônica logo disparou.

- Agora você aparece, né? Onde é que você tava que deixou isso acontecer? Grrrrr! Eu devia te dar umas bifas agora!

Foi preciso que segurassem a Mônica para que ela não fosse para cima do Ângelo, que procurou não ficar chateado com aquilo. Afinal, ele sabia que ela sempre falava coisas sem pensar e geralmente era da boca para fora.

- Mônica, não fala assim! O Ângelo não foi socorrer a Aninha porque ele tava me ajudando. – Dorinha falou em defesa do amigo. – Vocês viram que ele correu para o shopping depois, só que não deu tempo.

Ela tentou se acalmar, já que quebrar a cara do Ângelo não ia trazer ninguém de volta.

- Gente, foi mal! Eu também fui pego de surpresa, nem sabia que ia ter esse terremoto. Ninguém tinha me falado nada!
(Cebola) – Tranqüilo, Ângelo. A gente entende.
- Agora vocês precisam dar um jeito de ir embora, não podem mais ficar aqui! Tentem convencer seus pais, façam qualquer coisa! Dentro de um tempo, isso aqui não vai existir mais!
(Magali) – Será que eles vão acreditar?
(Cascão) – Se depois dessa eles não acreditarem, então já era!

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Serafim pulou de susto com a chegada do outro anjo.

- Você quase me mata de susto!
- Bobagem sua ficar se escondendo desse jeito. Ela já sabe onde você está e só não veio porque ainda não quis. Da morte ninguém se esconde.
- Enquanto puder evitá-la, farei isso. E então, como foi?
- As duas brigaram, houve puxões de cabelos, tapas, a garota deu uma mordida no braço da D. Morte e depois levou um tremendo soco.
- Hum... parece que elas não começaram muito bem.
- Não mesmo, por isso eu acho que quando D. Morte souber o que você está pretendendo, ela vai...
- Já sei, já sei. Vai arrancar as penas das minhas asas.
- Não, ela disse que não vai mais fazer isso.
- Ufa...
- Agora ela quer arrancar suas asas inteiras!
- Argh! É por isso que daqui eu não saio enquanto tudo isso não terminar!

Os dois ficaram em silêncio e o outro anjo perguntou.

- Eu ainda não entendo por que você escolheu essa garota. Por que justo ela? Achei que o Ângelo fosse o mais indicado.
- Cheguei a pensar nisso, mas não. Ele não leva jeito para esse tipo de coisa.
- Essa garota muito menos!
- Foram ordens superiores. Eles a escolheram e agora ela terá que passar por um período de testes. Vamos ver como ela se sairá daqui para frente. Dependendo do que acontecer, saberemos se ela leva jeito ou não.
- Pobre garota... D. Morte não costuma ser fácil de lidar.
- No fundo ela tem o coração mole, não se preocupe. Essa garota vai ficar bem.

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Ângelo voava tristonho para o Santuário, onde ia se encontrar com Nina. Seguindo o conselho da namorada, ele tentou conversar com D. Morte e o resultado não foi muito bom. Ela não quis sequer falar com ele.

- Eu não quero falar com ninguém! – ela falou de dentro da sua casa.
- Mas D. Morte, eu não vim brigar, sério! Só acho que...
- Vá embora, Ângelo! Por favor, quero ficar sozinha!

Ele ainda tentou insistir e ao ver que ela não lhe respondia mais, acabou desistindo. Talvez o melhor fosse deixar para depois, quando ela estivesse com mais calma.

“Caramba... tomara que ela fique bem de novo...”

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Ela olhou pela janela e viu Ângelo se afastando. Felizmente ele tinha entendido que ela queria ficar sozinha. D. Morte não estava com disposição para falar com ninguém. Não depois do que tinha acontecido naquele dia bem cedo, quando Licurgo apareceu a sua porta lhe chamando dos piores nomes possíveis.

- Seu monstro, aberração! Você não se contenta em levar milhões de pessoas, tem que levar esses jovens também?
- Sinto muito, apenas fiz meu trabalho.
- Bah, os soldados nazistas também falavam a mesma coisa, sabia?

Ser comparada com aquele tipo de gente não lhe agradou nem um pouco. Por que os humanos não eram capazes de entender que ela não fazia aquilo por divertimento e sim por obrigação?

- De qualquer forma, não dá mais para mudar isso. Sugiro que cuide dos outros jovens, eles sim vão precisar de ajuda.
- Não finja que você se importa, eu não acredito nisso! Você não se importou nem um pouco de levá-la embora e nem se importou com o meu sofrimento!

Foi preciso contar até dez para não perder o controle. Sua paciência tem andado muito reduzida nos últimos dias e a qualquer momento ela poderia acabar fazendo alguma besteira.

- Acredite em mim, Licurgo. Se fosse possível, eu teria dado a ela mais tempo de vida. Faço isso sempre que posso, mas daquela vez eu não pude!
- Mentira! Pensa que eu sou burro? Louco sim, burro jamais!
- Acredite no que quiser, eu não me importo.
- Claro que não, você não se importa com nada, seu monstro!

Seus punhos cerraram com força e ela se esforçou para não dar um tapa no rosto daquele homem. Apesar de entender sua dor, ela também estava sofrendo muito e ninguém parecia se importar. As pessoas sequer eram capazes de entender o que se passava em seu intimo. Elas nem mesmo tentavam entendê-la.

Aquele louco só sabia gritar, xingar e chamá-la das piores coisas possíveis e aquilo estava ficando cansativo.

- Vá cuidar das suas obrigações. Se quer fazer algo de bom nessa vida, então tente salvar o máximo de pessoas que puder. – dito isso, ela voltou para dentro de casa e trancou a porta, ignorando os gritos daquele homem.

Doía muito relembrar aquele incidente, embora ela procurasse repetir para si mesma que já era velha demais para se importar com essas coisas. Era mentira. Muitas coisas ainda podiam feri-la. 


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