2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 32
Grande bazar do bairro limoeiro




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No capítulo anterior, a turma do cemitério se despede indo para um plano melhor, deixando D. Morte sozinha mais uma vez.

1 DE JUNHO DE 2012

A movimentação era intensa. Pessoas iam e vinham olhando as roupas, enquanto outras olhavam os sapatos e acessórios. Também havia vasos de porcelana, jogos de chá e outras coisas que a mãe de Carmen tinha comprado no passado e nunca usou. Muitos produtos ainda estavam em caixas lacradas e eram importados de países da Europa ou do oriente.

Em sua barraca, Quim vendia como nunca sendo ajudado por Magali que servia os clientes enquanto ele recebia o dinheiro. Se continuasse daquele jeito, não ia sobrar nenhuma substância comestível naquela barraca.

As garotas ajudavam os clientes a escolherem os produtos e Ninbus distraia as crianças fazendo truques de mágica. Outros rapazes iam e vinham trazendo caixas repletas de mercadorias para serem exibidas. Todos riam, contavam piadas e se divertiam enquanto negociavam. As vendas estavam sendo muito boas.

De longe, Titi acompanhava tudo torcendo para que um terremoto engolisse todo mundo, aquele bando de traidores! Seu sangue ferveu quando ele viu Aninha junto com Jeremias trocando beijos como típico casal apaixonado. Ainda era difícil de aceitar que ele tinha perdido sua garota para aquele sujeito. Em sua cabeça, ele achava que não tinha feito nada de errado e não havia motivo algum para ela não querer voltar para ele. Antes que acabasse perdendo a cabeça de novo, ele resolveu ir embora. Querer puxar uma briga ali podia ser péssima idéia porque Mônica estava por perto.

– Esse lenço aqui veio da Índia, vai ficar lindo em você! – Carmen explicou colocando um lenço ao redor do pescoço de uma mulher, que ficou maravilhada com as belas estampas.
– Pode apostar que sua esposa vai adorar esse lindo vestido! – Cascuda falou mostrando para o homem um vestido azul enfeitado com pedrinhas brancas, ideal para sair a noite. Era aniversário da sua esposa e ele não tinha comprado nenhum presente.
– Você tem uma caixa bem bonita aí?
– Claro! Olha só!

Ele ficou satisfeito e resolveu comprar tudo pensando em como sua esposa ia ficar feliz com aquele presente. Seu futebol no fim de semana estava garantido.

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Ela olhava o blog da Denise, com os olhos faiscando de raiva ao saber do grande bazar que as garotas estavam organizando e do qual ela não ia poder participar porque estava enfurnada naquele apartamento mixuruca. Algumas peças foram fotografadas como uma forma de ilustrar as coisas maravilhosas que as garotas estariam vendendo. Vestidos, sapatos, blusas, saias, acessórios... cada um mais lindo que o outro e ela ali, sem poder comprar nem ao menos uma única blusinha.

Quando seu pai ordenou a morte de Toni, inicialmente ela não se importou. Aquele canalha tinha lhe usado e abusado dos seus sentimentos, então tinha mais que morrer. O problema era que ela não esperava que com aquilo, ela e seu pai fossem forçados a se esconderem naquele apartamento até poderem ir para a Chapada dos Veadeiros, onde a casa nova os esperava.

De quando em quando, o blog era atualizado com fotos do evento e ela acompanhava tudo sentindo raiva e inveja. As garotas pareciam felizes, e ela olhava para Carmen imaginando que dentro de algum tempo, ela ia comprar tudo novo.

– Ai, ninguém merece! Agora elas ficam lá rindo a toa e eu aqui sem poder fazer nada!

Tudo parecia perfeito. Ela fazia planos para entrar para a turma e também ser a estrela, desbancando aquela garota dentuça do seu posto. Só que as coisas acabaram desandando por causa das canalhices de Toni e agora ela sequer podia chegar perto deles. Era bem provável que todos suspeitassem do seu pai.

– Valeska, você não acha que está muito tempo na frente do computador? – Seu pai perguntou da porta do seu quarto, segurando uma garrafa de cerveja.
– O que mais dá pra fazer? Não tem nada na televisão e eu não posso sair!
– E o que você tanto olha? – ele chegou perto do computador e viu aqueles amigos do Toni participando de algo que parecia ser uma feira.
– Eles estão organizando um bazar. Olha quanta coisa linda!

Para ele aquilo pareceu apenas um monte de quinquilharias para mulheres, nada de mais.

– E eu não vou poder comprar nada porque não posso sair!
– Você sabe que a polícia tá de marcação cerrada. Nem eu tô podendo sair.
– Aff! Sei disso! Argh, tudo culpa daquele safado! Que ódio! Se ele já não estivesse morto, eu mesma acabava com ele!

Armandinho deu uma risada e disse.

– Aquele ali já tá comendo capim pela raiz, princesa. Nunca mais vai aprontar com ninguém.
– E os amigos dele?
– O que tem?
– Sei lá, me dá raiva ver eles assim tão felizes e eu aqui trancada sem poder fazer nada!

Ele deu de ombros, tomou mais um gole da sua cerveja e voltou-se para a filha.

– Eles te fizeram alguma coisa?
– ... – como a pergunta tinha sido feita de surpresa, ela não teve a chance de inventar nenhuma mentira. Como a filha não respondeu nada, ele decidiu.
– Então vamos deixar quieto. A gente não pode facilitar porque senão a polícia pega mesmo. Se eu for preso, a gente não vai poder sair daqui.
– Mesmo assim eu queria que eles se ferrassem bastante!

O traficante pensou um pouco e como não conseguiu imaginar nenhuma outra forma de prejudicar aqueles jovens sem matá-los, ele acabou desistindo. Pensando bem, não valia a pena arriscar tudo só porque sua filha estava de birra com alguns adolescentes.

– Pense o seguinte: eles vão passar o maior aperto por causa dos terremotos enquanto a gente vai ter uma casa boa e confortável pra morar.

O rosto dela se iluminou.

– É mesmo! Ai, tomara que o terremoto engula todo mundo!
– Tomara mesmo! Vamos fazer o seguinte: o Carlão vai sair pra comprar umas coisas, se você quiser eu mando ele trazer um DVD pra você.
– Eu quero.

Mesmo seu humor tendo melhorado, não saia da cabeça dela a vontade de fazer alguma coisa, qualquer coisa, que tirasse os sorrisos daqueles rostos.

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Era fim de tarde e eles tinham vendido praticamente tudo, sobrando apenas mercadorias de pouco valor. A barraca de Quim já tinha sido fechada porque não sobrou nada e eles sorriam felizes com as boas vendas que tiveram.

No jardim, em cima de uma das mesas perto da piscina, Cebola e Franja contavam o dinheiro arrecadado naquele dia. A quantia foi considerável.

– Tá aí, Carmen. Todo o dinheiro das vendas. – Cebola falou entregando a ela a caixa com o dinheiro. Ela empurrou de volta para ele com um sorriso no rosto.
– Que bom, mas é pra vocês.

A surpresa foi geral e Denise colocou a mão na testa da amiga para ver se ela estava com febre.

– Ué, por que a surpresa?
(Mônica) – É que a gente não sabia que você ia dividir esse dinheiro...
– Claro que era pra dividir, né? Eu não sei o quanto vai dar pra cada um, mas espero que ajude. Aí vocês veem como vão dividir.
(Cebola) – Puxa, Carmen! Valeu mesmo, você é demais!
– Claro que eu sou demais! Também sou linda, fabulosa e modesta!

Após algum tempo discutindo como aquele dinheiro ia ser dividido, por fim Cebola teve a idéia de distribuir entre os que conseguiram menos. Quem, já tinha conseguido o suficiente para salvar sua família aceitou ficar de fora em beneficio dos que ainda não tinham juntado o suficiente.

Dois criados entraram no jardim trazendo várias mochilas e ela anunciou.

– Gente, essas são as mochilas de sobrevivência que eu falei. Tem uma pra cada um.
(Mônica) – Nossa, você fez todas elas?
– Fiz, querida! Elas têm itens básicos de sobrevivência que cada um pode precisar.

Por alguns instantes, ela sentiu-se uma estrela de Hollywood, com todos lhe agradecendo, cumprimentando e dando vários abraços e elogios. Eles faltavam pouco querer seu autografo também. Carmen sentia-se uma rainha no topo do mundo, uma imperatriz benevolente e amada pelo seu povo. Nem a Mônica estava tendo tamanho destaque na turma.

Depois que os amigos foram embora, Felipe e Luisa continuaram junto com ela ainda impressionados com toda aquela demonstração de solidariedade.

(Luisa) – Eu ainda não acredito que você comprou aquelas mochilas pro pessoal!
– Pois é. Assim eu matei dois coelhos com uma cajadada só.
(Felipe) – Como assim?
– Ué, com toda essa correria pra juntar dinheiro, eu não estava mais conseguindo fazer compras sem ficar bolada por causa disso. Então eu tive a idéia de comprar essas mochilas pra todo mundo. Não é demais?

Os dois balançaram a cabeça. Claro, desde o início eles deveriam ter adivinhado que tudo aquilo era apenas um pretexto que ela arrumou para poder comprar compulsivamente sem ter nenhum peso na consciência. Pelo menos ela tinha usado aquela compulsão para uma coisa boa. Luisa ainda quis saber.

– E por que você deu o dinheiro do bazar pra turma?
– Tipo assim, se todo mundo morrer, quem vai me achar fabulosa depois? E eu também precisava me desfazer de todas aquelas roupas velhas. Agora a mammy vai comprar tudo novinho pra mim!
(Felipe) – De que adianta se tudo vai acabar?
– Exato!

Eles olharam para ela com cara de quem não tinham entendido nada e Carmen explicou.

– Eu vou ganhar roupas na última moda. E vai ser a última moda mesmo, porque depois não vai sobrar mais nenhum estilista pra fazer outros modelos! Então durante muito tempo, eu vou ser aquela que está na última moda, sempre estilosa e bem vestida. Só que pra isso, a gente teve que esvaziar todos os armários, né? Assim a mammy vai comprar muita, muita roupa pra nós!

Por um instante, eles ficaram com vergonha de admitir que aquela criatura era prima deles. Se bem que ela era Carmen, a criatura mais fútil e de cabeça vazia que eles conheciam. Considerando o histórico da prima, até que ela tinha ido muito bem. Não dava para esperar mais de alguém como ela.

(Felipe) – Beleza então, a gente tá chegando. Senão a mãe vai achar ruim, você sabe.
(Luisa) – Tchau, Carminha.
– Tchau, meus fofos!

Carmen ainda ficou sentada na beira da piscina, perdida em seus pensamentos imaginando as roupas lindas que estava prestes a ganhar. O mundo podia acabar, mas ela não pretendia ficar mal vestida de forma alguma. Um vento frio em sua nuca fez com que sua pele arrepiasse.
– Ai, que foi isso? – ela olhou para os lados, com uma estranha sensação de estar sendo observada. E aquela sensação não era nem um pouco agradável e ela decidiu ir para dentro de casa, onde se sentia mais segura.

Ela ficou observando a moça se afastando dali rapidamente e depois desapareceu. Não havia mais nada para fazer ali, por enquanto.


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